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CRISE DA ESTETICA TRADICIONAL ARQUITETURA DO FERRO Sem diivida alguma a producao industrial do ferro foi um fator determinante para a continuidade do fenémeno que se convencionou chamar de Revolugao Industrial Esse material, como se viu, ndo era desconhecido, A novidade consistia na quan- tidade que agora era oferecida no mercado, gracas ao barateamento do custo de sua produgdo. Sua utilizacao na fabricagio dos mais diversos utensilios e mé- quinas fez despertar a especulago em tomo de suas potencialidades estrutu- ais e sobre sua capacidade de substituir, com vantagem, outros materiais até entao utilizados nos mais variados ramos da atividade humana A industrializacdo acelerou 0 proceso de urbanizacao, Com isso, a construgao de edificios para abrigar fungdes novas e tradicionais foi uma atividade que re- cebeu grande impulso, a partir de fins do século XVIII, e se acelerou por todo © século seguinte. O ferro esteve presente, a principio timidamente, e, posteriormente com mais intensidade, como material de construgao de uso consideravel, a ponto de se falar em uma arquitetura do ferro. Esta arquitetura existiu nos paises europeus que se desenvolveram com a Revo- lugao Industrial, nos Estados Unidos da América do Norte, ¢ se manifestou pra- ticamente em todo 0 mundo durante 0 século XIX. Todos os historiadores da arquitetura se referem, com satisfatGria profundida- de, ao fendmeno localizado nos centros produtores dessa arquitetura. Mais re- centcmente, tem surgido trabalhos sobre o aparecimento dessa arquitctura nos paises que nao a produziram, mas a consumiram com maior ou menor intensi- dade, Esses estudos trouxeram a luz novas informag6es que ajudam a entender melhor a esséncia da arquitetura do ferro. ‘Nao se tem pretensdo de reescrever essa histéria, a partir dos casos encontra- dos no Brasil, dos outros de que se tem noticia em outros paises consumidores dessa arquitetura ¢ do conhecimento da natureza dos produtores. A conscién cia de que se est4 estudando apenas uma parte do problema induz, no entanto, a convicgao de que se acrescentam dados & hist6ria da arquitetura do ferro. De qualquer forma, é interessante notar como os historiadores da arquitetura, a0 se referirem a arquitetura do ferro, o fazem como se estivessem tratando de um epis6dio e, quase sempre, parecem lamentar que nao tenha sido bem assimilado pela sociedade contemporanea. E inevitavel que se conte uma his- toria usando conceitos do presente. Isto as vezes leva 0 historiador ou 0 cro- nista da arquitetura a tomar uma atitude de torcedor que como tal, comporta Para os historiadores da economia, o periodo que vai de 1760 a 1830 € caracte- rizado pela chamada Primeira Revolugao Industrial, Nesse mesmo perfodo, nos. dominios da arte, na Europa desenvolvida, era a vez do neoclassicismo As primeiras ocorréncias do ferro na arquitetura coexistem com os estudos apro: fundados da arquitetura dos tratadistas do Renascimento, Denite estes, Alberti, no século XV, recomendava o uso de materiais em seu estado natural, tais co- mo a madeira ¢ a pedra com suas propriedades conhecidas, provocando um 23 veto a materiais preparados pelo homem, como o ferro, por exemplo [Assim o ferro passou aser usado com mais intensidade na arquitetura, mas, com rarissimas excecdes, Somente como material que se prestava a execugao de pe- gas de ligacdo como cravos, dobradigas, fechaduras, grampos para unido de al- venarias de pedra, etc Tudo leva a crer que as restrigOes ao ferro eram mais de natureza estética do que funcional, a nao ser no caso de grades de janelas, portas, jardins, etc., onde 6 ferro se apresentava como um material que substitufa com vantagem 08 ou (ros materiais usados anteriormente, tanto pela sua resistencia como pelos scus recursos decorativos ‘Assim, apesar de, gradativamente, se vulgarizarem os processos de producto do ferro, este material, por trés sGculos, nao logrou se credenciar para substi- tuir os materiais tradicionais, pedra ¢ madeira, que se mantiveram firmes nos lugares que, convencionalmente, a cultura contemporanea Ihes reservara NO VO- cabulario formal da arquitetura Somente no século XIX, na Europa, o ferro passou a ser produzido em larga scala, principalmente para a fabricagao das m4quinas que viabilizaram econo- Micamente a produgao industrial. A produgao do ferro, naquele século, teve um acréscimo espetacular nos dominios convencionais da arquitetura. |A Europa no século XIX € também o palco de profundas reformas sociais © Ur banisticas ¢ a segunda fase cla Revolugao Industrial, que se inaugura em 1830. é marcada também pelo éxito do movimento neogético na arquitetura. Junte se a isto posterior sucesso do ecletismo € pode-se entao ter um panorama da arquitetura no século XIX No entanto, as andlises mais comuns da arquitetura do ferro se caracterizam por legiar a discussio estética ¢ as citadas frustragdes. Ora, s¢ a arquitetura do século XIX na Europa chegou a ser considerada por Nikolaus Pevsner como im “baile de mascaras", ¢ apresenta dificuldades intrinsecas para andlise, com que pardmetros se estudaria uma arquitetura que se intromete € coexiste, natu- lalmente com os mesmos vicios, com todas as arquiteturas que surgem? Evidentemente nao se pode ignorar a estética na arquitetura mas, tudo leva a crer que outros aspectos tém de ser também contemplados, €, as vezes com énfase, se 0 objetivo € esclarecer diividas € construir um conhecimento -But the bistory of architecture must include the bistory of building as a oraft or tech nic: sometimes the story of technical development is — or has appeared to posterity to be — more important than any other aspect of a particedlar bistoricedl development.’ De fato, o ferro, até mesmo quando usado aquém de suas possibilidades estru- turais —- desconhecidas no principio da Revolugao Industrial, assumindo for- mas que tinham consagrado os materiais utilizados ha séculos na arquitetura —impds uma revolugdo gradual nos métodos construtivos, cujas potencialida des, entio somente anunciadas, até hoje, passados quase dois séculos, no se realizaram integralmente No entanto, o desenvolvimento da indtistria da construgao foi tolhido a tal pont que se deveria, com mais propricdade, falar em industria na construclo. Esse desenvolvimento nao foi linear por motivos que sero expostos, €, tam- bém, porque ndo se pode afirmar que a Revolucio Industrial se tenha constl- tuido em um impecavel desfile de competéncia técnica. I HITCHCOCK, Henry Russel — Architecture, Nineteenth and Twentieth Centuries. New York, Penguin Books, 1977, p. 169 Oalvorecer do século XIX na Europa continental viu surgir a separagao entre as atividades do engenheiro ¢ do arquiteto. Este foi confinado ao conservado- rismo das Escolas de Belas Artes, aquele foi privilegiado pela criacao das Esco- las Politécnicas, para onde convergiam as cabecas mais progressistas da ciéncia contemporinea. No entanto, a Inglaterra, inegivel bergo da Revolugao Industrial, somente ins- tituiu o ensino técnico na diltima década do século XIX. Isto explica mente 0 autodidatismo dos empresarios britinicos, como também a eclé influéncia que os paises colonizados ¢ os subdesenvolvidos softetam, envolvi- dos que estavam na trama imperialista da luta por mercados para os produtos industriais. Dizer que o desenvolvimento da induistria da construgdo em ferro nao foi near nao significa dizer que 0 mesmo nao tenha criado sua propria logica Na realidade, a idéia da industrializacdo da construgao nao era também uma no- vidade pois se conhecia, na Europa, 0 tijolo industrializado desde 0 s€culo XV, © hd registros de exemplos de pré-fabricacao antes mesmo da Revolugao Indus. trial. Mas a icléia da industrializagao do edificio surgiu, sobretudo, com a cons- trugao em ferro, ‘During this era, in their modest worksbops and in their large factories, Brétish manufacturers of prefabricated buildings established the basic concepts of industrial ized building: the concepts of standardization and modular coordination, of large- scale industrial production of repetitive elements, af sales promotion and marketing on an international scale, of integrated packaging and distribution systems, of rational site erection procedures, and of the differentiation of open and closed systems. "!? Na realidade, nao se deve atribuir somente as potencialidades plasticas do ferro fundido, nem as possibilidades estruturais do ago, 0 teor revolucionario do no- vo material. O que o ferro tinha de mais novo era a sua escala de producio, que era industrial, ¢ que se conttapunha a todo um processo de execugao das "S$ até entao. A escala industrial gcrou uma necessidade de mercado que criou um consumi- dor, um gosto e a obsolescéncia. Dentro dessa nova légica é que se deve pro- curar entender a arquitetura do ferro. Criou-se, portanto, uma expectativa de que a industria provocaria, na arquitetura, uma revolucdo estética, tio profun- da quanto estava promovendo na organizacio da sociedade. “il ne faut donc pas s'étonner si, dés 1850, Théophile Gautier série: ‘I"industrie ré- volutionne Varchitecture’, ni si César Daly (1811-1894), que l'on considére comme le premier critique moderne de Varcbilecture, parle déja de scission entre larchitecture esthélique’ du passé et Varchitecture industrielle’ de l'avenir." As discussdes sobre estética, ou sobre a nova estética industrial, existiram, de fato, na época em que surgitam os edificios em ferro. No entanto, nio devem ter sido consideradas € até mesmo hoje, elas s40 pingadas pelos pesquisadores de nossa historia, como raridade “S'il y @ une bataille des styles, il n'y a pas de guerre des matériaux, ou plutot celte-ci n'est pas esthétique, mais économigue”.,..4 A indistria era saudada pelos curopeus como a redengao da sociedade. A idéia de inddstria era sempre associada 4 de progresso. A burguesia enriquecida se 12 HERBERT, Gilbert — Pioneers of Prefabrication. Baltimore and London, the Johns Hopkins University Press, 1978, p. 186. 13 RAGON, Michel — Histoire Mondiale de lArchitecture et de 'Urbanisme Modernes. Torunai, Casterman, 1971. Tome 1, p. 136. 14 MIGNOT, Claude £ ‘Arcbitecture au XIX Sidcle. Fribourg, Office du Livee, 1983, p. 168. esforgava por convencet a todos sobre 0 paraiso que seria 0 mundo servido pelos produtos industriais de baixo custo. Essencialmente foram as raz6es econdmicas que determinaram a coexisténcia da arquitetura do ferro com a arquitetura de estilo. Hoje fala-se numa arquitetu- ra do ferro, mas na época em que ela surgiu, a ndo ser pela referencia de raros criticos de arte ¢ de arquitetura, ela era somente tolerada como uma maravilha da técnica, dentre tantas que os industriais se empenhavam em colocar no mer- cado nacional ¢ internacional. Nao havia quem s¢ opusesse as construgdes em ferro, mas dai a compara-las com os movimentos dos estilos reviviclos precisa- mente no século XIX, havia uma consideravel distancia que somente seria en curtada em meados do nosso século, quando se fizeram as primeiras tentativas de escrever a historia da nova arquitetura e se contemplow a arquitetura do fer ro com 0 titulo de precursora do movimento moderno. A arquitetura do ferro nao participou da batalha dos estilos que se travou pot todo 0 século XTX, na Europa. Seus autores nao tinham, entdo, consciéncia dos valores de natureza estética e tecnologica, cujos germes estavam implantando “Los estilos se consiceran hdbitos contingentes, y cualquier pretension de exclusivis- mo se estima superada; la prerrogativa de los arquitectos, que los distingue de los in igenieros, es la libertad de escoger estas 0 aquellas formas, prerrogativa individual, no colectiva, que depende del sentimiento, no de la razén. El eclecticisma ya no se in- terpreta como una posicion de incertidumbre, sino como prapdsito deliberade de no encerrarse en una formulacion unilateral, de juzgar cada caso, de manera objetiva ¢ imparcial, "> A preciso dessa caracterizagio de Leonardo Benevolo indica 0 quanto esta- vam isolados os raros criticos de arte que saudavam o advento de uma estética industrial no século XIX. Anteciparam-se em vislumbrar 0 reconhecimento, que afinal ndo viram, de uma arquitetura tao revolucionaria, a ponto de pretender nao ser somente mais um estilo. © reconhecimento do valor da arquitetura do ferro, enquanto arquitetura, sO ia a ocorrer recentemente, através dos historiadores da arquitetura moder- na. No entanto, suas crOnicas privilegiam alguns edificios notaveis e, quase sem- pre, deixam de destacar a massa de edificios, aparentemente scm importancia, produridos na €poca. O Palicio de Cristal, de Londres, a Biblioteca Santa Ge- noveva de Paris, a Fabrica de Chocolate Meunier, 0 Mercado Central de Paris, © Pavilhdo de Exposigdes de 1889 e a Torre Eiffel despontam como astros € sao alvo de merecidos ¢ aprofundados estudos. Contudo, estudar somente es- ses casos, subentende uma eleig’o — exatamente 0 critério utilizado para des- tacar determinados monumentos dos mais variados estilos do passado. E o estudo mais detide dos considerados “monumentos”’ da arquitetura do ferro conduzem a descobertas que nem sempre confirmam seu prestigio. Assim, por exemplo, 0 Palacio de Cristal surge como um majestoso exemplo de pré fabricaco em ferro, quando nao era somente isso, pois era também constitu do de uma por¢a4o consideravel de esquadrias de madeira. Este mesmo edificio serviu de exemplo € o que se viu foi a propagacio, por todo o mundo, da mo- da de construcao dos “‘palacios de cristal”. O que ocorreu, na realidade, é que © Palacio de Cristal j4 era fruto de toda uma experiéncia anterior, embora ele mesmo tenha sido considerado um precursor. Por fim, nao se destaca o fato de ter sido a exigitidade do prazo para sua construcgao, 0 que determinou a vi- tOria do projeto de Paxton € nao a sua exceléncia tética, Alids, o Palacio de 15 BENEVOLO, Leonardo — Historia de la Arquitectura Moderna. Barcelona, Gusts Gili, 1974, p. 162 INOVAGOES. Cristal foi saudado na época, essencialmente, por se constituit uma faganha da técnica € do espirito empreendedor dos industriais ingleses que, afinal, era 0 objetivo da exposicao de 1851. Um outro ¢xemplo classic da arquitetura do ferro é a Biblioteca de Santa Ge- noveva, de Labrouste, em Paris, A fachada exterior eclética, em alvenaria, dis farca um interior moderno, em ferro. AMbos sao projetos do mesmo arquiteto, por incrivel que parega, mas retratam ficlmente as contradigdes que povoavam a mente de todos que viveram a transigdo de duas civilizagdes. Nao se pretende desmitificar os exemplares mais freqiientemente citados co- mo representantes auténticos da arquitetura do ferro. O que se pretende é de- monstrar que o estudo de arquitctura nao pode se reduzir ao estudo de casos Notaveis, subestimando-se os casos “menores”, A arquitetura do ferro continha algumas inovacdes que teriam revolucionado © proprio conceito da arquitetura, caso tivessem sido assimiladas. Muito prova- velmente essas inovacdes teriam sido recusadas pela inconsciéncia do seu real alcance pois, enquanto no mundo da ciéncia ¢ da tecnologia, o século XIX foi fértil em rapidas transformacdcs facilmente assimiladas, no mundo das artes, © ecletismo foi considerada 6 movimento mais progressista e moderno, posto que pretendeu resolver 0 dilema de gosto pelo vocabulirio formal clissico ou medicval ‘Cada uma dessas novas caracteristicas diferenciava a arquitetura do ferro, na esséneia, de tudo quanto se fizera anteriormente, 0 que explicaria, em parte, a sua incompreensio. Assim, 4 falta de parametros para a andlise dessas inova- es, podemos atribuir a impoténcia e, em alguns casos, a indiferenca dos criti- 08 de arte € da sociedade européia do século passado. A discriminacio dessas inovagdes, que se fard a seguir, provavelmente esclareceri nossas assertivas Reprodugao de Quaisquer Estilos Enquanto que no Renascimento, para se reproduzir, por exemplo, um capitel Corintio, era necessario contratar os servigos de um escultor quase tio bom quan- to o que esculpira, quase 2.000 anos antes, 0 modelo original, no século XIX, deixava de existir esse problema pela reproducio através de’ moldes. Quando 0 material empregado era o ferro fundido, era possivel reproduzir, in- finitamente, um mesmo modelo, com igual perfci¢ao. Como as colunas de fer- ro fundido nao necessitavam ter a mesma secao de colunas de pedra, dado o alto poder de resisténcia 4 compressio do novo material, era possivel utilizar © vocabulirio formal que se elegesse, com as proporcdes que se quisesse. Com isso, além da possibilidade de reproduzir qualquer estilo, era possivel fazé-lo com clegincia ¢ leveza jamais conhecidos anteriotmente. © ferro fundido prestava-se tao bem aos propésitos ornamentais que, de fato, © ornamento passou a ser um fim cm si mesmo. Por outro lado, a reproducao tao livre de qualquer estilo permitiu abrir cami- nho para uma exploracao exaustiva dos vocabulatios formais estilisticos, o que, naturalmente, induziu a uma transformacao qualitativa, a partir dessa pesquisa formal. Nao seria absurdo afirmar que a “Art Nouveau” belga ¢ seus cortespon- dentes em outros paises europeus floresceram nesse terreno fertilissimo © que foi verdade para as colunas valeu também para a imensa gama de com- ponentes, nao somente da arquitetura, como também do mobilidrio urbano e doméstico. 27 Mobilidade Pela sua propria natureza, a grande maioria de edificios pré-fabricados em fer- ro, tinham que ser montados. E, eventualmente, também poderiam ser desmon- tados. fi bem verdade que muitos dos edificios em ferro permanecem ainda hoje no mesmo local onde foram montados logo apés sua fabricacao, o que nao sig nifica que ndo possam ser desmontados, com uma perda ittisdria © maior e mais espetacular exemplo da arquitetura do ferro, o Palacio de Cris- tal, foi montado em Londres, ¢, posteriormente, foi desmontado € remontado, com pequenas modificagdes, em Sidenham. Centenas de casas foram desmontadas e despachadas por navio, para os coloni- zadores na Africa do Sul, onde eram remontadas em locais proximos as minas de ouro e diamante. Algumas dessas casas permaneceram onde foram instala- das originalmente, mas a maioria era deslocada continuadamente Mercados publicos eram exportados para a América do Sul ¢ aqui se desloca- ‘vam a0 sabor das modificacdes urbanisticas ou da politica de abastecimento. © mesmo procedimento era comum com as igrejas pré-fabricadas, que sc des- Jocavam de acordo com as necessidades da assisténcia religiosa nas colonias dos paises desenvolvidos. Enfim, a arquitetura poderia perder 0 vinculo secular com o solo. Vinculo esse tio forte a ponto de, ainda hoje, se desenvolver — junto 4 nogao de preserva cao fisica de certos edificios, pelo seu valor hist6rico ou artistico — a cons Cia de necessidade de preservacao dos valores ambientais que caracterizam o sitio onde se construit © edificio. Assim, uma paisagem urbana notavel seria constitufda de um acréscimo grada- tivo de valores arquiteturais que, afinal, constituiriam uma unidade que nao ti- nha de ser obrigatoriamente formal, mas que contemplava, na esséncia, os va~ ores estéticos segundo critérios especificos. Ora, o fato de um edificio poder se deslocar de um sitio para outro, pela sua propria natureza, destruiria esse vinculo ou valor, que se convencionou cxistir. Provisoriedade Aarquitetura do ferro foi tolerada por muitos dos criticos contemporaneos por- que era provisdria. Ou pelo menos aparentava sé-lo, dado a sua aparéncia, tio diferenciada em rélagio 4 arquitetura s6lida, feita para durar séculos € que, na realidade, era uma heranga dircta (embora longinqua) da arquitetura funcraria egipcia. Na realidade, os edificios sobreviviam a sua fungao original ¢ permane- ciam essencialmente como simbolos da sedimentagao da cultura. Os pavilhdes de exposigao internacional foram projetados para ter vida curta, ede fato a tiveram. O que nao significa dizer que enquanto existiram nao pro- vocaram as mais diferentes sensagdes nos scus frequentadores Os abrigos de trens nos terminais ferroviérios nao foram construidos para uma curta duracdo e contém os mesmos valores espaciais dos pavilhdes de exposi- ¢a0. Ambos os edificios s40 uma evidente demonstragao das possibilidades es- truturais do ferro ¢ do ago, Poder-se-ia argumentar que as casas exportadas para as colonias € para os pai- ses subdesenvolvidos tinham o cardter de abrigo provis6rio, Isto enquanto nao se criava, 2 nivel local, condigdes para o surgimento de uma indistria de cons- trucdo com os materiais tradicionais ¢ convencionais. Ocorre que muitas des- sas casas ainda existem, 4s vezes nos mesmos locais em que foram montadas € funcionam como residéncias. Afinal, a arquitetura do ferro nao era tao proviséria como as tendas de campa- 28 nha e a sua existéncia colocou em cheque mais um preconceito sobre a arqui- tetura que era a sua necessdria quase eternidade. Na realidade, muitos desses edificios em ferro, nos paises subdesenvolvidos, res is tempo do que ‘05 construfdos com materiais convencionais e nos paises desenvolvidos assola- dos pelas duas Grandes Guerras foram os que mais resistiram acs bombardeios aéreos Transparencia e leveza © que mais cxtasiou os freqiientadores do Palicio de Cristal foi a grandiosida- de do espaco interno criado, nao gracas 4 dimensao dos vaos (que eram relati- vamente pequenos) mas pelo uso abundante de vidro e pela reduzida secio de perfis de ferro fundido. Espacos dessa natureza j4 haviam sido criados anterior- mente, tanto na Inglaterra como na Franca. Dentre eles bastaria citar a Palm House no Kew Garden, em Londres, obra do arquiteto Decimus Burton ¢ que data de 1848. Tratava-se de uma grande estufa que, assim como os jardins de inverno, deleitava os europeus recém-conquistados pelo exotismo dos trépicos. Pela segunda vez na hist6ria da arquitetura a rigidez do espaco interno era que- brado. Na outra oportunidade, com o delirio estrutural da arquitetura gotica, 0s vis compreendidos entre os delgados ¢ multiplicados elementos estrutu. ais foram preenchidos com vitrais multicoloridos, que mantinham, ¢ até acen- tuavam, © cardter mistico dos espacos internos das catedrais. A arquitetura do ferro, como a gética, tinha um esqueleto que poderia ser fe- chado com qualquer material. Por que nao com o vidro, entao produzido in- dustrialmente e, portant, no mais um produto de consumo restrito? Com 80, 0 espaco ganhou em fluidez, foi inundado pela luz solar tio querida dos europeus ¢ libertou-se das grossas muralhas, que exigiam decoragao adicional para disfarcar seu peso estitico ¢ estético. Este foi um espaco revolucionario Yo Util, que foi reproduzido em escalas diferentes, por todo 0 mundo, até o final do século XIX. O uso do ferro nao se constituia somente em uma nova técnica de construgdo, mas 0 espago produzido era também inteiramente no: vo, 0 que talvez explique 0 fato de nio ter sido assimilado como espago, arquitetdnico. Componentes A partir da segunda metade do século XIX, portanto em plena vigéncia do ecle- tismo na arquitetura, algumas firmas inglesas e escocesas colocaram no merca- do internacional uma enorme variedade de componentes arquiteturais, em fer- 10 fundido. As suas possibilidades plisticas, ja citadas, juntava-se um artificio mercadol6gico: 0 mais variado catélogo de produtos servia como fator de con- vencimento do cliente, pois o fabricante oferecia alternativas diversas, sempre se colocando a disposicao do comprador para satisfazer-Ihe os gostos Nao se tratava mais de oferecer componentes em estilos clissicos, medievais ou exdticos. Na verdade, 0 que ocorteu foi um vale-tudo estético. E claro que uma coluna em ferro fundido, com capitel corintio, nao reproduzia aordem clissica desse mesmo nome, dado & total modificagao das proporcoes. Ora, se as proporgées das ordens classicas — ‘aracteristicas formais essenciais dessas mesmas ordens — nao mais existiam, era porque os fabricantes nao se apegavam a esses preciosismos nco-classicistas e, também, porque pretendiam tornar scus produtos rentaveis economicamente. A rentabilidade econdmica dos componentes de ferro fundido residia em suas dimensdes e pesos reduzidos, © que getava, conseqticntemente, reducdes de custos quanto ao transporte e montagem. A natureza do novo material nao tinha sido subvertida e ndo se po- de afirmar que 0 ferro fundido, prestando-se 4 reproducao de quaisquer esti- los, devesse permanecer servil as regras das ordens clssicas. Havia, porém, a necessidade de vender 0 produto e, para tal, os fabricantes nao vacilaram em conferir-Ihe formas que se adaptavam ao mercado consumidor. © que se viu, em alguns casos, foi a mistura de mais de um estilo em um mes- mo edificio, 0 que nao causava nenhuma espécie, pois o fabricante, como bom comerciante, sempre procurava convencer 0 cliente a utilizar determinado com- ponente que existia em estoque, desencorajando-o a inventar formas novas, devido ao custo adicional de fabricagdo de novas matrizes Junte-se a isto a qualidade do mercado consumidor, na Europa, Estados Unidos da América do Norte € paises subdesenvolvidos. Fram os empresirios de ma- neira geral, comerciantes e poderes pablicos, quase sempre sem motivagao pa- ra enveredar por discussoes estéticas, mas sempre ansiosos por demonstrar seu entiquecimento, De qualquer forma, deve-se destacar a novidade dessa arquitetura de compo- nentes, que s6 existiu devido 4 combinacio de um sistema bem engrenado que compreendia nao somente a producao, como também a comercializagao, a ni- vel internacional. Outro critério a ser utilizado para tentar uma classificagZo da arquitetura do fer- to € aquele que considera, essencialmente, a fun¢ao a que se destina 0 edific Neste caso, nao ha uma uniformidade quanto ao material empregado, a nao ser no fim do século XVII principio do século XIX, quando se utilizou exclusi- vamente 0 ferro fundido. Assim, nao sio raros os casos em que coexistem o ferro fundido, o ferro perfilado € até mesmo © aco, de acordo com as solicita- g0es estruturais das diferentes pegas, num mesmo edificio Com a Revolugao Industrial, a urbanizacao acelerou-se, no somente na Euro- pa, como também em todo 0 mundo. Com a urbanizagao vieram os problemas que Ihes sao inerentes, para os quais se buscou, senao solugées, pelo menos Paliativos. Assim, devido a superpopulacdo ¢ 4 pequena oferta de moradias, principalmente nos paises industrializados, as condigGes de higiene se tornaram criticas, como também as condigdes de seguranca da populagao. Os grandes hospitais pri- sdes se encarregaram, portanto, de assimilar uma parte consideravel dos inves- timentos oficiais Embora encontrem-se interessantes manifestagdes da arquitetura do ferro em programas j4 existentes, antes do advento da era industrial, a nova arquitetura se expressou, com maior veeméncia, nos programas novos. Fabricas Dentre estes edificios, provavelmente os mais antigos so aqueles que naram a fabricacao de tecidos de algodao, incliistria que foi responsa éxito avas desti- vel pelo lador dos primeiros momentos da Revolucao Industrial na Inglaterra. Naquela oportunidade, a indiistria do ferro ainda nio tinha se desenvolvido bas- tunte, mas o ferro fundido comegou a ser utilizado, com funcao estrutural, na confeccio de vigas, fugindo portanto da timidez original, que s6 permitia sua utilizagao em coluna: “The first successful use of cast iron beams as structural untts in a building was in a cotton mill erected in 1801 by Messrs. Phillips & Lee in Manchester, These bec were designed by Boulton & Watt, and, as William Fairbairn points out, considering that they were the first of their kind and the limited state of knowledge on the subject at the period, they reflect great crectit upon the skill of the designer. The mill was 140 ‘feet long, 42 feet wide and seven storeys high. The width of the building was divided into three bays, each of 14 feet span, by two of east iron stanchions at 9 feet intervals, 30 TIPOLOGIA the floor being carried on 13 '% ins. by 3 14 ins. inverted T type cast iron beams 14 feet long. For the next wenty years this mill was the model for many other, and the form of building and form of beam, having proved satisfactory, varied very little until Tredgold, in 1824, published the second edition of bis work on the strength of cast fron." Na realidade, este modelo nao foi somente utilizado durante vinte anos, € ape- nas por cotonificios, Seu involucro de alvenaria de tijolos nao denunciava de forma alguma a sua estrutura interior. Qs vdos entre as vigas de ferro fundido eram preenchidos por abobadilhas de alvenaria de tijolos macigos. As colunas de ferro fundido apareciam, via de regra, até no meio de recintos mais ou me- nos nobres de edificios construidos para os mais diversos fins, obedecendo o mesmo sistema estrutural. Por todo o século XIX construiu-se, na Europa ¢ em todo 0 mundo, utilizan- do-se desse sistema. No entanto, tao encoberto estava ferro que, embora o novo material fosse responsével pela sustentagao de, praticamente, todo 0 edi- ficio, a rigor ndo se pode considerar estar diante de um caso de arquitetura do ferro. 2 Seria imperdodvel a omissio da célebre fabrica de chocolates Menier, construi- da por Jules Saulnier, em 1872, em Noisiel-sur-Marne, perto de Paris. Esta fabri- ca tinha um esqueleto todo em ferro, mas as patedes eram preenchidas com tijolos ceramicos. Contudo, esse foi um caso isolado. Por outro lado, ha pro- gramas novos que encontraram no ferro ¢ em sua combinacao com 0 vidro, a expressdo mais apropriada para o fim a que se destinavam. Galerias e Coretos AS passagens cobertas em ferro ¢ vidro, denominadas galerias, tinham a grande vantagern de deixar passar a luz solar e, de certa forma, proteger os transeuntes dos rigores do clima frio europeu. Essas qualidades foram exploradas em quase todas as capitais européias ¢ chegaram a inspirar Horeau na criaco de um siste- ma constituido por uma série dessas galerias, que se ligariam, criando um mi- croclima nas ruas por elas protegidas. O projeto de Horeau nao chegou a ser executado, como tantos outros que 0 injustigado arquiteto imaginou.!? Os pequenos pavilhdes € coretos foram tao bem realizados em ferro que se tor- na dificil imagind-los construidos em outro material. Com relagao a0 coretos, é impressionante a maneita como foram importados ¢ assimilados pelos paises subdesenvolvidos, Quase sempre em ferro fundido, se constituiram na peca mais decorativa do mobiliério urbano produzida pelos industriais curopeus. De uma maneira geral, 0 Ornamento, nos coretos, é eclético € expressa todas as pos: lidades decorativas do ferro fundido € do ferro forjado Estufas ¢ PavilhGes de Exposi¢io Ja as estufas, com sua forma despojada de ornamentos, das quais resta ainda, em Londres, a Palm House de Decimus Burton, como um dos melhores exem. plares — inspiraram certamente os edificios que, posteriormente, abrigariam 16 GLOAG, John — A History of Gast fron in Architecture. London, Geore Allen and Unwin, p. 113-115 17 HECTOR HOREAU (1801-1872), foi um arquitcto francés que se notabilizou mais por suas idéias ¢ injustigas de que foi vitima, do que por suas obras, Ao mesmo tempo genial € maldito, foi considerado por §, GIEDION como a “Victor Hugo da arquite- tura”’. Em 1980, 0 Museu de Artes Decorativas ce Paris organizou uma extensa expo. sigdo dos projetos de HOREAU, pela qual se pode avaliar o acerto da qualificagao que GIEDION the atribuiu. 31 as exposigdes de produtos industriais. (Ul 1) Na primeira metade do século XIX, estas exposig6es foram sempre nacional posto que 0s governos opunham fortes obsticulos a impostacio, para protect as nascentes indiistrias do pats Logo porém, obedecendo 3 propria logica da produgao capitalista, os meres dos nacionais se mostraram pequenos para os paises europeus, que tiveram que se langar na conquista de outros mercados, na propria Europa ¢ em paises me- nos desenvolvidos da Africa, da Asia ¢ das Américas, Aproducio nort-americana se destinou, no século XIX, quase exclusivamente para o seu vastissimo mercado interno, © que explica sua ausencia, neste perio- do, das disputas internacionais por clientes. Cada pais produtor se esmerou entio em organizar exposicdes internacionas de produtos industriais, Desta forma, esperavam atrair freyueses de todo © Net do, dai o clima de festa que caracterizava esses eventos eminentemente promocionais. (© Palicio de Cristal de Paxton, em 1851, inaugurou essa série de edificios cons truidos em Londres, Paris, Bruxelas, Nova York ¢ outras cidades européias © veetcamericanas, de acordo com a dimensdo do evento € das possibilidades industrials do pats. Assim, a0 espeticulo que foi o proprio edificio do Pakicio de Cristal, somente se contrapos, em brilho e audicia, o Pavilhao de Maquinas Ge Exposigao de Paris, de 1889, realizada por ocasiao do primeito centenério da Reyolugdo Francesa Entre um ¢ outro, varios pavilhdes foram construidos, quase todor com as mes ins caracteristicas de levera ¢ transparéncia, inerentes A utilizacao do ferro ¢ do vidro como seus principais materiais de construgao. O pavilhao de expost Go de varias dimensGes, tornou-se um tipo de cdificio cujas caracteristicas Cont fativas nao variavam muito, ¢ tal foi o impacto do primeiro Palicio de Cristal, que muitos desses pavillhes seriam também chamados pelos seus construtores de “paldcios de cristal”. 0s paises subdesenvolvidos, embora ainda desprovidos de considerdvel pro- Guqio industrial, mandavam construir seus pavilhOes de exposicao. A firma Frans Sees Gustave Eiffel & Co, por exemplo, registra, entre suas realizacoes no fim Go século passado, um “Palicio da Exposicio” em Lima, Peru. 32 1a Palm House — Estufa em Kew Gardens, Londres. Projeto de Decimus Burton, consiruida em 1848. Foto do wutor, 1983 1B Palm House. Entrada principal, Foto do autor, 1983 Petropolis, no Rio de Janeiro, possui ainda um edificio em ferro ¢ vidro, co- nhecido como Palicio de Cristal, importado de uma firma francesa, também em fins do século XIX. Nem sempre os pavilhdes continuaram tendo utilizacao similar aquela para a qual haviam sido projetados ¢ executados. Mesmo destinados a abrigar exposi gOcs provisorias, sua montagem, cmbora relativamente ripida, resultava em edi- ficios sOlidos e durdveis, ultrapassando os eventos para os quais haviam sido programados. A reciclagem do scu uso foi, portanto, natural, considerando 0 montante do investimento original. Em alguns casos, ocorreu a transferéncia de pavilhdes dos sitios primitivos onde tinham sido edificados, para outros mais, convenientes, 33 ‘North of the square, past a sea of corrugated iron ane-and two-story buildings, was the railway station. This structure, like its predecessors, Zeederberg’s stagecoach office and the first primitive Park Station, was also of iron, but if was much more ambi- tious. Railways in the Transvaat were dereloped by the Dutch firm of Maarschaik and Company, which laid out the tracks and were responsible for tbe erection of the new slation buitding, This was a large, cast-iron, steelframed structure with rolled steed joint and a high barrel-vaulted main hall, roofed — as were tbe lower elements and cantitever roofs — with corrugated tron. It was designed by architect fF, Klinkamer, and was originally erected in Amsterdam to house an exbibition in 1885. It was pur- chased in thal year and transported to Jobannesburg, where it was reerected in 1886-87. It is not known whether the cast iron is of Dutch origin, but she Birmingham firm of Skillingrove manufactured the steel beams. Este €, provavelmente, um caso raro de reciclagem de uso de um pavilhdo de exposicao, mas demonstra também o apreco que se tinha por edificios que nem sempre eram bem recebidos pela critica especializada. Pugin, um cesses seve ros criticos, jamais poupou o Palacio de Cristal, o qual chamava de “monstro de vidro”, ¢ aconselhava Paxton a “‘se confiner dans ses verres et de laisser Var chitecture a des experts”. A cfemeridade das exposigdes talvez explique o dos edificios que as abrigavarn serem somente tolerados, pois se considerava que eles, como 0s circos, com sua estética revolucionaria, ndo constitufam uma cfetiva ameaga aos tradicionais monumentos de arquitetura, estes sim, construi- dos para a posteridade Estac6es Ferroviarias Quando se concluiu © Palécio de Cristal, também se completava, praticamente, toda a rede de estradas de ferro da Inglaterra. A construgao dessa rede que, evi- dentemente, nao se resumia a trilhos, foi responsavel pelo soerguimento da i dustria na Inglaterra e pelo lugar privilegiado que este pais ocupou, como prin- cipal produtor e exportador de ferro. Todo um equipamento necess4rio para fazer funcionar uma estrada de ferro era feito de ferro. Isto provocou um tal volume de encomendas a inddstria bri- tanica, que praticamente a obrigou a partir para a “‘criacio” de um mercado internacional, tal a dimensdo dos investimentos que havia feito para atender as solicitagdes nacionais. Tratava-se agora de construir 0s edificios administra- tivos, as pequenas estagdcs de passagem € os grandes terminais. © impacto da locomotiva a vapor foi, com certeza, sensacional, € retratou o que havia de mais revolucionario dentre as conquistas da tecnologia no século XIX. © tracado das linhas férreas induzia a novas facanhas do engenho humano, tais como tiineis, viadutos e pontes. Tamanha gama de progressos $6 fazia aumen- tar a expectativa quanto as proximas proezas, pois o estado de espirito do cida- dio havia sido estimulado pela idéia da felicidade através do progresso, envio um valor muito caro 4 burguesia industrial ¢ comercial. Neste quadro, as estagdes ferrovidrias poderiam revelar uma nova linguagem formal, inerente a propria revolugao que 0 novo meio de transporte impunha a sociedade. O ferro fez-se presente na construcao da totalidacle das novas estacdes ferro- vidrias. Sua utilizacio era necessaria na coberta que abrigava a chegada dos trens, posto que necessitava de grandes vaos, suficientemente claros, 0 que veio via- bilizar, mais uma vez, a utilizagZo de vidros nos lanternins ¢, até mesmo, substi- tuindo trechos de telhas de chapas onduladas, de ferro galvanizado. No entan- 18 HERBERT, Gilbert., op. cit., p. 140. to, 08 cdificios que se destinavam a administracao ¢ outros servigos necessirios 40s passageiros, tais como bilheterias, restaurantes, guarda-volumes, etc., pare- ciam nao fazer parte de uma mesma constru¢io, tala dissociacao formal exis- tente entre as partes. “The early architecture of the railways, like that of the early industrial butldings, preserved tts connection with tradiction. The first railway stations were designed un bretentiously; they were perfectly fitted for the function they had to perform; but soon they became influenced by the “‘battle of the styles", which disturbed their functional character and tricked them out in the most unsuitable costume. This aspect of indus- trial architecture did not escape criticism; but the critics generally wrote or spoke from the point of view of one or other of the protagonists in the battle of the styles. A railway station, for example, that retained a classical elegance of design, would be ruthlessly condemned, almost branded as immoral, by a Gothic Revivalist, who bad read his Ruskin and bad taken to beart the winged words which dismissed the classic orders and all the architectural works of Greek and Roman antiquity as visible evidence of an improper and subversive paganism." Emboraa coberta da plataforma de embarque dos trens recebesse, em cada um dos elementos da estrutura, um tratamento também decorativo, ndo somente nas partes executadas em ferro fundido, com sua reconhecida vocacio para teproduzir qualquer capricho estilistico, como também nas pegas executadas em chapas aparafusadas, estas sim, portando os elementos formais de uma emer- gente estética mecanicista, a diferenga para as massas de alvenaria dos edificios era evidente. Tudo se passa como se a coberta para 0s trens fosse um simples abrigo, a0 qual se poderia e devetia incorporar todos os avangos tecnolégicos contemporaneos Contudo, 0 edificio em alvenaria teria de se caracterizar pelo gosto do cidadao, ainda preso aos preconceitos estabelecidos para a arquitetura. “Railway stations were generally — and before the fifties always — examples of mixed construction, but of a rather spacial sort. The iron and glass portions, that is the sheds, and the masonry portions are likely to be merely juxtaposed, not truly integrated.”?° Apesar de os arquitetos do século XIX terem proclamado a escolha do estilo, a ser adotado em tal ou qual edificio, como fruto de uma decisio individual, nao eram raros Os teGricos que s¢ arriscavam a ditar critérios que orientassem a “decisio individual” As estacées ferroviirias eram de fato templos da nova tecnologia € seus espa 0s se multiplicavam pela criagao de servicos, utilizados por individuos de to- dos os niveis sociais. Nao era pois estranho que os arquitetos passassem a tratar as estagdes como 0 faziam com os demais edificios ptiblicos, tais como ministérios, palacios da justi¢a, onde os espacos cram dominados por arranjos decoratives quase sempre carregados de um alto teor simbélico. ‘En France, les effets danalogie stylistique a valeur symbolique sont souvent recber- chés, Comme le recommande Perdonnet, “Farcbitecture des stations intermédiaires Placée dans de grandes villes doit étre en rapport avec celle des édifices, principaux dela ville. Ainsi @ Nancy, ville toute monumentale, l'architecture de la station rappel- lera celle des belles créations de Stanislas". Selon ce principe, Vitré (1857) sera néomeé- diéval, & Vimage de ta cité qu'elle dessert, Montpellier’ néo-classique, Valengay néo-Renaissance.”! O mesmo Perdonnet, ainda segundo Claude Mignot, ao mesmo tempo que lan- Ga as bases para esse interessante critério que, pelo menos, contempla as carac- teristicas predominantes de uma cidade (provavelmente em nome de uma uni- 19 GLOAG, John., op. cit., p. 169, 20 HITCHCOCK, Henry-Russel, op. cit., p. 178. 21 MIGNOT, Claude, op. cit., p. 260. 35

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