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50 MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS, REALIDADES E DESAFIOS ELIEDITE MATTOS AVILA DDoutorand em Cincias da Educagio, Université byon 2 Frana. ‘Mestre em Service Social, Université de Montréal Canad ‘Assistente Social do Poder Judieidrio de Santa Catarina ‘Revista de Dirlto Privado » RDPriv 35/97 jul ‘Aaea 00 Durer: Civil-Processo Civil Resuuo: O presente artigo trata de apresentar a mediag30 familiar como um campo pro- fissional emergente e bastante utilizado em diversos_palses. Essa pritica social surgiv ianke das transformagdes familiares que €a- racterizam as sociedades contemporaneas & principalmente do aumento significativo do himero de separagoes e de divércios. Por Ser um novo moda de gesto de confltesin- terpessoais utilizado por varias categorias profissionais, como a de psicdlogos, assis- fetes sociais e advogados, virios questiona- -mentos.¢ indefinigoes estio presentes na sua Conceitualizacao e utlizagdo. Com intuito, de melhor exlarecer seus referencias tei ‘cos, nos apoiamos nas abordagens da socio Togia da famflia e da soctologia jurtdica para esvendar suas principals caracteristicas principios de base. Pauaveascrave: Mediag3o familiar ~ Separa- ‘Gio — Divércio ~ Gestao de contlito = Copa- fentalidade Asstnact: This manuscript addresses family mediation as a rapidly expanding area of social sciences which has already been implemented in several countries. This paricular social practice eohed om fhe constant changes. in_ contemporary family status (eparations, divorces, shared parenthood). Albeit considered as a nev ‘pproach adopted by psychologists, social ‘workers and lawyers towards management of interpersonal conflicts, several questions reed 10 be addressed towards conceptual land operational bases of family mediation. In order to better understand the theoretical fpremises on which family mediation is based, one needs to refer to family and legal sociological concepts to unravel the main specifies and basis principles driving this particular sociological practice. Keywonos: Family mediation ~ Separation ~ Divorce — Conflict management ~ Shared parenthood, SuatAnto: 1. Introdugao - 2. 0 fendmeno da separagio con- jugal - 3. A origem da mediagio familiar - 4. O reconhe- Cimento profissional e juridico da mediagao familiar - 5. en ro ee eee 1018 ELJEDITE MATTOS AVILA Profissionalizacao da mediacao famil conciliagio? -7. Os paradoxos da mediagao judicidria: status quo e transformagao social ~ 8, Efeitos ¢ limites da mediagao, familiar ~9. Bibliogeafia. 1, Introdugao A mediacao de contlitos familiares é um campo profissional em ple- no desenvolvimento ¢ ja bastante utilizado em diversos paises. Trata-se de um modo de gestao de conflitos interpessoais destinada a familias ou casais em conflito para dialogarem sobre suas diferencas com ajuda de um terceiro, o mediados, pessoa imparcial, qualificada e sem poder de decisdo, Praticada inicialmente de forma empirica, foi gradativamente se instituindo e se expandindo como recurso no meio juridico em geral. Como toda inovagio social, traz consigo varios questionamentos, sobretudo por ser um novo campo de agao no qual se cruzam diversas disciplinas, como ¢ 0 caso da mediagao familiar. Assim, no meio de in- definicdes terminolégicas ¢ idéias preconcebidas néo condizentes com 08 seus fundamentos epistemoldgicos, consideramos oportuno elucidar aqui os principios norteadores dessa pratica social, ainda em fase de co- nhecimento e de construgao em nosso pais. Nao se pretende fazer um estudo minucioso de seus pressupostos tedricos, mas langar uma luz so- bre aatividade e a profissionalizagtio da mediagao familiar, j4 institucio- nalizada e legalizada em diversos paises, especialmente na Franca e no Canadé, onde focaremos nossa anise. 2. O fendmeno da separacao conjugal Entre as imimeras transformagoes que vém acontecendo com a fa- milla ocidental durante as tiltimas décadas, 0 aumento da ruptura conju- gal é incontestivel. No Brasil, segundo 0 IBGE, ontimero de divércios au- mentou 32,15% entre 1995 ¢ 2004. Na Franca, segundo os dados do Insee,* durante esse mesmo periodo o niimero de divércios teve um aumento de 10,15%, seguindo atualmente a média européia. Cabe esclarecer que © Brasil vem seguindo a mesma tendéncia verificada na Franca, nas dé- cadas de 60, 70 ¢ 60, quando o ntimero de divércios chagava a dobrar em dez anos. Convém salientar que esse panorama nao contempla as separa- ‘ges decorrentes das unides estveis sem o vinculo do casamento: 0 fenémeno das separacdes conjugais nas sociedades contempora- neas ¢ das questoes que dela decorrem propiciou o surgimento da me- 1. Institue National de a Statistique et des Etudes Economiques, : MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS, REALIDADES € DESAFIOS 1019 diagao familiar como nova pritica social imprescindivel no acompanha. mento dessas familias em fase de desorientacao decorrente dessa con- digo. Foi desenvolvida inicialmente nos Estados Unidos na década de 70, no Canad nos anos 80 e na Franga em 1990. De acordo com Bastard (2001), por intermédio do mediador, essa prética apéia familias em fase de separagao e facilita a elaboragao de decisoes no tocante a reorganiza- ‘¢40 familiar sob uma éptica de negociagao e de continuacao de relagoes parentais pés-ruptura. Considerando que mesmo separados continuarao sendo pais, o mais adequado é tentar, com a ajuda dessa pessoa especia- lizada, uma solugao cooperativa, evitando assim o trauma de um proces- so judiciério, Portanto, o mediador familiar é um terceiro imparcial, que preserva a confidencialidade nas questdes tratadas e ajuda as pessoas a encontrarem por si mesmas as bases de um acordo duradouro e de miitua aceitagao. Num sentido mais amplo, podemos considerar o aparecimento da mediagao de conflitos familiares dentro de trés contextos principais: social, estrutural e institucional. O social se refere & multiplicagao das separagdes conjugais nas sociedades contemporfneas (Anaut, 2006). Ademais, para Spielvogel et Noreau (2002) o surgimento da mediagao fa- milliar constitui uma inovacdo no afastamento conjugal, que supe um outro tipo de relacdo entre a esfera puiblica e a privada, de acordo coma definigéo contemporiinea da familia ea valorizagao das individualidades. O contexto de caréter mais estrutural conceme a desjudicializagao das rupturas conjugais, em que a mediacao é uma forma nao judicializada das relac6es privadas, um procedimento mais s6lido, pois sao as préprias pessoas que tomam as decisdes e nao se submetem & imposigao de uma decisad judictiia. E, por tltimo, o contexto institucional, relativo & crise dos sistemas de justica, incentivando modos alternativos e nao adversa- rials de conflitos, mais céleres e eficazes, utilizando a mediacao como ins trumento para diminuir o ntimero de processos litigiosos dos tribunais. Foi esse panorama social que ja levou diversos pafses a institui-la e legalizé-la, desenvolvendo politicas puiblicas e sociais de servigos e cen- ‘ros de mediagdo de conflitos familiares. 3. Aorigem da mediagio familiar ‘As lacunas dos sistemas judictarios no enfrentamento das questdes sociais ¢ relacionais envolvendo separagao conjugal propiciaram 0 sur- gimento da mediagao por intermédio das profissoes das dreas do servigo social e da psicologia, como uma alternativa ao sistema adversarial pre~ conizado no modelo de justiga tradicional (Spielvogel et Noreau, 2002; | 1020 ELIEDITE MATTOS AVILA ‘Théry, 2001). Portanto, foi sob o impulso de profissionais sensiveis as mu. tagdes sociais ¢ a busca de novas estratégias de intervencao adaptadas as necessidades dos casais em vias de separagao e de seus filhos que a mediagdo comegou a desenvolver-se. Essa nova pratica social apresenta, Outra perspectiva de tratar 0 conflito familias, diferentemente do conflito dito juridico ¢ de formas de proceder da justica classica. A mediacao é um modo de gestao de conflitos mais cooperativo ¢ comunicacional, em que © mediador propde um espago de escuita, de didlogo e de empatia, acre. ditando na capacidade e na responsabilidade das pessoas para resolver suas diferencas. Contrariamente a uma idéia freqitentemente veiculada em alguns dliscursos profisstonais, em caso de separagao e de divércio a mediagao familiar néo tem como objetivo principal reconciliar e aconselhar ea. sais para que reatem sua vida conjugal. Embora no decorrer do proce- dimento possam os conjuges ou conviventes optar pelo retorno da vida eni comum, tal decistio - convém esclarecer - sera de responsabilidade dos mediados, por meio do espaco oportunizado nas sessées de me. diagao para o restabelecimento da comunicagao, e em hipétese algu- ma de responsabilidade do mediador. Diferentemente do conselheiro Conjugal, que é um profissional voltado para outros objetivos utilizando outras formas de proceder, 0 mediador facilita as negociagées entre o casal, aplicando conhecimentos especificos do procedimento de me- diacao e referenciais tedricos de comunicagio e de relagdes sociais diri- 8idos para as questdes advindas de uma separacdo. Para Miniato (2004), © recurso ao mediador pode ser titil na medida em que propicia uma separacdo menos contenciosa. Por que esse modo de gestiio de conflitos é associado & idéia de aconselhamento conjugal, principalmente em nosso pats? A separagao © 0 divércio sdo contendas ainda a evitar e nao aprovadas pela sociedade atual? A sociedade brasileira esta preparada com politicas sociais desti- nadas a enfrentar esse fenémeno social inevitével das rupturas conjugais, © conseqfientemente das questées que dela derivam, como a monopa- rentalidade, a coparentalidade e a recomposigio familiar? Todas esas uestoes sao objeto de intervengao do mediador familiar, mas a nosso ver nao despertaram verdadeiro interesse em certos profissionais, que tratam a mediagao familiar como simples prética de aconselhamento conjugal. Talver.a substituigao de uma visdo mais positiva da ruptura conjugal con- tibufsse para desmitificar esse novo campo profissional. Segundo os fundamentos tedricos da mediagio, o mediador fami- liar nao tem nenhum poder de convencimento sobre pessoas em conilito, nao tem a pretensao de recomendar uma solucao, de decidir sobre um [MEDIAGAQ FAMILIAR: AUTOS, REALIDADES E DESAFIOS 1021 litigio, e muito menos de aconselhé-las sobre questées de foro intimo. 0 mediador 6 um profissional que prima pela autonomia e pela responsabi- lidade na tomada de decisao, apelando para a criatividade das pessoas no entendimento do conflito. O objetivo maior é a racionalidade comuni tiva, nao exclusivamente o alcance de um acordo para as suas querela sobretudo, proporcionar um contato frente a frente para cada um colocar seus descontentamentos, sem a necessidade de um representante. O me- diador privilegia a qualidade da relacao interpessoal apés 0 rompimento da relagao conjugal. HA muito se desfez 0 mito de considerar o divércio um desajusta- mento de conduta ou de reprovacao social. As sociedades evoluem, da mesma forma que evoluem os preceitos constitucionais e o direito de fa- miflia, Ora, a mediagao familiar nao faz.a apologia da separacao do casal, mas também nado prega preceitos de uma eterna vida conjugal. Diante do niimero alarmante de rupturas, essa pratica social conduz a outras formas mais cooperativas e nao patolégicas de desfazer uma relagao. Discussées e mazelas aparecem, mas hé diferentes formas de conduzi-las. As acusa- Goes e as nogdes de falta imputadas ao outro pelo fim do casamento, que sustentavam as antigas petigdes de separacio e de divércio, sao substitu- fdas pelo simples fim do amor que havia entre o casal, sem necessaria- mente designar um culpado perante a sociedade. Outro aspecto controverso no discurso de certos profissionais ¢ en- carar esse modo de gestdo de conflitos como psicoterapia de casal ou de familia. E muito comum 0 mediador encaminhar as pessoas, quando ne- cessirio, aos psicoterapeutas familiares ou aos conselheiros conjugais a0 perceberein que o casal deseja continuar a sua relacao conjugal. Embora a mediacao familiar tenha efeitos terapéuticos, por exemplo, restabe- lecer uma comunicacao rompida ou esclarecer um mal-entendido que vem perturbando a vida familiar, ou, ainda, aprendizado de outras for- mas de comunicacao; de didlogo e de aproximacao, nao cabe ao media- dor trabalhar e tratar as mazelas da relagao conjugal ou familiar. Entre as principais diferencas entre mediacao e terapia, destacamos o fato de 0 mediador situar 0 casal dentro de uma perspectiva de reorganizagao fa- miliar pés-separagao. Como jé se viu aqui, esse novo campo profissional évoltado para o acompanhamento de casais que, embora nao pretendam. continuar sua relagao conjugal, preocupam-se com as questées paren- tais decorrentes dessa ruptura, evitando intermindveis batalhas judiciais. Responsabilidades parentais, acesso ao pai ou a mae com quem a crian- a nao reside diariamente, alimentos, divisio de bens e outras questdes sao discutidas e negociadas com intuito de entendimento nas sessdes de ‘mediagao. Por outro lado, essas questdes também nao sao 0 alve dos con- 1022 ELIEDITE MATTOS AVILA sult6rios dos psicoterapeu miticos da relagao conjugal. , muito mais voltados para os efeitos sinto- Conforme o entendimento de Cigolii (2002), uma separacao 6 uma tarefa conjunta, portanto deve ser trabalhada em parceria com o casal, autor ressalta que a maior parte das pesquisas psicossociais e clinicas trata do problema sob 0 aspecto individual das pessoas, de seus senti- mentos, diferentemente da mediago familiar, em que 0 problema deve ser tratado conjuntamente e de forma negociada. : Outro pardmetro a ser explorado diz respeito as competéncias deum mediador familiar que se depara com as formas de demissdes parentais em face da educagao dos filhos por meio de um divércio ou separacao (Anaut, 2006) e ainda separacao dos filhos de um dos cénjuges e de sua fainilia, além de utilizd-los como reféns, “bode expiatério’ porta-vozes da discérdia dos pais. Na Franca e no Canada é bastante comum encontrar centros desti- nados ao atendimento familiar que colocam a disposiczio da populacao servigos como aconselhamento conjugal, terapia e mediagao familiar, todos com caracterfsticas préprias e profissionais especificos para cada fungao: Resumindo, louvamo-nos em Lévesque (1998) para afirmar que a mediacao familiar é a confluéncia do domfnio psicossocial com 0 juridi- co:nao é nema pratica do direito nem a da terapia. Inspira-se nessas duas diseiplinas, mas nao as substitui. 4, O reconhecimento profissional e juridico da mediagao familiar De maneira geral, existe duas formas de praticar a mediagao fami- liar: a judicial, cujo mediador atua no processo ja instaurado, e a extraju- dicial ou preventiva, cujas ages judiciais ainda nao foram impetradas. Segundo Sassier (2001), a mediaao familiar preventiva, ou extra- judicial, nao tem por objetivo evitar os tramites judiciais, mas preparar um acordo e prevenir 0 contencioso familiar. Alguns autores véem nessa modalidade as seguintes vantagens: as pessoas ficam mais propensas a cooperar na negociagao, pois 0 contato € a comunicacao ocorrem de for- ma direta; dé-Ihes maior senso de responsabilidade quanto as proprias decisdes, pois sao tomadas apés uma reflexdo mais amadurecida sobre a sua capacidade de decidir, além da auséncia do fator preméncia de tempo, comum na mediagio judicidria. Daniéle Ganancia, magistrada ¢ autora do livro La médiation familiale internationale, é ima das grandes defensoras da mediagio familiar preventiva. Em suas préprias palavras “Développer la médiation en amont du judiciaire est un objectif essentiel (..)" (Ganancia, 2007, p. 68). MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS. REALIDADES E DESAFIOS 1023 A mediagao fam {ua quando a agao ja estd em curso, por determinagao do juiz, que estipula 0 contetido preciso da matéria a fer tratada pelo mediador, limitacao normalmente percebida por alguns mediadores como uma espécie de freio em sua intervengao. Outro fator a considerar é que o conilito jé foi materializado, encontra-se envolto ‘em um conflito juridico, nao atuando na esséncia da desavenga, que na maioria dos casos familiares 6 identificado como relacional e afetivo. Por outro lado, para certos autores, as pessoas necessitam da intervengao preliminar de um juiz, para se sentirem protegidas e seguras.na resolugio do conti. Quanto ao mediador, normalmente ¢ profissional nao-vinculado a0 Judicidrio, habilitado a exercer a fungao de mediador familiar e com nome & disposi¢ao nos tribunais de justiga de cada regido. Nos paises onde jé existem dispositivos legais sobre a mediago familiar nos seus ordenamentos juridicos, o mediador é definido como terceiro imparcial, independente da autoridade judicidria e sem poder de decisao nem de autoridade. Portanto, o mediador nao é um auxiliar da justica como se tem propagado. 0 Judiciério apenas se utiliza de um profissional capaci- tado, que pode ser privado ou vinculado’a um organismo governamental ‘ou associativo sem ser necessariamente servidor daquele Poder. O proce- mento é confidencial e sempre consentido pelas partes. Os servigos ou centros de mediagao familiar sao desenvolvidos por meio de iniciativas privadas, organismos governamentais, como 0 Poder Judicidrio ¢ 0 Poder Executivo, e organismos ndo-governamentais, como associacées, institu- tos e fundagbes. No caso da iniciativa privada, as categorias profissionais mais atuantes sao assistentes sociais, psicdlogos e advogados. Na Franga, os servigos de mediagao familiar sto bastante desenvol- vidos por intermédio do setor piblico, como “Les Caisses ’Allocations Familiales', e por meio associativo, Gomo as entidades destinadas.o aten- dimento familiar, escolas de pais e outras. No Canadé, especialmente na provincia de Quebec, embora a me- diagao familiar se tenha iniciado por intermédio de um servigo ptiblico gratuito, praticado por profissionais da area psicossocial, atualmente destaca-se esse modo de gestao de conflitos no setor privado. Do con- junto das profissdes que atuam como mediadores, a mais numerosa é a categoria de advogados, com 67% em 2002 (Spielvogel et Noreau, 2002). O profissional da area juridica apresenta um servico a mais dentro de seu escritério de advocacia, norteado por outro paradigma no trato do contli- to familiar, e tem formagao especifica prevista em lei. Convém salientar que no inicio dos anos 90 os profissionais da drea psicossocial eram quase 1024 ELIEDITE MATTOS AVILA a totalidade dos mediador. dro profissi atuantes, invertendo-se atualmente 0 qua- ma 0 desenvolvimento desse novo campo profissional se deu com a criagao de associagées, como a associagao de mediadores familiares de Quebec (AMFQ), criada em 1985, € a associacao para a promocao da me- diagao familiar (APMP) na Franga, em 1990. Essas associagoes surgiram, do reagrupamento de profissionais do campo juridico, social e psicolé- gico ¢ da elaboracao de um eddigo de deontologia que contribuiu para 0 reconhecimento dessa prética'social. Segundo Dahan (1996), os principais paises que introduziram a me- diago familiar no seu ordenamento jurfdico foram os escandinavos. No Canadé, 0 seu reconhecimento juridico aconteceu num primeira momento em 1985 com a nova Lei Federal de Divércio, que menciona pela primeira vez a mediagao em matéria familiar. Depois, com um dis- positivo modificando 0 Cédigo de Procedimento Civil dirigido a media ‘Go familiar (L.Q. 1993, c.1) e por um regulamento estabelecendo as con- diges para ser mediador. Numa segunda etapa, em setembro de 1997, entrou em vigor uma lei instituindo no Cédigo de Procedimento Civil a mediacao preliminar em matéria familiar (L.Q. 1997, ¢.42). E importante esclarecer que o modelo canadense privilegia a mediacao familiar ante- rior & entrada de um processo judicial, denominada “médiation préala- ble’ que é antes dos procedimentos judiciarios tradicionais, ou da audi- do do juiz de uma demanda e segue o seguinte rito: os casais com filhos e que apresentam divergéncias a respeito da separacao inicialmente sao obrigados a assistir a pelo menos uma sessao de informagao, para tomar ciéncia dos objetivos e das formas de proceder desse novo modo de ges- tao de conflitos (Avila, 1999). Assim feito, 0 casal tera a opgio de esco- her qual caminho seguir. Embora num primeiro momento 0 casal deva informar-se sobre as alternativas oferecidas pela mediagao, esse procedi- mento apés a sesso de informacao ¢ sempre voluntario. O que nao ¢ 0 caso de alguns Estados americanos, onde a mediagao ¢ obrigatéria para 68 pais que desejem divorciar-se e nao se entendam a respeito da autori- dade parental, Essa imposigao é alvo de severas criticas, sob a alegagao de que nao se coaduna com os principios de base desse novo modo de gestio de conflitos interpessoais, que privilegia o cardter voluntério da participagao no procedimento. ‘Na Franga, as leis sobre a autoridade parental, em 2002, ¢ a reforma do divércio, em 2004, permitiram que essa prética social fosse efetiva- ~ mente legalizada. Segundo Ganancia (2007), as linhas diretrizes dessas leis se articulam em torno de dois eixos principais: a coparentalidade e ¥ MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS, REALIDADES E_DESAFIOS 1025 a responsabilidade das pessoas na resolucio dos con! lidade significa o direito e o dever de cada um dos pais de criar ¢ educar seus filhos e o direito da crianga de manter uma relagéo com cada um deles, mesmo apés a ruptura conjugal. A Lei de n. 2002-305 estabelece que: a autoridade parental é um conjunto de direitos e deveres do pai ¢ da mie visando ao interesse da crianga, nao importando a situacao matri- monial dos genitores. Seu art. 372 dispde que: “Les pére et mére exercent en commun lautorité parentale’, A autoridade parental conjunta é entéo considerada um princ{pio na legislacao francesa, com intuito de resguar- dar as relagdes da crianga com ambos os pais. A coparenta- Conforme o art, 373-2-9 da mesma Lei, a residéncia da crianga po- dera ser fixada em alternancia de domicilio de cada um dos pais ou no domicilio de um deles. Constata-se que a lei nao mais menciona os con- ceitos de guarda ¢ vigilancia antigamente utilizados, hoje substitufdos pela nogo de autoridade parental em comum. 0 objetivo principal dessa nova regra juridica ¢ reforcar a coparentalidade e o direito da crianga de ser educado pelo pai e pela mae, qualquer que seja 0 seu estatuto fami- liar, e ainda harmonizar as condigdes de exercicio de autoridade parental em conjunto. Dentro dessas circunstancias de negociacio, de divisio de responsabilidades parentais e de reorganizagao familiar pés-ruptura, to- das permeadas pelo diflogo, é que a mediagao familiar foi indicada como recurso no ordenamento juridico francés, conforme se menciona abaixo. Em seu art. 373-2-10, a Lei de Autoridade Parental, de n. 2002-305, prevé que em caso de desacordo 0 juiz.devera esforgar-se para conciliat as partes. Com 0 objetivo de facilitar um acordo do exercicio consensu- al da autoridade parental, o juiz poderd propor aos pais uma mediagio e, com 0 consentimento de ambos, designar um mediador familiar para atendé-los. 0 juiz pode também determinar que as partes encontrem pelo menos uma tinica vez um mediador familiar, o qual Ihes informaré sobre 0 procedimento e 0 desenvolvimento da mediacao. utra Lei, de n, 2004-439, relativa ao divércio, viria ratificar a media- ‘sao familiar como um novo recurso. Seu art. 255 menciona que: “o juiz pode propor aos conjuges uma mediacao e, apés ter recolhido 0 consenti- ‘mento das partes, designar um mediador familiar para tal intento” Como na lei anterior, o juiz pode igualmente determinar que as partes assistam uma sesstio de informagao sobre esse novo modo de gesto de confitos. Essas leis valorizam e privilegiam os acordos consensuais, incenti- vando a autonomia das pessoas na administragéo de sua vida privada, com ajuda de uma terceira pessoa, 0 mediador, fora de um contexto ad- versarial ¢ de imposigao de decisées. Além disso, levam sempre em con- 1026 ELIEDITE MATTOS AVILA sideragio 6 consentimento das partes para encontrar un mediador fami Har, segundo um dos principios fundamentais da mediagao, que éoda volantariedade, Observa-se que, tanto no Canada como nia Pranga, 0 julz pode obrigar as pessoas a participarem de uma vinica sessio de informa- Gio, na quel sto esclarecidas sobre objetivos, fundamento® & maneiras de proceder do mediador. Tal obrigagao leva em consideragao que parte da ereiedade civil desconhece tal pritica alternativa de resolugao de confli- tos, baseada principalmente nos prinefpios de comunicacdo. ‘A diferenga da insergao desse modo de gestdo de confitos na legis. tagdo desses dois paises € que o modelo canaclense exige atuagao do modiador antes da demanda judiciéria, ainda que posse haver media- ‘ao no decorrer do processo judicial, No modelo frances, a obrigacao de passar pelo mediador s6 existe apés a demanda judicial, ou seja, com 0 processo jé em andamento. # importante ainda destacar que 1° dois pa- face o Tstado subvenciona em parte o pagamento do mediador familiar. Teualmente so exigidos,além da formagao espectfica em mediacao fami- ar, os mesmos pré-requisitos do mediador: ser profissions) proveniente dn area da psicologia, do servico social, da educacio ou do direito e ter cexperiéncia de trés anos na sua profissio de origem. © recurso & mediagdo extrajudicial nao exime os cOnjuges dese sub- meter aos procedimentos judiciarios normalmente previsios em matéria de divércio, O recurso ao tribunal é obrigatério para casais que desejam {que 0 acordo negociado nas sessbes de mediagio tenha peso de execu- ‘G40. Por outro lado, esses pactos podem servir de base aredagao de uma gonvengdo em que o tribunal aceita normalmente os termios do ajuste, salvo se contrariar a lei ou os interesses da crianga e do adolescente- Nos casos de separagao sem casamento, as partes podem dirigir-se direta- mente ao juiz da familia pleiteando que seja homologada @ ‘composicio construida na mediagao. Na maior parte dos paises europeus esse novo campo profissional ‘vem tomando um espago importante no direito de familia. Além disso, pnao podemos deixar de mencionar o incentivo & mediagio nat conven- es internacionais, como a Recomendagao K $8 de 1998, do Conselho Furopeu, eo regulamento denominado Bruxelles bis (art 58), que preve a cooperagao dos Estados para facilitar a conclisdo de acordos entre 0s pais em conflito a respeito da responsabilidade parental valendo-se da mediacdo, especialmente a familiar. Igualmente, os encontros internacio- vinis da Conferéncia de Hala, da qual o Brasil faz parte, acordam a impo ‘tancia de facilitar as solugoes consensitais entre os pais por intermédio da mediagio e da conciliagao, Todos esses tratados se referem a esse novo | MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS, REALIDADES £ DESAFIOS 1027 modo de gestdo de conflitos, que cada vez mais se legalizam, profissiona- zando-se e conquistando importante espaco no censitio mundial, 4. Profissionalizacao da mediagao familiar Nos paises onde a mediagao familiar é mais avangada, cresce a ten- déncia de incentivar essa pratica e desenvolvé-la. Na Franca, entre todos os ‘campos de mediagao, a familiar foi a que mais se especializou ese profissio- nalizou, sendo a mais estruturada em fungao da competéncia profissional. Em 2003, um decreto-lei cria e oficializa o Diploma de Estado de Mediador Familiar, reconhecendo nacionalmente a fungao. Segundo Bastard (2005), esse feito foi um passo decisive para que os mediadores familiares construam sobre essa base a nova profissio. 0 diploma de especializagao profissional permite ao futuro media- dor adquirir as competéncias necessdrias ao exercicio de sua funcio. Com esse decreto, o campo de intervenc&o do mediador familiar também se expandiu, nao se restringindo as situagées de ruptura conjugal: parte para outros campos, como a mediagao intergeracional, a mediagao fami- liar internacional, a mediagao de sucess6es, a mediagao familiar dentro de um contexto penal e da protegdo da infancia e da juventude. ‘A mediacao intergeracional atua nos casos em que possa haver con- {lito entre avés, filhos ¢ netos. Direito a visitas e saidas so questées dis- cutidas no desenrolar da mediacao. Diversas leis jé prevéem o direito de 0 av6s terem contatos regulares com os seus netos. Além disso, outras ex- periéncias de mediagao vém surgindo com 0 aumento de familias recom- postas, compreendendo um casal com filhos ou sem filhos e pelo menos uma crianga proveniente de outra relacdo anterior, composigaio que se multiplica sob o efeito das separagdes e no surgimento de novos relacio- namentos. Segundo Déchaut (2007), essa situagao familiar ver progre- dindo no seio das familias francesas, onde se constatou, no perfodo de 1990 a 1999, uma progressdo de 10% de familias recompostas. Diante des- se contexto familiar e de conflitos que dessa situagao possam derivar, 0 mediador vem sendo solicitado para mediar possiveis desentendimentos entre as familias, Outro campo de aplicacao é a mediagao familiar inter- nacional, que na Europa vem ganhando um espago importante, em raziio da incidéncia cada vez maior dos casais denominados binacionais. Essas familias, segundo Ganancia (2007), deparam-se muitas vezes com sérios problemas de separagao, nos quais os filhos sao feitos reféns de seus pro- prios pais, ultrapassando fronteiras geogrificas e enfrentando as diferen- as culturais e os ordenamentos juridicos de cada pafs. Enfim, a media- 40 em contexto penal é outro dom{nio do mediador familiar, ja bastan- te utilizada em diversos paises. Na Franga, em seu art. 41-6, a Lei 93-2, 1028 ELIEDITE MATTOS AVILA de 04.01.1993, instituctonaliza a mediagao penal, embora nos tribunais jé fosse praticada empiricamente ha uns dez anos. Essa lei surgi com 0 movimento de desjudicializagao de certos contenciosos ¢ da criagao de dispositivos destinados a limitar a grande quantidade de procedimen- tos que iriam para 0 Ministério Pablico e para o julz. Ela serve também para lutar contra a explosdo da delingiiéncia e a sobrecarga do sistema penal francés, Ao defrontar-se com 0 contencioso familiar, o Parquet en- ¢aminha determinadas agées para os mediadores, quando percebe que a ‘questo é muito mais de ordem relacional e afetiva e que tomou forma de delito, A mediagdo familiar no contexto penal é considerada nos pafses que a.adotaram como uma das modalidades da justiga restaurativa. ‘Aformagiio dos mediadores ¢ de responsabilidade das universidades e das escolas, conforme programa oficialmente estabelecido. Na Franga, por exemplo, é ministrada uma formacio total de 560 horas ou mais, das quais 490 horas de formagao teérica e 70 horas de formagao pratt ‘Convém salientar que a formagio do mediador familiar ¢ baseada no prin- cipio da interdisciplinaridade, sendo 0s contetidos de formacio divididos ‘em uma unidade de formagio principal, que sio os fundamentos tedricos, procedimentos e técnicas relativas & mediagao; posteriormente entram as unidades de formagio contributivas nas areas da psicologia, da sociologia edo direito, Em matéria de remuneragao, em 2006, uma circular do gover- no francés estabelece uma tabela de honordrios do mediador que atua nas {questdes de familia. Para trabalhar como mediador familiar remunerado, atualmente 6 necessério ter o devido diploma e preencher os requisitos ja mencionados aqui. E incontestével a profissionalizagao da mediagao familiar em virtude da complexidade dos affaires familiares, necessitan- do de conhecimentos especificos, tanto no plano juridico como no social e no psicolégico, razo pela qual esse novo campo de pratica exige uma formacio interdisciplinar pautada em saberes de outras éreas. Ora, por ta~ ‘manha complexidade nos conflitos de ordem familiar, a formagio dese mediador deve ser de qualidade e presencial, primando pela exceléncia e info podendo ser ministrada em cursos de poucas horas. $6 a formagio de qualidade pode criar a verdadeira identidade do mediador familiar. 6. Mediagao ou conciliagio? ‘Segundo Bonafé-Schmitt (1999), nos pafses latinos existe uma cer- ta confusiio entre conciliagao e mediagio.” No Canadé, a confusto qua- ‘2, Também constatado por nés em ambas as fungBes: como servidora do TISC € como pesquisadora do tema mediagao familiar no Canada e na Franca. MEDIACAO FAMILIAR: MITOS, REALIDADES E DESAHIOS 1029 se nao existe. Os discursos sobre esse novo campo de pritica se referem muito mais & formagao dos mediadores e dos fatores resultantes do rom- pimento de uma relacdo, do que propriamente a falta de clareza na maté- ria, Por outro lado, na Franga jé se observa uma tendéncia bastante forte nesse amélgama de termos ¢ definigdes. Como deixamos claro no inicio deste trabalho, nao temosa pretensdo de fazer aqui um estudo minucioso da teoria da mediagao familiar, diferenciando essas duas formas de pro- ceder consideradas até mesmo antagonicas, motivo de grandes questio- namentos e discussdes. Também nao é nosso intento relacionar as dife- rentes correntes apresentadas por diversos autores. Percebemos, no entanto, que existe um sincretismo conceitual, uma indefinigdo terminolégica, utilizada de maneira aleatéria, merecendo uma reflexio e maiores explicages. Observa-se, ainda, a “sindrome da ‘mediagao’, por exemplo, “et sou mediador nato” ou “eu jé faco media- Gao e nao sabia” Tentaremos esbocar algumas diferencas em termos de ‘tratamento de um conflito e maneiras préprias de proceder que poderao elucidar tais confusdes terminolégicas. recurso a mediagao ou a conciliacao provém da evolugao das no- vas préticas de justica no incentivo de modos alternativos e nao adversa- rials de conflitos. Na Franga, conforme esclarecem Briant et Palau (2005), foi preciso esperar a Lei 95-125, de 08.02.1995, para diferenciar claramente no civil a conciliagao da mediagdo, com 0 objetivo de evitar o traumatizante con- tencioso, Por meio do Dec.-lei 96-652, de 22.07.1996, relativo & concilia- do e & mediagao judicidria, observam-se algumas diferengas entre es- ses dois institutos, como o fator tempo e a necessidade de formacao para 0 exercicio das atividades. Em prinefpio, a mediagao judicial nao pode exceder 0 prazo de trés meses, salvo por solicitagao do mediador e que seja renovado por mais trés meses uma tinica vez. Portanto, 0 procedi- mento tem um prazo maximo de seis meses. Diferentemente, 0 proce- dimento conciliatério nao pode passar de dois meses, tendo um prazo mais reduzido na resolugdo da lide. Quanto a formagao, é exigida uma capacitagao especifica para exercer a fungao do mediador, nao requerida para a funcao do conciliador. 0 mediador segue um cédigo de deontolo- gia especifico para o exercicio de sua funcao. Tanto a mediagzio como a conciliagao podem ser confiadas a uma pessoa fisica independente, ou vinculada a uma associagdo. Na conciliagéo normalmente 0 conciliador provém da érea juridica, enquanto 0 mediador provém de outras areas além da juridica, Essa lei foi o primeiro passo da legislagao francesa para diferencid-las, concluindo-se que mediagao judi que conciliagao judicial: séo dois institutos com formas e modos de pro- 1030 ELInDITE MATTOS AVILA, ceder distintos e requisitos diferenciadores. Essa lei que institucionaliza a mediacao judicial é considerada um avanco na medida em que 0 juiz teni a possibilidade de designar um mediador exterior a instituicao judiciétia, como recurso na resolugio de um conflito. Tanto 0 conciliador como o ‘mediador podem intervir no processo judicial jé em curso para promover uma tentativa de acordo, prerrogativa anteriormente especifica da fungao de juiz. Todavia, a figura do mediador familiar s6 seria efetivamente insti. tucionalizada e legitimada no direito de familia francés por meio das leis de atitoridade parental e da reforma do divércio, conforme se mencionou. anteriormente. Ao afirmar que ‘a mediagao esté na moda, Bonafé-Schmitt (1999) lembra que € necessario diferenciar “les activités de la médiation” da mediagao em seu sentido préprio. O fendmeno do aparecimento do ter- ceiro na resolugao de conflitos vem se propagando, tanto no meio jurfdi- co como na sociedade civil em geral. Diversos segmentos da sociedade, como policiais, trabalhadores sociais, magistrados, exercem muitas vezes © papet de mediadores, desenvolvendo atividades de mediagao, mas sem caracterizar a esséncia desse novo modo de gestdo de conflitos, com prin- cipios norteadores de agao e valéndo-se de outro modelo de regulacao so- cial baseado numa l6gica comunicacional. Para d autor, esse novo modo de regulagao social recai sobre uma racionalidade comunicativa por in- termédio da intercompreensao que Habermas esclarece na sua obra “sur la théorie de l'agir communicationnel’: Esse modo de gestao de conflitos segue uma légica de comunicagao, implica um novo sistema normativo diferente do direito positivo, apelando para as nogGes de eqiiidade exigi- das pelos préprios usudtios. No meio juridico, na area civil e na penal, a evolugao das instincias de mediago nao cessa de se propagar, oferecendo servicos extrajudiciais ou formas pré-juridicas de solucao de conflitos, com a devida chancela dos tribunais. Tal instancia, por meio associativo ou institucional, vem se multiplicando e se autodenominando mediagao. Em algumas experién- cias observa-se que o Judiciério estimula tais iniciativas, mas exige for- mas de proceder similares as do modelo de justica tradicional. Portanto, énecessario que tais priticas preserve suas caracteristicas de base, cui dando para nao perpetuar o modelo judicial cléssico, repetindo os mes- ‘mos procedimentos com nova nomenclatura, Concordamos com o ilustre Prof. Watanabe (2003) quando ele de- monstra seu receio que a mediagao venha a ser utilizada apenas como forma de aliviar a sobrecarga dos tribunais e nao com o seu objetivo maior, que seria dar tratamento adequado aos conflitos que ocorrem na sociedade contemporanea. MEDIACAO FAMILIAR: MITOS. REALIDADES E DESAFIOS Em 2005, 0 Ministério da Justiga realizou no Brasil uma pesquisa exploratéria, mapeando nacionalmente programas pablicos e nio-go- ‘yernamentais sobre “acesso a Justica por sistemas alternativos de admi- nistragdo de conflitos’ A pesquisa revelou que a solugao alternativa de* conflitos que se vem praticando no Brasil caracteriza-se como op¢ao aos recursos da intervengao judicial classica (por meio do processo ju- dicial comum). No entanto, nao pode ser considerada alternativa para a judicializacao dos conflitos, porque grande parte dos programas gover- namentais - e mesmo ndo-governamentais - é diretamente patrocinada pelos judicidrios estaduais e pelo federal, ou estabelece com eles convé- ios e parcerias na prestaciio de servigos jurisdicionais. A pesquisa revela ‘ainda que os sistemas alternativos de solugao de conflitos vem ganhando ‘um espago nacional, seguindo a mesma tendéncia de outros pafses. Por outro lado, nesse mesmo estudo também foi constatada a deficiéncia na formagao do mediador, considerada insuficiente para 0 devido preparo desse profissional. Assim, questiona-se: tais experiéncias revelam na realidade outro modelo de solugao de conflitos, como pretende a teoria da mediagio, baseando-se em outra perspectiva, diferentemente de um processo ju- dicial? Ou é apenas um procedimento menos formal e mais acessivel & populagao, perpetuando a légica de judicializacao de conflito sob o nome de instncias de mediagao? 7, 0s paradoxos da mediagao judicidria: status quo e transformacio social Para Théry (2001), 0 discurso da promogio da mediacao se constréi sob uma oposigo entre duas vis6es:a da justica ea da mediag&o, as quais sio diferentes pelos seus fundamentos, suas regtas, seus objetivos e seus procedimentos. Questiona-se: como conciliar essas vis6es? Segundo Commaille (2004), os juristas consideram 0 conflito como uma patologia que deve ser eliminada ou ao menos reduizida, Para os me- diadores, 0 conflito faz parte do funcionamento do mundo social, nao ¢ ‘uma éstrutura nociva, mas motivadora das mudangas comportamentais. Assim, 0 conflito é visto como algo positivo e de crescimento pessoal. sistema judiciario é voltado para a legalidade, formas juridicas e au- toridade, enquanto a mediagio se volta para a responsabilidade, auto- nomia ¢ oralidade, Sao dois sistemas de valores contradit6rios, mas que se alternam por forga das transformagoes sociais. Ento, questiona-se: 0 profissional da area juridica nao pode ser mediador? Evidentemente que pode, porém com outra concepgao do conflito, outros valores, objetivos ELIEDITE MATTOS AVILA ¢ definigées, sobretudo o familiar. Por isso a formagao desse mediador importante, pois para o profissional do direito a logica é a juridica, rece- bida na academia, O mesmo acontece com outras dreas, que necessitam de capacitacao especifica, diferente de sua profissio de origem, pois a mediagao tem outros principios norteadores de intervencao, que passa obrigatoriamente pela mudanca paradigmadtica de resolugao de contlitos ede relagoes sociais. Para certos autores (Six, 2001; Guillaume-Hofnuung, 2005), 0 media- dor deve estar fora de toda relagdo de poder, sintonizado com a prépria natureza da mediagao. A mediagao é vista numa concep¢do prépria da sociedade civil e com certa prudéncia em relagao ao Estado ea toda for- ma sua de poder. Privilegia o que ven da base, relegando 0 que vern do alto, ou seja, despreza tudo o que é institucional. Assim, promove-se ‘a mediagao civil ou cidada’, profundamente distinta das tentativas de me- diagao institucional postas em pratica dentro dos servicos publicos. Para Hofhung, a associagio é 0 tinico quadro institucional de mediagao acei- tavel. Por outro lado, Briant e Palau (2005) consideram que, embora se- jam institucionais, as mediagGes se apresentam como uma “technique de modernisation des organisations”. Conforme nossa concepgao, sendo esse procedimento de gestao de conflitos instalado dentro de um qua- dro associativo ou institucional, o que importa é a sua coeréncia com os fundamentos de base e éticos da prépria natureza da mediagdo, o que exige uma formagao do mediador comprometida com o respeito as in- dividualidades, com aindependéncia do mediador e com a nogao de in- terdisciplinaridade. Concordamos com os aiutores (Spielvogel e Noreau, 2002; Six, 2001), quando afirmam que a mediagao nao pode ser reduzida a uma simples crise do sistema judicidrio ou a uma simples técnica de resolucao de conflitos, deve antes ser vista como nova forma de acao que implica recomposicao de relagdes entre 0 Estado e a sociedade civil, en- tre esfera publica e esfera privada. Assim, sem o devido conhecimento da fungao do mediador, nao estaremos promovendo essa evolugio nas organizagGes, mas perpetuando um modelo de agao nao condizente com as transformagées que ocorrem com a crescente complexidade de nossas sociedades. "4 Bonafé-Schmitt (1999) apresenta trés caracteristicas essenciais do mediador como terceira pessoa na gestao de relacdes sociais: primeiro, a intervengao se assenta na comunicagao ¢ nao sobre as relagGes de poder; segundo, o mediador tem 0 papel de criar ou recriar um quadro de comu- nicacao entre os individuos para estabelecer ou restabelecer uma relagao social. Enfim, 0 mediador tem por objeto criar condig6es que favorecam MEDIAGAO FAMILIAR: MITOS. REALIDADES E DESAFIOS 1033 a autonomia das pessoas e as tornem atores de sua propria histéria. Ora, partindo dessas caracteristicas, a fungao do mediador judicial fica com- prometida, pois se exige dele a condigao sine qua non de manter-se fora de toda relagao de poder. Essa ¢ uma questao que deve ser devidamente entendida quando se trata de um mediador judicial. Embora ele possa representar uma instituigao que por sua propria natureza é detentora de poder, sua fungao de mediar deve ser absolutamente isenta de toda forma de poder. O mediador é apenas um facilitadorna condugdo de um melhor entendimento entre as partes. Os prineipios éticos da mediaco devem ser respeitados e resumem-se em trés eixos principais: confidencialida- de e voluntariedade do procedimento; imparcialidade e independéncia do mediador; e autonomia ¢ responsabilidad das pessoas na tomada de decisao. Outra questo bastante polémica nos estudos sobre a matéria é se © mediador familiar podera ser um servidor da justia. Tratando-se de um servidor da justiga, ndo estard ele a servigo do tribunal e perpetuando um modelo judiciério que nao é 0 mesmo da mediagdo? As pessoas te- ro confianga nesse “servidor mediador” que nao foi escolhido por eles? Como a confidencialidade do procedimento serd assegurada? As nego- ciagdes sero garantidas ou estardo a favor de consentimentos previstos pela Corte? Os objetivos funcionais das autoridades politicas e judictarias que reconhecem 0 interesse da mediacao familiar so compativeis com as condigdes de sucesso desse modo de interven¢ao? (Noreau e Amor, 2004). Todas essas interrogagoes permeiam a bibliografia da matéria e merecem ser discutidas e analisadas, principalmente quando se trata da inserir esse mecanismo de resolucao de conflitos nos textos legislativos, como no caso do Brasil, que vern analisando ds projetos de lei sobre me- | diagdo. Examinar os diferentes modelos de pritica e as diferentes legisla- | | des 6 sumamente importante e necessdrio para elaborar um modelo de | acordo com a realidade hist6rica, social e econdmica brasileira. Ademais, 4 as experiéncias de mediagdo nao podem ser apreendidas ou entendidas , sem levarmos em consideracéo o modelo de regulacao social de cada i pats. Por exemplo: pafses de common law, como os anglo-saxbes, tendem a desenvolver um modelo mais descentralizado e contratual, enquanto | 0s patses de civil Jaw tendem a ser mais centralistas, com um maior con- trole por parte do Judiciério (Mattei, 2007). No Canadé, e particularmen- te em Quebec, por ser uma provincia de cultura francesa que dispoe do set Code Civil du Quebec, foi adotado um modelo intermedidrio entre os dois sistemas juridicos e que nos parece bastante criativo. Normalmente a mediacao familiar ¢ vista no meio juridico como um procedimento répido e eficaz de resolucao de conflitos familiares e simi- ELIEDITE MATTOS AVILA lar a outros tipos de conflito, por exemplo, uma desavenca de vizinhos ou de transito. Todavia, deve-se considerar que esse novo campo de pratica num contexto familiar tem todo um tratamento difeienciado, pois envol- ve questdes fundamentais, como emogoes, relagGes afetivas e outros fato- res psicoldgicos importantes na vida das pessoas, principalmente quando exigem contatos regulares, como no caso de pais separados. A qualidade na relagdio que se pauta pela comunicagao é extremamente importante, evitando futuros desentendimentos e até mesmo sofrimento. A légica da interven¢ao profissional 6 mais relacional, comunicacional e cooperativa, diferentemente de uma l6gica processual e decisional. A mediagao segue numa linha de raciocfnio para que o Estado seja menos interventor nas questdes de foro {ntimo, permitindo que as pessoas estabelecam ajustes de acordo com suas histérias de vida pessoal e familiar, respeitando, so- bretudo, as individualidades de cada um. Assim sendo, consideramos a mediagao familiar muito mais uma alternativa do que um complemento Ajustica, cada um com modelos e visdes diferentes no tratamento do con- {ito familiar. 8. Efeitos e limites da mediagao familiar © niimero de pesquisas cientificas nesse campo ainda é muito re- duzido, e a maior parte provém de estudos norte-americanos. Joan Kelly (1989) confirma as vantagens da mediagao em relagao ao procedimen- to judiciério no que se refere & comunicacdo e ao custo. De acordo com seus estudos, 76% das mulheres e 62% dos homens que passaram pelo mediador reconheceram que 0 procedimento propiciou melhor comu- nicagdo entre as partes envolvidas. Também foi evidenciado ser menos oneroso do que o procedimento tradicional. Por outro lado, esses dados caem para 39% no caso das mulheres e 26% para os homens implicados em proceso judicial. No mesmo estudo foi levantada a questo da sa- tisfacao com 0 acordo, constatando-se 0 indice de 50% a 85% de casais satisfeitos com a solugao acordada. Na sua pesquisa sobre a efetividade dos acordos, Pearson & Thoenes (1989) constataram que 80% deles ain- da sao respeitados conforme ficou estabelecido nas sess6es de mediagao, caindo para 60% quando se trata de determina¢ao judicial imposta pelo tribunal. Certos autores atribuem tal resultado & voluntariedade das pes- soas nos termos do acordo, sem qualquer coagdo, e também a seu en- gajamento direto, sem a necessidade de um representante, contribuindo para 0 respeito das decisdes tomadas em conjunto. No que se refere ao ingtesso de novas ages judiciais solicitando a revisio dos acordos esta- belecidos na mediacao, um estudo canadense constatou um indice relat vamente baixo, em torno de 20%, em comparagdo com as determinagdes Meviag (0 FAMILIAR: MITOS, REALIDADES E DESAFIOS 1035, ing & Benjamin, 2002). Recente pesquisa francesa’ sobre 05 efeitos do procedimento da mediacao familiar entre as pessoas envol- vidas constatou que os acordos sobre a autoridade parental continuam sendo respeitados em 60,9% dos casos. Encontrou ainda 61,9% das pesso- as beneficiadas por esse modo de gestao de conflitos favoraveis a utilizé- -lo novamente para resolver futuros desentendimentos. 0 mesmo estudo encontrou diferencas significativas no tratamento de conflitos em fungao do tipo de mediagao: a judicial e a extrajudicial. Na primeira constatou menor ntimero de acordos ¢ custo mais elevado, além do efeito de certa ressao para participar da mediagao. A explicagdo dada ¢ que, embora 0 procedimento seja voluntéio, existe certo receio de represdlia da autori- dade judiciaria se suas recomendagées nao forem seguidas. Por outro lado, essa pratica social nao é uma panacéia: apresenta limitagoes e restrigdes. Por parte dos juristas, 0 risco de privatizagao da justica foi rapidamente levantado. Ademais, inserida como uma das ra- mificagdes possiveis da filosofia da justica alternativa, a mediagao fami- liar foi identificada em algumas correntes tedricas como justica barata e de cunho sociopolitico. Na Franca, por exemplo, é identificada uma corrente critica sobre a ideologia da coparentalidade forcada promovida pelos mediadores familiares, ideologia de harmonia de um casal separado negando-se os sentimentos de hostilidade e vinganca, préprios de uma ruptura conju- gal. Associagdes femninistas, principalmente as americanas, condenam 0 recurso ao mediador familiar, alegando que o sistema judiciadrio oferece melhores garantias processuais de protecdo aos interesses da mulher. ‘Alegam ainda que a mediagao nao leva em conta a dominacao masculina presente nos conflitos conjugais nem a violéncia conjugal mascarada em grande ntimero de casos. Finalizamos enfatizando que a mediagdo familiar € uma prética social de gestao de conflitos interpessoais que segue a evolucao das so- ciedades no trato dos conflitos familiares. Divércio e guarda comparti- Ihada so novos comportamentos sociais decorrentes dessas mudangas até pouco tempo atrds consideradas inaceitvels. As estatisticas indicam ~ eas evolugGes familiares demonstram ~ que a familia continua sendo a base da sociedade, porém cada uma com o seu arranjo familiar especifico e de acordo com a sua realidade hist6rica, social e cultural. Spielvogel ¢ 3. Evaluation des effets des processus de médiation familiale sur les médiés. Glysi Groupe d'Etude Médiation. CNRS-ISH-Université Lumi¢re-Lyon 1 Responsable Scientifique Jean-Pierre Bonafé-Schmitt, oct. 2006, 1036 _ELIEDITE MATTOS AVILA, Noreau (2002) interpretam assim 0 pensamento de Liposvetsky para ex- plicar essa questao: quando afirma que € inevitavel desregulamentar € dar maior flexibilidade as convencoes rigidas enquadrando os compor- tamentos individuais nas sociedades ocidentais contemporaneas, o autor nao quer dizer que a codificacao social desaparecerd. O processo de per- sonalizacdo nao elimina os cédigos, apenas se mostra mais flexivel com as novas regras que introduz. * Assim, a mediagzio como novo campo de pratica no cruzamento de diversas disciplinas exige outro paradigma no trato de conflitos familia- res, diferenciando-se de uma expertise tradicional na medida em que 0 mediador nao tem a fungao de aconselhar, de decidir, de negociar em nome de outro ou de impor uma solugio. O mediador é um profissional que acompanha as familias e as ajuda nao apenas a tomar decisdes ea responsabilizar-se por elas, mas também a construir uma comunicacao efetiva na diversidade de relagdes sociais contemporaneas. Além disso, a preservacao de vinculos parentais de filhos de pais separados é um dos grandes objetivos do mediador familiar, ressaltando que a conjugalida- de termina, mas a parentalidade continua. Apesar de ser alvo de varias criticas e de questionamentos sobre a sua validade enquanto modo de intervengao, a nosso ver, ela contribui com maneiras mais democraticas € humanas de comunicagao e de relacionamento social. 9. Bibliografia ANAUT, Marie. Soigner la famille, Paris: Armand Colin, 2006. AVILA, FliediteM. Letransertde pratiques de médiation famille: une étule Québec- Brésil, Mémoire de Maitrise és Sciences Sociales. Université de Montréal, 1999. La séparation, mais le lien. Terrain, 36, Paris: Revue dethnologie de Europe, 2001. BASTARD, Benoit. 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