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Planejamento e gESTÃO EM sAÚDE PDF
Planejamento e gESTÃO EM sAÚDE PDF
DEBATE DEBATE
com base numa visão comunicativa
Abstract This article aims to present a condensed Resumo Este artigo tem por objetivos apresentar
overview of major trends in Brazil, establish a uma visão condensada das principais tendências
general taxonomy of models of health manage- no Brasil, estabelecer uma taxonomia geral dos
ment and planning, based on the international modelos de planejamento e gestão em saúde, tendo
scene and support the proposal for a communica- como base o cenário internacional e fundamen-
tive planning. In a context of democratization, tar a proposta de um planejamento comunicati-
argues for a pluralistic conception and concludes vo. Em um contexto de democratização, argumen-
that the various currents, albeit with different ta a favor de uma concepção pluralista e conclui
perspectives and referrals theoretical and meth- que as diversas correntes, embora com diferentes
odological dialogue in a process of mutual exchange perspectivas e encaminhamentos teórico-metodo-
and learning. lógicos, dialogam num processo de troca mútua e
Key words Health planning, Communicative de aprendizagem.
action, Public health Palavras-chave Planejamento em saúde, Agir
comunicativo, Saúde pública
1
Departamento de
Administração
e Planejamento, Escola
Nacional de Saúde Pública,
Fiocruz. Rua Leopoldo
Bulhões 1.480/sala 7,
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ.
uribe@ensp.ficoruz.br
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Rivera FJU, Artmann E
intervenção tecnológica e uma forma de intera- fruto de uma análise da alta gerência, a partir
ção ou de agir comunicativo. dum cálculo de síntese, baseado na intuição, na
É importante destacar a contribuição especí- experiência e na necessidade imediata da ação. O
fica do Instituto de Medicina Social da UERJ, que planejamento, como cálculo analítico, seria um
se refere ao desenvolvimento de um laboratório desdobramento operacional da estratégia. O pe-
de integralidade, que produziu um grande volu- rigo desta visão é recair numa concepção autori-
me de trabalhos sobre o tema inseridos na área tária e centralizadora da estratégia, que se opõe a
de gestão de redes em Saúde45. uma visão de planejamento comunicativo, na
qual a estratégia é fruto da negociação entre ato-
res plurais.
Enfoques metodológicos de planejamento: Este autor permite, porém, ressaltar a impor-
panorama internacional tância de funções cruciais do planejamento, como
de comunicação e de controle de resultados, e de
Inicialmente, identificam-se dois grandes mode- funções dos planejadores, dentre elas, a função de
los: o primeiro, o planejamento baseado no en- analistas estratégicos e de catalisadores da for-
foque problema-solução, correspondente ao pla- mação das estratégias e planos. No processo de
nejamento estratégico-situacional e ao enfoque aprendizagem, os planejadores teriam uma fun-
de planejamento da qualidade total, e, um se- ção importante, difundindo teorias, enfoques e
gundo, o planejamento estratégico a partir de métodos, apropriados pelos agentes organizaci-
cenários, no qual se destaca o modelo da pros- onais e utilizados nos cálculos estratégicos e ope-
pectiva estratégica de Godet46. No primeiro, te- racionais, realizados ao interior de processos de
mos um modelo de planejamento que vai do pre- negociação e de tomada de decisão da assim cha-
sente para o futuro. No segundo, um enfoque mada gestão do cotidiano, que redundam em es-
que transita do futuro para o presente. tratégias emergentes. Este último conceito, dife-
Embora existam similaridades entre os ins- rente do conceito de estratégia pretendida pela
trumentos do PES e da qualidade total na expli- cúpula, chama a atenção para a possibilidade de
cação dos problemas, esses enfoques são bas- um processo participativo e real de formação da
tante diferentes. Em um contraponto entre os estratégia, não dissociada do operacional, que si-
dois, Rivera47 assinala que o método da qualida- tua o planejamento como instrumento de apren-
de total difere do PES pela ausência de análise dizagem. Seriam padrões que surgem em deter-
estratégica dos atores do plano e pela falta do minados setores da organização, no processo de
cálculo de cenários. busca de soluções e se tornam modelos. No en-
A gestão pública por resultados48 defende a tanto, para que aconteça uma inflexão estratégica
necessidade de explorar os dois enfoques, corres- importante que ultrapasse o incrementalismo, é
pondendo a um modelo misto. O PES se diferen- necessário que este processo de aprendizagem se
cia da prospectiva de Godet, mas também con- apoie em teorias, métodos e enfoques que indu-
templa no momento normativo uma análise de zam a pensar globalmente a organização, incluin-
cenários, embora simplificada. Apresenta, ainda, do a necessidade de uma boa análise do ambiente
forte correlação com a gestão pública por resul- externo, de uma formulação coletiva de priorida-
tados, pois é desenhado para a administração des e de uma definição de um esquema de perten-
pública centrada na avaliação por resultados. ça a redes amplas. Haveria também a necessidade
Outro enfoque importante no campo corpo- de articulação de uma estratégia pretendida pros-
rativo é de Porter49, com adaptações para o cam- pectiva que reagisse às estratégias emergentes de
po da saúde24. Apoia-se na análise estratégica das maneira construtiva no sentido de influenciá-las
vantagens comparativas dos vários segmentos de e de ser influenciada por elas. Antecipação é fun-
produção. Embora a categoria segmento seja o damental especialmente em contextos de mudan-
ponto de partida, permite problematizar e tem ça veloz.
um conteúdo prospectivo que corresponde à aná- Os tipos ideais de organizações de Mintz-
lise do valor ou do grau de atratividade dos seg- berg51 ajudam a pensar o contexto organizacio-
mentos em função da análise do ambiente exter- nal da saúde onde há forte predominância da
no específico a cada um deles, ao lado da análise autonomia dos centros operadores devido a um
da outra variável representada pelos fatores-cha- saber especializado, o que exige comunicação in-
ve de sucesso (FCS) de cada atividade. tensiva com a finalidade de prover formas de
Mintzberg50 estabelece uma diferenciação en- autoconhecimento e insumos para a formulação
tre estratégia e planejamento. A estratégia seria o coletiva de uma visão estratégica. A função de
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terno e que, internamente, ela se configura como fala que operam como pretensões de validade ou
uma rede predominantemente de petições e com- proferimentos que podem ser aceitos ou não, o
promissos, apoiada nas afirmações e declarações. agir comunicativo seria uma forma de produção
Estas últimas fundam ou criam as organizações. linguística de consensos naturais (acríticos) ou
Os nós desta rede corresponderiam a especiali- argumentativos (discursivos) sobre pretensões.
zações em determinados compromissos com Diferentemente da coordenação viabilizada pelo
conversações nitidamente recorrentes. agir comunicativo, o agir estratégico seria uma
Para Rivera20, a teoria social habermasiana forma de coordenação da ação de mais de um
aplicada ao campo das organizações refere uma agente, com base em seus interesses particulares
visão dual de sociedade, configurada por duas condicionados pelas esferas do poder e do mer-
perspectivas de análise relacionadas dialeticamen- cado. Este agir pode se ancorar indiretamente em
te: o mundo da vida e o sistema. Esta visão opera atos de fala, utilizando-se de argumentos empí-
como pano de fundo para o entendimento do ricos e coercitivos, mas não seria uma coordena-
fenômeno organizacional a partir de uma metá- ção baseada no entendimento. Este conceito de
fora múltipla, que incorpora elementos do enfo- coordenação da ação de natureza comunicativa
que sistêmico e contingencial, assim como elemen- se revela um instrumento poderoso para com-
tos do paradigma da ação, que acentua o lado da preensão da lógica da coordenação de serviços
organização como construção social de atores, de de saúde, dentro da imagem-objetivo dos siste-
natureza dialógica. Dentro deste marco interpre- mas integrados de saúde31.
tativo que destaca o múltiplo, a própria metáfora Lima31,57 analisa a coordenação de serviços de
da cultura destaca-se como uma compreensão saúde a partir de um modelo construído a partir
importante da organização e, neste caso, é vista da lógica do agir comunicativo e baseado na in-
como dimensão fundamental do conceito de terrelação entre interdependência, coordenação e
mundo da vida da teoria social de Habermas, ou integração, cujo eixo estruturante é uma rede di-
seja, como o conjunto de configurações simbóli- nâmica de conversações que se estabelece entre os
cas da tradição organizacional que serve de base distintos atores que interagem no sistema. A ideia
ou de pré-compreensão para os processos de per- de rede de conversações35,36 como operadora da
cepção e intervenção organizacionais30. atividade de coordenar interdependências e pro-
Na busca de respostas às lacunas observadas mover integração fornece uma oportunidade de
nos enfoques de planejamento, apontam-se de- análise a partir das conversações que se estabele-
senvolvimentos específicos sobre a negociação cem nas distintas dimensões de integração do sis-
cooperativa e o diálogo21, utilizando como refe- tema. O autor rastreia as redes de conversações
rências “o modelo de negociação baseado em prin- que se estabelecem a partir de determinados rom-
cípios”, de Fisher, Ury e Patton54, de Harvard, e os pimentos (quiebres) na experiência analisada de
protocolos de diálogo, de indagação e argumen- um SAMU (serviço de atendimento móvel de ur-
tação, apresentados por Senge34. As contribuições gência) regional, identificando os atos de fala pre-
de autores como Thévenet55 e Schein56 nas refle- dominantes nestas redes: juízos, afirmações, de-
xões sobre métodos de ausculta cultural, passível clarações, ofertas, promessas e os principais gru-
de ser utilizada em pesquisas desenvolvidas em pos de atores envolvidos nos fluxos de conversa-
organizações profissionais51, permitem discutir as ção catalogados, assim como as possibilidades de
relações entre cultura, gestão e mudança organi- encaminhamento positivo dos rompimentos em
zacional, no contexto da saúde. O campo da lide- termos de compromissos.
rança, instância facilitadora da aprendizagem co- A partir de Searle33, Flores35 e Echeverria36
letiva, também se mostra promissor21,29. assumem que os atos de fala em geral corres-
O enfoque habermasiano representa uma pondem a formas de compromisso social, na
proposta profícua para entendermos como os medida em que os sujeitos que proferem estes
agentes sociais coordenam a ação e se organizam atos se obrigam a determinados compromissos.
como sociedade. A coordenação enquanto fenô- Por exemplo, quem faz uma promessa, assume
meno linguístico corresponde ao reconhecimen- os compromissos da sinceridade, da consistên-
to feito por Habermas de uma forma de ação cia e da responsabilidade. Quem faz afirmações,
social, o agir comunicativo, que representa uma por outro lado, obriga-se a apresentar evidênci-
alternativa ao agir estratégico e que permitiria a as ou testemunhas que avalizem a descrição de
coordenação dos agentes sociais através do en- situações de fatos.
tendimento linguisticamente mediado. Entenden- Esta concepção da linguagem como compro-
do a linguagem como um conjunto de atos de misso social foi explorada por Rivera e Artmann29
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