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O apanhador de desperdícios Retrato do artista quando coisa

Uso a palavra para compor meus silêncios. A maior riqueza


Não gosto das palavras do homem
fatigadas de informar. é sua incompletude.
Dou mais respeito Nesse ponto
às que vivem de barriga no chão sou abastado.
tipo água pedra sapo. Palavras que me aceitam
Entendo bem o sotaque das águas como sou
Dou respeito às coisas desimportantes — eu não aceito.
e aos seres desimportantes. Não aguento ser apenas
Prezo insetos mais que aviões. um sujeito que abre
Prezo a velocidade portas, que puxa
das tartarugas mais que a dos mísseis. válvulas, que olha o
Tenho em mim um atraso de nascença. relógio, que compra pão
Eu fui aparelhado às 6 da tarde, que vai
para gostar de passarinhos. lá fora, que aponta lápis,
Tenho abundância de ser feliz por isso. que vê a uva etc. etc.
Meu quintal é maior do que o mundo. Perdoai. Mas eu
Sou um apanhador de desperdícios: preciso ser Outros.
Amo os restos Eu penso
como as boas moscas. renovar o homem
Queria que a minha voz tivesse um formato usando borboletas.
de canto.
Porque eu não sou da informática: Manoel de Barros
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus
silêncios.
Manoel de Barros

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