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TEORIA E CRITICA POS- COLONIALISTAS Thomas Bounici ( DISCURSO EO PODER: FOUCAULT E SAID A teoria ¢ a critica pés-colonialistas, constituindo uma nova estética pela qual os textos si0 interpretados “politicamente”, basciam-se na intima relagio entre o discurso € o poder, Antes portanto, de analisar 0 P6s-colonialismo em todos os seus aspectos, necessirio se faz indagar sobre ima faceta do pensamento pos-estruturalista referente & equagio discurso ¢ poder. As forsas pol e econdmicas, o controle ideolégico ¢ social subjazem ao discurso ¢ a0 texto. F evidente que o poder, com todas as suas ¢ europeus se convenciam de sua superioridade cultural ¢ intelectual diante da “nucle?” dos metindios; geragées de homens, praticamente de qualquer origem, tomavam como faro indiscuivel + inferioridade das mulheres, Nesses casos, estabeleceu-se uma relagio de poder entre 0 “sujeito” ¢ 0 objeto", a qual nio reflete a verdade eqtiéncias, 6 exercido para que surta o miiximo efeito possivel. Geracdes de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) proclama que os individuos primeiro decidem 0 ques. desejam e depois encaixam os fatos em seus objetivos. Conseqiientemente, o homem encontra nas coisas somente o que ele mesmo colocou nelas. Para Nietzsche, todo conhecimento express “o desejo do poder” apropriados por sistemas de poder para camuflar sew desejo de poder. Os individuos adotam certo tipo de flosofia ou teoria cientitica quando esti de acordo com a ‘verdade” proposta pels autoridades intelectuais ou politicas contemporaneas, pela elite ou pelos idedlogos. ‘A teoria do discurso de Michel Foucault (1926-1984) une o ceticismo referente ao discurso ¢ 3 abordagem histérica da interpretacio, Reconhece que o discurso, escrito ou oral, jamais poderia estar livre das amarras do perfodo histrico em que foi produzido. Ou seja, 0 discurso esté inerente a Como a verdade e 0 conhecimento objetivo nfo existem, esses dois fatores si0 todas as priticas ¢ Semethantemente & teoria de Lacan, a subjetividade & construfda através do discurso: o individuo se identifica com ou reage contra varias posicées de sujeito oferecidas por uma variedadle de discursos nstituigdes culturais ¢ necessita da agéncia dos indivicluos para poder ser efetivo. o(@)uowia urrawAnra num dado momento, Os individuos que pensam ou filam fora dos parimetros do discurso dominante sio definidos como loucos ou reduzidos ao emudecimento. Em A hisiéria da lowcura (1961), Vigiar e punir (1975), A hist da sexwatidade (1976), Foucault examina os campos discursivos, mutantes em que esses problemas se desenvolvem em etapas especificas da historia e chega a conclusio de que os individuas no pensam nem falam sem obedecer aos arguisos de regras € restrigGes sociais, especialmente ao sistema educacional, 0 qual define © que € racional ¢ académico. _ Essas regras, controlando a escrita € © pensimento, formam 0 arguivo ou o inconsciente postive da cultura As regras estruturais que informam as visios campos de conhecimento vio além da consciéneia individual. Nao conhecemos arquivo da época em que vivemos, porque é sinbnimo do inconsciente a partir do qual filamos, Compreencemos © arquivo de outra época, porgue somos absohatamente diferentes e distanciados dela. Por exemplo, percebemos as varias correspondéncias que formam o discurso do periodo medieval; os escritores da Idade Média percebiam os eventos contemporanees ¢ las camo nés as vemos atualmente pensavam através dessas correspondéncias ¢, portanto, no podiam Foucault tenta descobrir as regras do discurso de um perfoclo especifico ¢ relacions-las 4 andlise do conhecimento € do poder. © discurso ¢ historizado e a histéria contextualizada. Ele considera a historia em termos de uma Juta sinerénica do poder. Para ele o poder nao € necessariamente algo repressivo, mas uma forga produtiva que une as diferentes forcas da sociedade. Nenhum acontecimento nasce de uma causa tinica, mas é 0 produto de uma vasta rede de significantes ¢ de poder. Ademais, a historia e a historia das idéias sio intimamente ligadas & leitura € 2 produgio de textos literfrios. Esses textos, por sua vez, sTo a expressio de priticas djscursivas determinadas histGrica e materialmente. Esses discursos sto produzidos dentro de um contexto de luta pelo poder. De fato, na politica, nas artes e na ciéncia 0 poder se constr6i através do diseurso e, portanto, a pretensio de que haja objetividade nos discursos € falsa, havendo, entio, apenas discursos mais poderosos € menos poderosos A utilizagio da geografia e da ciéncia ilustrara esse ponto. Quando se analisam os mapas dos ‘cart6grafos medievais e renascentistas, percebe-se que eles, com seus contornos, detalhes ¢ nomes, torharam-se uma tecnologia do império, uma interface grifica indispensivel ndo apenas para navegar mas especialmente para gerenciar 0 mundo. O conhecimento ¢ o saber dio dircito as terras prometidas supostamente de “ninguém”, a divisio do mundo, ao heroismo dos exploradores, & diversidade cultural, & alteridade, a0 racismo, A partir da Nauwalis Historia (77 d.C.), de Plinio, € passando pelo Liber Chronicarum (1493), de Hartmann Schedel, e pelo Systema Naurae (1758), de + Linnaes, até as obras de certos cientistas do século XIX, especialmente A. de Gobineau, em A “esiqualdade das rigas hnmnanas (1855), as discusses diretas ou indiretas sobre o racismo pareciam Sempre tender a comprovar a superioridade das racas européias e colocar na alteridade © resto do amundo. A apropriagio das ciéncias seguiu 0 mesmo padrio do colonizador, definido como a “inclinagio a dividir, subdividir e redividir o sew tema sem nunca mudar de opiniio sobre o Oriente ‘como algo que é sempre © mesmo objeto, imutivel, uniforme e radicalmente peculiar” (SAID, 1990, p. 107). © legado do imperialismo foi construit as estruturas cientificas sobre crengas existentes € hherdadas, com a finalidade de indicar e consolidar os supostos cdonas do mundo. Para Foucault, 0 saber ¢ 0 produto de um discurso especifico que o formulou, sem nenhuma validade fora disso. As “verdades” das ciéncias derivam do discurso ou da linguagem. O saber nio € 0 efeito do acesso das ciéncias para o mundo real ou para a realidade auténtica, mas das regras de seu proprio discurso. Segue-se que 0 saber das ciéncias humanas € construido porque as pessoas foram persuudidas a accité-lo como tal. E saber porque o discurso € tio poderoso que nos fz acreditar que seja aber. O saber, portanto, € produzido pelo poder, Para Foucault, a questio da veracidade ou falsidade de uum discurso nao € importante, ja que a “verdade” € produzida pelo poder. Concentra-se, portanto, na _formegio discursiva, ou seja, nas regras pelas quis 0 discurso € coerente ou nos principios subjacentes a0 & discurso, Esses discursos determinam 0 nosso modo de falar e pensar sobre, por exemplo, a sextalidade ‘ou a sanidade mental, ¢€ nos persuade para © autopoliciamento e a supervisio dos outros. Funcionando independentemente das intengdes especiticas individuais (Foucault nio esté falando sobre 0 abuso do poder por individuos ou por governos que manipulam seus stiditos e os mantém sob sew controle), 08 224 ed) Teonsta © CRITICA POS-COLONIALISTAS discursos se perpetuam pelos usudrios que reproduzem seu poder. Na concepgio de Foucault, 0 discurso € internalizado por nés, organizando © nosso ponto de vista do mundo e colocando-nos come um elo (inconsciente) na cadeia do poder. Foucault, portanto, colaca a linguagem no centro do poder social e das priticas sociais. E nesse ponto que se encontra 6 papel social da inguagems ¢ da literatura como poder as, que influericiou inteiras yeracdes lusas, comecando pela sua, imitagio da Bueida, até as proezas herdicas dos portugueses nos pontos embriondrios da Africa e da Asia, constrdi a base de sua ideologia da superioridade do curopeu, que, por mandato divino, submete os outros povos 4 sua Tei “superior”. Semelhante influncia exerceu o discurso das pecas teatrais de Shakespeare, que outremiza ¢ hierarquiza os povos limétrofes (os irlandeses), os desordeiros (homens € mulheres das tavernas) ¢ os habitantes das longinquas colénias (Caliba). Esse fator sera visto melhor no contexto do pés-colonialism. Emibora o discurso seja repleto de poder, nao € imune aos desatios lugar de conflito © uta, encarregade de criar © suprimir ar egembnico, Todo o diseurs0 de Os lus 4s mudangas internas: é 0 sisténcia, Para Foucault, o diseurso reforga o poder ¢, 30 mesmo tempo, o subverte, Ao ser exposto, o discurso torna-se figil e fica mais, propenso a ser contrariado, arimettos de Foucault © Gramsci, Edward Said (1935-2003), em Orientaliamo, publicado em 1978, demonstra como a teoria da desconstrugio poderd desafiar a pretensio de Seguindo os abjetividade no contesto da histéria cultural, Deseonstruindo a natureza do poder colonial, Said (1978) aprofiunda a critica pos-colonialista que se desenvolveu durante os dltimos quarenta anos. Ele desconstréi a imagem que o mundo ocidental tem do Oriente, imagem essa que foi construida por historiadores, escritores, poetas ¢ estudiosos durante varios séculos. Utilizanda “nao sé as trabalhos eruditos mas também as obras literirias, as passagens politicas, os textos jornalisticos, livros de viagens, estudos religiosos ¢ filolégicos” (SAID, 1990, p. 34), Said mostra a construgio do Oriente através de romances, descrigées € informagies sobre a histéria e a cultura orientais, Essas formas de escrita ocidental constroem um discurso foucaultiano, ou seja, um sistema de afirmagées © pressupostos que constituem um suposto saber € pelos quais se constrdi o “conhecimento” sobre o Oriente. Evidentemente, ais discursos, aparentemente dedicados de poder. Para Said (1990), as representagies. do Oriente (ou Orientalismo) feitas pelo Ocidente levam consciente © deterministicamente 4 subordinacio, Percche-se, de fato, um discurso etnocéntrico repressive que legitima o controle enropen sobre 0 Oriente através do estabelecimento de um construio negative. A esperteza, o 6cio, a irracionalidade, a rudeza, a sensualidade, a crucldade, entre outros, formam esse exclusivamente ao saber, estabelecem verdadeiras relagd rousinio, em oposicio a outro cousin, positive € superior (racional, democritico, progressivo, civilizado exc.), defendido e difiandido pela cultara ocid discurso ocidental. Segundo Gramsci (1998), a hegemonia é a dominagio consentida, ou seja, 0 miétodo pelo qual os dominadores conseguem oprimir os subalternos através da aprovagio aparente dessas mesmas classes sociais, especialmente pela cultura, © Orientalismo, portanto, legitimou o imperialismo © © expansionismo para os préprios europeus ¢ convenceu os “nativos” sobre o tuniversalismo (a mais adiantada civilizagio do planeta é a européia) da civilizacio européia A teoria de Said (1990) € de outros tesricos pas-colonialistas, quase simultaneamente adotada pelos adepcos de estudos afro-americanos € por feministas, subverte os pressupostos de uma objetividade espriria que sustenta o Ocidente, a unicidade de sua cultura e de sew ponto de vista. y I, Encontraese nesse ponto a hegenonia do Einograf AA pritica etnogrifica torna-se uma descrigio preconceitwal da cultura de wna raga a partir dle pressupostos hegeménicos das conquistadores Outro O sujeito hegemnico europe Alm de sgnificar © dominio de wm exude sobre outro, hegemonia € 0 poder da case dlominante para comvencer as outras classes de que os intereses dela (da classe temente, sio accitos por todas as outras |Hegemonia I doninante) sio interesses comuns, conseqie classes, ( sujeito marginalizado pela hegemonia europé ‘ou seja, nio-branea ¢ nio-eurepéia, tuna pessoa de raga ou etna diferente, outro, 225 eq TJEORTA LITERARIA ‘eida Distinta da identidade racial, a etnicidade da pessoa inclu seus aspectos culturais, como a [Eesisidnde ido, tradigbes de vestimenta € de comida, Heliawscharue etc Di (© texto transformado pelo contexto ou interpretigio: portant, altamente carregado pela sume idcologia dominante, que exclui e degrada qualquer outro discurso, Freqiientemente, € um termo degradante para significar a pessoa primitiva, pagi, nlo- Nealivo educada, desprovida de literatura ou cultara [Império A pritica politica e deol6gica de uma nagio hegemdnica para outremiizar 9 nio-europeu. a E um sistema de supervisto, conseqéncia do poder sobre o sujeito outremizado, o qual € ameagado por toda tipo de reprovagio moral e cultural e de exelusto. Quadro 1. Poder e contol HISTORIA DO POS-COLONIALISMO Iniciou-se © século XX com um triste panorama composto (1) por dezenas de povos ¢ nagdes 2) por milhdes de negtos, descendentes de escravos, especialmente nos Estados Unidos ¢ na Africa do Sul, discriminados em seus direitos fundamentais, @) pela metade feminina da populagio mundial vivendo num contexto patriarcal, (4) pelo poder politico ¢ econdmico nas mios da raga branca, cristi e rica em pafses industrializados. Apesar dessa imagem sombria, um dos fatores mais caracteristicos do século XX foi a nitida conscigneia da subjetividade politico-cultural e da resisténcia de povos © nagdes contra qualquer tentativa para manter a objetificagio ou iniciar uma nova modalidade de dependéncia, O Renascimento do Harlem (movimento cultural ¢ literatio entre escritores e artistas norte-americanos, especialmente na cidade de Nova Torque, cuja finalidade foi realgar o interesse na cultura afficana ao redor do mundo) 10s Estados Unidos nas décadas de 1920 ¢ 1930 mostra a recusa em deixar a cultura eurocéntrica, cristi € branea continuar definindo outro em geral € a populagio afro-americana em particular (APPIAH;, GATES, 1997). Idéntica atitude estava por tris do movimento Négrinede na década de 1930 em virios paises africanos. Essa tendéncia para a autodeterminagio dos povos em todos os aspectos teve ui recrudescimento, apés a Segunda Guerra Mundial, especialmente nos movimentos pelos Direitos Civis nos Estados Unidos ¢ na luta contra o colonialismo britinico, francés, portugues, alemio, belga em todos os continentes. Nesses casos a autodeterminacio politica ¢ a autodefinigao cultural andavam juntas. Na pritica, o Renascimento do Harlem ¢ Néritde sio definidos como um momento cultural, literirio e politico de tal envergadura que o tesrico. martiniquiano-argelino Frantz Fanon confere grande poder de huta politica as culturas e literaturas nacionais. submetidos ao colonialismo europeu, Descolonicaiol ] —_Mosincnros —] Tndpendénci no | Desooloniagio It | Mavimeriay re (U776-1825) (1920-1939) | Commonweatth | (105-1989) | independneis (1955-1975), britnica (ecada de 1980) 7 1930-1942) Estxios Union] Renascimonro do |Caralls Aue, [ndiny Paquindoy|N@we, na AiFicn | itica da Nowe Aire América Gemal] Havlem, Esudes| Indonésis; Orient etrilias Jesustorial cube America do Sul [Unidos Mic, equatorsk, has — do Negi, na Arica, (Caribe ¢ clsnias Jairica do Sul suse Quadro 2. Mapa da descolonizagio emre 1776-1975. Aistoricamente 0 movimento pré-independéncia, especialmente das Américas britinica, portuguesa © espanhola, respectivamente no tiltimo quartel do século XVII ¢ no primeiro quartel do século XIX, favoreceu certa autonomia as culturas nio-curopéias (mas nio- indigenas), com o conseqiiente nascimento de uma literatura nacional (JOZEF, 1982). Nos séculos XVIII ¢ XIX, abundam no Brasil escritores ¢ escritoras que desenvolviam seu trabalho com larga incorporagio de temas brasileiros, seguindo padrées estétcos exropeus. Foram 0 Modernismo brasileiro, contudo, iniciado na década de 1920, € suas subcorrentes que apresentaram propostas de uma arte essencialmente brasileira, Em geral, todavia, fortes lagos ainda amarravam as literaturas americanas aos modelos europeus. Praticamente até meados do 226 4) Teowra © cRitsca POS-COLONTALISTAS século XX, no contexto dos paises noves fibricados pelo colonialismo, nao existia uma literatura nacional na Africa € na Asia, € a literatura produzida nesses continentes seguia padres eurocéntrices, ji que foi escrita por viajantes, missionirios, mulheres de administradores coloniais ¢ soldados intimamente ligados 4 metr6pole colonizadora. Rarissimos foram os casas em que surgiram produgdes literirias diferentes das da metrépole. Por outro lado, mio havia embasamento teérico para detectar a resisténcia na literatura de entdo. Tampouco cram desenvolvidas formas de leitura ¢ escrita que pudessem “responder” 4 colonizagio européia arraigada nos parimetros do essencialismo, de superioridade cultural e de degradagio da cultur dos outros. © periodo apés a Segunda Guerra Mundial viu o surgimento da terceira onda de independéncia politica especialmente nas nagGes caribenhas, africanas € asiftieas €, ao mesmo tempo, de uma literatura escrita pelos nativos, no sem problematizacio, nas linguas dos ex colonizadores. Os romances The Palni-Winte Dritkard (1952), de Amos Tutuola, ¢ Things Fall Apart (1958), de Chinue Achebe, ambos nigerianos, foram talvez as primeiras expresses liverdirias auteaticamente naiivas oriundas da Africa ¢ escritas em inglés. Nasce entio uma literatura original em inglés a partir das ex-col6nias britinicas, a qual nfo poderia ser chamada simplesmente “literatura inglesa”. Criticos da metrépole inglesa logo desenvolveram a idéia de Commonwealth Literature (literatura da comunidade das ex-colénias britinicas). Ev pode-se ver que a idéia de uma Commonwealth Literature seguia os antigos padres metropole~ coldnia, com a Inglaterra posicionando-se no centro € as novas nagGes independentes colocadas pa margem, Na década de 1970, os escritores caribenhos, afficanos © asidticos rejeitaram eritica qualquer conotagio do Commonwealth, devido A continuacio do eurocentrismo pel britinica e 4 recusa dos escritores nativos em admitir a superioridade da civilizagio britinica e européia. A expressto Commouealtht Literature foi abandonada c surgin a idéia de chamar Literaturas em inglés 3 expressio literiria em lingua inglesa oriunda das ex-coldnias britinicas. Esse fendmeno nio ficow restrito 3 literatura em Tingua inglesa, mas a todas as literaturas nascidas nas ex-coldnias, Em seu importante livro, Dathorne (1976) intitula os capftulos “Teatro africano em francés ¢ em inglés”, “Literatura africana em portugués”. Nestas tiltimas trés décadas surgiu o problema de como ler as obras de escritores que, escrevendo nas linguas européias, sio etnicamente nio-europeus. Hi atualmente escritores africanos escrevendo em francés, inglés e portugués; autores caribenhos escrevendo em espanhol, inglés, francés ou holandés; escritores indianos, paquistaneses © egipcios desenvolvendo uma literatura em inglés. E justo ler essas obras, profundamente inseridas nuni: culiura ndo-ocidental, através de parimetros estruturalistas, pos-estruturalistas, materialistas culturais, ou seja, através de uma abordagem ocidental? Qual 6 © status dessas literaturas produzidas nas ex-coldnias? Se a relagio entre a metrépole e a colénia sempre foi tensa, nao deveria essa literatura, eserita a partir da invasio colonial até o presente, mostrar as tenses, inerentes aos encontros coloniais? Se a literatura da metropole foi usada para enfatizar a superioridade européia através da degradagio ou aniquilamento da cultura nio-européia, qual é © papel dessas literaturas p6s-coloniais? COLONIALISMO © termo colonialismo caracteriza 0 modo peculiar como aconteceu a exploracio cultural durante os iiltimos 500 anos causada pela expansio européia, Distinguem-se o imperialismo mediterrineo da Antigiiidade e 0 colonialismo pés-Renascimento. No mundo antigo, as grandes civilizagbes mediterrineas orgulhavam-se em possuir colénias ¢ insistiam na hegemonia da metr6pole sobre a periferia, a qual era cansiderada bérbara, inculta e inferior. Said (1995, p. 40) define esse imperium como “a pritica, a teoria e as atitudes de um centro. metropolitano como aconteceu a partir de 336 a.C., quando o dominance governando um territério distante”, império de Alexandre da Maceddnia levou a civilizagio helénica para fora do Medhterrineo ¢ polatizou as idéias e as energias européias para o Oriente, ou quando 0 império romano, apés 227 ex T)eoRtA LITERARIA nquistou as ilhas mediterrineas, a Espanha, o norte da Africa, o Oriente Médio, 0 fia, a Alemanha © a Inglaterra, Por outro Indo, © mesmo antor afirma que o ido apds o Renascimento “éa implantagio de coldnias em territ6rio distante” 264.0, ¢ Egito, a G colonialismo pratica como conseqiiéncia do capitalismo incipiente, com a finalidade de exploragio material pata o epriquecimento da metrépole. A expansio colonial européia nos séculos XV © XVI coincidiu, portanto, com o inicio de wm sistema capitalista modlerno de trocas econdmicas. As coldnias foram imediatamente percebidas como fonte de matérias-primas que sustentariam por muito tempo o poder central da metrépole constatar que, a partir da Caria de Pero Vaz de Caminha até a Limitando-nos ao Brasil, po publicagio, em 1711, de Ciduira ¢ opuléncia do Brasil, de André Joao Antonil, iniimeros sio os textos informativos sobre os recursos econdmicos das colditias € as priticas de exploragio do territ6rio colonial. Ademais, o sistema pandprico pelo qual se supervisionava o espago colonial era o método de vigjantes e exploradores europeus dos séculos XIX ¢ XX representando o conhecimento ¢ o poder. hierarquica fadada a Entre o colonizador © o colonizado estabeleceu-se um sistema de diferen Jamais admitir um equilibrio no relacionamento econdmico, social ¢ cultural Mais grave tornou-se a situagio de povos colonizados que eram racialmente diferentes (os hotentotes na costa africana) ou que formavam uma minoria (os aborigenes da Austrélia). Entre © colonizador ¢ 0 colonizado havia © fator raga, que construfa um relacionamento injusto € io hegemdnica curopéia Mt Esse t6pico tansformou-se numa justificativa para introduzir o regime eseravocrata a partit de meados do século XVI, quando se formou a idéia de um mundo colonial babitado por gente =) “haturalmente” inferior, programada pela natureza para trabalhar bragalmente © servir ao desigual. Os termos raga, racisnio € preconceito racial sio otiundos da posica homem europeu branco. Do ponte de vista dos gregos © dos romanos, os barbaroi apenas no falavami a lingua “culta” © situavam-se fora da histéria e da civilizagio. Aos olhos dos enropeus . colonizadores, 0 estado naturalmente inferior dos colonizados era um fato indiscutivel, ‘provado” no século XIX pelas teorias da evolugio ¢ da sobrevivéncia do mais forte na doutrina darwinista. Se freqientemente 0 colonizado aceitava a ideologia e os valores do colonizador » transformava-se em famfce (winie mau nos romances de V.S, Naipattl), em outras ocasises ‘mostrava sua resisténcia e subversio através da iminica c da parédia Segundo Ashcroft et al, (1991), podemos sistematizar as colénias em (1) coldnias de povoadores, (2) coldnias de sociedades invadidas © (3)* coldnias de sociedades duplamente invadidas. Nas coldnias de colonizadores (América espanhola, Brasil, Estados Unidos da América, Canada, Austrilia, Nova Zeldndia), a terra foi ocupada por colonos curopeus que conquistaram, mataram ou deslocaram as populagdes indigenas. Uma modalidade de eivilizagio européia foi transplantada no vazio construido e os descendentes de europeus, mesmo apés a # independéncia politica, mantiveram o idioma nao-indigena. Os colonos inquestionavelmente consideravam que 0 idioma europeu cra apropriado para expressar a complexa realidade do lugar ocupado, marginalizando as linguas incl ‘, Nas coldnias de sociedades invadidas (India ¢ Africa com suas civilizacbes em virios estigios de ‘ desenvolvimento), as populagSes foram colonizadas em sua terra, Os escritores nativos, portanto, jf le 2 }possuiam ideologias, organizagdes societirias e formas politicas, embora estas fossem marginalizadas } pelos colonizadores. Raramente o idioma europeu substituiu o idioma do nativo; no mais, ofereceu- thes uma oportunidade para comunicar-se com outras sociedades, clevar seu nivel cultural e manter | as ligagdes com a metrépole. Em todos os casos, o idioma europeu sempre causou e ainda causa certa ambigiiidade, especialmente na literatura nativa. Ji; As col6nias das sociedades duplamente invadidas referem-se ao espago ocupado pelas sociedades we” primordiais dos indigenas das ilhas do Caribe, as quais foram completamente exterminadas nos JA(- 42” primeiros cem anos do descobrimento. A populacio atual das Indias Ocidentais veio da Africa, India, ¥ Oriente Médio ¢ da Europa, ¢ ¢ 0 resultado do deslocamento, do exilio ou da escravidao. Entre todas as sociedades colonizadas, talvez a sociedade caribenka seja a que mais softeu os efeitos devastadores do processo colonizador, onde © idioma e a cultura dominantes foram impostos e as culturas de { povos tio diversos, aniquiladas 228 eA) TeoRtA © CRITICA POS-COLONIALISTAS Colbnias de povoadores | Collnias de sociedades invadidas |ColOnias de sociedades duplamente colonizadas ‘Américas espanholae portuguesa, | india e Aca ‘As ilhas do. Catibe: 0 genocidio Estados Unidos a Amétita, Canad |praticado contra os indigenas eetivon Auten, Nova Zeb Jo deslecameuto de populigoes a ‘Aca fia, Ass, Oriente Meio a Europa para regio, Linguas was quaie extnts,|Lingoas——natins ——praadas|Linguas origins suprimidas prevalecendo as lingua enropéus, | itemamnente;. lingua europe |otalmente, prevalcendo as" inguas aproprias, [eusopeis, (Quadro 3. Tipos de colinias, vieissitade das Kinguas nativas e Inguas dominates. A colon 10 € o discurso colonialista eram também impregnados pelo patriarcalismo e pela exclusividade sexista. O terme homnem ¢ seus derivados incluiam o homem a mulher; 0 mesmo! sbjacente consistia, portanto, na juncio dav nogdes metrépole ¢ patriarcalismo que estavam empenhadas em impor a civilizagio européia a0 resto do mundo. A acio “civilizadora” levada ao interior pelo colonizador britinico, a partir de 1750, na Africa, india e no sudeste asidtico, era tio bem preparada que escondia a violéncia e a degradagao as quais foram submetidos os nativos. Dois séculos antes, a mesma justificativa de Colombo para privilégio nio era dado ao termo mulher, A ideologia fazé-los “cristianos” ¢ de Caminha para “salvar esta gente” fot utilizada por portugueses e espanh para camuflar a ivilizadora e a tutelage pat i nal assumidas pelas nagdes européias nada mais foram gue um ilizagio de mio-de-obra indigena em suas coldnias americanas. A tare pretexto pelo qual intensifica suprir as nagdes em processo de industtializagio crescent. (© estigma da inferioridade cultural ¢ do racismo impregnou também os colonos brancos, que, aos olhos dos agentes governamentais © da metrépole, ficaram degenerados. pelo) hibridismo, Em Wide Sargasso Sea (1966), de Jean Rhys, foram atribuidas a protagonista | Antoinette Cosway acusagdes de incesto, loucura, adultério € ninfomania, porque ela cra o am a rapinagem ¢ a luta para a aquisigio de matérias-primas para resultado da mestigagem de descendentes britinieas com negros caribenhos. No romance Os cortigo (1890), Jerénimo, o portugués exemplar, mergulha na massa humana da favela e degrada" se diante dos encantos do ambiente, da masica tropical c, de modo especial, da sensualidade det” Rita Baiana, A mietrdpole, portanto, enfatizava o fato de que esses colonos degenerados,”.f preseindindo da heranga cultural de seus antepassados europeus, desenvolveram as, caracteristicas dos nativos (preguiga, danga) ou generalizaram aspectos de sua tipicidade nacional (a bebedeira dos irlandeses). Todos esses aspectos criaram um sistema mundial no qual certas culturas ¢ sociedades eram consideradas essencialmente inferiores. Nos séculos XVI ¢ XVII, os colonizadores espanh6is, portugueses ¢ holandeses, ¢, mais tarde, nos séculos XVIIL, XIX e XX, wglaterra € a Franga, pusetam em pritica 0 conceito polarizador “nés ~ cles” ou Outro ~ outro. Para garantir a coesio do Outro diante das vicissitudes do mundo moderno, o colonizado foi ago. Para o colonizado, esse futuro incentivado a receber € compartilhar as benesses da ci promissor foi sempre preterido. Outro (o color ador) outro (0 colonizado) 1. © centro imperial (a) constrGio sistema pelo quall 1. O outro € formado por diseursos de (a) ‘ sujeto colonizado forma a sua identidade como] primitivismo; (b) canibalism; (€)_separagto ependente ou outro; (b) toma-se a nica} biniria entre o colonizador © 0 colonizado: (4) estrutura pela qual 0 sujeita’ colonizado| —afirmacio da supremacia da cultura, ideologia © compreende © mundo. visio do mundo do colonizador. 2. Representa o Outro Simbdélico © a Lei do Pai|2, O sujeito colonizado € “Filho” do império eo (conforme a terminologia de Lacan) sujeito degradado do diseurso imperial Quadro 4.0 Outra eo outro no sistema colonial 229 od TJ eoRTA LIT oft) LITERARIA © colonialismo, portanto, gira em torno de um pressupasto no qual 6 poderoso centro cria a sua periferia. Embora 0 bindmio centro/margem seja uma nocio biniria, eh define o que ocorrew na represcntagio dos individuos durante © perfodo colonial. © mundo foi dividido em duas partes, hierarquicamente constituidas, € 0 centro se consolidava apenas através da existéncia do outro colonizado. Segue-se que o centro, a civilizagio, a ciéneia, o progresso existiam porque havia todo um discurso sobre a coldnia, a selvageria, a ignorincia, o atraso cultural. Constituindo-se 0 centro ¢ relegando tudo o que havia fora dela como periteria da cultura e da civilizagao, a Europa sentia-se na incumbéncia (missio) de colocar, sob diversos pretestos, essa margem em sew Ambito. Enquanto Dom Joio IIT escreve em 1548 que o principal objetivo de "povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente delas se convertesse & nossa fé catélica”, em 1897 0 secretirio das coldnias inglés Joseph Chamberlain considerava as colbnias britinicas como estados nio-desenvolvides que jamais poderiam se desenvolver sem a assisténcia imperial ¢ que nio havia outra solugio para garantir emprego pleno aos ingleses sem a criagio de novos mercadas (LANE, 1978). SUJEITO E OBJETO A opressio, 0 siléncio ¢ a repressio das sociedades pés-coloniais decorrem de uma ideologia de sujeito € de objeto mantida pelos colonizadores. Nas sociedades pés-coloniais, 0 stjeito € 0 objeto Pertencem a uma hierarguia em que 0 oprimido € fixado pela superioridade moral do dominador. O \ colonizador, seja espanhol, portugués, inglés, se impoe como poderoso, civilizado, culto, forte, versado na cigncia ¢ na literatura, Por outro lado, o colonizado é descrito constantemente como sem roupa, sem religiio, sem lar, sem tecnologia, ou seja, em nivel bestial. E a dialética do sujeito {agente) ¢ do objeto (0 outro, subalterno). A lingua cortada do personagem Eriday no romance Foe (1986), de J. M. Coetzee, é 0 simbolo do colonizado mudo por ato voluntitio do colonizador. A aus@ncia de relatos de indios ou de escravos brasileiros e de mulheres escritoras em todo o periodo colonial e pré-republicano ¢ emblemitico. A auto-etnografia nao existe por forca da hierarqaia imposta Pode-se usar 0 termo subaltemo para descrever o colonizado-objeto, O-subalter emprestado da obra Note sulla storia italiana (1935), de Antonio Gramsci (1891-1937), refereese a pessoas na sociedade que sio o objeto da hegemonia das classes dominantes. As classes subalternas «podem ser compostas por eolonizados, trabalhadores rnrais, operirios e outros grupos aos quais 0 acesso a0 poder € vedado. Os estudos coloniais interessam-se pela hist6ria de grupos subalternos necessariamente fragmentitia, jf que sempre esté submetida 4 hegemonia da classe dominance, sujeito da hist6ria oficial, O colonizado quase nao possufa meios para se apresentar ¢ tampouco tinha acesso 8 cultura ¢ 4 organizacio social. No Brasil existe apenas a ctnografia de indios do século XVI, termo escrita ¢ manipulada por grupos europeus. Praticamente 0 mesmo pode ser afirmado dos escravos negros trazidos ao Brasil e de seus descendentes brasileiros, das mulheres, dos agricultores sem terra, dos operirios urbanos excluidos Foi o colonizador europeu que langow o espaco colonial € o nativo & vista do mundo num processo que Spivak (1987) chama de worlding. Worlding € a maneira pela qual a coldnia comegou a existir como parte do mundo curocéntrico. A grande quantidade de textos, incluindo mapas, pinturas, fromtispicios de livros, sobre o Brasil nos séculos XVI ¢ XVII ¢ publicados na Europa, formou, no imaginério curopeu, um conjunto de conceitos sobre a América portuguesa. E a inscrigio do discurso imperial sobre o espago colonizado. O método mais dbvio consiste no preenchimento do mapa brasileiro com nomes de acidentes geogrificos, o que significa conhecer € controlar. © segundo tipo de worlding ¢ 0 “passeio” do europeu pelo pats colonizado, Hé muitas gravuras ¢ desenhos mostrando 0 soldado inglés caminhando por territério indiano ou afticano. \ Nese caso o sujeito colonial est4 mostrando ao native quem realmente manda naquele espago. Em sua Carta, 0 esctivio Caminha descreve os “passeios” dos portugueses pelas prains baianas, impondo na mente dos indigenas a supremacia do branco colonizador. A terccira modalidade refere-se degradacio sistemética do nativo, Por que na cartografia brasileira e nas primeiras piginas dos livros impressos nos primciros dois séculos de colonizagio encontram-se constantemente cenas de 230 Gd) Teoma e cxtriea pos-cotonsacisras antropofagia? Por que a nudez, o ateismo, a preguica, a selvageria, a sensualidade ¢ a ignorineia sto,” tGpicos constantes na descrigio do negro, quer no Brasil, quer na Africa do Sul? A imagem do nativo/escravo em fais condigies foi o gatilho psicolbgico para a rapinagern da cold sentidos, (Os criticos tentam expor os processos que transformam o colonizado numa pessoa muda ¢ as estratégias dele para sair dessa posigio. Spivak (1995, p. 28) discursa sobre a mudez do sujeito colonial ¢ da mulher subalterna: “o sujeito subalterno nao tem nenhum espago a partir do qual cle possa falar”. Bhabha (1998) afirma que o subalterno pode falar e a voz do nativo pode ser recuperada através da parédia, da mimica e da cortesia ardilosa, que ameagam a autoridade colonial, Fanon em todos os. (1990) e Ngugi (1986) admitem que 0 colonizado pode ser reescrito na historia, embora esse tipo de ¢/ descolonizagio sempre seja um fendmeno violento. © colonizado fala quando se transforma num ser politicamente consciente que entrenta 0 opressor. Embora escritos por curopeus, muitos relatos, de viagens e romances pré- e p6s-independéncia revelam inconscientemente a voz € 0s atos dos, oprimidos, Materializa-se, portato, 0 processo de agéucia, ou seja, a capacidade de alguém executar tuma agao livre ¢ independentemente, vencendo os impedimentos processados na construcio de sua identidade. Note-se que em O Unguai, cuja finalidade foi a exaltagio do marqués de Pombal, destacam-se as vozes dos indios, Esse fato mostra a superagio de estado de objetos € os revela como agentes. Nos estudos pés-coloniais, a agéncia € um clemento fundamental, porque revela a auitonomia do sujeito em revidar e contrapor-se a0 poder colonial. Nesse contexto, é importante a teoria da subjetividade construida pela ideologia (Segundo Althusser), pela linguagem (segundo ,» / Lacan) e pelo discurso (segundo Foucault), ja que qualquer ato do sujeito é conseqiiéneia desses tres fatores. A questio envolve a constituigio da identidade na divisio Outro-outro imposta pelo colonialism (TODOROV, 1991). 1 Subslemor Ireralmente Signifiando “sujelto de categoria inferior, o term fbi eriado por Gramsci; traase de ‘qualquer sujeita sob a hegemonia das classes dominant, [Em termos pas-coloniais os etudosabaliernos se referem 4 andlise da subordinagio na sociedade devido 3 clisse, casa, dade, género, profissto, religito © outros 3. O fitor mais constante nos estudos subalternos sto os métados de ressucia adorados contra o colonizador ow a elite dominadora 4 Poles wibalenn far? a pergunta mais importante eal “Em soviedades pas-coloninis, « wulher duplamente subakerna: elt € 0 objeto da historiogralia coloniaisea © da enstrucio do género. &_O ddicunsa par-cclonial « a aprprigie da linguagen pelo subalterno constiem métodos para que a voz marginalizada passa ser ouvida ‘Quadro 5, O subaltemo e sua vox COLONIALISMO E FEMINISMO. Hi estreita relagio entre 0s estudos pés-coloniais € o feminismo. Em primeiro lugar, hf uma ) analogia entre patriarcalismo/feminismo © metropole/colinia ou colonizador/colonizado. “Una mulher da colGnia é uma metéfora da mulher como colonia” (DU PLESSIS, 1985, p. 46). Em segundo lugar, se 0 homem foi colonizado, a mulher, nas sociedades pés-coloniais, foi duplamente colonizada. Os romances de Jean Rhys, Doris Lessing, Toni Morrison © Margaret Atwood testemunham essa dialética homem, ao siléncio, & dupla escravidio, & prostituigio ou a objeto sexual. Na literatura, muitos sio de suas personagens femininas, essa situagio. Diversos romances de Jorge Amado, por exemplo, retratam essa subjugacio da mulher (os romances que representam, atra © objetivo dos discursos pés-coloniais e do feminismo, nesse sentido, é a integracio da mulher ¢ y marginalizada a sociedade. De modo semelhante a0 que aconteceu nas reflexdes do discurso pés- colonial, no primeiro perfodo do discurso feminista, a preocupagio consistia na substituigio das estruturas de dor 231 Ja histéria do Brasil, a mulher sempre foi relegada ao serviga dows r inagio. Essa posigio simplista evoluiu para um questionamento sobre as formas ? we o(T)EORIA LITERARIA literitias © 0 desmascaramento dos fundamentos masculinos do cinone. Nesses debates, 0 luz muitas quest6es que © pés-colonialismo havia deixado obscuras, ¢ vice- feminismo trouxe versa, De fato, © pés-colonialismo ajudou o feminismo a precaver-se de pressuipostos ocidentais do discurso feminista Jade indigena e pelo poder colonial ada pela set TA ruler €dplamene col garlas a segundo plano na anise pos-colonial 2, Freqientemente as questbes de geo to minimizads ou rel 3, Achjifendo da mle tornarse a metifora da degradagio das sociedates sob 0 colonialismo, :mento do cinone lterdrio rompe os pressupostos masculinos 4. Ame da muir a flogio e no desenvel 5. Questies de ideidad, contol, poder (agi) de cutriatornannese as tas relevantes (6. Consolida-se o estilo hterario caracterizado pela difiveng,divesidade¢ imprevsbildade fncis contea as mmanobras do Ouro (a sociedade branea ou homens negros). [Foti nocessidade de constamte 1 adro 6. © Feminism ei sociedades ps-colonias Q Petersen (1995) observa que em muitos paises do Terceiro Mundo hi o dilema sobre 0 que € necessirio empreender primeiro: a igualdade feminina ou a luta contra o imperialismo presente na cultura ocidental, Em Things Fall Apart, 0 personagem Okonkwo ¢ castigado no porque batew em saa esposa, mas por haver batido nela numa semana consideraca sagrada. Petersen (1995, p. 254) resolve a questio com uma citagio de Ngugi: “Nenhuma libertagfo cultural sem a ibertagio feminina”. A escritora nigeriana Buchi Emecheta insiste sobre a “auténtica perspectiva Feminista, a focalizagio na exploragio da mulher ¢ a luta dela pela libertagio” (BENSON; CONOLLY, 1994). Efetivamente, a dupla colonizagio causou a objetificagio da mulher pela problemiética da classe e da faca, da repeticio de contos de fada enropeus e da legislagio falocéntrica apoiada por poténcias fociclentais. Entre outras, a mais cficaz estratégia de descolonizacio feminina concentra-se no uso dal linguagem ¢ da experimentacio lingiiistica. Muito esclarecedar 0 romance A repifblica dos sonhos (1984), de Nélida Pition, no qual se descreve e se analisa 0 processo de crescente conscientizagio politica de Eulilia, Esperanga e Breta em trés periodos politicos distintos do século XX ~ be deceloipes of O QUE EA LITERATURA POS-COLONIAL Diante dos prinefpios acima, podemos definir a literatura pés-colonial como toda a literatura, inserida no contexto de cultura, “afetada pelo processo imperial, desde primeiro momento da colonizagio européia até o presente” (ASHCROFT et al., 1991, p. 2). A critica pés-colonial, portanto, abrange a cultura e a literatura, ocupando-se de perscruté-lns durante e apés a dominagio imperial européia, de modo a desnudar seus efeitos sobre as literaturas contemporiineas. De fato, todas as colonias européias, sejam elas portuguesas, espanholas, inglesas 0 icia da colonizagio e (2) reivindicaram-se perante a tensio com 0 literaturas oriundas das ex fiancesas, (1) surgiram da expe poder colonial e diante das diferengas com os pressupostos do centro imperial i | Tensfo com o poder colonial Esperigneia da colonizagio literatura pos-colonial Diferengas com os pressupostos do centro imperial (Quadro 7. A formacio da literatura pés-colonial A emergéncia ¢ 0 desenvolvimento de literaturas pés-coloniais dependem de dois fatores importantes: (1) a progressio gradual da conscientizagio nacional ¢ (2) a convicgio de serem iidiferentes da literatura do centro imperial. Na primeira expressio “lieerdria” brasileira, nem conscientizagio nacional nem a diferenciacio tm ressoniincia, De fato, ela envolve textos literdrios que foram produzidos por representantes do poder colonizador (viajantes, administradores, soldados © esposas de administradores coloniais), Tais textos ¢ reportagens, com detalhes sobre costumes, 232 v4) Teonra € cairica pOs-coLoNrALrsTAs fauna, flora e lingua, privilegiam © centro em detrimento da periferia, porque visam exclusivamente, |." ao lucro que a metropole teri com a invasio © a manutengio da colbnia. As descrig i Cardimn, em Do clinna e terra do Brasil (edigGo inglesa de 1625), Jean de Léry, em Viagem terra do Brasil, °°, (1578), ¢ Gabriel Soares de Sousa, em Tratado descritivo do Brasil (1587), com sua pretensio de’ objetividade sobre frutas tropicais, esmeraldas, rios e outros temas, como também a atomizacio dos, objetos descritos pelos pintores ¢ botanicos holandeses, como Albert Eckhowt, Willem Piso, Johan Niehoff e Georg Marceraf, escondem o discurso imperial ‘A segunda ctapa envolve textos literérios escritos sob supervisio imperial por nativos que receberam sua educagio na metrSpole e que se sentiam gratificados em poder escrever na lingua do cearopeu (nessa época nfo havia nenhuma consciéncia de cla ser também do colonizador). A classe, fi ios africanos ¢, as vezes, prisioneiros degredados na Australia sentiam-se s de Fernio alta da India, os missiot privilegiadas em pertencer a classe dominante, ou em ser por ela protegidos, e produziram volumes de poemas ¢ romances. 4 Prospopéia (1601), de Bento Teixeira, ¢ O Uniguai (1769), de Basflio da Gama, sio exemplos clissicos desse fenémeno na literatura brasileira Embora muitos dos temas (0 fato de que supostamente a cultura do colonizado era mais antiga do que a européia, a brutalidade do sistema colonial, a riqueza de seus costumes, leis, cantos © provérbios) abordados por esses autores estivessem carregados de subversio, sem diivida os autores rnio podiam ow no queriam perceber essa potencialidade, Além disso, a manutengio da ordem ¢ as restrigdes impostas pela poténcia imperial no permitiam nenhuma manifestagio. que pudesse mostrar algo diferente dos critérios candnicos ou politicos. ‘A cerceira etapa envolve uma gama de textos, a partir de certo grau de diferenciagio, até uma total ruptura com os padrées da _metdpole. Evidentemente, essas literaturas dependiam do cancelamento do poder restritivo, ou seja, comegaram a ser escritas ou umas décadas antes ou a partir da independéncia politica, A oscilagio de “brasilidade” nas obras de Basilio da Gama, Santa. Rita Durdo, Clindio Manoel da Costa, dos poetas rominticos e de José de Alencar é muito nitida: a bajulagio 20 colonizador, o estilo literirio portugués, o afastamento da retdrica camoniana, temas brasileiros, fabricagio da mitologia brasileira. Pela conscientizacio pés-republicana, com Machado de Assis ¢ com © Modernismo, ocorre a guinada completa do estranhamento ¢ afastamento da literatura brasileira dos parametros metropolitanos, sejam esses portugueses ou franceses. Devido & manutengio da centrali Dritinica, acredita-se que a literatura em inglés oriunda das ex-colOnias “| britinicas tenha ido mais longe em sua énfase na linguagem, na parédia € na sitira, Em Things Fall 0” Apart (1958), Chinua Achebe ridiculariza o administrador colonial que deseja escrever um livro sobre os costumes primitives dos selvagens do alto rio Niger, quando 0 autor j4 havia exposto a ¥ complexidade de costumes, religiio, hierarquia, legislacio e provérbios da tribo dos Igbos na regito r chamada Umuofia. r T estos ltetirios produaidos por representantes do poder colonial (viajantes, administradores, esposas das! calonizadores, religiosos). texts literarios prodhzidos por natives, mas sob supervisio colonial (religiosos mativos, classe intelectual educada na metro, protegidos des colonizadores) 3. textos literrios eseritos por nativos a partir de certo grav de diferenciagio dos padres da metrépole, acé sua uprura total (Quadro 8, O: 183 momentos da Ineratura pés-colonial QUESTIONANDO 0 CANONE LITERARIO Quais sio os documentos histéricos ou literirios nos quais a voz do subaltemo € transmitida? Como o colonizado se descreveu durante séculos de submissio? Como o europeu viu a presenga do autro? No cinone literirio 0 colonizado encontrou sua voz ou esta ficou relegada 2 auséncin? Ninguém pode negar que atualmente ha uma verdadeita extensio do cinone literitio, jf que textos de mulheres, indfgenas, escravos e membros de outros grupos historicamente marginalizados comecaram a emergir. Houve tempo em que 0 cinone literfrio estava fechado: somente um 233 nT eonra Lrvendara conjunto de textos, cansagrados comio esteticamente excelentes, era escolhido pelo grupo social e politicamente dominante, ¢ considerado digno de set lido, com a conseqitente exchisio de outros textos que nio coadunavam com o ponto de vista do grupo hegeménico. Um maior nimero de textos esto sendo estudados como representagdes da experiencia e da cultura da mais variada gama de grupos de pessoas. Houve comprometimento nos padrées literirios? Os textos formadores do cinone foram escolhidos pela sua exceléncia literiria ou pela representatividade cultural? E legitimo politicamente correta para cada minoria, em detrimento da insistir sobre uma representa utilizagio de critérios literirios? Discutem-se muito, atualmente © cinone literdrio e sua formagio. Enquanto Harold Bloom, em O cinone ocidenal (1995), insiste sobre a autonomia do estético ¢ deplora qualquer ideologia na critica litera, 6s adeptos do Pés-modernismo (mukiculturalismo, feminismo, Novo Hisworicismo, afrocentrismo) dilatam a abrangéncia do cinone. Néo faltam criticos, como Perrone-Moisés em Alias Lieranoas (1998), que tomam posigio intermedifria, Sabe-se, contudo, que a formagio do cinone litersrio deusse porque certas obras literirias em determinaclos.perfodos histéricos cultuavam interesses € propésitos culturais particulares, como se fossem o ‘inico padrio de investigagio literiria. E extremamente interessante saber ‘como certos textos toram selecionados por interesses, tornando-se, portanto, dignos de serem estudados. E interessante investigar como as idéias de exceléncia lteraria permearam as escolas do ensino fundamental, ‘05 exames vestibulares, o curriculo dos cursos de Letras nas universidades. Os romances de José de Alencar (1829-187), o principal escritor da brasileira e expoente maximo do Indianismo, foram apropriados no cinone literirio brasileiro porque nos periodos pos-inde déncia e pés-repiblica “necessitava-se de alguém que mostrasse orgulho, amor, defesa da pitria, ¢ criasse arquétipes de uma terra edenica e da unificagio nacional. Na Inglaterra, as obras de Altied Tennyson (1809-1892) naturalmente entraram no cinone literfrio por causa de seu enaltecimento do imperialismo britinico, da coragem de seus soldados e dos arquétipos criados no conjunto de poemas sobre os fundamentos miticos do povo inglés. Por outro lado, muma sociedade patriarcal e machista, os textos ¢ as biografias das escritoras brasileiras do século XIX € do inicio do século XX foram quase todos suprimidos. Suas obras foram literalmente relegadas a0 esquecimento. Somente nestas iiltimas décadas a academia brasileira (especialmente nas universidades federais do Rio Grande do Norte, de Minas Gerais e de Santa Catarina) resgatou a historia € as obras de autoras brasileiras. O mesmo aconteceu no bojo da sociedade branca e enropéia dos Estados Unidos. Entraram no cinone hiteririo estadunidense os textos dos ex-escravos Frederick Douglass (1817- 1895) ¢ Harriet Ann Jacobs (1813-1897) apenas nos diltimos vinte € cinco anos do século XX, devido a interesses de diferentes experiéncias culturais e de formas literirias ARELEITURA A releiuira @ uma estratégia para ler textos literdrios ou nfo-litersrios e, dessa maneira, garimpar suas implicagdes imperialistas ¢ trazer & tona © proceso colonial. A releitura do texto faz emergir as nuangas coloniais que ele mesmo esconde. Quando se 1@ um romance da literatura brasileira do séeulo XIX, por exemplo, nada se depara, 3 primeira vista, sobre os contrapontos da riqueza pessoal dos personagens, da suntuosidade de seus solares e de sua vida folgada, A reinterpretagio ou a leitura conirapontual revela que a origem dessa riqueza esté enraizada na escravidao de findios e negros, no comércio da carne humana, na invasio ¢ violagio de terras alheias, nos castigos horrendos, na manutengio do estado racista. Fundamentando-se mio na intima relagio entre literatura metropolitana (portuguesa) ¢ colonial (brasileira), mas na realidade social e cultural, a releitura € uma volta “ao arquivo cultural (que é lido] de forma nfo unfvoca, mas em contraponto, com a consciéncia simultinea da histéria metropolitana que esti sendo narrada ¢ daquelas outras historias contra (¢ junto com) as quais atua 0 discurso dominante” (SAID, 1995, p. 87). A reinterpretacio é, portanto, uma maneira de reler os textos oriundos das culturas da metrépole e da coldnia para focalizar os efeitos incisivos da colonizagio sobre a produgio litera, relatos étnicos, registros hist6ricos, discursos cientificos e anais dos administradores coloniais, A releitura € a desconstrugio das obras dos colonizadores, de nativos a servigo dos colonizadores € de escritores nacionais, Demonstra como o texto € contraditério em seus pressupostos de raca, civilizaco, justia, 234 3) 3 edd) Teorra © critrea pbs-covomratrsras religiio. Pée em evidéncia a ideologia do colonizador eo processo da colonizagio. Uma desconstrugio de ‘Things Fall Apart revela que o colonizador que insiste na selvageria das tribos da Nigéria ¢ um mentiroso, Porque o romance de Achebe esté cheio de cpissdios de literatura oral (oratura, provérbios), de leis para dirimir questOes liigiosas, de priticas religiosas, de convivéneia social harmoniosa, A reinterpretagio faz parte da inevitivel tendéncia do académico que trabalha com o pés- colonialismo para subverter o texto metropolitano. As estratégias subversivas revelam (1) a forma da dominagio ¢ (2) a resposta criativa a esse fato. Isso acontece quando (1) se denuncia o titulo de’ “centro” que as literaturas européias deram a si mesmas, ¢ (2) se questiona o ponto de vista europen que “natural ¢ constantemente” polariza o centro ¢ a periferia. E importante desafiar este tiltimo item, ou se, frisar que nio € legitimo ordenar a realidade dessa maneira Até meados da década de 1960, Préspero, o duque © mago, em A tempestade (1611), de Shakespeare, era analisado como um homem maltratado pelo proprio irmio. Préspero é descrito como um pai bondoso, um orientador de sua filha Miranda e de seu futuro genro Ferdinand, um homem que castiga apenas quando a necessidade urge, um cavalheiro que sabe perdoar os inimigos € esquecer o mal que lhe fizeram, Uma leitura pés-colonial, no entanto, comega a desenvolve respeito desse personagem. Préspero revelou-se o usurpador que se apoderou da ilha pertencente a Caliba; 0 senhor que escravizou 0 nativo apés seduzi-lo; o controlador da memiria de Ariel, Caliba ¢ Miranda para satisfazer sua ambigio; o déspota que mantém o dominio sobre a sexualidade de sta filha Miranda ¢ de seu futuro genro Ferdinand; o personagem que sai da cena triunfante ¢ imune a qualquer ato de insubordinagio. Essa releitura revela as implicagdes do encontro entre colonizador € colonizado, as estratégias de dominagio do primeiro, a marginalizacao e a objetificacio do nativo, a resisténcia do escravizado pela utilizagio da lingua do colonizador e pelo revide fisico. Revela também a incipiente histria da colonizacio britinica ¢ suas estratégias de polarizacio que serio desenvolvidas na terrfvel historia do império inglés entre os séculos XVIII ¢ XIX. - A pega Na festa de Sao Lourengo (1587), de José de Anchieta (1534-1597), parece revelar’ simplesmente um drama singelo e primirio com que 0 missionério podia facilitar a pregagio da doutrina cristé, Uma leitura pés-colonial traz & tona a demonizacio € a zoomorforizagio dos indios, / as quais revelam 0 maniquefsmo (ou binarismo) de Anchieta, a objetifica vilipéndio de sua cultura, a superioridade da civilizaggo européia (¢ da religiio cristi). O texto dramético expée as claras a ideologia colonial. Normalmente a leitura de O Atenen (1888), de Raul Pompéia, mostra a hist6ria do internato como reflexo da sociedade no terceiro quartel do século XIX, ou seja, a historia da elite brasileira, “enriquecida pela setentrional borracha ou pela charqueada do sul”, no contexto de faléncia ¢ da decadéncia do regime monirquico de base escravista. Uma releitura poderia revelar o sistema educacional europeu como centralizador © esmagador da personalidade; a resistencia de uma sociedade oprimida que anseia por uma independéncia verdadcira, em todos os scntidos; a elite traidora da nacionalidade © do povo; a incapacidade de distanciar-se do contexto de dependéncia completo; 0 surgimento de sujeitos/agentes que constroem dos escombros a autonomia da nagio, 1. Passar de tira aitude que define a literatura como enaltecedara ¢ transcendente para uma visio de literatura inserila no contexte histérico e no espaco geopaltico, 2 Pereeber como as obras de certos auwores aprofundaram o impetialismo, o colonialimo © o pattarcalisma, especialmente quando supéem que os leitores sejam do sexo masculing ¢ brancos, (Chissificar o autor segundo esquema representando os ts momentas da literatura pés-colonial, Detectar na fieéo a ambigidade ameagadora do nativo e da mulher diante da ideologia dominante da conquist, Descobtir o silénicio absoluto, escondendo o sistema escravagista, a objetificagio da mwvlher © 0 aviltamento de nnativos, embora mascaraos ats de manifestagbes de riquezas de patiarcalisma 6. Tnvestigaro aprisionamento do espago colonial e ps-colonial pelo texto europew ox pela teoria literiria oriundos das rmetrdpoles renascentistas ov modernas, ‘Quadro 9. Esratéyias para aalisar uma obra da pont de vise pos-colonial 235 do dos natives, 0 ~ cA) essa navexncin AREESCRITA A reescrita é um fenémeno litersrio, muito utilizado em lingua inglesa (porém nao exclusivo desta), que consiste em selecionar um texto candnico da metrépole e, através de recursos da parddia, produzir uma nova obra escrita do ponto de vista da ex-coldnia. A reescrita faz parte do contradiscurso, originalmente usado por Terdiman (1985) para demonstrar os métodos empregados pelo discurso da periferia contra o discurso dominante do centro imperial. A selecio gira em torno de certos textos particularmente preeminentes ¢ simbélicos que © discurso dominante irradiava para impor sua ideologia. A reescrita tem por finalidade a quebra da ocultagio da hegemonia candnica € 0 ‘ “questionamento dos varios temas, enfoques, pontos de vista da obra literiria em questo, os quais reforgavam a mentalidade colonial. Logicamente, a reescrita desemboca na subversio dos textos WS eanénicos e 10 dentro do processo subversive. Virios autores latino-americanos reescreveram A tempesiade, Além das obras de George Lamming ¢ Aimé Césaite, basta menicionar A tempestade, de Augusto Boal, Unopia slvagem, de Darey Ribeiro, a pega Caliban (1997), de Marcos Azevedo, e A-tor-men-ta-do Calianus (2001), de Guilherme Duries. © romance Wide Saygasio Set (1966), da caribenha Jean Rhys (1890-1979), € uma reescrita de Jane Eyre (1847), de Charlotte Bronté (1816-1855); Robinson Cruse (1719), de Daniel Defoe (1660-1731), foi reescrito em Poe (1986), do sul-afticano J.M. Coetzee (nascido em 1940). A subversio do cinone literirio através da reescrita nio consiste em apenas substituir um texto candnico por outro modemno. De fato, 0 enone em si contém algo extremamente complexo, porque envolve pressupostos individuals ¢ comunitirios sobre a literatura, estilo, géneros literdrios © outros. Esses fatores estio embutidos nas estruturas institucionais © formam as grades escolares, a publicagio de textos escolares, exames para vestibulares, hierarquiza € em citagbes pela academia, A finalidade da reescrita é (1) a | suubstituigio de textos, 2) 2 conscientizacio das instituigBes académicas, (3) a relistagern da hierarquia dos [textos ¢ (4) a reconstrugto dos textos candnicos através de leituras alternativas ~ Robinson Crusoe, uma natrativa “autodiegética”, nao menciona sequer uma vez 0 sexo feminino, mas mostra a grande previdencia e trabalho meticuloso do homem em varias situacies limites. O romance reescrito Foe tem a personage Susan Barton (inexistente no romance candnico) como narradora; cla dé sua versio das aventuras do Robinson Cruso (sic) na ilha desabitada. Na segunda e terceita parte do romance, Susan luta para que o escritor Defoe nio se aproprie da versio feminina \ da narrativa ¢, mais uma vez, anule a vor feminina recuperada, No romance pés-colonial Friday, a0 conttétig do caribenho salvo por Crusoe, ndo € 0 indigena ingénuo que aceita sem nenhuma problematizacio a versio religiosa, comportamental ¢ lingiistica do eutopen. O negro ¢ mudo Friday, agora reescrito, recusa a recuperagio de sua historia pelo homem branco e tenta articular diversos modos dle expressio para “escrever” a hist6ria do negro pelo negro. Em O coragio das nevas (1902), de Joseph Contad, os afticanos sio descritos sob 0 ponto de vista colonialista, como “um rodopiar de bragos negros, um bater infinito de palmas das méos, de pisar «0°. ye adoidado de pés, 0 balangar de corpos, de rolar de olhos, sob a enlanguescéncia de folhagem cansada © ¢ imével”. Escrevendo Things Fall Apart (1958), Achebe reinstala a rica culeura africana, rejeita os esterestipos ctiados pelos colonizadores, confirma a complexidade ¢ a ambivaléncia da cultura africana, constr6i uma profunda e criativa etnografia e, acima de tudo, apropriaese da forma do romance (a ferramenta dominante da representagio imperial britinica) em menca we ADESCOLONIZACAO gO" 7 © deslocamento do cinone literitio, a releitura e a reesctita fizem parte de um programa geral de AMSG descolonizagio. A dexelonizago € o processo de desmascaramento © demoligio do poder colonial em HP® todos os seus aspectos. Enganam-se aqueles que pensam que a declaracio de independéncia politica Ue" produg, por si, a desolonizagao da mente © que as literaturas nacionais e o ensino da ciéncia, da histria e da geografia ficam livres de inscrigdes € de residuos coloniais. Ao contrério do que muita gente pensa, a descolonizagio é um processo complexo ¢ continuo e no ocorre automaticamente apés a independéncia politica. Apés a independéncia politica das coldnias, ha resquicios poderosos, sempre latentes, das forgas 236 ed) Terra € CRITICA POS-COLONTALISTAS calturais © institucionais que sustentavam o poder colonial. Como em geral os defensores € proclamadores da independéncia sentem-se herdeiros dos modelos politicos europeus ¢ relutam em. rejeitar a cultura importada, nfo podem escapar de uma profunda cumplicidade com os poderes coloniais dos quais quetiam se libertar. Em muitos casos, portanto, a libertagio pura e simples dos liames coloniais, (modelos econdmico, politico ¢ cultural) nfo ocorre. Historicamente, isso aconteceu mais nas colbnias de povwadores do que nas colaias de socedades fnvadidas. Embora nestas dltimas a descolonizagio fosse mais radical ¢ abrangente, profundos resicuos ainda existem, 1 Contestago cs interpretagbes eurocéntricas. 1 Reescritura auto-reflesiva da historia da colOnia na qual se pereebe que a realidade do passado tem influenciado 0} presente 2, Desafio 3 centralidade, & universalizagio e 3s forgas|2, A marginalidade ou excentricklade (raga, género, hhegeménicas. nnortmalidade psicaldgica, exclasio, distinct social, hibridisio cultural) uaa fonte de energia crates alla com os discursos existentes| 3. Instalagio do contradiseurso pela iransgressio 3, A ironia e 2 parddia Uissolugio das formas Iteririas eusopZias ov suns] ¢, 20 mesino tempo, os con fronteras ‘Quadro 10, Os prineipios da descolonizagio. Aeestratégia do poder colonial é deixar uma elite nativa que perpetua sua ideologia e seus paradigms. Operando através do antigo conceito de omprador, © neoclonialimo torna-se manifestagio das operacSes da globalizacio do capitalismo ocidental ¢ a estratégia para controle global. Pode-se dizer que a globalizagéo da economia mundial baseia-se (1) no fato de que as mudancas no controle econémiico € cultural nio ocorreram ¢ (2) ma coniviegio de que a formagio da elite comprometida com as nagbes hegem@nicas era premeditada ¢ realizarase através de discriminagées, lutas classistas € priticas educacionais, Adermais, 0 eurocentrismo continuou influenciando a mentalidade das nagdes " politicamente independentes com seus modelos culturais, especialmente pelo binarismo (literatura ¢ oratura;linguas européias e kinguas indigenas, inserigGes culturais européias € cultura popular ete) 1. Apropriagio da lingua colonial pelo eseritor oriunda] “0 escritor[africano] deve ser capaz de moldar a lingua do daexcolénia colonizador pats que poss transmitir a sua esperiéncia specifica” (ACHEBE, 1975). 2, Recusa de adotar a lingua do colonizador “Qual € a diferenga entre um politico que afiama que a Alvica nfo se deseavolve sem o imperialismo ¢ 0 escrit ‘que afirma que a Affica necessita das linguas européias (NGUGI, 1986), 3. Recuperagio e reconstrucio da cultura pré-colowial. | Spivak (1995) © Bhabha (1984) argumentam sobre a impossbilidade dessa recuperagio devido a processos de mmiseigensgio cultural durante o periodo colonial 4. Aceitgio pelo esertor de uina idemtidade wansmacional | *O impé ‘¢ 20 mesmo tempo, o aprofandamento ca erica diate capitalismo mundial para os intelectuais da periferia? Nao é possivel que a intima ligagio entre pos- ¥". 2) modernismo © pés-colonialismo, este considerado o filho do primeiro, acontega nio por novas porspectivas sobre a cultara ou de uma reviravolta do poder, mas apenas um pretexto, ou seja, por causa da visibilidade crescente de intelectuais dos paises emergentes como inovadores? Essa problematizacio nio invalida a atitude ¢ 0 esforgo do académico brasileiro, profissional de Letras, em seu comprometimento para descobrir como os povos estio fixados em estruturas opressivas e para descortinar a subjetificacio de tais individuos (nea)colonizados. O seu esforgo para a flexibilidade da teoria existente € 0 surgimento de outras teorias autéctones so de grande valia para reinterpretar todes 0s textos pré- ¢ pés-independncia politica oriundos da inserigio colonial (BONNICI, 2000). Tendo como prinefpio que descolonizar nio € simplesmente livrar-se das amarras do poder imperial, mas procurar também alternativas mio repressivas 20 discursoimperialista, a descolonizagio da literatura ¢ da critica literéria dario um nove € mais aprofindado entendimento 0 académico. £ andlogo ao sentimento do escravo afro-americano Frederick Douglass (1817-1895), quando descobriu 0 segredo da escrita. “Houwe uma nova e especial revelacio, explicando coisas até entio obscuras e misteriosas, contra as quais © meu entendimento juvenil tentava vishumbrar, mas lutava em vio. [..] Foi uma grande vitoria, estimada por mim sobremaneira. A partir daquele momento, entendi o caminho da escravidio para a liberdade” (DOUGLASS, 1988, p. 78). 238 REFERENCIAS ACHEBE, C. Morning yes om eration cay. NewYork: Doubleday, 1975, APPIAH, K. A; GATES, H. L. The dictionary of global culture, New York: Knopf, 1997. ASHCROFT, B.; GRIFFITHS, G.; TIFFIN, H. 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