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ISBN. — 85-225-508-X Copyright © Angela de Castro Gomes Direitos desta edigdo reservados a EDITORA FGV Rua Jornalista Orlando Dasntas, 37 22231-010 — Rio de Janeiro, RJ — Brasil ‘Tels.: 0800-21-7777 — 21-2559-4427 Fax: 21-2559-4430 e-mail: editora@fgy.br — pedidoseditora@fgy.br web site: www.editorafgy.br Impresso no Brasil / Prinied in Brazil ‘Todos os direitos reservados. A reprodugao nao autorizada desta publicagao, no todo ou em parte, constitui violagado do copyright (Lei n° 9.610/98). Os conceitos emitidos neste livro sdo de inteira responsabilidade dos autores. l edigdo — 1988, Vértice uperj 2+ edigdo — 1994, Relume-Dumard 3+ edigaio — 2005, Editora FGV Reimpressio — 2007 Revisdo: Aleidis de Beltran, Fatima Caroni ¢ Mauro Pinto de Faria Capa: Adriana Moreno Foto de capa: Aspecto do trabalho de menores na fabrica Santana e Propaganda, 1940. Arquivo Lindolfo Collor, CPDOC/FGV. Foto de contracapa: Postal da série do Departamento de Imprensa ¢ Propaganda, 1940. Arquivo Getiilio Vargas, CPDOC/FGV. Ficha catalografica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FCV Gomes, Angela Maria de Castro, 1948- A invengdo do trabalhismo / Angela de Castro Gomes. — 3. ed. — Rio de Janeiro : Editora FGV, 2005, 320p. Originalmente apresentada como tese da autora (doutorado — Insti- tuto Universitirio de Pesquisas do Rio de Janeiro, 1987). Inclui bibliografia. 1. Socialismo — Brasil. 2. Trabalhismo — Brasil. 3. Brasil — Poli- tica ¢ governo ~ 1889-1930. 4. Brasil ¢ governo — 1930-1945, 1. Fun= dagao Getulio Vargas. I]. Titulo. CDD ~ 335 Sumario Apresentacio 4 3* edigao Ss Apresentacao a 1* edi 12 Introducio IF 1 = Reptiblica_e Socialismo na Virada_do Século 1. A cause de la République 3. 2LA Yor do Pove 38 55 6, Povo, politica ¢ trabalho na capital federal 59 7. A luta por um partido operirio 63 Os socialistas nav [os 6 TL O Anarquismo: outta Sociedade, outra Cidadani 1. Em cena, os anarquistas 87 C f ialismo anarquista 8s O anarquismo no sindicato 9 4.0 ontem no amanha: a futura comunidade de homens __96 3. A patria, o sabre © o padre 107 5 cooperativistas... Quem eran os amarelos? 177 si 18 UL Os Anos 20: o Dehate ou “a Razdo se Di aos Loucos” 129 1.O ano de 1920129 2. A questio doutrinaria. 138 3. O debate ou “a razio se da aos loucos” 144 4. A CSCB e 0 debate anarquistas x comunistas. 148 5. A escalada dos neocomunistas 156 Im novo concorrente no mercado: o Ministério do Trabatho: 163 IV — A Légica do “Quem Tem Oficio, Tem Beneticio 175 1, Estado Novo em primeiro moviinento 175 2. “If friends make gi fts make friends 1 Estado Novo em segundo movimento 182 — O Redescobrimento do Brasil 189 1. A cultura politica 189 2. Revolucio de 30 ¢ Estado Novo 197 3. Questio social € Estado Nacional 196 4. A democracia social brasile 198 5. liberducle © a igualdade liberais 202 6. A questi do intervencionismo do Estado 204 7.A critica ao formalismo politico ou A questio da representagao 205 VI — A Invengio do Trabalhismo 277 aos trabalhadores brasileiros 211 ivo 216 1, Falando 2. A ctiagaio do t 3. O povo e o presidente 218 4. Dar, receber, retribuir 1 politica brasileira a vimetes 226 empo NOL Trabalhisino ¢ Corporativisma: 237 A construcio do trabalhador brasileiro 2» calhismo ao P’ 203 L. As primeiras articulacées 265 2. Reforma constitucional e campanha eleitoral 269, en 3. O presidente ¢ a ques 4. Trabalhismo e queremismo 5. As eleigdes de 1945 € © nascimento do PTB 288 Finalizando 299 Bibliografia 303 Apresentacao a 3? edicao Dezessete anos apés ser publicado pela primeira vez, em 1988, es- te livro ganha nova edigdo. Razio suficiente para que algumas palavras 0 introduzam a novos leitores, distantes do contexto politico e intelectual que 0 gerou. Quando o livro foi escrito, ainda na primeira metade dos anos 1980, 0 Brasil se mobilizava para dar fim ao regime militar, ansiando por uma assembléia nacional constituinte que restabelecesse 0 pacto en- tre sociedade ¢ Estado, em bases mais democriticas. Havia alivio e peranca. Havia igualmente muita curiosidade intelectual, traduzida em pesquisas nas dreas de ciéncias sociais, histéria e direito, que contem- plassem temas como 0 autoritarismo, os militares, a classe trabalhadora, o empresariado, os movimentos sociais — enfim, que discutissem como o pais construiu seu conceito de cidacania e de democracia através do tem- po, pois, sendo esse um processo continuo, viveria, em breve, momento estratégico de expans 0 de direitos. Nesse marco, meu trabalho concentrava-se na questio da extensio da participagio politica aos setores populares, investigando como a cla trabalhadora havia se constituido em ator central na cena da politica bra- sileira. O enfoque teérico escolhido estabelecia que a cidadania dessa classe trabalhadora, alids muito plural, era um fendmeno histérico apre- ensivel pelo acompanhamento de um longo (e inconcluso) processo de lutas entre propostas distintas, elaboradas por diversos atores (entre os quais 0 Estado), com pesos variados. Ou seja, a linha interpretativa afir mava 0 protagonismo dos trabalhadores nesse proceso, recusando mo- delos explicativos muito compartilhados a época, que destacavam varid- veis sociolégicas e politicas de cunho mais estrutural, para afirmar um “re- sultado” marcado pela “heteronomia” da aio politica dos trabalhador Minha formacio, reunindo leituras vindas da histéria e da ciéncia politica, com uma pitada de antropologia, certamente ajudou a desconfiar de dicotomias como autonomia versus heteronomia, bem como a me afastar de uma das chaves explicativas entio mais utilizadas: 0 populis- mo. De forma impressionista, diria que, quando lancado, o livro foi re- cebido mais lentamente entre historiadores do que entre cientistas sociais, 1O_v_A_InveNCAo Do TRABALHISMO talvez porque tenha tido a chancela de um prémio dla Associacao Nacional de Pés-Graduacio e Pesquisa em Ciéncias Sociais (ANPOCS), em 1989 Quase 20 anos pass:dos, a incursio interdisciplinar, a busca de atores coletivos ¢ individuais — com nomes ¢ sobrenomes —, 0 aban- dono de um certo vocabulirio ¢ de modelos predeterminados de anilise mio assustam nem espantam ninguém. E nao escrevo isso como estratégia de valorizagao deste texto, mas sim para destacar © quanto se transfor mou ¢ se diversificou 0 panorama da produgao académica nas dreas das ciéncia al tal tipo de investig: ganhou espaco ¢ se afirmou. Apenas como indicac: anos 1980 que autores como Barrington Moore, E. P. Thompson, M: Sahlins, Adam Przeworski € outros comecaram a ser mais lidos e discu- tidos, bastando observar que suas traducdes datam, em geral, do fim da década de 1970. No caso da producao brasileira, tive alguns trabalhos co- mo referéncias importantes, entre os quais os de Maria Herminia Tavares, Maria Antonieta Leopold, Luiz Werneck Vianna ¢ Wanderley Guilherme dos tos, J4 nos anos 1990, sobretudo com © aumento do nimero e qualidade dos programas de pés-graduacao, multiplicaram-se os estudos sobre a classe trabalhadora, bem como os recortes realizados (a questa0 de género, os estuclos regionais, que deslocaram as pesquisas do Rio ¢ de Sio Paulo, os trabalhos monogrificos centrados em fabricas € sindicatos, a questao do corporativismo etc.); uma numerosa, diversificada petente literatura, que retomou o tema da classe trabalhadora, especial- mente no marco de uma histéria social do trabalho. E essa produgio que, felizmente para mim, tem utilizado, criticado e didas neste livro, dialogando com elas. Com essa perspectiva, considero que algumas interpretacdes cen- tis de A invengao do trabathismo foram, efetivamente, incorporadas a esse campo de pesquisa. Entre elas, gostaria de destacar a periodizagio proposia, demarcando linhas tanto de continuidade quanto de descon- tinuidade entie © pré € 0 p6s-1930 ¢ expecialmente dando sentido a “ideo- logia da outorga”, que permitiu ao E propriar e, assim, obscu- recer a “palavra” dos tabalhadores, arduamente construida durante as lu- tas da Primeira Reptiblica. Na mesma linha, estio os dois momentos do Estado Novo e a importancia do periodo do pés-1942, quando, em fun- a0 de um novo contexto internacional e nacional, os investimentos na construgao do pacto tabalhista e da estrutura sindical corporativa des- lancharam. Creio, igualmente, que a proposta de anilise do processo de formagao da classe trabalhacora ¢ de sua emergéncia como ator politico, como um proceso histérico dinamico que comporta uma légica material e outra simbélica, foi, no geral, aceita pelos novos estudos, bem como um debate em torno da eficacia explicativa da categoria populismo. © com- ancado as teses defen- lo se Castro GOMES ¥ A meu ver, como 0 processo de construcao do conhecimento so- cial, da mesma forma que todos os demais, é histérico, o que um pes- quisador deve almejar é que seu trabalho seja lido e discutido, favore- cendo novas investigagdes que, inevitavelmente, apontario suas incor- reces ¢ insuficiéncias, mas também poderao reconhecer suas contribui- ges. Quem pesquisa sabe bem qual é o tamanho da ignorancia, podendo ser, prudentemente, humilde e inteligente. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Ihadora € unir a participacao politica aos direitos desta classe trabalha- dora, Enfim, tratava-se dle investigar como a classe trabalhadora se cons- tituiu em ator politico central & politica brasileir: Para tanto, privilegiei os dois atores que em meu texto de mestrado havia abandonado, mantendo-me fiel ao contexto da cidade do Rio de Ja- neiro. A classe trabathadora ¢ 0 Estado seriam os atores principais, se- cundados agora pelo pationato. Na questio da participa nio mais da legislagdo trabalhista — foram eles os grandes articuladores de propostas, cada qual a sua maneira. Duas pa bem heterogéne meira cobre 0 periodo que vai da Proclamagao da Reptiblica (marco ini- cial da ani é a promulgacao da Constituicio de 1934, quando o Mi- nistério do Trabalho, Industria e Comercio recebe como tituktr Agamenon Magalhies. Este momento, ¢ nao o da Revolugao de 1930, € que constitui, a meu Ver, um marco no tipo de competicio que vinha sendo travada en- ue diferentes propostas de participacio politica. Composta de trés capi- tulos, nesta primeira parte a “palavra” est com liderancas da classe tra- balhadora. Sao elas que colocam suas demandas publicamente, desafi- ando ¢ ao mesmo tempo reas 1 época. O ritmo do tem- po que ai transcorre € lento, como longas e lentas so as lutas travadas pelos trabalhadores no periodo. Pequenas lutas, grandes contratempos, um saldo rico em elaboracoes ages nao tho distantes quanto se poderia acreditar, Em todos esses capitulos, a fonte principal fo nais operirios, complementados por entrevistas com velhos trabalhado- res que me ajudaram a vivificar com sua voz coloquial © material do- cumental impresso. s dio forma a este trabalho. A pri- ise indo ao contexto. lo. 1m Os jor- A segunda parte dedica-se basicamente a um curto periodo cro- nolégico: os anos que vao de 1942 a 1945. O grande ator do cenario po- litico € 0 Ministério do Trabalho, através da figura do ministro Alexandre Marcondes Filho. te pequeno espaco de quatro anos esti decomposto em cinco capitulos, cada um procurando um certo Angulo de visio do mesmo problema ¢ por isso utilizando fontes diferenciad O primeiro capitulo desta segunda parte — ou seja. 0 ca — funciona como uma introdugio aos que se seguem, € seu objetivo & clarecer para o leitor em que contexto politico o Estado assume o con- tole da “palavra operaria’ e, principaimente, que tipo de ldgica comanda sua politica social. O quinto capitulo ocupa-se em mostrar 0 contetido do discurso politico governamental elaborado nesta primeira metade dos anos 40. A sotisticagio e qualidade desse discurso ficam patentes quando se atenta para os nomes dos intelectu: no esforco € no cui- dado dedicado 4 sua divulgacao. A fonte escolhida foi a revista Cultura envolvick aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE CasTRO G therme dos Santos, orientador no doutorado, ¢ César Guimaraes, exem- plo porexceléncia da vocagio docente. O professor Guillermo O'Donnell também precisa ser lembrado, pela importiincia que seus cursos tiveram para a elaboracdo deste wabalho. Sou, porém, produto hibrido profissionalmente, € meu outro lado também quericdo é 0 CPDOC, onde trabalho desde 1976. Impos cionar todos aqueles que foram importantes para mim nesta que é a mi- nha casa A ANPOCS foi também fundamental para a feitura deste trabalho. De um lado, foi através desta instituicio que consegui durante dois anos uma bolsa de estudos que me permitiu contratar auxiliares de pesquisa e reproduzir o material necessario ao meu levantamento de dados. De ou- uo lado, como membro do Grupo de Trabalho Pensamento Social no Bra- , pude discutir ao longo de quatro anos textos preliminares desta tese, ivel men- recebendo sempre sugestoes enriquecedoras. A Universidade Federal Fluminense, através do Departamento de Ciéncias Sociais, do qual fui professora. possibilitou que durante este ul- timo ano eu pudesse me dedicar integralmente a redacao deste trabalho, Sem as preocupacdes € ocupacdes que o magistério impoe. Encontrei também na UFF um amigo e leitor critico inestimavel: José Augusto Drummond atravessou pacientemente os originais dos primeiros capitu- los, entiquecendo-os com sugestoes valiosas. Ao CNPq agradego a bolsa de au sivel a compra de fitas cassete ¢ a remuneracdo simbélica de um valioso auxiliar para a realizacio das entrevistas: Eduardo Stotz. Durante o le- vantamento de dados pude contar com a dedicacao de trés estudantes universitarias, todas elas mais do que eficientes porque interessadas no. faziam. Claudia Tavares Ribeiro, Leda Hahn ¢ Simone A. Pereira con- ndo possivel a coleta de uma ruzoavelmente va de documentacao. Outras p: tremamente delicadas comigo durante a tiva e fundamental da mpo. As funciona inte meses co- ilic pesquisa que tornou pos- sta massa sous foram ©: de ca as do. pesquis locaram 2 minha dispo lo, no serio esquecidas. Do Arquivo Edgard Leuenroth as figuras de Marco Aurélio Garcia e Michael Hall tormaram possivel uma consulta ra- pida e produtiva, num petiodo em que as condigées do arquivo eram pre- carias, devido a seus problemas iniciais de instalagdes. Ja na etapa final deste trabalho contei como kipis de Dora Flaksman, a quem atribuo a cla- reza e elegiincia que este texto po: entar, Sua presenca f nimo de tranqiilidade e esper: compreensio pelos leitores Na datilografia contei com a habilidade nao adjetiviivel de Licia Inez. siné- de plen 16_v_A_InvencAo po TRABALHISMO Momento dificil para uma pessoa é aquele em que ela é examinada Publicamente. A.composisao dle uma banca cle doutorado € neste sentido experiéncia de historiador € com sua delicadeza de -penileman Tambem 4 Ledncio Martins Rodrigues, pelo estimulo permanente, € a Luiz Werneck Vianna, Amaury de Souza ¢ José Murilo de Carvalho, que, como profes sores do IUPERJ, me acompanharam. Wanderley Guilherme dos Santos precisa ser mais uma vez lembrado. Uma proximagio inicial de muito peito € certo temor foi sendo transformada em relacionamento de ne- nhum temor, bastante carinho € muito respeito. Finalmente, os familiares que suportam sempre amorosamente momentos dificeis como o da elaboragdo de uma tese. Meus pais, meu marido e Isaura ‘eram comigo todo esse tempo. Mas. iltimos anos consegui realizar um sonho bem mais bonito ¢ im- portante do que elaborar uma tese de doutorado. G lina e Luiza fizeram de mim autra pessoa. Isto significa o exercicio de uma rotina de maternidade, das fraldas ao jardim, fazendo com que minha vi- da estivesse cheia ¢ “cheia” de criancas. A felicidade indescritivel pela possibilidade de realizacao deste sonho talvez s6 possa ser entendida pe- las mulheres que, como eu, tiveram que lutar muito pela eternidade pos sivel. Por tudo isso € pelo amor maior que sinto, s6 4 Celina ¢ Luiza este trabalho é dedicado. —a Tata ~ esi neste anhei duas filhas. Ce- Rio, setembro de 1987 Introdu¢ao Quem é0 opertriv? um homem bonesto, laborioso e que precisa sofrer 0 rigor da sorte para tenttdcuto de todas as cla ciats O que é opertrio? E 1m cidaddo que representa o papel mais importante perante a sociologia humana O que deve ser operdrio? Um bomen respeitado, acatado, porque x6 ele sofre para que os felizes gozem; dere ou nao ser tv bom cidaddo como outro qualquer? Tem on ndo peranie a lei natural on escrita — odireito e dever — de pugnar pelos direitos ¢ defesa das classes a que pertence? Eintuitivo que sim! Echo Popular, 10 de abril de 1890 Este pequeno trecho de um artigo do jornal socialista Echo Popular traduz bem a questdo que é 0 objeto deste estudo e demarca 0 momento a partir do qual ela pode ser datada no Brasil. O wecho se inicia pergun- tando quem é 0 operirio ¢ qual é 0 scu lugar na sociedace em que vive. A resposta traca uma auto-imagem centrada no valor positivo do ato de trabalhar com as prépri ra do trabalhador e 0 seu papel central no mundo econdmico e social. Se o t balhador é 0 esteio da sociedade, mas nao é reconhecido como tal pelas outras “classes so , cumpre lutar pura que esta situacdo se tansforme. Esta luta é uma luta politica, pois se traduz na conquista do status de “bom cidadao", organizado e representado politicamente, jf que cumpri- dor dos deveres ¢ merecedor dos direitos “das classes a que pertence’. Em resumo, o que o articuli ‘ho Popular esta reivindicando € a transformacao da classe trabalhacdora em ator coletivo legitimo do ce- nario politico nacional, exatamente no momento em que a escravatura _ de onde decorre a digniclade da fig) a do 18 vy A_INVENCAO DO TRABALHISMO acabava de ser abolida ¢ a Reptiblica acabava de ser proclamada. Os fun- damentos desta proposta de cidadania envolvem a construgio de uma identidade social positiva capaz de permitir aos trabalhadores se reco- nhecerem como classe dlistinta € solidaria, lutando por seus direitos pe rante as demais classes socitis. A maneira pela qual este proceso hists- rico de constituicao da classe tabalhadora como ator politico teve curso no Brasil é © que se deseja estudar neste trabalho. E. P. Thompson (1966), em seu clissico livro sobre o processo de formacao da classe trabalhadora inglesa, faz uma observacio essencial & naturez de sua aniilise quando enfatiza que a constituigao de uma c trabalhadora é tanto um fato de historia econdmica quanto um fato de historia politica ¢ cultural. W. Sewell (1981), em seu artigo sobre a for- macio da classe trabalhadora francesa, afirma que, embora usualmente as explicacées sobre o desenvolvimento de uma consciéncia de classe entre trabalhadores atribuam um papel muito importante as relagdes de pro- dugao, a consciéncia operiria, no ¢ ruiu muito n segundo o ritmo da politica do que do desenvolvimento econdmico do pais. Em ambo: sos, 0 ponto fundamental é a caracterizagao do pro- cesso de formacio da classe trabalhadora como um fendmeno histérico, e, mais ainda, como um fendmeno cujo compisso se liga essencialmente a historia politica de cada pais (Przeworski, 1977 € 1979). Thompson e Sewell convergem também em ouuos pontos funda- mentais. Para Sewell, a “mentalidade” da el foi por meio f ideologia revolu- cioniria liberal dominante no inicio do século XIX € da ideologia corpo- rativa artesanal de antiga tradicdo na Europa Ocidental. Esta fusdo per- mitiu que os trabalhadores se reconhecessem de uma nova forma, assu- mindo posigdes na sociedade informados por novos valores, e conce- bendo suas associagoes de classe a partir de uma nova perspectiva. Sewell chama este processo de construgio de uma “palavra operdria (Sewell, 1981, p. 650), ressaltando a forca constitutiva do discurso ope: ririo e sua relacdo com a vida politica francesa e com 23 cul- > da Franc A, S@ CO’ S08 5 tradligé turais dos trabalhadores. ‘Thompson considera que uma classe existe (acontece) quando um, grupo de homens que compartilham experiéncias comuns apreende estas — ou seja, ¢ capaz de mate- idéias e formas institucionais. E no decorrer deste processo que se constr6i uma identidade coletiva de interesses préprios a uma classe, distintos clos interesses de outras classes. Por isso, Thompson rejeita frontalmente a idéia de classe como “coisa” Cid, passivel de ser deduzida de uma certa relagio com os meios de pro- ducio e cujos interesses poderiam ser clefinidos em abstrato (os “werda- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA 0& Castro Gomes v 21 ensio de uma légica da aco coletiva. Por esta via, Sahlins critica Olson e também uma certa teoria marxista utilitaria e naturalista. Para Sahlins, como também para Baudrillard (1977), a experiéncia humana nao é organizada segundo uma logica objetiva, natural e pré-sim- bolica. No entanto, nao se wata de pegar a presenga de circunstancias ma- teriais que — por definigio — constituem sempre um limite ao qual os homens tém que se adaptar. © problema é que os homens se relacionam com estas circunstincias, experiéncias, realidades, enfim, com estes cil- culos racionais, sempre segundo um esquema de repres 0 tinico possivel. O ponto, por conseguinte, nao é 0 s cunstancias materiais ou os esquemas interpretativos que tém prioridade na genealogia da acdo coletiva. A questo nao é de “prioridade, mas sim de qualidade”, ou seja, a experiéncia humana ¢ sempre uma experiéncia rica em significados. O pensamento nao é 0 reconhecimento de uma re: ago de situagdes ma- alidade natural. A consciéncia nao é uma identific tais ela nao interfira. As andlises de Thompson e¢ Sewell, brevemente mencionadas an- teriormente, constituem excelentes exemplos de como a construcao de um ator coletivo — a classe trabalhadora — foi tratada a partir de um en- foque tedrico que privilegiou a presenca de uma légica simbdlica. Se am- bos os autores ressaltam que a construcio da identidade operaria é tam- bém um fato de historia econdmica, que tem a ver com a dinamica da Re- volugio Industrial na Inglaterra © na Franca, sto categéricos quando en- fatizam que as experiéncias m 1is destes trabalhadores sio apreendidas segundo modelos interpretativos que se vinculam a suas proprias tradicdes politicas e culturais, bem como ao compasso da vida politica de seus respectivos paises. Para Sahlins, o problema fundamental de um certo marxismo foi justamente ficar aprisionado por uma “légica racional e material da pro- ducao”, 0 que acabou por contradizer as postulacoes do proprio Marx: os homens tansformam a natureza (produzem/trabalham) segundo um construto, isto é, segundo um sistema de representagdes. Contudo, o es copo do pensamento marxista é amplo ¢ dentro dele encontram-se pro- postas de anilise da acio coletiva que também criticam o que se consi dera uma versao ortodoxa do cia de classe. O tra- ter nificado da cons batho de Thompson é mais do que suficiente para demonstrar a impor- tincia dos textos que propdem a superagao de uma ldégica utilitarista. O trabalho de Claus Offe ¢ Helmut Wiesenthal (1979), seguindo uma ver- tente mais te6rica, € outro bom exemplo. Partindo de uma critica ao livro de Olson, estes autores defendem aexisténcia de duas légicas de 1: uma para a burguesia e ou- tra para a classe trabalhadora. F assim uma légica da acio coletiv 40 coletit 22 _v_A_INVENCAO DO TRABALHISMO que procuraria superar as dimensdes individualista e utilitarista da orga- nizacio de interesses olsoniana. A possibilidade de constituigao da classe trabalhadora como ator politico adviria nao da agregacao de interesses materiais comuns, mas da superacdo desta problemitica. O auto-reco- nhecimento dos trabalhadotes como coletividade s6 seria pos definigao do que seriam os seus interesses de classe, 0 que ser através de um discurso capaz ce conformar uma identidade que supera a presenca dos interesses utilitirios. Nao se nega, portanto, 2 existéncia as sim que eles comandem a acdo coletiva dos tra- destes interesses, r balhadores A formaciio de uma identidade coletiva — de uma interpelagao de- finidora e integradora — seria capaz de subverter a logica coletiva utili- tarista pela redefinic I dos termos do calculo racional. Neste sen- tido, poderiam existir diversas identidades pa se wabalhadora e varias formas de consciéncia de classe e definicdo cle interesses, Nao se trataria de encontrar “uma” consciéncia de classe “verdadeira”, pois con- forme aos interesses reais/naturais/materiais do operariado. ac Mas & Pizzorno (1976), outro autor marxista que trabalha nessa di- >, quem traz uma importante contribui 1 ele, que claborou o conceito de identidade coletiva, as agdes que compdem um processo de formacio de identidade podem comportar dois momentos. Em um deles a légica da acio coletiva 36 pode ser entendida quando se abandonam as questdes do que pode ser “ganho” ou “perda” para os atores nela en- volvidos. O fundamental, neste caso, sio as “condutas expressivas” que produzem solidariedade. O objetivo da acao é o reconhecimento de uma identidade comum pelos proprios participant uma reivindic ’s ¢ pelos outros, o que & acio claramente nao-negociivel Em outro momento, quando a identidade coletiva € reconhecida, ‘condutas instrumentais” passam a predominar ¢ as reivindicagdes da acdo tornam-se mais setoriais ¢ baseadas em um céleulo de perdas e ga- nhos. Esta dindimica é permanente, revelando a possibilidade da presenca de uma dupla légica, mais expressiva ou mais instrumental, conforme o momento da constituicao das identidades coletivas. Para Pizzorno, este processo histérico 86 se efetiva quando 0 ator é capaz de se reconhecer por meio do que chama de uma “area dle igualdade”, A agao coletiva, es- pecificamente a participacao politica, € desencadeada quando se esta en- te iguais. Fazendo uma leitura livre de formagio de uma identidade coletiva consiste na construgio de um dis- curso capaz de produzir uma “drea de igualdade” substancial que nega as desigualdades em um espaco definido e, dentro dele, enfatiza um con- Ses autores, € possivel dizer que a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 24 © A_INVENCAO 00 TRABALHISMO sil, a interpretacao dominante é a que vé este resultado como a quebra de um processo natural que vinha se desenrolando durante as décadas da Primeira Reptiblica, sob 0 comanclo dos proprios trabalhadores, A intervengio do Estado, produzindo uma identiclade “de fora”, te- a gerado uma classe trabalhadora cuja atuago politica estaria conde- ternas 2 classe. Dai a chamada hete- dos trabalhadc ei nada a vinculos com liderangas ronomia da agao politic que nao os seus e incapazes de impulsao prépria. Dai o sucesso do tra- balhismo ser explicado ou pelas condi¢des socioecondmicas de formagao da e trabalhadora (suas origens s dificeis condigdes de in- tegracio ao trabalho fabril; a renovacio constante do contingente de tra- balhadores engajados na producao, enfim, as determinacées estruturais da industrializagao no Brasil); ou pela natureza dos apelos populistas que manipulariam esta massa visando apenas ganhos eleitorais. Dai, por fim, a anomalia da organizacio corporativa, uma invengao autoritiria do Es- tado Novo que sobreviveria no pés-45, A Constituicdo de 1946, neste ra- ciocinio, consagraria um processo diibio, 20 manter o sindicato corpo- rativo num regime liberal-democratico. A eleigio de Getilio em 1950, sua morte em 1954 ¢ 0 posterior crescimento do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) reafirmariam este paradoxo da histéria politica do Brasil O que se deseja neste estudo € questionar toda esta linha inter- pretativa, Para tanto, vai-se retomar o processo hist6rico de construgio da identidade coletiv se trabalhadora no Brasil para compreender melhor as razdes do sucesso do projeto trabalhista que marca a cultura politica deste pais até hoje. Isto significa investigar: 1) quem foram seus principais artifices; 2) quando foi testado e implementado; 3) que recur- os de poder foram mobilizados pelo Estado; € 4) que elementos basicos este discurso trabalhista articulou. Seguir esta linha de andlise é postular que o pacto entre Estado e classe tabalhadora no Brasil nao pode ser entendido apenas segundo um calculo utilitario de custos ¢ beneficios. Ou seja, as interpretagdes que a da legislacao do trabalho, em sentido amplo, para explicar se trabalhadora ao projeto trabalhista, esto cor- retas, mas sao insuficientes. A hipotese deste trabalho é que 0 sucesso do projeto politico estatal — do “trabalhismo” — pode ser explicado pelo fa- to de ter tomado do discurso articulado pelas liderangas da classe traba- Ihadora, durante a Primeira Republica, elementos-chave de sua auto-ima- gem € de os ter investido de novo significado em outro contexto discur- vo. Assim, © projeto estatal que constitui a identidade coletiva da classe trabalhadora articulou uma légi gislacdo social, com uma logica simbélica, que representava estes bene- ficios como doagdes e beneticiava-se da experiéncia de luta dos préprios res, subordinados a interesses. rurais da ch: sinalam a material, fundada nos beneticios da le- ANGELA 01 trabalhadores. Como foi visto, 0 processo de constituicao da classe tra- balhadora em ator coletivo é um fendmeno politico-cultural capaz de ar- ticular valores, idéias, tradi¢des e modelos de organizacao através de um discurso em que o trabalhador € a0 mesmo tempo sujeito € objeto. E fundamental destacar que o objeto desta anilise ¢ sempre 0 pro- jeto que esta sendo proposto, quer seja pelas liderangas da classe waba- Thadora, quer seja pelo Estado, com as ébvias diferengas de recursos de poder, O exame do processo de constituigio de uma identicade coletivs da classe trabalhadora no Brasil é feito a partir da diversidade de versdes construidas pelos atores nele envolvidos. Estas versdes so examinadas, nao a partir da identificagio isolada de elementos que compdem seu con- tetido, mas sim pela articulagao desses elementos em uma certa légica discursiva que constréi seu proprio destinatirio (Laclau, 1979) A classe wabalhadora, por conseguinte, nao esta sendo entendida como uma totalidade harménica, um sujeito univoco em busca de uma identidade. Ela é tratada através do conjunto diferenciado de propostas que lutam e competem pelo monopolio “da palavra operaria”. A multi- plicidade das versdes sobre o passado, presente e futuro desta classe tra- balhadora toma © que “efetivamente se passou” num aspecto secundario para a anilise. O primordial aqui é sempre a proposta dos atores envol- viclos no processo e — 0 que nos remete de forma inevitdvel ao que “efe- tivamente se passou” — seu esforgo e capacidade para wansformar suas versdes em “fatos reais" (Lamounier, 1980). E necessario ¢ conveniente agora voltar ao artigo do Echo Popular. La est, em sintese, o fundamental dos elementos-chave rearticulados pe- lo discurso trabalhista no pos-30: uma ética de trabalho; a figura do tra- balhador como homem honesto ¢ sofredor; a centralidade de seu papel econémico na criagdo das riquezas do pais; sua importincia na sociedade em geral, e, por fim, a naturalidade de sua cidadania. O processo de constituigao da classe trabalhadora no Brasil como ator politico vai ser uatado como um proceso que tem como que dois movimentos principais. © primeiro deles é lento ¢ toma as décadas da Primeira Reptiblica, pontilhadas de propostas politicas e de grandes e pe- quenas lutas comandladas pelos préprios trabalhadores. A “palavra” neste periodo esta com liderangas vinculadas 2 classe tabalhadora (intelectuais ou nao), que indiscutivelmente assumem a construcdo de propostas so- bre sua identidade. A despeito disso, so forgadas a assumir também os. temas da conjuntura politica nacional: os partidos, na virada do século; 0 militarismo € 0 nacionalismo, nos anos 10; a crise econdmica € politica, nos anos 20. Como ja foi assinalado, é histéria politica de um pais que da a este processo de constituigio de atores seu compasso decisivo. E compreensivel, desta forma, que neste longo periodo haja um momento 26 _v_A_INVENGAO Do TRABALHISMO particularmente denso, correspondente a uma conjuntura de grande ten- 0 ¢ mudanga politica. A virada do século, momento que se segue a abo- licio da escravatura e 2 proclamacao da Reptiblica, é especialmente sig- nificativa para a construgao da “palavra operaria Quando se cria um mercado de trabalho livre no pais € necessario também criar um modelo de wabalhaclor, ¢ o referencial da es impoe para a construcdo de qualquer tipo de discu ética do trabalho. No caso deste estudo se esti privilegiando e acompa- nhando os esforcos de construcao de uma ética do trabalho que nasceram da propria classe trabalhadora, por intermédio de variadas liderancas com propostas politicas distintas. Mas vale mencionar que existiram outros projetos dle redefinicio do conceito de trabalho e do papel do trabalhador na sociedade, que se articularam por iniciativa do patronato e de auto- ridades ptiblicas. Desde fins do século XIX — mesmo antes da aboligao da escra- avidao se so que cnvolva uma vatura —o tema do trabalho e de tr lores livres e educados no “cul- to ao trabalho” se impés ao pais. Entendia-se claramente que era preciso criar novos valores e medidas que obrigassem os individuos ao trabalho, quer fossem ex-escravos, quer fossem imigrantes. A preocupacio com o Scio ea desordem era muito grande, e “educar” um individuo pobre era principalmente cniar nele 0 “hibito” do trabalho. Ou seja, era obriga-lo ao tabalho via repressao € também via valorizagao do préprio trabalho co- mo atividade moralizadora ¢ saneadora socialmente. O “pobre” ocioso era indubitavelmente um perigo para a ordem politica € social segundo esta perspectiva, que nao era advogada no seio da classe trabalhadora, como se veri com vagar a seguir Além disso, vale observar, apenas como registro, que paralelamen- te aos esforgos para a criagdo de uma ética do trabalho — quer por ini- ciativa dos trabalhadores quer nio — desenvolvia-se também, em espe- cial na cidade do Rio de Janeiro, uma proposta de produgio de uma ética do nao-trabalho (da malandragem), que convivia ¢ disputava espagos com a primeira. Examinar a dinamica dest extrapola os ob- jetivos deste estudo, mas nio se pode deixar de assinali-la, ja que ela per- corre toda a Primeira Reptiblica e tem desdobramentos no pés-30. O segundo dos movimentos mencionados é bem mais rapido e, embora possa ser, grosso modo, datado do pés-30, tem como ponto de inflexdo os anos que vao de 1942 a 1945, ji no final do Estado Novo. Nes- te perfodo, a “palavra” nao esti com os trabalhadores € sim com 0 Estado. Nao se trata mais da postulagio de diversas propostas de identidade da classe trabalhadora que competem em um espaco politico, enfrentando reacdes poderosas de outras classes sociais. Trata-se de uma propost identidade nitidamente articukida a um projeto politico que conta com re- convivéncia de aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 28 v_A_INVENCGAO 00 TRABALHISMO ha, como Pizzorno sustenta, “uma” consciéncia de classe, “um” interesse “verdadeiro” para a classe trabalhadora, pois nao existe, histérica ou te- oricamente, nenhum modelo que possa ser seguido e defendido. Considerando-se o processo de construgao de uma identidade co- letiva como historico ¢ fundaclo numa I6gica simbdlica, no caso da classe tabalhadora no Brasil € nece io incursionar pelas décadas da Primeira Repiblica € “ouvir os trabalhadores”, para entio avangar para os inicios dos anos 40 e af “ouvir o Estado”, percebendo em sua fala os ecos de ou- tras vozes No inicio do século a “palavra” estava com aqueles que se auto- designavam socialistas ¢ que, num momento extremamente complexo e denso, propunham em nivel de discurso € de organizacao a participagao politica daqueles que trabalham, Esta experiéncia, efémera e fragmenta- da, é rica em significados. Ela demarca 0 esforco de construgao de uma identidade social para o operario, dando-lhe papel de destaque no mer- cado e, resguardado este lugar, defendendo a legitimidade de sua parti- cipacao politica Confrontando-se com outros discursos republicanos e, principal- mente, rompendo com a tradigdo da propaganda abolicionista, os soci- alistas debateram-se com a forca de nosso passado escravista no universo da politica, Sua proposta organizacional de forma¢ao de um partido po- lidico operirio decorreu de uma aniilise que acreditava na congruéncia entre as quest6es de trabatho livre as da Republica recém-proclamada. 1a Opgao, que de inicio subordinou as associagées da classe trabalha- dora ao partido, mas que num segundo momento reconheceu sua grande importincia como base politica, nao foi bem-sucedida, nem no inicio do século, nem durante toda a Primeira Reptiblica. As insistentes e sucessivas tentativas de formacao de um partido operirio (socialista) enfrentaram re- é nao S6 dentro do sistema politico-partidario domi- nante, como também dentro da propria classe trabalhadora. Os anarquistas desempenharam um papel essencial neste sentido, atingindo a proposta socialists do Angulo da organizagio do que no que se refere 4 construcio de uma auto-imagem do trabalha- dor. O valor do trabalho e a centralidade da figura do trabalhador para uma futura sociedade anarquista eram pontos inquestionaveis. Desta for- ma, os libertdrios reforgaram a ética do trabalho que vinha sendo cons- tuida pelos socialistas, bem como seu projeto de identidade fundado na solidariedade dos interesses dos que trabalham. Além disso, enriquece- ram o modelo de homem tabalhador com uma perspectiva de educagio integral que objetivavs io intelectual e moral. © “operario” — sem deixar cle ser definido como aquele que trabalha com suas préprias maos — devia ser também um homem educado, 0 que se traduzia nio sé muito ma pelo acesso 4 educacio basica (ler ¢ escrever) ¢ profissional, como tam- bém pelo acesso & cultura (a arte e 4 “politica”, por exemplo). Mas a “cidadania” anarquista era concebida basicamente como a participacio voluntaria em associacées federadas e confe- deradas: os sindicatos de oficio. A rejeicdo da politica liberal e dos par- tidos e eleigdes completava-se com a rejeicdo das formas associativas mu- tualistas que caracterizavam a experiéncia da classe trabalhadora brasi- leira desde, pelo menos, a segunda metade do século XIX. A opgio pelo “sindicato de resisténcia”, com orientagio doutrinéria explicita ou impli- cita e com o objetivo precipuo de lutar contra o patronato e 0 Estado, ca- racteriza a proposta anarquista em sua forca ¢ fraqueza. As dificuldades de mobilizacio que 0 anarquismo expetimentou, em especial na cidade do Rio de Janeiro, sto mais do que ilustrativas, As dtividas e as propostas alterativas de alguns importantes militantes libertirios 20 longo dos anos 10 demonstram que 0 sindicato de resisténcia nao estava sendo avaliado como uma forma organizacional capaz de colaborar para a construgio da identidade da classe tabalhadora, ou seja, da solidariedade desejada pe- los anarquistas. A questao das formas organizacionais avangou com mais dificul- dade do que lor do trabalho numa economia de mer- cado, e do reconhecimento da classe trabalhadora como fundamental distinta de outras classes na sociedade em geral. A formacao de um Par- tido Comunista no Brasil, em 1922, e o destaque que a proposta coope- rativista ganhou na mesma €poca iriam alimentar este processo. No caso dos comunistas. u sobre a renovacio do projeto de um par- tido politico para a classe trabalhadora e sobre a recuperacao da legiti- midade de sua participagao politica por meio do voto. Ressignificando a proposta dos socialistas, os comunistas teriam o papel de conduzir o pro- jeto partidirio desde entdo, sustentando-o com eficicia até 0 periodo de 1942-5, apesar da repress questdes do 0. JA os cooperativistas propunham basicamente um modelo de or- ganizacao fundado em sindicatos profissionais cuja finalidade era realizar acordos entre a classe trabalhadora € 0 patronato, dentro dos ditames da ordem e do progresso social, Estes sindicatos operavam por meio de co- quais preenchiam funcdes que abarcavam o crédito aos , a distribuigao da producao, a educacio ete. Os sindicatos co- operativistas aproximavani-se, portanto, de um modelo associativista mu- tualista de carater mais assistencial, sendo radicalmente opostos ao mo- delo associative anarquista. Embora com caracteristicas absolutamente di- versas, 0 sindicato também aparecia — neste contexto dis mo o instrumento por exceléncia capaz de articular a classe trabalhadora cursive — co- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGeta 0& Castro Gomes v 31 nistério do Trabalho, fechou-se com vigor o tativa de encaminhar 0 processo de constitui partir dos proprios trabalhadores. O que se pode observar, contudo, é que ‘spaco para qualquer ten- » da classe trabalhadora a ‘ste momento de repre: so nao foi simultineo ao da construgao e implementacao do projeto tra- balhista. Ha como que um hiato entre os dois, que explica a possibilidade de emissao de outra proposta para a classe trabalhadora. A proposta da Igreja, que se serviu deste lapso de tempo, nao conseguiu, entretanto, ar- ticular elementos necessirios para sensibilizar os trabalhadores. Profun- damente assistencialista, mas também profundamente desmobilizadora, tal proposta foi desenvolvida em vinculacio com um clima politico m cado pelo combate ao comunismo ¢ pelo louvor a um Estado forte. Com as alteragdes sofridas pela politica nacional e internacional no inicio dos anos 40, ficou cada vez mais dificil e desinteressante para as autoricades governamentais dar cobertura a um tipo de projeto como este. Foi justamente no bojo desta situagao politica, que anunciava uma significativa reorientacao para os rumos do Estado Novo, que 0 projeto trabalhista passou a ser efetivamente articulado € implementado. Com primor inquestiona 0 do governo incorporou o aprendizado politico dos anos iniciais d de 30 e estruturou-se por meio de uma sofisticada argumentacio cientificista Esta argumentacio procurava opor fis normas liber: realidade empirica, utilizando todo o instrumental da moderna sociologia ¢ estatistica, Exatamente porque se tinha “consciéncia” de que o proc de constituicao e divulgacdo de um apelo politico é 0 mesmo processo de constituicao do ptiblico deste apelo, o diagndstico cientificista foi com- plementado com um amplo conjunto legislativo e com multiplos instru- mentos de comunicucdo social Gornais, filmes, cartaz ete.) Mais do que falar para um ptiblico, a intengao era produzir este pu- blico identificado como a classe trabalhadora brasileira. E por es que © “trabalhismo” brasileiro manteve tantos lagos com as iniciativas go- vernamentais no campo da politica social, fossem elas voltadas para condigdes de trabalho, educacao, satide, habitaco, lazer ou quaisquer outras. E é também por esta razio que a questio das formas institucionais de organizacio da classe trabalhadora recebeu atencio especial, ocor- rendo um esforco cuidadoso para se articular sindicalismo corporativista ¢ emergéncia de partidos politicos. Trabalhismo ¢ corpora 0 fa rinha de um mesmo projeto. Sao, além disso, invences capazes de se ar- ticular com uma realidade politica que supée 2 vigéncia da liberal-de- mocracia. vel, o disc is os fatos da s, discos, radio 1 razio tivismo s 12 Parte A hora e a vez dos trabalhadores Capitulo 1 Republica e Socialismo na Virada do Século 1. A cause de la République A Proclamagio da Reptiblica no Brasil esta certamente bem longe de significar um momento de transformacao tevolucionaria na acepeio classica de historiadores ¢ cientistas politicos. As imagens de que 6 povo Odio e de que os politicos estavam agarra- ssistiu “bestializado” ao ep dos & cauda do cavalo de um general ilustram a visio de que o aconte- cimento politico que derrubou 6 Imperador ea Monarquia foi um fato surpreendente. O golpe vitotioso de Deodoro concluia, contudo, um pro- cesso que se iniciara décadas atriis, envolvendo questdes cruciais como a aboligao do trabalho escravo ¢ a participagao politica dos militares, e que se materializara numa campanha com significative grau de mobilizacao € organizagao, como o demonstra a criagdo do Partido Republicano, Os in- teresses € a composicao dos segmentos que se reuniram em nome da Re- publica sao reconhecidamente diversos ¢ complexos. A Prockamacio, se nio é um momento de politica revoluciondria, é a6 menos um momento de crise politica que guarda uma caracteristica fundamental dos episédios que inauguram novas expetiéncias hist6ricas: a instabilidade A construgio de um novo Estado idealizado por stores sociais (a0 diversificados nao pode! 0, 0 periodo inicial do experimento republicano pode ser entendido ia suscitar rapidamente um amplo consenso. Por i como o da busca da definicao de seus prdprios contornos. As crises su cessivas — politicas, econdmicas ¢ sociais — que pontuam as duas pri- meiras décadas da Republica denotam a vivéncia do sentimento de per- meabilidade do regime, e, mais que isso, de que o poder ocupado. Se no antigo regime o poder estava definido ¢ até materializado na pessoa do Imperidor, sendo ele © drbitro da sociedade, com a Repti- blic. nunca 0 fora, construido pela sociedade (Furet, 1978, pp. 70 e seg.). O sentido principal da convocacao de uma Assemibléia Nacional Constituinte que postularia os principios do novo Estado é justamente este, em suas ni- tidas vinculagSes com a teoria € a p D esti a situ Glo se inverteu. O poder es 1 disponivel para ser, como aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE CasTRO Gomes v 39 da defesa dos direitos operarios.* Além disso, na presidéncia de uma das reunides iniciais para a discussio da questao da participacio politica dos trabalhadores, encontrava-se o tenente José Augusto Vinhaes, um dos li- deres mais importantes do momento. Como aluno da Escola da Marinha, Vinhaes participara das campanhas abolicionista ¢ republicana. Ha ainda dois fatos fundamentais para sua identificagdo: Vinhaes se vinculara a (0 do jomnal republicano O Paiz, do qual era um dos redatores, e fora o lider do assalto 3 Repartico Geral dos Telégrafos por ocasido do golpe republicano, sendo entao nomeado por Deodoro diretor interino do 6r- gio. Neste cargo realizara uma experiéncia determinante para a sua po- pularidade: estabelecera uma série de reformas — entre as quais a redu- cao da jornada de trabalho — que melhoraram substantivamente as con- digdes de trabalho de seus funcionarios.* O que importa assinalar com estes claclos € que, no momento pos- terior & Proclamaco, um grupo de homens de tradicio nas lutas pelos di- reitos dos que tr: s pela Reptiblica, se associou em torno de um jornal que traduzia o lancamento de uma proposta. Na verdade, como se veri, esta conjuncio foi efémera — durou pouco mais de um més —, pois logo surgiu uma cisio que dividiu o grupo em duas organizagées partidarias, em duas vozes. De toda forma, a proposta so- cialista, vivenciada e debatida ao longo de 1890, deixou nao s6 registros, como também experiéncias. Sua matriz inicial era aquela veiculada por A Vor do Povo, que no més de ecia em torno de que pontos fundamentais se estruturava a idéia de organizacio de um partido operirio no Brasil. O primeiro desses pontos se referia ao significado da Reptiblica, Anunciando “novos horizontes ao povo brasileiro” ela se instalara como uma “revolugdo pacifica, verdadeiramente sublime” em seus principios ¢ em sua forma. A Monarquia no Brasil fora “abatida” pela “avalanche da evolugao” que “arrasiou-a até a beira do abismo” liquidando-a tranqui- lamente. A Reptiblica era o reverso da Monarquia, diagnosticada como a “era do tradicionalismo’, isto 6, dos privilégios ¢ precanceitos aristocra- ticos. No interior desta tradiga am, e também nas lu 1a fundagao es tacanha, Férres © imoral, o oper mples representag do servo da gleba, que foi sempre o individuo ignaro dts sociedades aris- tocriticas, sem valor moral, sem representacdo social, sem vontade, sem io nav passaya de direitos © sem r Este era 0 segundo ponto central na constr nal: o grande sentido da Repiblica era abrir as portas da existéncia ao tra- balhador brasileiro. A operacao implicava inverter os sinais pelos quais a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE CastRO Gomes wv 43 3. Identidade social e participacao pol Quando 0 jornal de Gustavo de Lacerda toma o titulo de A Vozdo Povo, ele assume wma concepgao propria do que € o povo para a pro- posta socialista que comegava a se articular. Esta concepeio esti breve mente exposta em um artigo, jd citado, que diz: “entre as muitas classes em que se dividia o povo. ocupdavamos o tiltimo ltgar’. Ou seja, 0 conceito de povo construido pelo discurso do jornal referia-se a uma totalidade he- terogénea, oposta 2 aristocracia, na qual estavam incluidos, na faixa mais baixa ¢ destituida, aqueles que trabalham. O jornal nao era a voz de todo © povo, mas sim de uma camaca especial por ele identificada como ca- rente de um reconhecimento social particular Esta observacao € importante porque ela nos permite situar o d curso socialista em dois contextos. Em primeiro lugar, no conjunto dife renciado de propostas que compunham a propaganda republ Em segundo lugar, em face da tradi¢io da propaganda abolicionista. Estes dois marcos, tomados apenas como referenciais, sao titeis para o enten- dimento de uma das dimensdes centrais do discurso socialista. Ela reside no esforco de lutar por um contorno social para esta parcela do povo, e pela legitimidade ce sua presenca politi sto em ter- mos de cidactania, o esforco era peka conquista simultinea de todos os di- rcitos — civis, politicos ¢ sociais —, ji que em nome da qual se A propaganda republics abido, reuniu inte- resses ¢ discursos diversificados, que envolveram propostas de organi- zacio € participacio politica num continuo de matizes que ia do conser- vadorismo ao radicalismo. Se no estava definido o que era ser republi- cano, também no havia uma tinica forma de se ser republicano conser- vador ou republicano radical. O que interessa aqui € © tear do que pode ser considerado propaganda republicana radical, poi variada, é ela que introduz no discurso revolucionario a categoria povo, buscando po termédio a legitimid a, No conjunto destas propostas pode-se destacar dois grupos que fakam pelo e para o povo, um civil e outro militar (Carvalho, 1985, pp. 147-5. Silva Jardim, a0 lado de Luis Gama e Lopes ‘Trovao, exemplifica a vertente ce agitadores populares que propunham uma Reptiblica com apoio € participacio ativa do povo. Esta vertente incomodava a maioria do Partido Republicano e até mesmo o positivista Benjamin Constant, que re- conhecia sua utiliclacle, mas temia seus desdobramentos. As idéias de Silva Jardim no foram expostas sistematicamente, mas sua concepgio de povo refere-se a. uma totalidacle abstrita e homogénea, que se move e fala como um s6 corpo € voz. O modelo remete necessariamente & experiéncia da Re- até aquele momento a “classe falava s6 conhecera deveres. na no Brasil, como & embora de forma seu dle pol aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De CasTRo Gomes v 47 Ainda em marco de 1890.4 Voz do Povo fechou, ¢ seu grupo ori- ginal passou a ser liderado por Franga ¢ Silva, um operirio tipégrafo ne gro que criou seu préprio jornal: Echo Popular. Em torno deste nome € deste jornal organizou-se no més seguinte um segundo partido operario, com uma diretoria € um manifesto-programa langado 4 populagao. O combate & lideranga de Vinhaes seria uma das preocupagdes constantes do novo partido,!° © ponto ini inilise das experi listas € 0 destaque por elas atribuiclo 4 formacio de um partido politico. A escolha do partido como instrumento de mobilizagao € organizagao dos trabalhadores precisa ser entendida como uma das opcdes possiveis na época. No final do século praticamente inexistia qualquer tipo de es- trutura organizacional de wabalhadores no Brasil. O que se havia expe: rimentado era ou um certo tipo de preci jetivos mutuulistas reunindo trabalhadores de mesmo oficio, ou certos clubes formados por elementos clefensores da causa do trabalho. Neste caso, eles estavam geralmente vinculados a um idedrio de matriz positi- vista, articulando-se a outras causas politi © praticamente nao man- tendo vinculagées diretas com a populacio trabalhadora A opcio pelo partido — em lugar do centro, clube, grémio, uniio etc. decorreu de uma anilise politica que detectava uma certa congru- €ncia entre as questoes do wabalho € as da Reptiblica, o que permitia € aconselhava a eleigio de uma estratégia de luta centrada num instrumen- to politico por exceléncia, O jornal Echo Popular avalia 6 momento po- litico que se vivia como *o mais propicto para que as classes operdrias fa- ¢am valer seus direitos ¢ estabelecam sua pretensdo de representacdo jun- to a fitturos governos’.'” Nao era por acaso, acentuava o jornal numa ni- tida mengao a Vinhaes, que surgiam tantos patronos para operaria. Isto confirmava que a questao dla organizacdo dos trabalhado- res, entendida como a da defesa de um novo regime de trabalho, seria ca- da vez mais a questio primordial da época, como o haviam sido as causas da aboligao e da propi Esta colo é wecedora, j dos socialistas nao se limitava & conjuntut parativos eleitorais para a Constituinte para setembro de 1890. Ela po: dava numa concepcao clo que devia ser a Republica. A compatibilidade entre 0 movimento republicano ¢ o movimento dos trabalhadores resul- taria do fato de os fins tltimos da Republica estarem sendo e. como a defesa dos principios clissicos da igualdade e da fraternii que 86 se realizaria pela inser novo regime de trabalho para o progresso do pais) ¢ politica (uma nova ser abordado na IS socia- ia associagao gremial com ob- ia Reptiblica.!* tendidos » do povo numa ordem econdmi aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes v 51 ponto de vista organizacional quanto politico, iria distingui-los para além das disputas por lideranga Os ataques movidos pelo Echo Popular contra o grupo do tenente Vinhaes permitem compreender esta distingao. Procurando afirmar-se co- mo 0 verdadeiro partido operirio ¢ enfrentando uma situagao que de- monstrava ter 0 grupo oposto muito mais capacidade de mobilizagao, Franga ¢ Silva ¢ eguidores tentaram explicitar as razdes que os qua- lifi Jeiros socialistas. A questio-cl clue sividade da vinculagao partidaria, ou seja, a da construcao de uma iden- tidade social e politica em separado, Esta exclusividade tinha uma dupla face. Ela traduzia, de um lado, a luta pelo monopélio da “palavra ope- raria”, ou seja, a convicgio de que sé um partido deveria falar pelos tr balhadores, e, de outro, a visio de que qualquer filiagao partidaria tam- bém deveria ser tinica, © partido operario nao deveria aceitar entre seus membros, € sobretudo entre seus candidatos, homens vinculados a ou- tros partidos politico: E 40 fundamental de critica ao tenente Vinhaes, que, por ser filiado ao Partido Republicano ¢ nao ter plena liberdade de articulacées, nao podia ser o lider de um partido operario, O que o grupo de Franca € Silva propunha era a construcio de uma identidade separada como partido politico, considerando que s6 assim a representagio seria verdadeira, no sentido de independente. Os trabalhadores — para os quais o partido se destinava — deviam ter um Grgao exclusivo, através do qual pude: cus m como ver ve eraa da ex fa era a ray em se biv reconhecer e ser reconhecidos. As alianga titeis, mas seu paleo era o P nunca «ample fil Estas objecdes, entretanto, nao tinham em vista a composi¢ao do partido. A pergunta — quem deve participar do partido operirio? — am- bas as faccdes tespondiam praticamente da mesma forma: todos aqueles interessados na defesa da causa dos trabalhadores ¢ em especial “os ele- mentos operdrios, artistas ¢ tidustriais’. A presenca de operitios € in- dustriais no mesmo partido advinha do entendimento que se tinha sobre a compatibilidade de seus interesse gerais do pais. A missio do partido operdrio era lutar por “wma patria préspera e feliz pelo desenvolvimento das artes e das induistrias das quais tém des- curado os partidos de acdo regular"?* Sem este desenvolvimento toma- va-se impossivel 0 trabalho do operirio e do artista. Era por esta razio que 0 partido operario de Franga ¢ Silva colocava lado a lado reivindi- cagdes como a criagao de p 1 invalidez e velhice © a taxi de artigos importados que tivessem semelhante nacional, recomendando que “o goterno nao deve mandar constririr nada no estrangeiro". O pro- tecionismo alfandegirio era instrumento de afirmagao da indtistria e de- eram cone © mesmo, mento, A1CRO. . que convergiam com os inter sses. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De Castro Gomes v 55 cordar que se vivia o tempo do Encilhamento. O banco teve vida curta e tumultuada (faliu em 1894), mas entre suas intengdes figuraram a cons- trugio de habitacdes convenientes e baratas, 0 estabelecimento de coo- perativas de producao e de consumo e a constituicao de um montepio para as classes trabalhadoras, além das tr a6 INsagOes Comerciais normais.” Por fim, cabe mencionar uma outa area de ago do CPO. Ao ser eleito em 1890, Vinhaes se autodefiniu na Camara como um deputado so- cialista e como © chefe do Partido Operirio. Apesar de ter sido langado por outtras chapas, inclusive a do Partido Republicano Federal, optou por se identificar como lider operirio, e nesta qualidade procurou pautar sua atuagao parlamentar. Durante os anos que vao de 1890 a 1892, Vinhaes e o CPO de- senvolveram esforgos que podem ser qualificados como de busca do re- conhecimento de seu movimento, tanto pelos proprios trabalhadores quanto pela sociedade como um todo. Neste sentido, € significative que Vinhaes tenha sido conduzido & Camara por uma passeata de trabalha- dores, acompanhado de foguetes ¢ banda de mtisica, ¢ que o CPO pro- curasse representar-se em todas as grandes festas republicanas, como 0 13 de maio e o 15 de novembro de 1891 ¢ 1892.7 A ctiaco eo desempenho do Centro do Partido Operario e os en- ios do partido de Franca e Silva espelham 0 esforco de criagiio de uma identidade para a classe trabalhadora e a busca de um lugar visivel na ce- na politica e econdmica do ps 5. A Republica em maos dos mesmos senhores. As eleicdes de 1890, a experiéncia da Constituinte € 0 resultado po- litico consagrado pelo texto da Constituigao de 1891 demarcaram 0 an- damento € as expectativas das propostas que se confrontavam no alvo- recer da Reptiblica brasileira. Se de inicio a grande quest finigho do que seria a Reptiblica e de como e quem era republicano, apds a Constituico houve uma espécie de ficacdo das posigdes em con- fronto e um processo de remanejamento de aliangas politicas Muito grosso modo, os conflitos ecorridos no periodo de 1892 a 1904 poderiam ser descritos como a disputa entre duas forcas com pro- postas crescentemente polarizadas. De um lado estavam os partidarios de um governo republicano fone, centralizador, intervencionista, cuja tarefa era promover 0 progresso do pais — progresso entendido como o re- verso do atraso colonial, isto é da heranca do dominio portugués, que permanecia viva numa economia exchisivamente agriria e numa socie- dade de privilégios estatuidos. Por isso, o progresso comportava a aten- io cra a da de- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes v 59 6. Povo, politica e trabalho na capital federal De maneira geral, a literatura que trata do movimento operario na Primeira Reptiblica concorda que neadeadas pelos traba- Ihadores nao foram focos de tensao politica para o regime. Embora se re conhega que no inicio do século tenha ocorrido um lento mas gradual crescimento do associativismo e mesmo das reacdes grevistas, oO ponto destacado é que 0 contingente de trabalhadores mobilizado era muito pe- queno e inexpressivo econ6mica e politicamente. Paralelamente, ressalta-se que as duas primeiras décadas republi- canas constituiram um periodo particularmente violento para a capital fe- deral. Os movimentos sociais que agitaram a cidade foram contudo es- pontaneos e de cariter policlassista, ¢ deveriam ser destacados da agdo s agdes cle dos trabalhadores propriamente ditos. Na verdade, foram estes os movi- is como um todo. mentos que conturbaram o Rio e ressoaram pelo pa preocupando o governo republicano ¢ desencadeando uma intervencio segura € severa visando a tranqiiilidade © 4 estabilicdade politicas. te tipo de perspectiva destaca a indiscutivel fraqueza numérica € organizativa do movimento operirio de entao, privilegiando-a como in- dicador na avaliagio da importancia politica que ele poderia ter. Por ou- wo lado, distingue-se uma populagao trabalhadora ce outra de nio- balhadores, composta por vadios, ladro que constituiri dens ocorridas na capital federal E justamente em relacao a esta perspectiva que convém fa: teflexio maior, capaz de recolocar em foco as tensdes politic pelo Rio nos primeiros anos do século. Sem dtivida os trabalhadores ur- banos do comércio € da indtistria nao compunham uma parcela to au- merosa da populagao da cidade e indiscutivelmente estavam fracamente organizados € mobilizados."' Contudo, é preciso observar que o impacto politico de movimentos sociais deste teor nem sempre € proporcional & sua forca e representatividade reais. A preocupacio que as elites gover- nantes podem manifestar ante acdes popul: trabalhadora ou naio — depende de outros fatores politicos, que tém a ver com os interesses destas mesmas elites ¢ principalmente com © contexto politico maior em que se est4 vivendo. Desde os primeiros anos da década de 1890 chegavam ao Brasil noticias das agdes terroristas realizadas na Europa pelos anarquistas, © que estimulava ataques as tentativas de onganizac2o que aqui se empre- endiam. Tanto Vinhaes quanto Franca e Silva vieram mais de uma vez a pliblico esclarecer que as associacdes e partidos que dirigiam nao tinham este cariter, sendo agremiacées politicamente ordeiras que propunham desocupados ¢ criminosos de todas a s espécies, num dos principais focos das desor- zer uma vividas — quer venham da classe aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes v 63 O que se quer re aqui, para o entendimento do sentido que as acées operdrias tiveram ou puderam ganhar neste periodo, é a pos- bilidade de o policlassista, o popular, afetar este incipiente movimento. desordens € os verdadeiros motins — i imagem dos mobs ingleses —, em que 0 populacho atuava mais ou menos provocado em consonancia com interesses “estranhos”, foram uma presenga marcante na capital fe- deral. Quas popular ante a elevacio dos preeos de bens de primeira necessidade ou ante o rompimento de direitos considerados tradicionalmente legitimos Se a questo dos salirios nio era agitada como bancleira de luta principal —o que caracterizava ¢ diferenci cdes grevistas —, nao se deve esquecer a profunda convergéncia entre os objetivos wiltime s destas di- versas revoltas: uma condicao de vida considerada dligna para aquelas ca- madas sociais relegaclas ¢ despossuidas.*° vam © descontentamento sempre estes movimentos rev 7. A luta por um partido operario Apos a realizacdo das eleigdes de 15 de setembro de 1890 para a Constituinte, o primeiro vice-presidente do Partido Operdrio da capital fe- deral, Franga ¢ Silva, langa um manifesto no qual constata sua derrota eleitoral e avalia as causas do Fato lastimavel: a falta de uniio do opera- riado em torno de uma chapa realmente operiria No curso de sua anilise, Franca e Silva reafirma a legitimidade de seu grupo, que desde 1888, € ndo apenas com a Reptiblica, vinha lutando pelos fins sociais ¢ politicos das classes trabalhadoras. As criticas a Vi- nhaes sao recorrentes no tragado de um paralelo que avanga na carac- terizacdo de um tipo de proposta, Enquanto o Partido Operario de Franga € Silva “apresentou-se com tm programa, onde estao langados os funda- mentos da nossa igreja’, 0 programa de Vinhaes era 0 dos bancos ¢ das companhias, “donde the vém mais viavelmente os lucros"!7 Tudo isto afastava a classe operaria de seu primeiro objetivo, que era o de se fazer representar por seus préprios membros nos cargos ele- tivos do pais, 1 exemplo da Alemanha. Neste pais o partido operirio so- cialista, sempre perseguido, aviltado © amesquinhado, vinha pouco a pouco alcangando seus fins morais ¢ materiais, na medida em que ia en- grossando suas fileiras no Parlamento. Isto € que os trabalhadores bra- sileiros precisariam entender, j que 0 momento era de sinistras apreen- ses, como demonstrava o Cédigo Penal, promulgado como uma franca ameaca 3 liberdade do operariado. Neste ponto, Franca e Silva faz uma nova constatagio no interior do discurso socialista. Ele afirma que “o ati- al governo ndo quer consorcio com a classe operdria”. tendo dado varias aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De Castro Gomes v 67 a questao social era, com rarissimas ex Ss, quase que completamente desconhecida. Mas, apesar de toda esta “desorden: mental” tudo indic: que uma “nova fase de acdo emancipadora’ tomaria conta do operariado da capital federal. Isto devia-se ao fato de existir no Rio “1m punbado de pensadores” voltados para estimular esta massa oprimida erguer-se ¢ a lutar por seus clireitos. Na verdade — e ai se coloca uma perspectiva central para esta ver- tente socialista —, a situacio da classe trabalhadora nao era muito dife- rente da de todo 0 povo brasileiro, que ha quatro séculos vivia num “es tado comatoso" de “obediéncia passiva”. Os dois fatores apontados como io € o clero, Era justamente es ‘ar, utilizando-se de fortes do- ¢ amorf a so- causa te combate que a Gazeta Operaria devia tra ses de “socialismo cientifico”. Estevam Estrela afirma que, pelo estudo psicolégico que vinha fazendo dos operirios “modernos” deste pais, to- dos continuavam a ter 0 mesmo respeito a0 patrdo que os escravos ti- nham aos seus senhores. Nao havia diferenca, e “mesmo os estrangetros. 8 ‘Ss primeiras deste fato eram a escravid rave raras excegées, sao tao covardes como os e: Portanto, os lideres socialistas percebiam-se € situavam-se como um grupo politica e intelectualmente esclarecido — uma elite de extracio era divulgar um projeto libertador entre uma a wabalhadora passiva e inconsciente por séculos de dominacio. Sua bre quem eram os trabalhadores no era nada otimista, ea crenca s potencialidades nao era das mais firmes. O papel dos socialist por esta razdo, tornava-se central para a construcdo de uma sociedade al- ternativa. Duas questées sao cruci formulago: 0 tipo de socie- dade alternativa que se estava propondo e a forma de alcanca-la. Desta jungao é que se depreende 0 contetido da proposta socialista deste grupo. 4a Qperdriae da lideranca de Vi- no opersria — cuja tare is nest que, no Rio, reuniu-se em torno da Ga cente de Souza. E 0 proprio Vicente de Souza quem situa o caréter que a propa- ganda socia imir naquele momento, Ela precisava ser “opor- tunista e possibilista”, pa arde, talvc hiter “radical e intransigente”. Ou seja, diante da situacio em que se encontrava o ope- rariado, para que ele comegasse a se unir ea exigir seus direitos — 0 que era diferente de “pedir favores"—, era necessirio uma douwina “prati- cdvel e racional” que estivesse ao alcance de “todas as inteligéncias”. O socialismo viria; ele era um produto inelutivel do progresso, da evolugio humana, que em estigio mais ou menos avancado te certo “a expropriagdo dos atiais possuidores da riqueza social”, Mas era um longo processo, no curso do qual muitas s travar e os problemas a vencer.* de , assumir ca como resultado este iam as lutas aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Aneta oe © astro Gomes ¥ 71 compareciam diretores de outras agremiacdes e também representantes da Gazeta Operiria e de outros periddicos Sem diivida estes dados nao permitem nenhuma avaliacdo segura sobre 0 tipo de relacdo que se estava estabelecendo entre 0 Centro das Classes Operirias/Gazeta Operdria ¢ as demais associagdes de oficio. Contudo, sio indicativos de que o jornal fosse usado como veiculo de propaganda ¢ comunicagio ¢ que acabasse se envolvendo em diversos episddios grevistas, bem como em campanhas de dentincia contra cettos estabelecimentos industriais No que se refere aos episdios grevistas, eles abarcaram tanto ope- ririos do Estido quanto trabalhadores em pequenas © grandes Fabricas como as téxteis. De maneira geral, as greves eclodiam em algum: bricas podendo ou nao estender-se a outras — levantando dentincias contra as pés condicdes de trabalho e reivindicando aumentos lariais. Elas parecem ser movimentos espontiineos encampados e entio encaminhados pelas associacdes de offcio, algumas das quais recém-cria- das ¢ interessacis em lutas que pudessem mobilizar os trabalhadores e aumentar seus efetivos. A acto do grupo de socialistas liderado por Vi- cente de Souza cons ste tipo de acon- tecimento, noticiando-o ¢ oferecendo seu apoio. O C Operirias nao aparece propriamente dirigindo os epi mas a presenca e 0 aconselhamento dos socialistas é um fato que atesta a ima jt sempre em dar cobertura a agitava. As noticias divulgacas pela impren: a da épo greves, destacando a participacio do centro ou criticando sua atuacao, sao indicativas do tipo de agao que se procurava encaminhar. Em fins de 1902 e durante o ano de 1903 os operitios sapateiros estiveram entre os mais ativos, atuando sob 0 Auxi- liadora dos Artistas Sapateiros. Por diversas vezes houve puralisagoes em fibricas, como na Bordalo, em dezembro de 1902. Nesta ocasido desen- cadeou-se uma greve que conseguiu impor uma tabela de pregos or nizada pelos préprios operirios, Dur: ocorreu, a Gazeta Operdria \he deu ampla cobertura, elogiando a con- duta ordeira dos sapateiros ¢ seus esforcos de entendimento com os in- dustriais, sem abandonar uma postura firme de defesa de novos salirios de combate aos fura-greves. Mariano Garcia chegou a comparecer a al- gumas das assembiéias dos grevistas, €, quando o movimento se encer- rou, foi saudado pelo presidente da Unido, respondendo com um di curso que exaltava a aco dos sapateiros. N inico a comparecer a estas assembléias. A uma delas es pes Trovao, que, além de congratular-se com os art nte todo o periodo em que a greve ariano Garcia niio era alids 0 eve presente Lo- istas por sua atitude aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. [ANGELA De CasTRo Gomes v 75 1. Um bom exemplo do que se esti assinakindo € a manifestacdo popular de apoio & Republica ocorrida no Arsenal de Marinha em dezembro de 1889. A cla compareccu quase todo © minis nal do governo, O Paiz, desere: veura como “0 espeticulo mais importante ¢ genumamente popular que o dire- torio republicano tem assistide’, organizado por *milbares de ieais homens do trabalbo, habituados a luta pela vida ¢ @ opressao dos governos (monarquicos, naturalmente). Citade por Padus, 1985, p. 67. 2. Gustavo de Lacerda considertvaese © cra considerado um importante propa- gindista socialists, Tendo, segundo ele mesmo, aderido a ests idgias durante seu curso na Escola Militar de Rie Grande do $ atividade jorna listica, tornando-se proprictirio de alguns jornais (por exemplo, O Rebate, de propaganda republicana, © A Folha da Tarde) © colhorando em outros (como a Gazeta Popular © a Imprense, de Rui Barbosv). Em 1889, antes da Prodamacio, publicou com Mariano Gareia (outro nome importante do socialismo da virada do século) © jornal operirio A Nore Fase. Gustavo de Lacerda escrevcu © livro O Problema Operario no Brasil ¢ faleceu em 4.8 1909. O Echo do Mar n. 8. 119.1909, p. 1 ul, dedicou-se 3. Francisco Juvéncio Saddock de S: geralmente iden- tificado Como um dos precursores das reivindicacdes trabalhistas no Brasil, pe: Tas quais lutou de 1882 até 1921, quando morreu, Seu prim no Clube dos Proletirios, centro que reunis: homens interessados nos dircitos dos que wabalham, Deste clube, muito desconheeido, participavam nomes co- mo Lauro Sodré, o que indica rclagdes com militares 1publicanos © com influ- @ncias positivistas. Em 1882, Saddock de Si enviou um memorial © um trabalho contendo stas idéias no s6 ao Clube dos Proletirios, como também a outras. orgunizacdes do género cxistentes naqucla Cpoca, como st Assembléia dos Ope- rarios de Niteroi. A grande tOnica das Considericoes gerais sobre a unidade so- um forneiro mecinico, avolvimento foi 10, classes admira- 1a defesa da un cial dos poves ¢1 », dit instrucdio e dt moralidatcle das proletirias do pais, tinico caminho para que se tornassem resp das (Santos, 1966, © Sodré, 1970, pp. 104-6) 4. A reunifio unitiria mencionada ocorreus no dia 29.1.1890 no Lyceu de Artes € Offcios. Os daclos sobre esta reunidio © sobre Vinhaes estio cm Padus, 1985, p. 171. A bibliografia registra a presenca deste lider © do proprio movimento so- ist, mas muito fragmentariamente, Alguns exemplos sto Maran, 1975, Cap. 197, Cap. I; Fausto, 1976, Gap. 1, ¢ Beiguclman, 1977, Cap. 1 io ¢ at Reptiblica”, em A Voz do Porn, n. 2, 7.1.1890, p. 1 operiria®, em A Voz do Porro n. 4, 9.11890, p. 1 7. "Convite’, m A Voz do Povo, . 4, 9.11890, p. 1 8.°O operirig © a Reptiblics”, em 4 Voz do Povo, idem aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA pe Castro Gomes ¥ 79 jogos, que s6 beneficiavam aqueles que os exploravam, Gazeta Operdria, 1.1 1903, p. 2, © 12.1903, p. 1 44, Evaristo de Moraes, “As associagdes opcuirias: desespero atual dos patroes em Gazeta Operairia, 8.12.1906, p. 1. Vale registrar que em 7.11907 votou-se peta primeirt vez no pais uma Ici de combate aos “indesciivels’ (Deereto n, 1.641) ¢ que €m 21.1.1907 foi suncionada a primeira Ici de sindicalizacio (Decreto n, 1.637). Por socincdes profissionais podiam registar-se em este decreto, t6ri0, COM USCA tuto de pessoas de direito privado © gorando de plena liberdade sindical. 45. O jornal Gazeta Operdria de 1 ¢ 8.12.1906 noticit © publica o programa do reeém-fundado Partido Operirio Brasileiro, conforme oricntacio do congresso socialist realizado em Sio Paulo em 1902. Em 18.3.1909, p. 4, o jomal Tribune do Povo notifies a posse do diret6rio do. recém-lundado Partido Operitio Socia- lista. O programa do Partido Operirio Sockilista (1909) esti em Mortes Filho (org), 1981, p. 254, Este autor transcreve também a noticia de fundacio de um Partido Socialist no Rio em 1912 (p. 235). O dirctor-geral dos partidos em 1909 mesmo clemento: Melchior Pereira Cardoso, membro da Sociedade Encia dos Cocheiros, Carrocciros ¢ Classes Anexas. 46. Sio intimeros os motins urbanos neste periodo. Sio exemplos a Revolta do Selo (1898); at huta contra o aumento das tarifis dos servigos de bonde (1901); 0 levante contra 0 monopolio da carne verde © seus precos elevados (maio de 1902), © por fim o “qucbra-lampides’, de 1904, Os dados sido de Fausto, 1976, p. 59, © Sevcenke, 1983, Cap. 1 47. Echo Popular, 7.9.1890, pp. Le 2 48. Idem, p. 2. 49. “Vinde a nds’, em Tribrna Operdria, 111.1900, p. 50. Moracs Filho, 1981, p. 19, © A Naga, 10.12.1903, p. 2. Vie (1832-1908) era baiano © médico, Fort eicito senador mas nio chegara a tomar po no cargo. Colaborara também com © jornal O Primeiro de Maio 1898), da capital federal, onde escre Evaristo de Montes, Mariano Garel entre Outros nomes reconhecidos como socistli nte de Souza 51. Alcindo Guanabara, juntamente com Barbost Lima © Liuro Sodré, era identi- ficado como uma das figuras de proa do movimento jacobino no Rio. Todos fo- ram presos em 1897, por oGisilo do frsicassade attentado ao presidente Praden= te de Moraes am Esirela, “A verdscl 1 doutrina”, em Gazeta Operdria, 1BAA903, p 2. 53. Gazeta Operdria, 28.12.1902, p. 2, ¢ 18.10.1903, pp. 1 ¢ 2 54. Vicente de Souza, “Pars o resgate”, em Gazeta Operdiria, 289.1902, p.1 55, Evaristo de Moraes, "Carta aber 28.9.1902, p. 1 to Mariano Garcia”, em Gazeta Operdria aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA be Castro Gomes vy 83 ariam 0 operariado do esforco de constru- cao de sua identidade coletiva, esforgo este materializado em uma pritic: contestatéria cujo objetivo seria a luta politica pela participacao e tomads do poder. Por carecerem de organizacao politico-partidaria € efetiva pre- senga politica, os anarquistas na configurariam como forgas adver sirias significativas para 0 governo. Sua acao f 1 a0 largo das d sidéncias oligarquicas ¢ militares que marcaram a Primeira Republica, es- tas sim, responsiveis pela preocupacao politica governamental, A retomada deste quadro de interpretacdes sobre 0 anarquismo, apesar de rapida © muito tosca, tem a finalidade de situar os objetivos de nossa a a de reconstiuir a trajetoria dos anarquistas, mo que de forma restrita a0 Rio de Janeiro. O que se pretende é examina certos pontos de sua proposta doutrinaria, observando de que maneira eles se relacionam com 0 contexto politico da época e particularmente com a proposta dos socialistas Isto significa considerar 0 anarquismo como uma das formulacoes que buscaram construir a identidade da classe trabalhadora, defendendo nao 56 uma auto-imagem de trabalhador, como principal tipo de engajamento ¢ luta com dimensées ¢ objetivos politicos espe ficos. Se os anarquistas acreditavam que a tinica forma de ultrapassar as diversidades existentes no movimento operario era afastar a “politica” do seu interior, é justamente porque concebiam esta categoria de forma in- teiramente diferente. A proposta anarquista recusava a definicdo de po- litica como disputa eleitoral ¢ como pratica partidaria ¢ parlamentar, afa tando-se radicalmente do modelo liberal, ao mesmo tempo aceito e cri- ticado pelos socialistas. Este fato, amplamente apontado pela lite: no seri entendido aqui como uma negligéncia da dimensao da politica, mas como uma alternativa distinta de lidar com ela. Os anarquistas de- fendiam outra estratégia de lita para a conquista de uma nova identidade para os trabalhadores na sociedade. Nela a idéia de politica era redefi- nida, e é a partir dessa redefinicao que as questoes dos interesses eco- némicos dos trabalhadores e de sua participacao podem ser entendidas Neste sentido, socialistas ¢ anarquistas se distanciavam por con- ceberem a categoria politica em marcos diferenciados © a partir dai tra- tarem das reivindicagdes imediatas dos trabalhadores. Uma das inten: oes muito claras dos anarquistas ao defender 0 afastamento dos sin- dicatos dla politica oficial era justamente superar suas dissensdes inter- nas. Estas dissensdes eram grandes, quer em termos de orientacées concorrentes, quer em termos de problemas que conturbavam a uniao dos trabalhadores, como por exemplo sua composicao étnica de cor € nacionalidade. Era o proprio discurso anarquista que, chamando a aten- clo para a presenga de varias propostas dentro do movimento operirio. determinava como objetivo para sua dominancia doutrinaria e organi- aceitar, afas Os mes- mente um certo ura, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGeta o€ Castro Gomes v 87 ficuldades que tal opcio trouxe para o anarquismo sio dificeis de avaliar, mas podem ser considerados significativos sobretudo no caso do Rio de Janeiro. Nesta cidade, até pelo menos inicios dos anos 10, predominavam entre as associacoes operaria de assisténcia mtitua ou que, no maximo, combinavam assisténcia e resisténcia (Carvalho, 1986, pp. 6-7). 3es realiza ta combinacao. mesmo quando :tlgumas assoc ariamente assumiam uma filiag: mo, quer explicita, quer implicitamente. 1 suma, nao é dificil entender que a proposta de identidade co- letiva para a classe trabalhadora postulada pelos anarquistas, tendo como fundamento 0 sindicato de resisténcia, tenha despertado tantas descon- fiangas entre os trabalhadores, além de muitas dtividas entre os préprios militantes libertirios. As questées da relacio entre a classe trabalhadora € o sindicato, bem como as quest6es da relacao entre o sindicato e a dou- tina anarquista, marcaram profundamente o projeto anarquista de cons- tituigao dos trabalhadores como um ator politico. ac Um tltimo ponto deve merecer consideracio, inclusive porque seu entendimento remete i compreensio do cerne do sentido revolucionatio da proposta anarquista de transformagao social, A estratégia dos socialistas para a constituigdo de uma identidade operdria em inicios do século pri- vilegiava, como foi visto, uma ampla gama de iniciativas — bolsa de tra- balho, crédito, atividades recreativas, assistenciais e educacionais —, sendo © partido operirio uma espécie de “centro sindical” centralizador € dis pensador destes beneficios. Mas 0 niicleo desta estratégia era inequivoca- mente a participacao politico-eleitoral, materializada na propria escolha do instrumento organizacional da classe trabalhaclora: o partido politico. No caso dos anarquistas, isto r sua proposta rejeitava o partido politico ¢ as fungdes assistencialistas — consideradas desvirtuadoras das associacdes operirias — como porque o nticleo de sua estratégia revolucionaria combinava luta politica — através das greves — com educacio da classe trabalhadora. Na verdade, para os anarquistas, a luta s6 se faria e, principalmente, a futura sociedade s6 se im- plantaria, se houvesse uma transformacao profunda no homem trabalha- dor. O que © projeto anarquista almejava era uma revolugio social ¢ nao apenas uma revolucio politica. Dai o privilé; educacio entendida co- mo ampla formacio cultural, O fato de terem sido os anarquistas os prin- cipais pioneiros em atividades como teatro, educacao musical, priticas de leitura, criaco de escolas ¢ universidades populares nao é casual. E, por esta raz, no € casual também que velhos militantes operarios, anarquis- tas ou nao, considerem até hoje que foi cducando que os libertarios mais contribuiram para a constitui¢ao cla identidade da classe trabalhadora 10 podia acontecer, nao sé porque < socialistas produziram uma “palavra operdria” distinta dos discursos de todos aqueles que falavam do povo ¢ do trabalho no inicio aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes ¥ 91. te liberal, 0 que se aplica ia ao campo da politica e da economia, Desta forma, os trabalhadores lutariam diretamente contra as autoridades pui- blicas e contra os patroes, lesenvolvendo varios procedimentos, desde os mais pacificos até aqueles em que teriam que recorter 4 forga. Uma greve podcria ser empregada tanto como um expediente de resisténcia ¢ defesa pacifica, quanto como uma forma m conquistas. e violenta de realizar ais impositiva O ponto central que er revoluciondrio ao método de or- ganizagio nao era o uso da violéncia, mas o fato de que se estava recu- sando todos os paliativos politicos e associativos liberais, como, por exemplo, os partidos parlamentares € a a¢ao eleitoral, A organizacao sur- gia diretamente dos locais de trabalho ¢ enfrentava face 3 face — isto €, sem mediadores formais — seu interlocutor. A critica que os anarquistas faziam aos socialistas tinha este ponto de inflexiio. O exemplo do que es- taria ocorrendo na Europa confirmava o acerto deste método. Na Ale- manha e€ em Portugal o que ja se observava era que ou os socialist bavam sujeitos ao Parlamento, ou terminavam por criticar sta prop sigdo. Desia forma, as conquistas realizadas pelo operarkaco europeu nao deviam ser vistas como fruto da agdo parlamentar, mas justamente como decorréncia da acio direta que era desenvolvida nos centros de trabalho e nas ruas e que, impondo-se ao Parlamento, forgara suas deliberagdes.® Neste sentido mais amplo, anarquismo era uma forma politica de pressionar diretamente os dominadores através cla utilizagdo de conver- sas, debates, boicotes, sabotugens, dentincias, greves e levantes, numa es- cala de intensidade variavel que nao perdia de vista a abolicao da auto- ridade ¢ da exploragao. Mas a realizacao desta estratégia implicava uma outra dimensio do método anarquista. Em sentido estrito, anarquismo era a organizacio livre e espontinea dos trabalhadores em associacdes, j4 que S6 assim o instrumento organizacional escaparia da armadilha dla dis- ciplina e da autoridade, para converter-se em alavanca da liberdade. Aqui talvez esteja a questao tedrica ¢ pritica mais dificil de ser en- frentada pelos militantes anarquistas e, ao mesmo tempo, aquela que me- Ihor sintetiza a natureza e 6 impasse de sua proposta politica. Tratava-se de esclarecer, em primeiro lugar, que a negacio da “discipline dos par- tidos autoritdrios”, burgueses ou no, nio era sindnimo de ausénc modelos de organizaciio e, em decorrenc ja, de fon associagio € A liberdade de organizacio, cutivel para todos os arti- culistas que trataram do tema, tinha desdobramentos complexos. Ela sig- nificava a possibilidade de varias iniciativas e pareceres, isto é, da diver- sidade no interior da associagio. A diversidade era como uma faca de se ela permitia incorrer em erros ¢ disputas desgastantes era aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Anceua oe Castro Gomes y 95 néstico dos autores extremamente significativo para situar 0 periodo que vai de 1906 a 1916 no que se refere A questio da organizagio sindical. O texto é interessante, pois nele um grupo de anarquistas procur: fundamentar suas criticas ao privilegiamento da ago no interior dos sin- dicatos, propondo uma nova alternativa politica, Sendo talvez o tinico exemplo de um questionamento mais profundo e articulado da linha anarco-sindicalista, 0 documento provavelmente nao traduz uma preo- cupagdo marginal ou momentinea dos anarquistis brasileiros. Ele come- ¢a por registrar a decisio tomada em 1906, que elegia os sindicatos como © melhor instrumento para levar o proletariado a realizar a transformagio social. A partir dai, inicia uma critica, registrando sua percepeao do mo- vimento sindical em nosso pais. Este movimento sempre fora muito fraco © oscilante, reunindo poucos trabalhadores. Suas vit6rias, quando obti- das, eram efémeras € nado conseguiam manter-se junto ao patronato € ao. Estado, O mais grave era que as maiores mobilizagdes ja realizadas, quer fossem greves ou outras campanhas, tinham ocortido sem estimulo direto dos sindicatos. Na verdade, estas associagoes surgiam muito mais como efeito do que como causa das mobilizacdes ope Os tra quando o faziam queriam ter na associac protegesse, sem necessidade de participacao e huta. Esta constatacao & significativa, de um lado porque explica a posicio dos militantes anar- quistas, levados ora A descrenea, ora a uma profunda hostilidade e des prezo em relacao aos trabalhadores, ¢ de outro porque demonstra a di ficuldade dos trabalhadores de aceitar e entender a forma de organizacao de luta sindical encaminhada pelos anarquistas. A questio complexa. £ vam de a passividade do trabalhador b balhadores brasileiros resist sindicali m muito glo, € 40 a “mae cuidadosa” que os fas chama- envolve o que os a rqui undo uma légic: olsoniana (Olson, 1970), sua imobitidade © seu desejo de ter beneficios sem custos de participacao. Alem disso, os anarquistas também ressalta- vam a experiéncia associativa anterior de nosso pais, marcada basica mente pelo mutualismo. 1 raro encontrar entre Varios setores da classe trabalhadora uma franca descontianga € mesmo oposicao frente a0 sindicato de resisténcia. As queixas ¢ reprovagées dos anarquistas em relagao teresse dos trabalhadores apés ano. A unido que se Conseguia nos sindicatos era pequena e frdgil Dentro deste argument, os autores do texto de 1916 acabavam por con- cluir que o movimento sindical nao era o melhor meio de criar a solida- riedade de interesses desejada pelos anarquistas entre a classe wabalha- dora. Era preciso buscar interesses mais gerais ¢ mobilizar através de ou- ttos tipos de movimento, como os que denunciavam a Igreja guerra, a carestia de vida etc. Se a politica dividia, os inter usileiro, O1 De falta de in- n Se associar percorrem suas publicacdes ano aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes v 99 minimas de promocio do bem comum, qualificads bem-estar social, por exemplo. O que se deseja teoricamente € a elimi- nacao desta instdncia, mesmo que outra rede de associagdes tenha que ser montada para a administracdo da nova sociedade. Embora em muitos artigos da imprensa libertaria no Brasil surjam indicagSes basicas sobre o modelo de sociedade anarquista, nao ha quase exemplos de textos que se proponham tal objetivo especitico. Uma ver- dadeira excegao € 0 livro O que é o maximismo ou bolchevismo, escrito por Edgard Leuenroth e Hélio Negro, pseuddnimo de AntOnio Candeias Duarte. Os autores eram liderancas anarquistas significativas. Participa- vam do jornal paulista A Plebe, e escreveram este texto no inicio do ano de 1919, imediatamente apos 0 periodo de grande repressao que se se- guiu A chamada insurrei¢io anarquista de novembro de 1918 no Rio (Ador, 1986). Neste momento o regime russo era considerado uma ex- periéncia de “comunismo libertdrio”, ¢ os anarquistas brasileiros se arti- culavam para formar um “partido comunista” (sem fins eleitorais) e or- ganizar uma primeira “conferéncia comunista” a ser realizada no Rio. O livro foi escrito tendo em vista estes objetivos ¢ foi distribuido em junho de 1919, data marcada para a conferéncia, que praticamente nao se rea- lizou devido 4 repressio policial. 10 do livro de Leulenroth e Candeias nao pode porém ser confundida com a dos fatos a que ele se associou. Desenvolvendo principios e sugestées presentes em intimeras publicagdes anarquistas — muitas vezes de maneira igualmente ambigua — os dois autores formu- laram um completo modelo de orgunizagao para a sociedade anarquica. Em primeiro lugar, a nova sociedade se organizaria por meio de as sociagdes pequenas, voluntirias ¢ autonomas, que iriam se articulando sucessivamente em associagdes maiores. A base comunitaria dessas as- sociacdes seria 0 Iho, ou seja, a profissao do individu. Portanto, es- ta seria uma sociedade onde o trabalho seria obrigatorio, ji que por seu intermédio os homens se integrariam aos “sizidicatos conunais”e, com os mesmos poderes, participariam da direcao da produgio e da distribuicao dos bens af realizada. Nestas unidades nao haveria a autoridade de um patrio, e a propriedade privada transformava-se em propriedade social. Estes “sindicatos comunais” se unitiam em “federagdes comunais” Gformadas por grupos de atividade e com base geogrifica dlistrital e/ou re gional) que por sua vez se relacionariam através de uma “Confederacao Geral do Trabalho", projetada como um centro de articulacio entre “co- munas livres”, Além destes Grgaos haveria “conselbos” locais € regionais integrados por representantes dos centros de trabalho para tratar de as- suntos de interesse local ou regional. Estes representantes, ou "cont rios” também teriam uma instincia maior: o “Conselho Geral dos Comis- sariados”. Haveria assim uma série de 6rgaos comunais federados que A significa aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA bE Castro Gomes v 103 um impacto to grande que foram interpretados por muitos como sinal de um verdadeiro colapso da civilizacao ocidental. Por esti razo, tornava-se imperioso reconsiderar uma série de temas como a questao da brasilidade € da propria posicao dos tabalhadores na sociedade. Todas as discussdes que neste periodo situaram os problemas de nosso pais € se interrogaram sobre o seu destino encontraram um eco po- litico inusitado. O nacionalismo emergia como uma forga mobilizadora de grande porte, n&o s6 no meio mais restrito das elites politicas ¢ inte- lectuais, como entre a populagio urbana em geral. A partir de 1915, por exemplo, Olavo Bilac iniciou sua campanha nacionalista no Rio de Ja- neiro € em Sao Paulo, dela resultando, respectivamente, a formagao da Li- ga da Defesa Nacional (1916) € da Liga Nacionalista (1917) (Bandecchi, 1980). O projeto de Bilac visava criar e desenvolver no Brasil um espirito de solidariedade nacional através de miltiplas iniciativas, entre as quais se destacava a educagio civica pelo servigo militar obrigatério. Desta for- ma, embora houvesse muitas outras vertentes e formas de ser naciona- lista, a proposta que ganhou maior publicidade vinculava nacionalismo a militarismo (Oliveira, 1986), Os anarquistas tinham como uma de suas principais bandeiras 0 antimilitarismo, e organizaram varias campanhas contra a guerra ¢ espe- cificamente contra a participacio do Brasil no conflito.7! Dentro deste cli- ma, intimeros artigos da imprensa anarquista propunham-se discutir o que era chamado de “a acusagdo do momento". O grande tema do debate era.a palavra “patria”, que andava em todas as bocas. Por isso, pergunta um artigo de 1915: “O que é patria, afinale? Para responder seria preciso verificar o que se fazia € © que nao se fazia em nome da patria, pois s6 assim se poderia preencher esta “idéia fluida, vaga e indefinida’, apomtada como criadora de solidariedade en- tre os homens. Segundo este € outros textos, a patria era o pretexto usado para se fazer guerras, conquistas, impostos e negdcios escusos que ge- ravam exploracao. Ela era utilizada para separar os homens, gerando morte e miséria. Em nome da patria, nao se promovia o bem-estar dos que trabalhavam. No Brasil, alias, era antipatriético defender o trabalho € 0 trabalhador. Era crime, ¢ a patria, até en dado “cadeia e chumbo ao operario”. Assim, 0 artigo conclui: se patria é comunidade de interesse, cabe perguntar: entre quem? Com este argumento, todos os textos anarquistas assumem © ata- que ao patriotismo ¢ ao militarismo. Mas 0 interessante é que ao lado des- ta afirmacao realiza-se uma outra, que procura defender a idéia de que os anarquistas possuiam uma nogio distinta de patria. Ou seja, de que os anarquistas também eram patriotas, mas de forma diferente. A idéia de patria para os anarquistas retomaria o mesmo tipo de critica realizada ao conceito de sociedade. A patria nao devia ser algo que >, 86 hi aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De CasTRO Gomes wv 111 preocupacao do encontro tinha profundas raizes na policia carioca e nas policias de todas as cidades de porte mais significativo do pais. Q Par- lamento e a imprensa brasileira em geral iriam cada vez mais participar desta investida Contra os anarquistas. A relativa tolerancia politica que ha- ao movimento operirio, e em es via permitido um periodo de ascen: pecial 20 anarquismo, cheg: » fim. Os anos 20, por certo, estio longe de inaugurar um grande siléncio para os trabalhadores, mas a repressio policial redefiniu os termos de sua acao. Para entender esta nova feicao é necessirio procurar tragar as linhas que uniam e separavam as iniciativas de organizagao que marcaram os anos 10. 6. Socialistas, coopera os amarelos? istas... Quem eram O I Congresso Operdrio de 1906 constitu um marco importante para a historia do movimento operiirio no Brasil, Organizado pela Fede- racao Operdria Regional Brasileira que havia sido criada em 1905 no Rio, sucedendo 2 Federacio das Classes Operiitias, que data de 1903, 0 con- gresso foi uma iniciativa que traduziu a disputa existente entre diferentes orientagdes ideoldgicas no movimento sindical. Embora suas resolucdes consagrassem uma proposti de base anurco-sindicalista, este fato estava longe de significar 0 predominio ou a vitéria dos grupos anarquistas, ine- gavelmente fortes no Rio e em Siio Paulo. Nao ha dtivida de que a emer géncia dos anarquistas foi o grande destaque do periodo, mas a perma- néncia dos socialistas, bem como o surgimento de iniciativas de outro te- cor devem ser observados As resolugdes do Congresso de 1906, rejeitando a formagio de um partido politico ¢ condenando forcas de orgunizagao tais como coope rativas, caixas beneficentes e bolsas de ten balho, iriam esbarrar na insis- listas ¢ na tradicdo associativa dos préprios trabalhadores. A permanéncia de um modelo de associacdes mutualistas e a desconfi- anca em relacdo ao sindicato de resisténcia marcam 0 periodo que vai até 1920, 0 que obviamente nado pode apenas ser attibuido nem a forga dos socialists, nem 4 ineficiéncia doutindria dos anarquistas. A variedade de formas iativas vincul mentos que formavam a ¢ S50 se certamente & grande diversidade de seg sse trabalhadora © & extrema dificuldade en- Artesiios assalariados em peque- com grau expressivo de mecanizagio, domicilio (como costureiras ou sapateiros), operirios de as de servicos, privadus ou puiblicas, ¢ pequenos funciondrios © a que se dirigiam as liderangas do movimento io de mundo entre elementos com estilos de vida, abalho, valores ¢ interesses to diferenciados era um contrada para sua mobilizagao politica na i oficinas, operirios de fab: abalhadores empres compunham o audité operirio. Criar uma vi: aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Ance.a pe Castro Gomes ¥ 115 Uniiio dos Operirios do Engenho de Dentro e membro da Liga Operaria do Distrito Federal (Batalha, 1986, Cap, V). Importa observar que, além dos anarquistas, deixaram de comparecer a este congresso as associagdes ligadas aos maritimos € também aos chamados operirios do Estado.*" JA 0 Congresso de 1913, patrocinado pelos anarquistas reorgani- zados na FORJ a partir de maio de 1912 ¢ conhecido como II Congresso Operario, numa clara desqualificagio da reuniZio anterior, no contou com a presenca dos ferroviirios, nem com a dos trabalhadores em tra porte urbano, mas teve representantes da Sociedade de Resisténcia dos ‘Trabalhadores em Trapiches e Café ¢ do Centro Cosmopolita, entio sob a lideranga do ativo anarquista José da Costa Pimenta. Os operarios do Es: tado também nao compareceram a este congresso, embora a ele envias- sem uma série de documentos. trata amplamente das resolugdes destes dois con- ios, bem como do que se realizou no ano de 1920, também com a lideranea dos anarquistas. © contetido das reivindicagdes aprova- das em 1912 é, alidis, muito proximo daquele sancionado pelos encontros anarquistas. Este fato demonstra que, t clespeito da grande distancia exis- tente entre os diferentes grupos que militavam junto 4 classe tabalha- dora, havia bases de convergéncia no que se referia a demandas espe- cificas, como as que envolviam a melhoria das condicdes de trabalho existentes. Uma outra importante dea de organizacao entre os tr era aquela que abarcava os operirios das oficinas do nham-se associando desc 0 inicio do século, sob inspiracio do operirio. do Arsenal de Guerra, Francisco Juvéncio Saddock de Sa. Com sua dou- trina do “culto ao trabalho", marcacla por fortes doses cle positivismo, Sad- dock de $4 propunha um modelo associativo de fundo cooperativista, Em 1900 foi criada a Associacio dos Operitios do Brasil, da qual fazia parte Franca e Silva, entre outros. De vida muito curta, alguns de seus elemen- tos se ligariam ao Centro das Classes Operarias, que praticamente desa- pareceu em 1905. Foi com elementos oriundos destas duas experiéncias que Sad- dock de Si, em 1906, organizou uma comissio cujo objetivo especifico era defender os interesses clos operarios do Estado em face da discussio do Projeto n. 166, de 1904, apresentado pelo deputado Figueiredo da Ro- cha, ¢ que naquele ano encontrava-se em pauta, Esta comissio acabou por dar origem ao Circulo dos Operirios da Unido, fundado em 1909, € que ficou sob a orientacao de Saddock de Si até 1921, quando de sua morte. balhadores Jo. Estes vi- Este circulo, que reunix operirios de diversas repartigées esta- 1? ndo compareceu ao Congresso de 1912, e como puni¢io, viu serem protelados os debates sobre 0 projeto de seu interesse (Santos, 1966, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De Castro Gomes ¥ 125 de expulsio e as prisdes ¢ deportacdes como atos arbitratios. Apos a revolta de 1918, os operirios © militantes anarquistas foram defendidos por Evaristo de Moraes ¢ Nicanor Nascimento, entre outros advogados. A defesa qualificou a “Bernarda” como uma grotesca comédia, € acusou © chefe de policia Aurclino Leal de ter plangjado © movimento para ineri minar os anarquistas e valorizr a policia. Anteriormente, Evaristo de Mo- raes defender Edgard Leuenroth em Sao Paulo, pelo que recebera os agra- decimentos ¢ 0 respeito do presidente dai Associacao Grifica, Joo Leuen- roth. Nao é surpreendente, portanto, que Evaristo de Moraes fosse convi- dado em 1919 pelo Partido Anarquista-Comunista para realizar conferéncias ¢ que em 1920 escrevesse no jomal A Vor do Povo, juntamente com Mauricio de Lacerda,* Qs anos de 1919 € 1920 marcaram, ao mesmo tempo, O momento de maior visibilidade dos a entre os trabalhadores @ na socie- rquista e dade em geral, € © inicio de uma longa fase repressiva que iria atingir o- do o movimento operirio carioca. Otivio Brandao registra, perplexo: no 1° de maio de 1919 havia milhares de trabalhadores na rua. Foi a maior demonstracao ja ocortida na cidade, com passeata, discursos, faixas € (U- do mais. No 1° de maio de 1921 nao houve nada.” Notas 1, Depoimento de Otivio Brandi a6 CPDOC, 1977, 24 entrevista, fita 1 yas ide 2. Viirios trabalhos académicos expd jas anarquistas, reforcando algu- luta politica © do cconomicisme, No cntunto, poucos tém como objective expeeifico o estude da doutrina anarquista, Vale mencionar 6 tabalho de Magnani, 1979, que trata dos temas anarquistas a partir do material de jomais libertirios paulistas (La Batlaglia © A Terra Livre), ¢ 0 lic vro pionciro de Fausto, 1976, onde hi toda uma parte que trac das grandes Hi- has ideolégi rq mas ve7es os pomtos dit recus 3. O pequeno jornal nao diirio foi, desde Proudhon, na déeada de 1850, for © dos militantes anarquistas. Os movimentos miuis durtdow- ivas, socieckides de auxilio muRve como outs Co: im construindo sindicatos, Coops cic. Agradeco a José Augusto Drummond est observed, be mesmo (cor incorporadas do capitulo, 4. Na Barricada, BJ, AV . pp. 39-41 5. A imprensa anarquista consultada cita Keopotkin, Proudhon, Bliscu Réclus, Hanon ¢ também Marx. Mas foi Malatestt 0 autor que obteve maior destaque. 6. Neno Vasco, “O nosso ideal”, em A Guerra Social. 28.11, p. 4 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Capitulo III Os Anos 20: o Debate ou “a Razao se Da aos Loucos” 1. O ano de 1920 O espaco de tempo que decorre de 1919 4 1921 é usualmente apentado como o momento de declinio do movimento operirio e do anarquismo, sobretudo no Rio de Janeiro. No entanto, este periodo niio foi ainda retomado tendo em vista 0 esclarecimento clos fatores respon- siveis pelo inicio de uma derrocada que, embora nao tenha levado os anarquistas ao desaparecimento, atingit-os de forma itreversivel. Se o problema € entender melhor as caracteristicas desta conjuntura do inicio dos anos 20, é pre Je logo assinalar que os anarquis se encontravam esfacelados ou agonizando no interior dos sindicatos. As dificul rregimentacio e os debates em torno do vigor e do ver- dadeiro sentido da titica sindicalista continuavam intensos e demonstra- vam as fragilidades permanentes com que os anarquistas se defrontavam. Mas os anos de 1919 ¢ 1920 foram de grande moviments marcados nao s6 por manifestacées publicas de valor propagandistico, co- mo também por uma forte presenca na organizagao sindical catioca. Zio se vivia portanto um momento de decadéncia no movimento operirio ou sindical, ¢, se os problemas de doutrina ¢ de organizagao dos anarquistas emergiam de forma grav 10 de outros: grupos com concorrentes. Embora os primeiros nticleos comunistas da- tem formalmente de fins do ano de 1921 e 0 préprio Partido Comunista tenha sido fundado em marco de 1922. os acontecimentos que des dearam 0 declinio do anarquismo nao se prendem 4 competicao ou mes- mo 20 debate critico com os comunistas: A versio clissica de Astrogildo Pereira (Pereira, 1979, p. 61) de que © Partido Comunista nasceu “de wi processo esponténeo e a bem dizer iso des is NAO les de isto nao se devia 2 ac: instintivo de autocritica” no interior do movimento anarquista, iniciado em 1920 e oriundo da constatacdo de sua incapacidade teérica ¢ politica cada vez mais discutida pela literatura que trata do tema. A posigio de Michel Zaidan (Zaidan, 1985, p. 10 € seg.) é a mais ilustrativa, uma vez aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA 0& Castro Gomes ¥ 133 mentar (Unido dos Empregacos do Comercio). Também os graficos, con- sideracios uma categoria de grande importincia, encontravam-se cindidos em duas associagées, j4 que a Associacao Grafica do Rio de Janeiro nao aderira @ FTRJ. Sendo assim, organizou-se em marco de 1920 0 Sindicato dos Trabalhadores Grificos. O grande esforgo dos anarquistas foi tentar a promover a fusio destes 6rgios, o que de fato nao se realizou Nao € necessario continuar esta enumeracio para que se possa perceber que, embora com as tradicionais dificuldades de mobilizagio e enfrentando a competicio com os socialistas € com as associacoes pa tronais que come¢avam a crescer, Os anarquistas ainda eram uma signi ficativa forga no movimento sindic Estavam, inclusive, obtendo vitérias uir penetrar na classe dos maritimos a partir de duas associa- ges: a Unido dos Operirios Estivadores € a Associagao dos Marinheiros ¢ Remadores. Através delas a FR) procurava organizar a Federagao dos ‘Trabalhadores Maritimos ¢ Anexos, encarregada de enfrentar as podero- sas figuras dos ao conse} -oronéis do porto”, como Euzébio Rocha e outros, que dominavam, por exemplo, : aibalhadores do Cais do Porto. A formagio da Federacio dos Trabalhadores Maritimos, bem como © fortalecimento da Federacao dos Conduiores de Veiculos, que forma riam ao lado da FTRJ, eram objetivos importantes para a obra de mobi- lizagao que os anarquistas «ticulavam para o Rio de Janeiro € para o res- tante do pats. © acontecimento que deveria deskinchar € estimular este processo maior seria 0 projetado I Congress, a se realizar no Rio no més de abril de 1920. Nas palavras de Mau deveria reunir todos pa Unitio dos cio de Lacerda, 0 congresso dl am operarios is também moderados € até governistas. O momento era de 1 dos interesses dos trabalhadores contra “a inércia do poderes piiblicos ¢ a autocracia do capital mantidos pela repressdo" As dificuldades encontradas pela comis dio organizadora deste con- gresso foram muitas, ¢ a realiz:tcao do encontro nao suscitou o impacto que dele se esperavi A maior parte das resolugdes tomacdas nao foram efeti- aliagdes poste formada no III Congresso fracassars Este é bem um exemplo do tipo de situacdo que 0 movimento ope- ririo, € os anarquistas em especial, viviam em 1920. E como se obtivi Vit6rias no varejo, mas colhessem derrotas no atacado. A observacao das greves ocorridas neste ano pode ser muito ilustrativa. Na verdade, prati- camente nao houve grandes greves ou greves gerais no Rio de Janeiro, com duas excegdes: a greve da Leopoldina, que se a produzir um se iniciou em outubro de 1920 ¢ s6 veio a terminar definitivamente em fe- vereiro de 1921. Nestes dois casos, a despeito das avaliacGes que insistiam um debate, jd que no Brasil e: vadas, e em a ores concordou-se que a Comissao Executiv em suas funcdes principais. realizou em margo ¢ che; wt conclam digo de greve geral, ea greve dos maritimos, que aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA DE Castro Gomes w 137 O que importa destacar é que este nacionalismo assumiu aberta- mente uma fei¢io jacobina — xendfoba € combativa — e elegeu como destinatarios de seus ataques, além do tradicional inimigo do inicio do sé- culo, 0 portugués, um outro estrangeiro responsivel pelos males do Bra- A revista Gil Blas evoca 0 tipo de discurso mentos elaboravam. Defendendo as demandas dos traba sil: os operdrios anarquistas que estes movi thadores dentro dos principios da Rertim Novarium de Ledo XIl, combatia duramente o anarquismo, equiparado 4 desordem e a0 terror, apoiava as medidas de expulsao de estrangeiros, advogando a defesa dos bracos e dos capitais nacionais. Traduzindo a influéncia do pensamento de Alberto Torres, privilegiava a agricultura e atacava os portugueses se- nhores do comércio ¢ da imprensa do Rio (Nagle, 1974, p. 40) Alguns artigos da Voz do Povo demonstram a importancia ¢ a fore cio de Lacerda, intitulado “Jacobinos”. Nesse artigo Lacerda confessa em tom ird- nico seu espanto ante a declaracao piiblica do conde Afonso Celso, qua- lificando a Acio Social Nacionalista como um movimento jacobino, Afinal, © jacobinismo carioca fora um ‘supletivo do terror florianisia’. wm “delirio de persegnicdo” que tornara suspeita toda a coldnia portuguesa, icentifi- cada como monarquista e clerical. Um dos grandes alvos cleste jacobinismo fora justamente Ouro Preto, o ministro do Imperador. E agora, pergunta cerda, vemos um conde — filho de Ouro Preto ¢ dla [greja — declarar cobino € apontar como inimigos do pais ox operirios anarquistas.> MAncio Teixeira, Antonio Canelas, Fabio Luz ¢ outros escreveram sobre 0 ressurgimento do jacobinismo carioca, apontando-o como por tador da mesma violéncia e da mesma intimidade com 0 chefe da nacio. Epiticio Pessoa era um presidente nacionalista, diziam os novos jacobi- nos A cata de um novo Floriano, Nao era de espantar que a Acio Social Nacionalista fosse considerada uma instituigao de utilidade publica por um projeto aprovado na Camara, © como tal pretendesse subvengao do Congresso, para desempenhar melhor seu combate ao elemento estran- geiro.” Mas 0 paralelismo com 0 jacobinismo da virada do s vilido no tocante & posicio frente a Igreja. Esta deixara seu lugar suspeito de aliada do Império e dos portugueses para tornar-se cada vez mais re- publicana e brasileira, Nio havia dtivida de que 4 Igreja inter combate ao movimento operirio independente ¢ aos anarquistas, que surgiam sob sua Otica como ateus, o que era um fato imperdoavel. As paginas da Voz do Povo estio pontilhadas de noticias sobre os movimentos nacio que cles desfechavam ao anar- quismo € aos movimentos reivindicatérios de trabalhadores, ques, algumas vezes, ultrapassavam as agressdes verbais, pois os anar- quistas chegavam a denunciar que o governo e a policia recrutavam ele- deste novo interlocutor. Um deles é um editorial de autoria de Mat 1 ja sav oO © o8 ataques istes ata- aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA pe Castro Gomes y¥ 141 dura do proletariado e a tao propalada eo criticas aos que estavam aderindo ao novo partido, entre el Luiz Palmeira, Brandao qualifica-os de bolchevistas ¢ acusa-os, ao mesmo. tempo, de reformistas e parlamentaristas, O que era este novo partido é als Brandao € outros o colocavam sob o rotulo de bolchevista, ja que era a fa ) suas. Alvaro e& ) que aparece de forma obseur vor de uma pritica legal ¢ reformista, Florentino de Carvalho identifica va-o claramente como mais um partido socialista, fruto da obra de Mau- ricio de Lacerda, que conseguira ludibriar ana retor da Voz do Povo, Para Florentino nio se tratava de um partido bol- chevista, 0 que alids também seria cont Estes rejeitavam qualquer autoritarismo, mesmo uma ditadura proletaria que se pretendia transitoria.!” Sem diivida Avila ilusira a posicao daqueles que uma critica & centralidade do sindicato ¢ da agio direta para a construgao. quistas de peso. como 0 di- ra rio aos princtpios anarquistas estavam fazendo da futura sociedade anarquista, mas que nem aceitavam aderir a métodos autoritérios para realizar tal transicao, nem entendiam que, por esta 1473 transformavam-se em “traidores reformi: O exemplo de Mancio Tei- xeira, outro anarquista que chegou a participar da Coligacao Social — era este 0 nome do novo partido que se formou em meados de novembro de 1920 —, € muito ilustrativo. Ele aderiu 4 Coligacio, mas acabou por se afastar por dliscordar da presenca de certos elementos como Nicanor Nas cimento € Nestor Peixoto, Em sua opiniao, a Coligagao poderia ser com- posta por homens de diferentes matizes politicos ¢ ideoldgicos, todos po- rém devendo ser “militantes firmes e honestos do proletariado so do proprio Mauricio cle Lacerda e de nomes como Clodoveu de Oli- veira e Francisco Alexandre, nenhum dos quais era anarquista, O mesmo nao ocorria com Nicanor Nascimento, que fora convidado para ser mem- bro do proprio comité central executive da Coligacio. Diante deste fato, Mancio Teixeira retirou sua adesao ¢ lamentou a permanéncia de Avila ¢ dos irmaos Palmeira.!7 Outro anarquista que também aderiu 4 Coligagio Social foi Eve- rardo Dias, por consideri-la “wna escola de treinamento dos elementos mais capazes do proletariado" (Dulles, 1977, p. 134). Afirmando quista, mas defendendo a legitimidade da agdo através de um partido, ele considerava que os fins libertirios poderiam ser compatibilizados com uma experiéncia transitéria de ditadura operiria. O que a experiéncia da Coligagao Social tem de interessante ¢ 0 fa- to de demonstrar que, em fins do ano de 1920, havia muito pouca clarezat, mesmo por parte dos lideres mais expressivos do anarquismo, sobre 0 significado da experién: f que a Coligacio Social chegou a ser identificada como um partido bol- >. nO ca e anar- a. Foi dentro deste contexto evolucioniris rus aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA De Castro Gomes v_ 145 s e 0 codigo de menores. Todas essas leis, contudo, permane- ceram sem implementacio ¢ sob forte bloqueio do patronato (Gomes, 1979, pp. 90 € seg. € pp. 171 € seg.). Sem dlivida é excessivo interpretar © projeto politico do governo Bernardes como objetivando implementar uma proposta de cooptagio do movimento operirio (Zaidan, 1981) € explicar o sindicalismo cooperativis ta, que ja existia no Rio desde a década anterior, mas ganhou entao mais adeptos, apenas como fruto da intervencio estatal. Mas é inequivoco que a combinacio entre repres Jo levada a efeito pelo governo con- tribuiu para o crescimento do cooperativismo e abriu também espaco para um amplo debate entre as diferentes facedes politicas do operariado. E tamente através do proprio debate, que envolveu anarquistas, comuni socialistas e cooperativistas, que se pode estabelecer o que estas diferentes correntes propunham 4 classe trabalhadora, e que logica presidia suas ali- angas € cisdes, E bom recordar que sao as propostas que estio sob exame, e nao seus desdobramentos em termos de eficiicia “real” 5 e conces Dois jornais cariocas m os princi s clesta pole mica. O primeiro deles foi A Patria, que deixou sua “Seco Trabalhista" sob a orientacio de Marques cla Costa, lider anarquista membro da Unio dos Operarios da Construgio Civil, associagio que se tornaria 0 mais forte ¢ fiel bastiio libertdrio nos anos 20. O proprio Marques da Costa esi Os termos de sua negociagdo com o joral: ais porta-voz Quando entre’ para A Patria tive a franqueza de dizer aos dirctores deste jornal quitis its idGias que profess; U além disso esclarcei desde logo que (.) ndio me submeteria jamais a qualquer cei, desde pposido (0. Eu logo, a orientacdto desta Secao. AG que parece, esta origntagdio nao agradou i todos, Pelo me 1s bolchevistas; 6.0) osindo apr dou aos comuni © comunicades — vindos de Quando sefim convocagoes, pequenis not associagdes operirias, de grupos ¢ até de partidos operdrios, va! Tudo pu- blicaremos sem olhar sua cor, Mas artigos de propaganda etc,, ah! meus caros trastes, tende pacicncia! Posso ser... anarquisti, puritano... O que quiserdes, menos dusts coists: bolchevista € burro." outro jornal que reabriu sua “Secdo Operria’, fechada desde 1914, foi O Patz. Folha tradicionalmente oficiosa do governo da Rept- blica, a partir de fevereiro de 1923 O Paiz confiow a orientagio desta €o- luna a Sarandy Raposo, idealizador ¢ lider dos sindicatos coope tas entio reunidos na chamada Confederacio Sindicalista Cooperativista do Brasil (CSCB). A proposta de O Paiz, bem como da CSCB, foi explicitada aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. ANGELA pe Castro Gomes wv 149 tigdo publica. Sua confiabilidade ficava assim assegurada, como assegurado. ficava 0 principio de colabora patronato ¢ Estado. O programa da CSCB era a defesa de uma transformacio social lenta € se- gura — evolutiva, portanto segura — dentro dos postulados da ordem po- Iitica € do progresso econdmico, Ext um programa sindicalista, como o dos anarquistas, que reconhecia os sindicatos profissionais como Srgios van- guardistas e arregimentadores e lutava contra a polit tua organizacio da sociedade. © que distinguia o sindicalismo cooperativista do sindicalismo revolucionario era sua “forma material de agao”. Embora os primeiros também reconhecessem a greve como “1m sagrado direito pro- letdirio’, propunham que a conquista de miquinas, of E feita por meio de uma sistematizagao cooperativista, destinada a transfo mar o capital singular em capital coletivo” Rejeitavam, por conseguinte, agao direta € opressora, que atua as riquezas, declarando inimigos Os cooper tas entendiam que o s sica para a realizagio de um acordo eqiiitative entre capital ¢ trabalho e que as cooperativas seriam seus insttumentos de operacao.*? Poradvogar este tipo de solugao para os problemas das clas balhadoras, a CSCB s stituia at de uma "baneada operaria” ¢ de uma “bancada nio-operdria’, da qual participavam as mais prestigiosas instituigdes do pais, como a Liga ca Defesa Nacional, a Sociedade Nacio- nal de Agricultura, o Centro Industrial do Brasil € 0 Instituto de Enge- nharia Militar. Em sua diretoria, conselho e assembléia-geral figuravam la- do a lado intelectuais, industriais, servidores do Estado, agricultores e tra- balhadores rurais ¢ urbanos.** Nestes primeiros textos que O Paiz publicou, o sindicalismo coo- perativista apresentava sua proposta em contraposicio a do sindicalismo revolucionirio, isto é, do anarquismo, demonstrando pontos de contato e divergéncias, € sobretudo afirmando que a tendéncia deste tiltimo era de- saparecer, fundindo-se com os cooperativista liticos em relagao a facgao bolchevista € n anarquistas, que eram ch seria a saida do circulo vicioso gerado pelo ¢: lado, e pelo anarquismo revolucion ‘alha ¢ contra a 4 pela desapropriacao violenta de todas 3 stado ¢ patroe indicato era a instituigio ba- ivi Nao havia comentarios ana- ja um ataque frontal aos macos a colaborar. O sindicalismo cooperativista pitalismo reaciondrio, de um. rio, de outro. Ou seja, 0 sindicalismo cooperativista tentava conseguir o monopolio da “palavra operiria”, apre- sentando-se como um ponto de confluéncia entre diversas propostas. Imediatamente apos a wanscrigao desta série de documentos dou- tindrios, o jornal publicou um artigo esclarecedor no que se 1efere ao projeto dos cooperativistas") Nele era delineada sua proposta de incor- poracio da classe trabalhadora 4 sociedade e ao Estado brasileiro, isto é. © tipo de identidade postulaca para os tabalhadores. A primeira afirma- p hav aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. TRABALHISMO 154 y_A_Invencao que foi durante estes anos de estado de sitio do governo Bernardes que © PC desenvolveu um “trabalho de formiga’, estabelecendo seus primei- ros nticleos na organizagio sindical carioca. O partido conseguiu algumas adesdes bem significativas em termos de filiacao 4 FTRJ, na época sob controle dos comunistas, ¢ também de participagao no projeto de Con- feréncia dos Presicdentes de Associagoes de Classe da CSCB. Entre elas, vale citar a do Centro Cosmopolita (sob a lideranca dle Jodo Argolo) ¢ a da Associagao Graf aciagdes padeiros. alfaiates, vassoureiros, marceneiros, marmoristas € barbeiros. Estas associacdes, portanto, deram apoio 4 proposta de Sarandy Raposo. Mas, na verdade, a Conferéncia dos Presidentes das Associagées de Classe nunca ultrapassou a realizagao de numerosas sessOes prepa- ratorias, embora tenha chegado a estabelecer as bases € as teses preli- minares para o advento de uma frente tinica proletiria, Nesta ocasiio, as- sinaram o documento, além das entidades sob influéncia do PC, os re- resentantes da Associagao dos Operiitios da América Fabril, da 4 ciacdo Profissional Textil, da Caixa Geral do Pessoal Jornaleiro, da Estrada de Ferro Central do Brasil, da Unido Geral dos Metaltirgicos, da Uniao dos Operarios Municipais ¢ do Apostolado do Culto ao Trabalho." Praticamente permaneceram com os anarquistas na FORJ, recu- sando a frente tinica, a Unido dos Operairios da Construgao Civil ea Unio dos Artifices em Sapatos. O esforco que os libertirios desenvolveram nes- te periodo para reafirmar scus principic anga de comunistas e cooperativistas foi muito grande. Em relagio a va- rios pontos de sua doutrina, houve por parte de algumas liderancas anar- quistas o reconhecimento explicito da pertinéncia da critica dos bolche: vistas. O melhor exemplo € uma série de artigos de José Oiticica, intitulada "Meu Diario", publicada em A Pairia, onde ele diagnostica que oanarquismo vivia de fato um profuncdo momento de dispersao de forcas devido a “desu nido de vistas ¢ incoeréncias de praticas” que dominavam seus militantes. O problema maximo era o do entendimento do que devia significar o sindicalismo libertario. Para Oiticica, a tese da descentraliza- ¢io organizacional do movimento sindical nao devia ser confundida com 1 auséncia de disciplina ¢ de centralizacio de estorcos para a luta contra elementos que cada vez mais se unificavam numa forte alianga A proposta de Oiticic Asido foi a de orga segdes ope- ririas” no interior dos sindicatos, para que nelis se selecionasse e parasse doutrinariamente um forte ngicleo de milit tas segdes as questoes de principios ideoldgicos poderiam ser debatidas, as © sindicato devia ser mantido unificado em torno do espirito de luta contra todos os exploradores, afastando-se das querelas doutrinarias, ou seja, 0 sindicato nao devia ter filiagdo doutrindria oficial. O movimento li lém das ass s dos (com Rosendo dos Santos). sso- s doutrindrios ¢ ¢nfrentar a ali- na o cintes anarquista: aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. NGAO 00 TRABALHISMO do. com todo o apoio das autoridades bernardistas, de Sarandy Raposo ¢ do Partido Socialista de Agripino Nazareth, candidato operirio 3 inten- déncia do Distrito Federal (Zaidan, 1981, Cap. Ill; Dulles, 1976, p. 235). A Unio dos Oper sindicatos que, se- gundo Otavio Brando, mantinham estreitas relagdes com os policiais do marechal Fontoura ¢ do coronel Bandeira de Melo, eximio na pratica do suborno e da corrupcao de lideran sociagao de class Jos também estavam dominando a Uniao Geral dos Ope rarios Metalirgicos (com o presidente Amaro de Aratijo) € a Associag dos Cocheiros, Carroceiros ¢ Classes Anexas (com Joaquim dos Santos). ambas anteriormente ligadas as lutas anarquistas. ios Estivadores era um dos 1s sindicais, Além desta a os ama oO Entre os téxteis, a0 lado da Associacio Profissional Textil (orientada por Carlos Gomes de Almeida) e da Associagao dos Operirios da América Fabril (com Libinio da Rocha Vaz até 1923), nitidamente patronais, passava a figurar a Uniio dos Operirios em Fabricas de Tecidos. Reprimida ¢ fe- chada pela policia, que a considerara uma das principais responsiveis pelo surto grevista de 1917-19, esta associagao fora reaberta sob a solicitagao de uma nova © suspeita lideranga: José Pereira de Olivei Brandao é categérico quando afirma a presenga dos amarelos nes- te setor ¢ também no porto do Rio, onde controlariam igualmente a So urvalho), a Asso- ciedade Unitio dos Foguistas (de Jilio Marcelino de ( ciacao de Marinheiros e Remadores ¢ a Resistencia dos Trabalhadores em ‘Trapiches e¢ Café (com Heitor Batista), entre outras entidades de menor importincia.°? Este breve perfil da bem uma idéia do tipo de enfrentamentos que © PC teria nos anos do pos-25. Neste periodo inicial, o partido se bene- ficiou da existéncia de um pequeno periddico — A Classe Operarta (maio/julho de 1925) — que, mesmo sendo Wo efémero, foi valioso para a penetracao dos comunista fio de células. No Rio, mo secio de jornal sob a orientac: nos si dicatos € para sua politica de for- a publicagao ou mes- » de anarquistas. dio existia mais nenhu A luta nao seria facil. O PC precisava conquistar posicées em certos tos-chave — como os téxteis € metaliirgicos — e permanecer in- sistindo com os anarquistas das associacdes dle sapateiros e da construgao civil, por exemplo. $6 entio poderia articular seus projetos politicos mais audaciosos, como a constitui¢io de uma Contederacio Geral de Traba- Ihadores (CGT) € 0 langamento de um Bloco Operirio para concorrer as futuras cleicdes. Todas estas iniciativas faziam parte da orientacao de t langada pelo Comité Central Executive (CCE) em fins cle 1925 € deviam ser preparadas pela acio do Comité de Reorganizacao e Uni- ficagdo Sindical. frente tini aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 162 vA _INvENcAo Do TRAsatHisMo grificos, metaldrgicos € também sapateiros, para formar — jd no pés-30 — achamada Liga Comunista Internacionalista Continuando sua obra de propaganda com o objetivo de centra- lizar 0 movimento sindical, o PC promoveu, em abril de 1929, um Con- gresso Operario Nacional no Rio de Janeiro. Considerado um produto dos esforcos daqueles que editavam at Classe Operdria em sua segunda fase, © congresso tinha como finalidade a fundagio de uma Confederagao Ge- ral do Trabalho (CGT), o que foi formalmente efetivado. Tendo Minervino de Oliveira como seu secretirio-geral, a CGT e 0 congresso convocaram os trabalhadores para um grande comicio no 1° de maio de 1929 na Praga Maud, como festa de encerramento. O comicio foi realmente bastante prestigiado, mas teve que con- correr com dois outros acontecimentos: a reuniao de protesto dos anar- quistas na Praca Onze, organizada pela FOR] € pela Unido dos Operdrios da Construgio Civil, ¢a miss: oficiada pelo arcebispo dom Sebastiao Le- me para os operiirios ca para as comemoracées do Di 1976, p. 311) O cerco ao PC sé fazia aumentar. Em junho de 1929 a policia in- vadiu e destruiu a sede onde funcionava a CGT e outros sindicatos, a rua Senador Pompeu. A cidade ji vivia o clima da campanha presidencial e da propaganda da Alianca Liberal. O PC resolveu nao aderir e langou Mi- nervino de Oliveira como seu candidato a presidéncia da Republica. O chefe de policia de Washington Luis, C no de Géis, era de opiniio que o PC devia ser tratado com mais energia, € assim foi feito. Os co- micios realizacos para propaganda eleitoral foram reprimidos, sendo pre- sos manifestantes © oradores t6licos. A cidade via nascer um terceiro espaco 1 do Trabalho: o espaco da Igreja Catdlica Por out lado, a Alianga Liberal mobilizou muito os wabalhadores cariocas. Se houve setores — ferroviirios e maritimos — que deram apoio ao Clube Republicano Carioca, defensor de Jilio Prestes, grande parte dos operitios industriais da Gavea ¢ Engenho Velho votou em Vargas (Leo poldi, 1984, p. 355). O Partido Comunista nao teve sucesso em sua es- tratégia eleitoral no ano de 1929, 0 que sem diivida também se relaciona com a complexa situacdo que vivia internamente. Segundo Otivio Bran- dao, que foi excluido pelo CC por volta de meados de 1930, havia os maiores absurdos devido ao chamado “obreirismo”, que qualificou toda a titica do BOC de oportunista. A revolucao acabou por rebentar no més de outubro e © PC — fiel A sua nova linha — afastou Astrogildo Pereira, que ficatia 12 anos desligado do partido que criara ¢ dirigira, Este episédio nao provocou nenhuma reacdo por parte das bases. O partido encontra- va-se esfiacelado: era inexperiente, obedecera 4 Internacional ¢ cometera 1 discordou foi expulso. Os sindicatos, estes j4 vinham sendo arrebentados desde o periodo final do governo Washington Luis.

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