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TUL coae MOLT ce eto ery ELA mec rot hoe entre des na Europa, na Africana América do Norte edo Sul. EU ete orc e Oe N aces eararten da urbanizagio no Terceito Mundo e a teoria © a metodologia geogrifica, temas sobre os quais publicou Se ea oe econ ae ee cés, espanhol, inglés e japonés, Atualmente ¢ professor Cnc Recos CMM M MO oat) LC TOSS cnet CEO o.com oa arr Rec MUMe None deen ee iter) Universidade Federal da Bahia (1987), eda Universida- Cte once e EDITORA HUGHTEG ne ey Milton Santos pA eS (© 1993 de Milton Santos, Direitos de publicagao reservados pela Editora de Humanismo, Ciéncia © Tecnologia HUCITEC Ltda., Rua Gil Eanes, 712 - 04601-049 So Paulo, Brasil. Tel.: (011)580-9208 e 543.0653. Fac- simile: (011)535-4187. ISBN 85.271.0230-7 Foi feito 0 depésito legal. ere nese 10. u. 12. 13. SUMARIO Proficio/Introdusaio A urbanizagao pretérita A evolueao recente da populagao urbana, agricola e rural O meio téenico-cientifico A nova urbanizagao: diversificagao © complexidade A diversidade regional Brasil urbane e Brasil agricola e nfo apenas Brasil urbano e Brasil rural Urbanizagao concentrada e metropolizasio ‘Tendéncia & metropolizagéo A “dissolugac” da metropole A organizagao interna das cidades: a cidade castica A urbanizagdo ¢ a cidade corporativas ‘Tendéncias da urbanizagio brasileira no fim do século XX Bibliografia Anexo estatistico Indice dos autores citados 7 127 135 155 1 PREFACIO/INTRODUCAO Como se define, hoje, a urbanizagao brasileira? Alean- camos, neste século, a urbanizagao da sociedade e a urbanizagao do territério, depois de longo periodo de urbanizagao social e ter- ritorialmente seletiva. Depois de ser litoranea (antes e mesmo depois da mecanizagao do territorio), a urbanizagdo brasileira se tornou praticamente generalizada a partir do terceiro tergo do século XX, evolugo quase contemporanea da fase atual de ma- crourbanizagao e metropolizagao. O turbilhao demogréfico e a ter- ciarizagéo sao fatos notaveis. A urbanizagao se avoluma e a re- sidéncia dos trabalhadoresagricolas é cada vez mais urbana, Mais que a separagdo tradicional entre um Brasil urbano e um Brasil rural, ha, hoje, no Pais, uma verdadeira distingao entre um Brasil urbano (incluindo éreas agricolas) e um Brasil agricola (incluindo reas urbanas). No primeiro os nexos essenciais devem-se sobre- tudo a atividades de relagdo complexas e no segundo a atividades mais diretamente produtivas Registra-se, todavia, uma atenuagio relativa das macrocefa- lias, pois além das cidades miliondrias desenvolvem-se cidades intermedidrias ao lado de cidades locais, todas, porém, adotando um modelo geogrfico de erescimento espraiado, com um tamanho desmesurado que é causa e é efeito da especulagao. Pode-se, desse modo, falar de uma metropolizagao contemporanea da “desme- tropolizagao”, fendmenos que se dao simultaneamente. O perfil urbano se torna complexo, com a tendéncia a onipresenga da me- trépole, através de multiplos fluxos de informacao que se sobre- pdem aos fluxos de matéria e sao 0 novo arcabouco dos sistemas urbanos, Mas ha, também, paralelamente, uma certa “involugao” ‘metropolitana, o creseimento econdmico das grandes cidades sen- do menor que o das regides agricolas dinamicas e respectivas ¢i- dades regionais. O novo perfil industrial tem muito a ver com esse resultado. Por isso, a grande cidade, mais do que antes, 6 10 PREPACIOANTRODUGAO um pélo da pobreza (a periferia no pélo...), 0 lugar com mais forga e capacidade de atrair e manter gente pobre, ainda que muitas vezes em condigées sub-humanas. A grande cidade se torna 0 lugar de todos os capitais e de todos os trabalhos, isto é, 0 teatro de numerosas atividades “marginais” do ponto de vista teenol6- gico, organizacional, financeiro, previdencirio e fiscal. Um gasto piiblico crescentemente orientado A renovagao ¢ a reviabilizagao urbana e que sobretudo interessa aos agentes socioeconémicos hegeménicos, engendra a crise fiscal da cidade; e 0 fato de que ‘a populagao nao tem acesso aos empregos necessarios, nem aos bens e servigos essenciais, fomenta a expansao da crise urbana. ‘Algumas atividades continuam a erescer, a0 passo que @ popu- lagéio se empobrece e observa a degradacao de suas condigbes de existéncia. ‘A cidade em si, como relagao social e como materialidade, tor- na-se criadora de pobreza, tanto pelo modelo socioeconémico d que ¢ 0 suporte como por sua estrutura fisica, que faz dos habi tantes das periferias (e dos cortigos) pessoas ainda mais pobres, ‘A pobreza nao é apenas 0 fato do modelo socioeconémico vigente, mas, também, do modelo espacial. Como, nas cidades, vive a maioria dos brasileiros? Quais as suas condigdes de trabalho e ndo-trabalho? Qual a sua renda? Que acesso tém aos beneficios da modernidade? Quais as suas caréncias principais? Como se distribuem, na cidade, as pessoas, segundo as clas- ses e 0s niveis de renda? Quais as conseqiiéncias da margina- lizagao e da segregagio? Quais os problemas da habitagao e da mobilidade, da educagao e da satide, do lazer e da seguridade social? Como definir os lugares sociais na cidade, o centro e a periferia, a deterioragdo crescente das condigses ¢ existéncia? ‘Ao longo do século, mas sobretudo nok periodos mais recentes, © processo brasileiro de urbanizagao revela uma crescente asso- ciagdo com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O eampo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espagos urbanos. A industria se de volve com a criagdo de pequeno ntimero de empregos e 0 tercidrio associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e ndo garantem a ocupacao. PREFACIOANTRODUGAO 11 A cidade, onde tantas necessidades emergentes nao podem ter resposta, esta desse modo fadada a ser tanto 0 teatro de conflitos crescentes como o lugar geografico e politico da possibilidade de solugdes. Estas, para se tornarem efetivas, supdem atengéo a uma problematica mais ampla, pois 0 fato urbano, seu testemunho elogiiente, é apenas um aspecto. Dai a necessidade de circuns- crever o fenémene, identificar sua especificidade, mensurar sua problematica, mas sobretudo busear uma interpretaco abran- gente. Desse modo, deve ser tentada uma pequena teoria da urbani- zagao brasileira como processo, como forma e como contetido dessa forma. O nivel da urbanizagio, 0 desenho urbano, as manifesta- ges das caréncias da populagao sao realidade a ser analisada & luz dos subprocessos econémicos, politicos e socioculturais, assim com das realizagées técnicas e das modalidades de uso do terri- t6rio nos diversos momentos histéricos. Os nexos que esses fatores mantém em cada fase histérica devem permitir um primeiro es- forgo de periodizagao que deve iluminar o entendimento do pro- cesso. O periodo presente sera estudado como um resultado da evolug&o assim descrita e seré dada énfase as suas principais carateristicas. O estado da arte E sintomatico que a urbanizagao brasileira nao haja merecido muitos estudos de conjunto, seja pela abrangéncia interdisciplinar ‘ou mesmo por uma visao do territério tomado como um todo. En- quanto estudos sobre aspectos particulares do fendmeno so mui to numerosos, as ambigées mais gerais fazem falta. Sem contar as anélises histéricas de Nestor Goulart Reis Filho (1968) e Aroldo de Azevedo (1956) a respeito do passado urbano, um primeiro esforeo de entendimento global do fenémeno recente é 0 estudo 4 classico de Pedro Geiger, Muitos anos depois, Milton Santos (1968) publica um artigo com a mesma ambigao, mas sem a mes- ma amplitude. Esforgo parecido 6, em seguida, empreendido por Vilmar Faria (1976) e por Fany Davidovitch (1978). Mais recentemente, esforgos bem-sucedidos nessa mesma di- rego foram feitos por Fany Davidovitch (1981 e 1987), Olga Buar- que Fredrich (1978 e 1982), Frangois E, J. de Bremaeker (1986), Antonio de Ponte Jardim (1988), Candido Malta Filho (1989), Ge- 12 PREFACIOANTRODUGAO, raldo Serra (1991). A publicagao organizada por Fernando Lopes de Almeida (1978), ainda que consagrada & América Latina como um todo, tem grande interesse para o caso brasileiro. Alguns es- tudos, feitos sem a intengao especifica de apresentar um quadro geral da urbanizagao brasileira, se aproximam no entanto desse objetivo, gragas ao enfoque contextual adotado. E 0 caso dos tra- balhos de Manuel Diégues Jtinior (1964), de Paul Singer (1968) ou o trabalho de Ablas e Fava (1985). ‘Nao ser, todavia, por falta de listagens bibliograficas, algumas das quais comentadas e criticas, que estudos de sintese deixaram de ser feitos. Ainda no anos 50, M. Santos e Dorcas Chagas apre- sentaram uma bibliografia dos estudos recentes de geografia ur- bana, e nos anos 60 é a vez de Nice Lecocq Muller (1968) e Roberto Lobato Corréa (1968). Dez anos depois (1978), quando do Encon- tro da Associagao de Geégrafos Brasileiros, Roberto Lobato Cor- réa, Olga Buarque Fredrich, Armen Mamigonian e Pedro Geiger apresentam uma listagem e uma critica dos estudos urbanos no Brasil. ‘Mais recentemente ainda, e acompanhando o desenvolvimento dos programas de pés-graduagao e a expansao e diversificagao da pesquisa urbana, novos esforgos foram empreendidos para uso nacional e internacional. Entre os mais conhecidos, estdo os de Licia Valladares (1988, 1989, 1991), Roberto Lobato Corréa (1989), Mauricio A. Abreu (1990), Maria Flora Goncalves (1988). Esforgos bibliogrsificos sao, por natureza, raramente completos. De um lado, a area de estudos urbanos desenvolveu-se e diver- sificou enormemente, incluindo aspectos insuspeitados de andlise que escapam as taxonomias cldssicas. Mas, também, tais pesqui- sas séio, hoje, feitas em diversos lugares e tém diversas origens e finalidades, de modo que muitos resultados acabam por nao ultrapassar circulos restritos, Acrescente-se, igualmente, a supe- rexposigao de que se prevalecem alguns foucos centros de pes- quisa no Pais, para entender por que, de um modo geral, as listas organizadas néo podem abarcar todo 0 universo da pesquisa real- mente realizada, apesar dos esforgos que sao feitos para remediar essa falha. As preocupagies estatisticas também prejudicam 0 estabelecimento de uma bibliografia critica que também seja uma histéria comentada dos pontos de vista, gerados com base em uma realidade que fornece os elementos da andlise, mas também tributaria das idéias mais gerais, idéias locais ou extralocais, que PREPACIOANTRODUGAO 13 inspiram 0 método, Seja como for, o fato de que as bibliografias existam ajuda o pesquisador desejoso de fazer uma sintese, mas 0 fato de que sejam incompletas desencoraja a produgao de es- tudos interpretativos mais gerais. O fato de que este tema de estudos seja muito sensivel as modas é, certamente, uma das razées do carater repetitive dos temas abordados e da dificuldade para encontrar esquemas de trabalho adaptados & realidade e capazes de autorizar um enfoque abran- gente. Area muito aberta a contatos internacionais — as vezes decisivos em termos de carreira — é freqiiente a adogao apressada ea utilizapdo canhestra de fragmentos de idéias colhidos em con- gressos ou tomados precigitadamente em pedagos de livros e ar- tigos, Como esses aleijées ocupam o lugar de um paradigma, gra- gas A autoridade ou notoriedade dos autores, a preocupagao com a formulagao de uma teoria menor, adequada a realidade brasi- leira, deixa de ser fundamental Esse deslocamento em relagao a histéria concreta e ao presente atual da formacdo social — melhor ainda, da formagao socioes- pacial — brasileira é bem visivel nas aplicagées praticas da re- flexao urbana ou nos estudos prévios a essas aplicagdes praticas. Referimo-nos ao planejamento urbano, mais especificamente aos \chamados Planos Diretores./A idéia de que a cidade é uma tota- lidade menor, dependente, ao mesmo tempo, de uma légica local, de uma légica nacional e de uma légica mundial, foi raramente utilizada com base em uma metodologia conseqiiente. \Houve, nos casos mais flagrantes, confusio entre impossibilidade de tratar, de uma vez, toda a problematica a necessidade de conhecé-la, até mesmo para poder partir de hierarquias solidamente estabe- lecidas. Pelo contrério, os fragmentos do todo tomados como mo- tivo de andlise foram escolhidos com base em um conhecimento historicamente envelhecido ou derivado de um modismo sem re- lagaio com a estrutura dos fatos sob exame, Problemas deste livro Este livro surge no quadro dessa realidade e retira dai alguns de seus prineipais escolhos. Pretendendo ser obra de sintese, pa- dece de trés principais defieiéncias. \ A primeira vem do fato de que toda obra de sintese 6, forgo- ‘samente, uma obra critica. E nao ha obra de sintese ou de critica 14 PREFACIOANTRODUCAO que possa contentar-se de achados unicamente originais, sem a base de andlises que a precedam com idénticas intengées, mesmo que se refiram a épocas passadas. ‘A segunda deriva de que o Autor, ainda que desejando incor- porar A sua visio multiplicidade dos fenémenos sociais, 6, con- fessadamente, 0 especialista de um aspecto da sociedade — um ge6grafo; por maiores que sejam sua ambigao, seu atrevimento, seu esforgo e curiosidade em relagao ao que produzem outros especialistas, seu entendimento é forgosamente orientado. E, como judiciosamente escreveu J. R. Amaral Lapa (1980), “nao 6 esta ou aquela ciéncia que nos ofereceré a ‘representativida- de’ mais completa do conhecimento de uma realidade mais to- talizante, ou melhor, o préprio conhecimento da realidade ima- nente a ela, mas o conjunto das ciéncias que poderd dar conta dos nfveis econémicos, sociais, politicos, culturais e mentais da- quela realidade”, ‘Aterceira razao é que a posigao do autor dentro do seu proprio campo de estudo — como explicitado em trabalhos teéricos e de método anteriores: Por uma geografia nova (1978), espaco e mé- todo (1985) e outros — leva-o a certas preferéncias, certos partidos e escolhas, certas formas de busca de um entendimento global que outros autores ndo apenas nao adotam, como, igualmente, podem nao aceitar. Desse modo, este livro nasce, como tantos outros, com uma marca nitidamente pessoal. Isso ndo exclui, todavia, a preocupa- ¢40 com a coeréncia do argumento e a busca de interpretagdo da realidade com base nos fatos. Como em outros casos, este livro é tributario de imimeras for- mas de encorajamento e de numerosas contribuigdes. A primeira 6, sem divida, 0 proprio trabalho de outros autores, cujas idéias ou dados nos serviram de inspiragao ou arrimo. A ajuda, préxima ou passada, de agéneias de fomento a pebquisa foi, igualmente, inestimdvel, como, por exemplo, a colaboragao da FAPESP para ‘omeu primeiro livro sobre Sao Paulo, a da FINEP para os estudos que fiz com meus colegas do Departamento de Geografia da Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro, a do CNPq pela concessio de auxilios e de uma bolsa de pesquisa. As reflexdes conjuntas com meus orientandos na UFRJ e na USP, assim como as ind: gagdes dos meus estudantes, também me chamaram a atengdo para muitos aspectos da problematica PREFACIOANTRODUGAO 15. Em 1989, um convite de Darcy Ribeiro levou-me a trabalhar com esse amigo, num projeto patrocinado pelo INEP e do qual faziam parte outros pesquisadores. O objetivo era fornecer um conjunto de estudos sobre a realidade brasileira, conforme a preo- cupagio do entao diretor daquele organismo, o dr. Marcos For- miga. Caber-me-ia, nesse elenco, a produgao de um livro que, a prevalecer o alvitre de Darcy, se deveria chamar A urbanizagao caética. O projeto comegou bem, com algumas reunides de traba- Iho no Rio de Janeiro, chegou a progredir, mas aparentemente no teve o final desejado, ainda que os participantes nao houves- sem desanimado e prosseguissem, cada qual para 0 seu lado, na tarefa encetada. O desenvolvimento da pesquisa, na qual pude contar com a colaboragao da geégrafa Denise S. Elias, levou-nos para caminhos diferentes. Nossa intengdo era produzir uma visio da urbanizagao brasileira ao longo de um século e nesse sentido Denise Elias conseguiu empreender um trabalho exaustivo, co- brindo o periodo 1872-1980, ao mesmo tempo em que, sobre 0 setor servicos da economia um outro estudo, a base das estatis- ticas disponiveis, foi realizado pela arquiteta Cilene Gomes. Am- bos esses estudos permanecem inéditos. Quanto ao nosso projeto original, logo verifiquei que a abor- dagem desse assunto — A Urbanizagao Cadtica — sobretudo por- que no sabiamos muito aonde nos levaria o talento fogoso de Darey, nem conhecfamos ¢s objetivos finais de cada membro da equipe — ficava distante da minha prépria proposta mais geral de estudos geograficos. Dai a mudanga de rumos e a decisdo, tomada pouco a pouco, de prosseguir o estudo com uma visto propria. Na realidade, ha muito que desejo empreender dois estudos de sintese, um mais alentado, sobre a evolugao do territério brasileiro (sobre- tudo em sua fase mais recente) e outro, mais sintético, sobre a ur- banizagao, Este, de fato, seria a retomada de um artigo publicado, nos anos 60, nos Annales de Géographie, sobre a urbanizagao bra- sileira. Esse artigo foi traduzido para a nossa lingua e publicado na Revista Brasileira de Gecgrafia, mas parece nao haver sido muito ido ou muito apreciado. Como disse antes, havia, desde muito, to- mado a deciséo de retomar o assunto, e ja vinha trabalhando no tema quando Darey Ribeiro teve a gentileza de me convocar. Este livro 6, pois, 0 resultado de um antigo projeto. A proposta de Darcy Ribeiro nao foi abandonada, apenas se reduziu a um capitulo desta pequena obra, incluindo-se numa proposta mais 16 PREFACIOANTRODUCAO ampla. A urbanizagdo castica 6, na realidade, um aspecto da ur- banizagdo corporativa e uma resposta a constituigdo, no territério, de um meio téenico-cientifico eujo outro, no campo social, é a for- magao de uma sociedade cada vez mais dual. (0 atraso na realizagao do Recenseamento Geral do Brasil e a indisponibilidade de dados mais numerosos sobre a urbanizagao e as cidades constituiu, para nés, uma dificuldade, apenas mino- rada pelo fato de que desde o inicio haviamos tomado partido por um discurso mais qualitative, onde os processos comparecem como a peca central da explicagao. O fato, porém, do envelheci- mento do Censo de 1980 pela mudanga da dinamica social e ter- ritorial e a proposta, por nés, de novas categorias de andlise que foram objeto de poucos estudos empiricos e de magra discussio tedrica, faz de nosso empreendimento tarefa arriscada. Espera- mos que a nossa decisdo de enfrenté-la ndo seja tomada como arrogancia, mas apenas como a vontade de testar, luz da his- toria, a coeréncia das hipéteses. A URBANIZACAO PRETERITA Durante séculos o Brasil como um todo é um pais agrério, um pais “essencialmente agricola”, para retomar a célebre ex- pressao do Conde Afonso Celso. O Recdneavo da Bahia e a Zona da Mata do Nordeste ensaiaram, antes do restante do territorio, um proceso entao notavel de urbanizagao e, de Salvador pode-se, ‘mesmo, dizer que comandou a primeira rede urbana das Améri- cas, formada, junto com a capital baiana, por Cachoeira, Santo Amaro e Nazaré, centros de culturas comerciais promissoras no estudrio dos rios do Recdacavo.\ No dizer de Oliveira Vianna (1956, p. 56), “..) O urbanismo 6 condi¢ao modernissima da nossa evolugao social. Toda a nossa historia 6 a historia de um povo agricola, é a historia de uma sociedade de lavradores € pastores. E no campo que se forma a nossa raga e se elaboram as forgas intimas de nossa civilizagao. O dinamismo da nossa histéria, no periodo colonial, vem do eam- po. Do campo, as bases em que se assenta a estabilidade admi- rével da nossa sociedade no periodo imperial”. No comego, a “cidade” era bem mais uma emanagdo do poder Tonginquo, uma vontade de marcar presenga num pais distante. Mas ¢ temerario dizer, como o fea B. Hoselitz (1960) para toda a América Latina, que a cidade creseeu aqui “como flor exética”, pois sua evolugio vai depender da conjungao de fatores politicos © econémicos, ¢ 0 préprio desenho urbano, importado da Europa, vai ser modificado. Referindo-se aos primérdios da urbanizagao!, Nestor Goulart Reis (1968) estuda o periodo entre 1500 ¢ 1720, em que destaca trés principais etapas de organizagao do territ6rio brasileiro. A 1 Os primérdios da constituizio da rede urbana brasileira vim indicados em P. Deffontaines (1944). Uma reconstituigao da genealogia das cidades e vilas do Brasil colonial ¢ oferecida por Aroldo de Azevedo (1956) que desereve o estado da urbanizagao em cada século do periodo anterior & Independéncia. i 18 A URBANIZAGAO PRETERITA primeira fase, “entre 1530 e 1570 (...) eujo ponto de maior inten- sidade estaria compreendido entre os anos de 1530 a 1540”, Entre 1a fundagao do Rio de Janeiro em 1567 e a de Filipéia da Paraiba em 1585, ha um intervalo em que apenas ocorre a instalacao de Iguape. O segundo periodo fica “entre 1580 e 1640, anos de do- ‘minago espanhola, com dois pontos de maior intensidade: 08 anos entre 1610 e 1620, com a fundagao de uma vila e trés cidades entre 1630 e 1640, com a fundagao de nove vilas, (..) com a exis- téncia de uma urbanizagao sistematica na costa norte, em diresdo a Amazénia’ (p. 79). Num terceiro momento, “entre 1650 ¢ 1720, foram fandadas trinta e cinco vilas, elevando-se duas delas A ca- tegoria de cidades: Olinda e Sao Paulo. Ao fimn do perfodo, a rede urbana estava constituida por respeitavel conjunto de sessenta ¢ trés vilas e oito cidades”. N. Goulart Reis (1968) inclui, como elementos explicativos da urbanizagdio no que chama de “o sistema social da Coldnia” os seguintes elementos: a organizagao politico-administrativa, con sideradas, de um lado, as capitanias e o governo-geral e de outro a organizagao municipal; as atividades econdmicas rurais (agri- cultura de exportacao e de subsisténcia) e as camadas sociais correspondentes, a comegar pelos proprietérios rurais; as ativi- dades econémicas urbanas e seus atores (comércio, oficios meca- nicos, funcionalismo, mineragao)* VILAS E CIDADES (CRIADAS) ‘Séeulo XVI até 1720 Rio Grande do Norte 1 Paratba 1 Pernambuco 2 1 1 Sergipe 1 Vo Bahia 4 5 2 *Os centros urbanos apresentavam entdo uma vida que pode ser caracteri- zada como intermitente. Cessado 0 movimento decorrente do afluxo de senhores Je terra, tinham uma aparéneia de abandono e desolagao (..).” (N. Goulart Reis, 1968, p. 97) "X’ propésito da intermiténcia da vida urbana ver, para Salvador, Thales de ‘Azovello e Theodore Sampaio. Quanto a dependéncia da vida rural ver Sérgio Buarque de Holanda (1956, p. 117) ou Caio Prado Jr. (1958), A URBANIZAGAO PRETERITA 19 ‘Séeulo ‘Séeulo ‘Séeulo XVIII XVI XVII 720. Espirito Santo 2 1 Guanabara 1 ‘Sa Paulo 6 10 1 Para 4 Maranhao 2 i Alagoas 3 Rio de Janeiro 6 Parand 2 Santa Catarina 1 1 Piaut 1 oar 1 Minas Gerai 8 ‘Tirado de Nestor Goulart Reis, 1968, p. 84 a 68. De modo geral, porém, é a partir do século XVII que a urba- nizagéo se desenvolve e “a casa da cidade torna-se a residéncia mais importante do fazendeiro ou do senhor de engenho, que s6 vai & sua propriedade rural no momento do corte e da moenda da cana” (R. Bastide, 1978, p. 56)°. Mas foi necessdrio ainda mais um século para que a urbanizagao atingisse sua maturidade, no século XIX, e ainda mais um século para adquirir as caracteris- tieas com as quais a conhecemos hoje. O processo pretérito de criagdo urbana esté documentado em alguns outros estudos de sintese, como o de M. Marx (1991). Tra- 3 “Nao se creia que esta civilizagdo do agécar permaneceu imutavel através dos séculos. Modificou-se pelo menos duas vezes, conservando, todavia, sob estas transformagies, sous tragos caracterfsticos: latifiindio ¢ monocaltura, A primeira revolugdo, a éa urbanizacio, inicia-se no século XVIII, mas 86 aatinge sua plena expansao no século XIX. A casa da cidade torna-se a residéncia mais importante do fazendeim ou do senhor de engenho que s6 vai @ sua pro- priedade rural no momento do corte e da moenda da cana. co A segunda revolugao foi técnica, Em 1815, surge na Bahia a primeira maquina a vapor, em 1834, j4 sio encoatradas 64. O antigo engenho de agua ou de tracio ‘animal desaparece. (..) @ méquina a vapor nio modifica subitamente a estrutura da sociedade, que continua fundada na famflia patriareal, nem o modo de produgio, que é sempre a escravidiio, (..) uma reviravolta considerdvel (..) a partir de 1872: ft passagem de engenho para a sina. (..) O maquinismo, mais custoso mais centifico (oy concedia a primazia ao capital financeiro sobre o capital representado pela terras” (it. Bastide, Brasil, terra de contrastes, Difel, Sao Paulo, 1978, p. 86-57). 20 A URBANIZACAO PRETERITA tava-se muito mais da gerapao de cidades, que mesmo de um proceso de urbanizacao. Subordinado a uma economia natural, as relagées entre lugares eram fracas, inconstantes, num pais com tao grandes dimensoes territoriais. Mesmo assim, a expansao da agricultura comercial e a exploragao mineral foram a base de um povoamento e uma criagao de riquezas redundando na am- pliagao da vida de relagdes e no surgimento de cidades no litoral e no interior. A mecanizagao da produgao (no caso da cana-de- agicar) e do territério (nao apenas no caso da cana) vém trazer novo impulso e nova légica ao processo. No fim do periodo colonial, as cidades, entre as quais avultaram Sao Luis do Maranhao, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Sao Paulo, somavam perto de 5,7% da populagao total do Pais, onde viviam, entdo, 2.850.000 habitantes (Caio Prado Jr., 1953, p. 21). Basta lembrar que na passagem do século XVII para o século XVIII, Salvador ja reunia 100.000 moradores, enquanto nos Es- tados Unidos nenhuma aglomeragao tinha mais de 30.000 (M. Santos, 1959). 4 As estimativas da populagao urbana e da populagdo total brasileira nos pri- meiros séeulos ndo sd0 condizentes entre si, como mostram os exemplos seguintes: a Riplogio urban 1872 59% 1890 6.8% 1900 94% 1920 10,7% 1940 31,24% 1950 36,16% 1960 45,08% 1970 56,00% 1980 65,10% Ruben George Oliven, Urbanizagio mudanga social no Brasil, Voves, Petrépolis, 1980, p. 69, tabela 1 Populagao total e urbana do Brasit (em milhées de habitantes) Pop. total urbana foal Pop. a 1872 99 mais de 0,9 mais de 10% 1890 43 mais de 1,3, mais de 10% 1920 30,6 mais de 3,0 mais de 10% 1940 412 13,1 31,8% 1950 51,9 188, 36.2% Pedro Geiger, 1963, p. 20. AURBANIZAGAO PRETERITA 21 Em 1872, apenas trés capitais brasileiras contavam com mais de 100.000 habitantes: Rio de Janeiro (274.972), Salvador (129.109) e Recife (116.671). Somente Belém (61.997) contava mais de 50.000 residentes. Sao Paulo, entao, tinha uma populagao de 31.385 pessoas. Em 1890, eram trés ascidades com mais de 100.000 moradores: Rio de Janeiro com 522,651, Salvador com 174.412 e Recife com 111.556. Trés outras cidades passavam da casa dos 50.000 (Sao Paulo: 64.934; Porto Alegre: 52.421; Belém: 50.064). Em 1900, havia quatro cidades com mais de cem mil vizinhos e uma beirava essa cifra. de Janeiro — 691.565 Sao Pulo — 239,820 Salvador — 205.813 Recife - 113.106 Belém — 96.560 Com mais de 50.000 residentes ou perto disso estavam cinco capitais: Porto Alegre: 73.674; Niterdi: 53.433; Manaus: 50.300; Curitiba: 49.755: Fortaleza: 48.369 (Ministério da Agricultura, Industria e Comércio, Anudrio estattstico do Brasil de 1912, Rio, 1916). E, todavia, no fim do século XIX que se conhece a primeira aceleragio do fenémeno: sao 5,9% de urbanos em 1872, mas em 1900 eles ja somam 9,4% (liven, 1980, p. 69). Para Pedro Geiger (1983, p. 20) jé em 1872 a populagao urbana brasileira repre- sentava cerca de 10% do total, indice que iria manter-se (quase) em 1900, Mas, enquanto naquele ano os urbanos eram cerca de 900.000, em 1900 seu nimero ultrapassava 1.200.000. O fato 6 que a populagao brasileira subira de 9,9 milhdes para 14,3 mi- Thoes, crescendo mais de 40% em apenas quinze anos. Todos esses dados, porém, devem ser tomados com cautela, j4 que somente apés Populagao total 1872 10.112.061 1890 14.333.915. 1900 18,200,000 1920 7.500.000 1940 41.252.944 Fonte: Giorgio Mortara, “O aumento da populagao do Brasil entre 1872 e 1940", om Estudos de estatistiea tedrica e aplicada, Estat{sticas Demogréticas n.° 13, IBGE, Rio, 1951. Tirado de Villela e Suzigan, 1978, p. 90, tabela II-6, 22 A URBANIZAGAO PRETERITA 1940 as contagens separavam a populagio das cidades e das vilas da populagao rural do mesmo municipio (Juarez R. Brandao Lopes, 1976, p. 13; Naney Alessio, 1970, p. 109; Pedro Geiger, 1963, p. 20. Se o indice de urbanizagio pouco se alterou entre o fim do perfodo colonial até o final do século 19 e cresceu menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de 6,8% a 10,7%), foram necessdrios apenas vinte anos, entre 1920 e 1940, para que essa taxa triplicasse passando a 31,24%. A populagao concentrada em cidades passa de 4.552.000 pessoas em 1920 para 6.208.699 em 1940 (Villela e Suzigan, 1973, p. 199)°. Nesse pe- 5 quanto as diversas contagens da populagao an longo da historia brasileira, M, L, Mario (1972) refoyose a tres eras-0 periodn préetatistin (do info da col Fiangto ats‘ motade Jo sculo 18), 0 perioda potaestatstic (que termina com 0 Frinziro recenseamento geral do Brasil, em 1872), © perio extatistico que af Ehmuga, Quanto a urbanizaga, aera protestatistca seria mais prolongada, porgve a fase propriamente estatistica 20 iia comogar com 0 recenscamento do 1940 “sa Pedro Geiger (1963, p. 20) afirma que" difdl apurar a participaréo da ‘Magan urbane para perfodos anteriores 1940, pos os cansos,antigamente, Pap destacavam essa caracterfstica,Existom dados paras capitals dos Estados, atigns Provinciar do peri, bem como para o Distrito Federal, Municipio New tro. ‘no Tmpere, Com os dadie destas edades, apenas, « porcentagem sobre & populagdo total brasileira era de 10%, mais ou menos, entre 1972 e 1020". rEmutr estudioso da questa, Temes o seguine: "no quad TIT apresontam se dados sib o grav de urbanizagéo no Brasil, de 1872 2 1960, medio, em cada se fale numero de eidades com mats de einguenta mi, com mile melo milks Gevhatitantes ¢ pela popolagio que ex habitava. Uma adverténcia far-se desde itge ecessia, os das do conso de 1920 e anteriores nao so, a rigor, compa ‘Miva mow de 1940-1 1960, Somente a partir de 1940 se comogoa u separar 4 Fopulagto das cdades¢ vlas (quadros urbano e suburbano) da rural do'mesmo wepnitpio Assim, fomos obrigados a nos utilizar, para s quatro primeiros censos Cigrd #1920), das poputagtes totais dos muniipion com cingdente mail habitantes tut mats, enquanto para on trés kins (1940 1960) tomamos os dados mais txaton, que excluem'a populagio rural do maniepio.O err € maior, ¢ claro, para ts cdades menores (aftando mais, portant, «coluna des de cinqdenta mil ha- hattes ou mals) pols para as maiores a parccia gral € proporconalmente bem wenn GR Brandao Lopes, Dewevoloimento e maSlanga soc, 1976, p. 18 6 Cidacles de mais de 20,000 habitantes. Crescimento entre 1920-40 Populagao Crescimento 1920 1940 ‘1920 1940 % Norte 3 2 223.775 284.527 35 Nordeste 20 16 1.198.105 1.268.019 14 Leste _ 18 u 1.319.624 2.127.430 62,0 Sao Paulo 20 16 1,839,587 1.915.876 43,0 Sul 2 10 515.618 642.793, 24,7 Contro-Oeste 1 1 21.360 28.054 79 A URBANIZAGAO PRETERITA 23 riodo, a populagao ocupada em servigos cresce mais depressa que © total da populagdio economicamente ativa, Enquanto esta au- menta pouco mais de 60%, passando de 9.150.000 para 14.61.00, os ativos do tercidrio mais que dobram, crescendo quase 130%, pois eram 1.509.000 em 1920 e sdo 3.412.000 em 1940 (Villela e Suzigan, 1973, p. 94)’. Segundo dados encontrados em R. G. Oliven (1980, p. 71), entre 1925 e 1940, a participayao dos setores primario e secundério na populagdo ativa teria diminuido, ao passo que a do setor tercidrio estaria em aumento’, 7 Populagéo Economicamente Ativa, 1920-1940 jem mithares de pessoas) _ 0 1940 Agricultura 6377 9.782 Indistria 1.264 1517 Servigos 1.509 BAl2 Total 9.150 14.661, Fonte: IBGE, Recenseamentos Gerais. Tirados de Villela e Suzigan, 1978, p. 94, tabela IL9, ‘Segundo os mesmos autores ¢ com a divisio censitéria de entao, tinhamos, em 1920, 0 Nordeste e Sao Peulo com a maior quantidade de nicleos com mais de 20.000 habitantes, cada qual com vinte cidades; segue-se 0 Leste com dezoito, © Sul com doze, enquanto o Norte ficava apenas com duas e o Centro-Oeste com ‘uma. As vinte cidades de Sto Paulo somavam a maior populagdo, 1.839.587 ha- bitantes, a comparar com os 1.518.624 das do Leste eos 1.138.105 das do Nordeste. So considerarmos a divisa> regional atual (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Contro-Ooste) para 1940, 1965, 4% do total da populagao das cidades com mais do 20.000 habitantes encontra-se na Regiao Sudeste, com o Estado de S80 Paulo reunindo, Sozinho, 31% dessa populacao, isto é, mais do que toda a Regido Norte (8,7%), Nordeste (20,15), Sul (10,3%) e Centro-Oeste (0,3%) somados, 8 Estrutura ocupacional do Brasil (om termos porcentuajs ¢ absolutes, em milhares) ‘Setor 1925 1940 1950 1960 1970 Primério 68% 64% 59,0% 58,7% 44,69 7011 9.496 10.253 12.164 18.188 Secundério 12% 10,1% 14.2% 13,1% 18% 1.237 1.491 2481 2.697 5.320 ‘Tercisrio 20% 25,9% 25,0% 83,2% 31,4% 2.062 3.823 4483 7520 11.054 Tota 10310___14.759_ 7.792.651 29.557 Ruben George Oliven, Op. cit, p. 71, tabela 4. 24 A URBANIZAGAO PRETERITA ae 0 ‘Setor primério 64% Setor seeundario 10,1% Setor torcidrio_ 25,9% No Estado de Sao Paulo, a expansao da urbanizagdo nesse pe- rfodo 6 marcante, com um crescimento de populagao urbana da ordem de 43%, Segundo Rosa E. Rossini (1988, p. 74, tese), “no final da década de 1920 (...) a urbanizagao do interior, evoluindo de forma acelerada e atomizada, foi reforgada pelo movimento de capitais mercantis locais propiciando investimentos de origem privada de companhias de energia, de telefone, de meios de trans- porte, baneos, instituigdes de ensino ete, Acrescente-se ainda 0 surgimento de postos de gasolina, armazéns para venda de im- plementos agricolas e sementes, que reforgavam o setor urbano, acelerando a prestagao de servigo”. ‘A urbanizagao brasileira conhece, nitidamente, dois grandes regimes, ao longo das diferentes periodizagdes que se proponham. Apés os anos 40-50, os nexos econémicos ganham enorme relevo, e se impdem as dinamicas urbanas na totalidade do territério, conforme veremos depois com mais detalhe; e, antes desse mo- mento, 0 papel das fungdes administrativas tem, na maior parte dos estados, uma significagao preponderante. Outro dado que nos permite também falar em dois regimes. Nos tiltimos decénios do século XIX e nos primeiros do século XX, a evolugéio demografica das capitais estava, em muitos casos, sujeita a oscilagées (ou conhecia crescimento relativamente lento) em determinados periodos intercensais, ao passo que a partir do fim da segunda guerra mundial dé-se um ereseimento sustentado em todas elas. \ CAPITAIS DE ESTADOS ESCOLHIDAS: EVOLUCAO DEMOGRAFICA 1872-1940 1872 1890 1900 1920 1940 Belém 61.997 50.064 96.560 286.406 164.673 Cuiabs 35.987 17815 «34.898 83.678 . Manaus 29.934 38.720 50.800 75.701 «66.854. Vitoria 16.157__16.887___11.850__—21.886_42.098 A URBANIZAGAO PRETERITA 25, 1872 18901900 1920 1940 Salvador 129.103 174.412 205.818 283.422 290.448 Florianépolis 25.709 © 30.687 82.228 «41.338 25.014 Teresina 21.692 91.528 45.816 57.500 34.695, Joao Pessoa 24714 18.645 28.793 52.990 71.158 Pode-se grosseiramente admitir que a base econémica da maio- ria das capitais de estado brasileiras era, até o fim da segunda guerra mundial, fundada na agricultura que se realizava em sua zona de influéncia e nas fungdes administrativas ptiblicas e pri- vadas, mas, sobretudo, miblicas. E 0 que explica as oscilagées acima indicadas ou uma relativa estagnagao do crescimento po- pulacional, mediante influéncias diretas ou indiretas do que se passava nas dreas ndo-urbanas. O creseimento e, depois, 0 de- crescimento de Manaus e Belém é 0 exemplo mais classico desses impactos diretos, a partir da decadéncia da extragao e do comércio da borracha. Ja 0 caso de Salvador, cuja populagao praticamente nao eresce entre 1920 ¢ 1940, deve-se A abertura de uma frente pioneira interna, com o desbravamento e a conquista da zona do cacau, que atrai grande nimero de pessoas deslocadas pelas secas, e por uma estrutura agrédria extremamente inigualitaria, deixan- do, por conseguinte, de engrossar as correntes do éxodo rural para a capital baiana, Até a segunda guerra mundial, o peso das capitais no proceso urbano e na populacao urbana sobreleva, tanto do ponto de vista quantitative como qualitative. E nos estados em que a atividade extrativa € predominante que a parcela da populagao vivendo nas capitais 6 maior. E um fenmeno tipico das Regides Norte e Cen- tro-Oeste, 0 caso de Goids sendo atipico. PARTE DA CAPITAL NA POPULACAO DOS RESPECTIVOS ESTADOS, 1872 1890 1900 1920 Manaus 50.92% 26,17% 0, 14% 10, 85% Belém 25.52% 24,98 ——«20,14% © 20,85% n 59.56% __19,19% 19.14% ___13,66% Em 1872, nenhuma outra capital ultrapassava 14% da popu- lagdo estadual e mais de metade nao atingia os 10%; em 1890, nenhuma capital, afora as trés acima enumeradas ultrapassava 26 A URBANIZACAO PRETERITA os 12% da populagao dos respectivos estados, e 12 nao chegavam sequer aos 10%; em 1900, apenas quatro capitais, além de Cuiabé, Belém e Manaus, ultrapassavam os 10% do total demogréfico es- tadual (¢ treze das capitais nao aleangavam os 10%); ainda em 1920, apenas quatro capitais, além das trés mencionadas no qua- dro anterior, ultrapassavam os 10% da populagao estadual®, ‘Tais porcentuais somente podem ser mais bem avaliados em comparagiio com o volume de populagéio dessas cidades-capitais Nenhuma cidade do Norte e do Centro-Oeste ultrapassava os efe- tivos de Belém (61.997 em 1872; 50.064 em 1890; 96.560 em 1900 e 236.402 em 1920). Brasil foi, durante muitos séculos, um grande arquipélago, formado por subespagos que evolufam segundo légicas préprias, ditadas em grande parte por suas relagdes.com o mundo exterior. Havia, sem diivida, para cada um desses subespagos, pélos dina- micos internos. Estes, porém, tinham entre si escassa relagao, nao sendo interdependentes. Esse quadro é relativamente quebrado a partir da segunda metade do século XIX, quando, a partir da produgao de café, 0 Estado de Sao Paulo'se torna o pélo dinamico de vasta area que abrange os estados mais ao sul e vai incluir, ainda que de modo incompleto, 0 Rio de Janeiro e Minas Gerais. Ainda aqui, a ex- plicagéio pode ser buscada nas mudangas ocorridas tanto nos sis- temas de engenharia (materialidade), quanto no sistema social De um lado, a implantagao de estradas de ferro, a melhoria dos portos, a criagsio de meios de comunicagao atribuem uma nova fluidez potencial a essa parte do territério brasileiro. \De outro 910 peso das cidades capitais de estado sobre a populacao total do Pafs man- teve-se praticamente modesto e estvel até 1940-1950, conhecendo entao uma evolugao sem saltos que acompanha os indices de ubanizagao, 1872 — 10,09% 1890 — 9,55% 1900 — 11,07% 1920 — 11,84% 1940 — 13,70% 1950 — 15,88% 1960 — 18,69% 1970 — 21,58% 1980 — 24,02% A URBANIZACAO PRETERITA 27 lado, é af também onde se instalam sob os influxos do comércio internacional, formas capitalistas de produgdo, trabalho, inter- cambio, consumo, que vao tornar efetiva aquela fluidez. Trata-se, porém, de uma integragao limitada, do espago ¢ do mercado, de que apenas participa uma parcela do territério nacional. A divisao do trabalho que se opera dentro dessa area é um fator de cres- cimento para todos os seus subespagos envolvidos no processo e constitui um elemento de sua crescente diferenciagao em relagao ao resto do territério brasileiro. B com base nessa nova dinamica que 0 proceso de industrializagéo se desenvolve, atribuindo a dianteira a essa regido, e sobretudo ao seu pélo dinamico, o Estado de Sao Paulo. Esta ai a semente de uma situagao de polarizagao que iria prosseguir ao longo do tempo, ainda que em cada periodo se apresente segundo uma forma particular, Esse primeiro momento duraré até a década de 30, quando novas condigées politicas e organizacionais permitem que a in- dustrializagdo conhega, de um lado, uma nova impulsio, vinda do poder publico e, de oatro, comece a permitir que 0 mercado interno ganhe um papel, que se mostrar crescente, na elabora- 40, para o Pais, de uma nova logica econémica e territorial A partir dos anos 1940-1950, é essa légica da industrializagao que prevalece: o termo industrializagdo nao pode ser tomado, aqui, em seu sentido estrito, isto é, como criagao de atividades industriais nos lugares, mas em sua mais ampla significagao, como processo social complexo, que tanto inclui a formagao de um mercado nacional, quanto os esforgos de equipamento do ter- rit6rio para torné-lo integrado, como a expansdo do consumo em formas diversas, o que impulsiona a vida de relagées (leia-se ter- ciarizagao) e ativa 0 préprio processo de urbanizagao. Essa nova base econémica ultrapassa o nivel regional, para situar-se na es- cala do Pass; por isso a partir dai uma urbanizagao cada vez mais envolvente e mais presente no territério dé-se com o crescimento demogréfico sustentado das cidades médias e maiores, incluidas, naturalmente, as capitais de estados. | A EVOLUGAO RECENTE DA POPULACAO URBANA, AGRICOLA E RURAL Entre 1940 e 1980, dé-se verdadeira inversdo quanto ao lugar de residéncia da populago brasileira. Ha meio século atras (1940), a taxa de urbanizagao era de 26,35%, em 1980 alana / 68,86%!, Nesses quarenta anos, triplica a populugao total do Bra- sil, ao passo que a populagao urbana se multiplica por sete vezes e meia. Hoje, a populagao urbana brasileira passa dos 77%, fi- cando quase igual & populagdo total de 1980". BRASIL Populecio Populagao indice de total urbana urbanizagao 1940 1.826.000 10.891.000 26,35 10950 51,944,000, 18.788.000 36,16 1960 0.191.000, 31.956.000 45,52 1970 93.139.000, 52,905,000 56,80 1980 119,099,000 82.018.000 68,86 1991 150.400.000 115.700.000 713 Agg1_150.400.000_115.700.000_77,13_ Entre 1960 e 1980, a populagdo vivendo nas cidades conhece au- mento espetacular: cerca de novos cingtienta milhdes de habitantes, isto 6, um miimero quase igual A populagao total do Pais em 1950. Somente entre 1970 e 1980, ineorpora-se ao contingente demogréfico 1 Basa evolugao 6 compardvel a que se verifica entre 1941 ¢ 1978, na Iugoslavia, onde a taxa de urbanizagdo passa de 26,6% a 69,7%. Mas essa evoluao envolve ‘um mimero de pessoas bem menor, pois a populacdo urbana passa de 4.350.000 para 15.312.000 pessoas, nesse periodo (Ostojic, Stipetic, Trickovic, 1980). J4 na Bélgica, uma evolugéo comparével A brasileira em mimeros relativos toma mais de um século: 31% de urbanos em 1846, 49% em 1900 e 61% em 1970 (C. Vaan- dermotton, 1985, p. 11D. 2 Entre 1950 ¢ 1991, a populagao total também triplica, ao passo que a populagao ‘urbana, representando 77% da total, tem seu volume multiplicado por 6,15. 2 30 A EVOLUCAO RECENTE DA POPULACAO, urbano uma massa de gente comparavel ao que era a populagao total urbana de 1960. Ja entre 1980 e 1990, enquanto a populagao total tera crescido 26%, a populagao urbana deve haver aumen- tado em mais de 40%, isto 6, perto de trinta milhdes de pessoas. VARIACAO DA POPULAGAO TOTAL DO BRASIL em mil habitantes 10618 18.247 2.948 25.960, T1873 VARIAGAO DA POPULAGAO URBANA DO BRASIL em mil habitantes 40-50 7.802 72.46% 50.60 13.178 70,13% 60-70 20.949 65,55% 70-80 29.108 35,01% 40-80 285 8,08% Os anos 60 marcam um significative ponto de inflexao, Tanto no decénio entre 1940 e 1950, quanto entre 1950 e 1960, 0 au- mento anual da populagéo urbana era, em ntimeros absolutos, menor que 0 da populagao total do Pais. Nos anos 60-70 os dois, miimeros se aproximavam, E na década 70-80, o creseimento nu- mérico da populacao urbana j4 era maior que o da populacdo total. O processo de urbanizagao conhece uma aceleragao e ganha novo patamar, consolidado na década seguinte AUMENTO ANUAL MEDIO APROXIMADO DA POPULAGAO TOTAL EDA POPULAGAO URBANA ‘Aumento médio ‘Aumento médio ‘anual da populagéo anual da populagio BA - al (A) urbana (B) 1940-50, 1.060.000 800.000 7547 1950-60 1.820.000 1.820.000 72,52 1960-70 2.800.000 2.100.000 91,80 1970-80 2.600.000 2.900.000 111,53 1980.91 8.180.000 3,970,000 107,66 A EVOLUGAO RECENTE DA POPULACAO 31 A evolugdo da populagao agricola ‘O forte movimento de urbanizagéo que se verifica a partir do fim da segunda guerra mundial é contemporaneo de um forte crescimento demogréfico, resultado de uma natalidade elevada e de uma mortalidade em descenso, cnjas causas essenciais sao os progressos sanitarios, a melhoria relativa nos padrées de vida e a propria urbanizacao. ° Rosa Ester Rossini (1985) descreve esse fendmeno, mostrando como e por que a sociedade brasileira conhece esse fendmeno de “explostio demografica”. Entre 1940 e 1950, a uma taxa bruta de mortalidade de 20,6%, correspondia uma taxa bruta de natalidade de 44,4%. Entre 1950 e 1960, esses indices ja eram de 13,4% e 43,3%. E nesse contexto que a populagao agricola cresce entre 1960 e 1970 e, outra vez, entre 1970 e 1980. Como, porém, a vida de relagées se intensifica, e se afirma a vocago a aglomeragao, a populagao rural cresce entre 1960 e 1970, mas diminui entre 1970 e 1980. Neste ultimo ano, os mimeros sao bem préximos dos de 1960. BRASIL Pooulacéo agricola Populagéo rural 1960 18.454.526 8.418.798 1970 17.581.964 41,054,053, 1980 21.163.729) 38.566.297, O fenémeno nao se dé de maneira homogénea, uma vez que sao diferentes os graus de desenvolvimento e de ocupagao prévia das diversas regides, pois estas sao diferentemente alcancadas pela expansio da fronteira agricola e pelas migragées inter-re- gionais. POPULAGAO AGRICOLA Centro Norte Nordeste Sudeste ‘Sul eur Brasil 1960 544.028 6.659.178 4.868872 3.194.031 688.420 15.454.526 1970 934.024 7.568.810 9.959.975 4.191.785 927.970 17.581.964 1980___1.781.611 9.833.166 4.812.211 4.391.819 1.344.980 21.168.729 82 A EVOLUCAO RECENTE DA POPULAGAO POPULAGAO RURAL Centro oad __ Oeste 1960 1.604.064 14.665.380 12.821.206 7.392.884 1.935.764 38.418.798 1970 1.977.260 16.858.950 10.888.897 "9.193.066 2.685.880 41.581.053 1980 __2.843.118 17.245.514 8.894.044 7.153.428 2.480.198 8.566.297 Norte Nordeste Sudeste Sul Brasil A populagao agricola cresce em todas as regiées, entre 1960, 1970 e 1980, exeeto no Sudeste onde, apés haver diminuido entre 1960 e 1970, obtém, em 1980, um volume quase semelhante, mas ainda inferior, ao de 1960, Tomado o periodo 1960-1980, a populagao rural apenas cresce nas Regides Norte e Nordeste. A baixa somente é continua, isto é, abrangendo os periodos 1960-1970 e 1970-1980, para a Regiéio Sudeste. Quanto as Regides Sul e Centro-Oeste, que’ obtiveram ganhos entre 1960 e 1970, perdem-nos entre 1970 e 1980 pesadamente; na Regido Sul as perdas sio grandes e a populagao rural em 1980 é bem inferior & de 1960. Quanto a Regido Centro- Oeste, ela perde mais de 200.000 rurais, entre 1970 e 1980. Sao os seguintes os onze estados onde o crescimento da popu- lagao agricola é mais importante entre 1960 e 1980: Bahia ............... 843.123 Maranhao. «720.884 Paré . 682.290 Parand... 523.128 Piauf.... « 431,993 Rio Grande do Sul .... 413.191 Mato Grosso . 362.850 ‘Amazonas. =. 293.611 Goids ... «281.542 Cearé ... sees 267.766 Santa Catarina....... 261.461 Um exame mais detalhado das estatisticas, separando’o que ocorreu no decénio 1960-1970 do que aconteceu no seguinte de- cénio, nos mostrar4, porém, que a populagao agricola diminui em quatro estados, entre 1960 ¢ 1970 (Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Séo Paulo). Nestes dois tltimos estados, o des- censo 6, pois, continuado, Quanto a populagao rural, ela baixa em quatro estados entre 1960 e 1970 (Minas Gerais, Rio de Janeiro, Sao Paulo e Distrito Federal) e em onze estados entre 1970 e 1980 (Ceara, Rio Grande A EVOLUGAO RECENTE DA POPULAGAO 33 do Norte, Paraiba, Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro, Sao Paulo, Parand, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goids, isto 6, todos os estados do Sudeste e do Sul e mais trés do Nordeste e um do Centro-Oeste). ‘As perdas mais importantes de populagao rural, entre 1970 ¢ 1980, verificam-se nos Estados do Parana (menos 1.268.659), Mi- nas Gerais (menos 1,030,696), So Paulo (menos 1.268.659), Rio Grande do Sul (menos 588.988), Note-se que Séo Paulo e Minas Gerais jé haviam visto baixar sua populagao rural respectiva- mente de 1.293.779 ¢ 405.374 pessoas entre 1960 e 1970. ‘A maior perda relativa de populagdo agricola dé-se em Sao Paulo, com uma baixa de 17,79% entre 1960 e 1970 e de 20,31% entre 1960 e 1980 (3,08% de baixa entre 1970 e 1980), Outra perda considerdvel entre 1960 e 1970 ¢ a de Pernambuco (10,68%) e do Parana (8,76%) entre 1970 e 1980. Examinemos, mais uma vez esse fenémeno, agora com base na verificagao do porcentual que cabe A populagao agricola e A populagdo rural em relagio A populagdo total do Pais, em 1960, 1970 e 1980. Em termos proporcionais, reduz-se a importancia tanto da populagao agricola quanto da populagdo rural nos dois periodos intercensitsrios, Note-se, todavia, que a queda relativa da populagdo rural é mais acentuada que a da populagao agricola. Brasil moderno 6 um pais onde a populagdo agricola eresce mais depressa que a populagao rural. Entre 1960 e 1980, a po- pulagao agricola passa dos 15.454.526 para 21.163.729, ao passo que a populagdo rural fica praticamente estacionéria: 38.418.798 em 1960, 38,566.297 em 1980 (em 1970, sao 41.054.054). ‘A populagfio agricola torna-se maior que a rural exatamente porque uma parte da populagao agricola formada por trabalha- dores do campo estacionais (os béias-frias) (J. Graziano da Silva, 1989) 6 urbana pela sua residéncia. Um complicador a mais para nossos velhos esquemas cidade-campo. POPULAGAO AGRICOLA em relagao populacao total ‘Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Ocste 1960 2124 3002 14,44 27,18 «23,89 1970 25.92 2692 9,93 25,41 18,29 0. 3026.8 5, 1, 34 A BVOLUGAO RECENTE DA POPULAGAO POPULAGAO RURAL ‘em relagao & populagdo total Norte Nordeste Sudleste Sul __Centro-Oeste___Brasi 1960 6261 66,1242, 90 65,77 55,83 1970 5486 58192 55,73 81,96 44,08 1980 48,35 4954 17,19 37,59 32,21 32,41 O MEIO TECNICO-CIENTIFICO ‘A fase atual, do ponto de vista que aqui nos interessa, 6 0 momento no qual se constitui, sobre territérios cada vez mais vastos, ‘co que estamos chamando de meio técnico-cientifico, isto é, o momento histérico no qual a construgdo ou reconstrugdo do espago se dard com tum crescente contetido de ciéncia, de técnicas e de informagao!. O meio natural era aquela fase da histéria na qual o homem escolhia da natureza aquilo que considerava fundamental a0 exer- cicio da vida e valorizava diferentemente essas condigées natu- rais, as quais, sem grande modificagéo, constituiam a base ma- terial da existéncia do grupo. fim do século XVIII e, sobretudo, o século XIX véem a mecanizacao do territério: o territério se mecaniza.\Podemos dizer, junto com Max. Sorre (1948) e André Siegfried (1955), que esse é o momento da criagao do meio técnico, que substitui o meio natural. Ja, hoje, é insuficiente ficar com esta ultima categoria, e é preciso falar de meio técnico-cientifico, que tende a se superpor, em todos os lugares, ainda que de modo desigual, ao chamado meio geogréfico. (Esse meio técnico-cientifico (melhor sera chamé-lo de meio téc- nico-eientifico-informacional) 6 marcado pela presenga da ciéncia e da técnica nos processos de remodelagao do terri i 1 Vimos tratando desse tema desde 1980, quando apresentamos uma comu- nicagao a0 Encontro Nacional dos Gedgrafos, promovido pela A.G.B, em Porto Alegre. Esse trabalho foi depois reproduzide em nosso livrinho Espago e método. Levamos, também, uma comunicacao a um simpésio da OBA (Washington, 1986) — “0 perfodo téenico-cientifico e os estudos geogréticos”. Outras contribuigies Toram apresentadas em reunises cientffieas ¢ publicadas em diversas revistas: Boletim Pautista de Geografia (1989), Espago ¢ Debates (1988), Cahiers de Géographie du Québec (1988), Resgate (1991), Caderno Prudentino de Geografia (1923), Terra Livre (1992) ete, Esse tema também tem sido objeto de disser- tages de mestrado, ja defendidas na Universidade de Sao Paulo como as de Wilson Santos, Sergio Gertel ¢ Denise S. Elias e na Universidade Federal do Rio de Janeiro, como as de Margareth Pimenta, Luiz Pimenta e Maria Ceeflia Linardi. % ab 36 0 MEIO TECNICO.CIENTIFICO as produgdes hegeménicas, que necessitam desse novo meio geo- grafico para sua realizagao. A informagao, em todas as suas for- mas, € 0 motor fundamental do processo social e 0 territério 6, também, equipado para facilitar a sua circulagao, Isso nos obriga a distinguir dois periodos anteriores a fase atual da organizagao do territério, Num espago de tempo relativamente curto, 0 Brasil acelera a mecanizagao do territério e enfrenta uma nova tarefa, isto é, a constituigao, sobre areas cada vez mais vas- tas, dese meio téenico-cientifico-informacional. E apenas apés a segunda guerra mundial que a integragao do territério se torna vidvel, quando as estradas de ferro até entaéo desconectadas na maior parte do Pafs, sio interligadas, cons- troem-se estradas de rodagem, pondo em contato as diversas re- gides entre elas e com a regido polar do Pais, empreende-se um ousado programa de investimentos em infra-estruturas. Ainda uma vez, uma nova materialidade superpée novos sistemas de engenharia aos ja existentes, oferecendo as condigdes técnicas ge- rais que iriam viabilizar o proceso de substituigo de importagdes para o qual todo um arsenal financeiro, fiscal, monetério, serviria como base das novas relagGes sociais (incluido o consumo aumen- tado) que iriam permitir mais uma decolagem. Esse periodo duraria até fins dos anos 60. O golpe de Estado de 1964 todavia aparece como um marco, pois foi o movimento militar que criou as condigdes de uma répida integragao do Pais a um movimento de internacionalizagdo que aparecia como irre- sistivel, em escala mundial. A economia se desenvolve, seja para atender a um mercado consumidor em célere expansio, seja para responder a uma demanda exterior. © Pais se torna grande ex- portador tanto de produtos agricolas nao tradicionais (soja, eftri- cos) parcialmente beneficiados antes de se dirigirem ao estran- geiro, quanto de produtos industrializados. A modernizagao agri- cola, alids, atinge, também produgdes tradicionais como 0 café, 0 cacau, 0 algodao; aleanga produtos como o trigo, cujo volume plan- tado e colhido se multiplica; implanta-se em muitos outros setores e se beneficia da expansio da classe média e das novas equagoes de um consumo popular intermitente, com 0 desenvolvimento da produgdo de frutas, verduras e hortaligas. A popula¢io aumen- tada, a classe média ampliada, a sedugéo dos pobres por um con- sumo diversificado e ajudado por sistemas extensivos de crédito, servem como impulsdo & expansao industrial. 0 MEIO TRCNICO-CIENTIFICO 37 ‘As primeiras fases do processo de integragdo foram concentra- doras das atividades modernas e dinamicas, tanto do ponto de vista econémico quanto geograficamente. na tiltima fase, quando jé exis- te um capitalismo maduro, que vamos testemunhar a possibilidade de uma difusdo da modernizagao, nao s6 presente quanto aos capi- tais, como quanto a tecnologia e as formas de organizagao. Afirma-se, entdo, a tendéncia a generalizagao do meio técni- co-cientifieo. Desse modo, as remodelagdes que se impdem, tanto no meio rural quanto nc meio urbano, nao se fazem de forma indiferente quanto Aqueles trés dados: ciéncia, tecnologia e infor- magdo (M. Santos, 1980 e 1988). Em conseqiiéncia, aparecem mu- dangas importantes, de um lado, na composigao téenica do terri- torio pelos aportes maciges de investimentos em infra-estruturas, e, de outro lado, na composigao organica do territério, gragas A cibernética, as biotecnologias, as novas quimicas, & informatica e a eletrénica. Isso se di de forma paralela cientifizagio do trabalho. Este se torna cada vez mais trabalho cientifico e sua presenga se da em paralelo a uma informatizagio também cres- cente do territério, Pode-se dizer, mesmo, que o territério se in- formatiza mais, e mais depressa, que a economia ou que a socie- dade. Sem diivida, tudo se informatiza, mas no territério esse fenémeno ¢ ainda mais notavel uma vez que o trato do territério supe 0 uso da informagao, que esta presente também nos objetos. (Hd, de um lado, mais conhecimento sobre o territério, gragas As novas possibilidadés de teledeteccao (veja-se, no Brasil, o trabalho do Projeto Radam) e aos progressos obtidos na previsiio meteorolé- gica (0 caso do radar meteorolégico de Bauru é exemplar); por outro lado, os objetos geogréficos, cujo conjunto nos dé a configuragio ter- ritorial e nos define 0 préprio territério, sdo, cada dia que passa, mais carregados de informago} E a diferenciagao entre eles é tanto a da informagao necessaria a trabalhé-los?, mas também a diferen- 2 Um estudo de Scheneider, Frohlich e Feldens (1991, p. 60-73) mostra a intima relagdo entre informagio ¢ adocao de praticas cientfficas ¢ tecno- légicas em érea de agricultura modernizada. A compra de sementes, racbes, adubos, defensivos, maquinas e implementos, mas também a venda dos re- sultados do trabalho agricole sao fortemente influenciadas pelas diversas formas de informagao ao alcance do produtor; de um lado, radio, televisao, Jornais; de outros, conselhos de vizinhos, eomerciantes e Uéenicas agricolas. ‘A incidéncia varia, segundo os casos, mas 0 uso da informagdo 6 pratica generalizada e indispens4vel ndo apenas A inovacio tecnoldgica, mas ao pré- prio cotidiano do agricultor. 38 0 MEIO TECNICO-CIENTIFICO ciagao da informagio que eles préprios contém, em virtude de sua propria realidade fisica. Pode-se, alids, dizer, com mais propriedade, que o territério se informacionaliza, a informatizagao no sendo mais que um ins- trumento e um aspecto desse fendmeno mais abrangente Foi o periodo téenico-cientifico da humanidade (R. Richta, 1974), isto é, a possibilidade de inventar a natureza, de criar sementes como se elas fossem naturais, isto 6, 0 progresso da bioteenologia, que permitiu, no espago de duas geragdes, que o que parecia um deserto, como o cerrado, na Regio Centro-Oeste e na Bahia, se transformasse num vergel formado por um caleidoseépio de produ- gées, a comegar pela soja. O papel da pesquisa, empreendida na Embrapa e em outras instituigdes, foi fundamental nessa evolugao. Neste perfodo, no caso brasileiro, alguns fatos tém que ser res- saltados: 1.°) Hé um desenvolvimento muito grande da configuragao ter- ritorial. A configuragdo territorial é formada pelo conjunto de sis- temas de engenharia que o homem vai superpondo & natureza, verdadeiras préteses, de maneira a permitir que se criem as con- digdes de trabalho préprias de cada época. O desenvolvimento da configuragao territorial na fase atual vem com um desenvolvi- mento exponencial do sistema de transportes e do sistema de telecomunicagdes e da produgao de energia. 2.°) Outro aspecto importante a levar em conta é 0 enorme desen- volvimento da produgdo material. A produgao material brasileira, in- dustrial e agricola, muda de estrutura; a estrutura da circulagao e da distribuigéo muda; a do consumo muda exponencialmente; todos esses dados da vida material conhecem transformagao extraordinéria, a0 mesmo tempo em que hé disseminagao no territério dessas novas formas produtivas. A parte do territdrio alcangada pelas formas pro- dutivas modernas nao é apenas a regio polarizada da definigao de Jacques Boudeville (1964), nem o Brasil litordneo descrito por Jacques Lambert (1959) mas praticamente o Pais inteiro, ainda que as éreas anteriormente privilegiadas adquiram novos privilégios. (3.°) Outro dado importante a considerar é o desenvolvimento de novas formas econmicas: nao apenas hé um desenvolvimento das formas de produgao material, hé também uma grande expansaio das formas de produgao nio-material: da satide, da educagao, do lazer, da informagao ¢ até mesmo das esperangas. Sao formas de consumo néo-material que se disseminam sobre 0 territério. » q 0 MEIO TECNICO-CIENTIFICO 39 consumo de energia passa dos 24.000 megawatts em 1965, para 160,000 em 1984. A partir de 1960, constroem-se estradas de rodagem de primeira ordem. O Brasil passa a ser cruzado por um grande ntimero de rodovias de boa qualidade, entre as quais um bom porcentual de autopistas. Por outro lado, em muitas re- gides, observa-se uma tendéncia a eriagao de uma rede vicinal, sobretudo nas areas mais desenvolvidas. De quase 5.000.000 de passageiros transportados por meio de rodovias em 1970, alcan- gamos mais de 11,000,000 em 1980, Eram 3.800.000 automéveis, circulando em 1973, sao 10.500.000 em 1981. Modernizam-se os Correios (Gertel, 1991) ¢ cria-se um moderno sistema de telecomunicagses, através de ondas e, depois, dos sa- télites; difunde-se o telefone, implanta-se o telex e novas formas de transmissio de mensagens, tornando maiores as possibilidades de movimento de valores, de dinheiro, de capitais, de ordens, mensa- gens ete, Em 1974, os Correios transportaram cerca de um bilhao de objetos, enquanto em 1982 sao mais de quatro bilhdes. Em 1961, havia 1. 100,000 telefones instalados, em 1971 ainda eram 1.760.000, mas em 1987 0 Pais jd conta com 1.600.000 aparelhos instalados. (E assim que, além da integragao do territério que j4 se esbogava no perfodo anterior, agora também se constroem as bases de uma verdadeira fluidez do territ6rio. © espago torna-se fluido, permi- tindo que os fatores de produgao, o trabalho, os produtos, as mer- cadorias, 0 capital, passem a ter uma grande mobilidade:, Podemos dizer que no Brasil é, ja agora, exemplar a presenga desse meio cientifico-téenico, cujo retrato tentamos esbogar de for- ma certamente incompleta. Nesta ordem de idéias, a expressao meio cientifico-técnico poderia ser utilizada em substituigao Aque- Ta (que hé alguns anos cunhamos juntamente com Ana Clara Tor- res Ribeiro) de regido concentrada, Desse modo, ¢ dificil prosse- guir falando de uma situagao de pélo-periferia, onde o pélo seria uma area circunscrita confundida com a propria extensao da prin- cipal aglomeragao € sua regiao de influéncia imediata como na proposta de Boudeville (1968) ou na de Friedmann (1971). Hoje, (pode-se falar de uma regiéo concentrada que abrange, grosso ‘modo, 0s estados do Sul (Parana, Santa Catarina, Rio Grande do Sul) além de So Paulo e Rio de Janeiro e parcelas consideraveis do Mato Grosso do Sul, Goids e Espirito Santo} Trata-se de uma rea continua onde uma divisio do trabalho mais intensa que no resto do Pais garante a presenga conjunta das varidveis mais mo- 40 0 MEIO TEcNICO-CIENTIFICO dernas — uma modernizagao generalizada — ao passo que no resto do Pais a modernizacdo é seletiva, mesmo naquelas man- chas ou pontos cada vez mais extensos e numerosos, onde estdo presentes grandes capitais, tecnologias de ponta e modelos ela- borados de organizagao. ‘A regiao concentrada coincide com a area continua de mani- festacdo do meio técnico-cientifico, cuja légica corresponde as ne- cessidades do presente estégio de desenvolvimento do Pais. )Se esse meio técnico-cientifico aparece de forma pontual em todos os estados e territérios, sua presenca como manchas de impor- tancia desigual é ja consideravel na Bahia, em Pernambuco, em Mato Grosso, no Espirito Santo etc. Veja-se, por exemplo, a con- sideravel ampliagdo dos perimetros de irrigagdo (Santos Filho, 1989; L. Ablas, 1988). O meio técnico-cientifico é 0 terreno de eleigéo para a mani- festagao do capitalismo maduro, e este também dispde de fora para crié-lo, Sao duas faces de uma mesma moeda. Por isso, esse meio técnico-cientifico se geografiza de forma diferencial, isto é, de forma continua em algumas dreas continuas j4 mencionadas, e de modo disperso no resto do Pafs. A tendéncia, porém, em todos os casos, é a conquista, relativamente répida, de mais éreas para o meio técnico-cientifico, ao contrario do meio téenico, que © precedeu como forma geogréfica e se difundia de forma relati- vamente lenta e certamente mais seletiva. Hi acentuada especializagao de tarefas no territério, segundo uma vasta tipologia das produgées, que é tanto mais sutil quanto necesséria porque essas produgdes ndo sao um dado puramente técnico: toda produgao é técnica mas também socioeconémica. Ha, por isso, uma subdivisdo e diferenciagdo extrema na especializa- go dessas produgées, que sdo cada vez mais capitalistas. E ver- dade que durante muito tempo se escreveu, no caso brasileiro, ser 0 campo hostil ao capital, obstaculo & sua difusdo. Hoje, porém, ‘© que vemos é o contrario, um campo que acolhe o capital novo e 0 difunde rapidameinte, com tudo o que isso acarreta, isto é, novas for- mas tecnolégicas, novas formas organizacionais, novas formas ocupa- cionais, rapidamente instaladas. E uma tendéncia que claramente se nota nas areas economicamente mais avangadas, mas que também se faz presente naqueles subespagos menos avancados. (Como os objetos criados pelas atividades hegemnicas sao do- tados de intencionalidade especifica, 0 que no era obrigatoria- L © MEIO TECNICO-CIENTIFICO 41. mente um fato nos periedos histéricos anteriores, 0 mimero de fluxos sobre o territério se multiplica. Juntemos a esse um outro dado: da totalidade dos objetos surgidos, alguns surgem com uma vocagiio simbélica, mas a maior parte tem uma vocagao mercantil,, de modo que tanto mais especulativa é a especializagao das fun- g6es produtivas, tanto mais alto o nivel do capitalismo e dos ¢: pitais envolvidos naquela rea, e h4, correlativamente, tendéncia a fluxos mais numerosos e qualitativamente diferentes.) ‘As especializagses do territério, do ponto de vista da produgao material, assim criadas, sfio a raiz das complementaridades re- gionais: hé uma nova geografia regional que se desenha, na base da nova divisao territorial do trabalho que se impde. Essas com- plementaridades fazem com que, em conseqiéneia, se criem ne- cessidades de circulagio, que vao tornar-se frenéticas, dentro do territério brasileiro, conforme avanga o capitalismo; uma espe- cializagao territorial que é tanto mais complexa quanto maior 0 ntimero de produtos ¢ a diversidade da sua produgao.” Estamos diante de novo patamar, quanto a divisdo territorial do trabalho. Esta se da de forma mais profunda e esse aprofun- damento leva a mais circulagao e mais movimento em fungao da complementaridade necesséria. Mais circulagao e mais movimen- to permitem de novo o aprofundamento da divisdo territorial do trabalho, 0 que, por sua vez, cria mais especializagao do territério. O cireulo, nesse caso virtuoso (ou seré vicioso?), se amplia. O fato de que o espago’seja chamado a ter cada vez mais um contexido em ciéneia e técnica traz consigo outras consequéncias, como uma nova composi¢ao organica do espago, pela ineorporagao mais ampla de capital constante ao territério ¢ a presenga maior desse capital constante na instrumentalizagao do espago, ao mes- mo tempo em que se dao novas exigéncias quanto ao capital va- ridvel indispensdvel (instruments de produgao’, sementes sele- 3.0 Pafs contava com 1.706 tratores em 1920, 3.380 em 1940, 8.372 em 1950, ‘um miltiplo de menos de cines no espago de trinta anos. Nos seguintes trinta anos, o multiplicador 6 68,88 pois hé 530.691 tratores em 1980. Eram 61.824 om 1960, 165.870 em 1970 e 823.118 em 1975. Entre 1950 e 1980, 0 uso de fertilizantes eresco de 18% ao ano, enquanto a expansio média da producdo agricola 6 de 4,5%. Essa utilizagio é diferente, se- undo os lugares. Se no Pafs como um todo 18% dos estabelecimentos usam adu- bos, ma regido de Ribeirdo Preio, érea paradigmatica da modernizagao agricola fe do meio téenico-cientificn, 867 dos estabelecimentos se incluem nessa prética (D. Elias, 1992), O consumo do agrotoxicos passa das 27,7 toneladas em 1970 para 125'100 em 1984. 42 0 MEIO TECNICO-CIENTIFICO cionadas, fertilizantes adequados, pesticidas ete.). Como conse- qiiéncia das novas condigées trazidas pelo uso da ciéncia e da técnica na transformagao do territério, hé maior expressao do assalariado em formas diversas (segundo as regiées) e necessi, dade maior de capital adiantado, o que vai explicar a enorme expansdo do sistema banedrio (L. C. Dias, 1990 ¢ 1991; R. Lobato Corréa, 1990 e 1991; H. K. Cordeiro, 1990; T. Benakouche 1988), de tal forma que poderfamos falar de uma preditizagao do terri- tério, dando uma nova qualidade ao espago e a rede urbana‘, Cabe, igualmente, lembrar que, nesta fase, amplia-se a drea da produgao, enquanto a arena da produgao se reduz. Isto 6, a produgiio, considerada em todas as suas instancias, se dé em areas maiores do territério, a0 passo que 0 processo produtivo 4 Entre 1949 © 1975, a participagao do sotor financeiro na formarao da renda nacional passa de 3,2% para 7%, para alcancar 14,5% em 1989 (P. Geiger, abril 1986, p. 4; A. Amaral, 1990). De uma rede com 265 agéncias em 1949 e 682 em 1969, 0 Banco do Brasil passa a ter 1.289 em 1983 e 1.679 em 1986. (‘uso do erédito agricola também se difunde, aumentando em niimero e volume das transagées, sobretudo a partir dos fins dos anos 60. Numero de Contratos e Valor dos Financiamentos 4 Agropecudria. Anos Selecionados Financiamento em valores Néeere ‘constantes. Pregos de castes 960 (mies Cr) 1988 1021 65.847 1948 9.482 429.229 1958 93.850 1.480.129 1968 540.283 2.157.894 1969 1.145,209 6.489.096 1970 1.190.592 7.720.053 1975 1.856.181 28.188.330 1980 2.766.060, 31.220.326 George Martine, sd. p. 6, Transf. Recentes... baseado em Luis Carlos Guedes Pinto, Notas tobre a politica agricola e crédito rural, versao preliminar, mimeo. Campinas 1980, p. 117 ¢ 120, e Banco Central do Brasil, Dados Estatisticos, 1980. Nenhuma area escapa a esse movimento. Na Amazénia, a fendmeno é assim deserito por Jean Hébette (1985, p. 78-79): “..) quanto ao crédito rural, ele tem aleangado uma alta penctracio nos wltimos anos entre os eamponeses, inclusive os das cultaras de subsisténcia; foi bem financiada até a mandioca. Bsse crédito porém contemplou mais os interesses capitalistas do que 0s dos camponeses, pois compor- tava infalivelmente a compra de insumos modernos: adubos, fungicidas, herbicidas (inclusive 0 pé-da-china), moto-serras, tratores e implementos. Era vinculado, sim, A-compra endo Ao us0, pois muitos desses produtos nem eram utilizado: © MBIO TECNICO-CIENTIFICO 43 direto completa-se em Areas cada vez menores. Produgdes como a do alho, dos marmelos, do mamao, da cebola, para apenas falar de algumas, que antes se davam em quantidades minimas em numero consideravel de lugares, hoje so majoritariamente feitas, com produtividade muitss vezes maior, em reas cada vez me- nores. Essa é uma tendéncia facilmente assinalavel no territério brasileiro. Ela 6 tornada factivel em boa parte pela possibilidade agora existente de transporte relativamente facil entre os diver- sos pontos do Pais e pela rapida difusdo das mensagens e ordens em todo o territério nacional Enquanto o Pais melhora sua fluidez e conhece uma expanséo do capitalismo, bom numero de bens que eram produzidos apenas como bens de consumo local, ou outros que tinham apenas valor de uso, transformam-se em valores de trova. A possibilidade con: creta de consumir tem como paralelo a criagao de um maior ni- mero de bens de troca, isto é, de mercadorias. Dessa forma, 0 intereambio aumenta, incluindo mais gente no movimento da eco- nomia monetéria e no trabalho assalariado, mesmo que nao seja permanente. Se até o fim da segunda guerra mundial, ainda é grande a importéncia das economias de auto-subsisténcia em al- gumas regides, esse fenémeno tende a desaparecer desde entao. A necessidade de intercomunicagao 6 assim exaltada com a com- plementagao reciproca entre regides levando & ampliagao quan- titativa e qualitative da urbanizagao. Num tempo mais recuado, a 4rea mais dinamica do Pafs con- centrava 0 essencial da produgao e do consumo e a circulagao dos bens e pessoas dava-se principalmente em seus limites ¢ em sua periferia imediata. O resto do territério era pouco fluido. Na fase imediatamente anterior A atual, temos, simultaneamente, enco: Thimento do espago mais diretamente afetado pela modernizagao e aumento do movimento, em todo o territério, j4 que tanto este quanto 0 mercado se haviam unificado em escala nacional. Na fase atual, 0 movimento de descentralizagdo se torna irresistivel, com os fenémenos de “fibrica dispersa” e de “fazenda dispersa’, que atinge muitas zonas e pontos longinquos do territério nacional, desse modo envolvidos pelo nexo da modernizagdo capitalista®. E 5 As dreas mais distantes so inclufdas nesses novos nexos da modernidade capitalista teenicista, © caso do Manaus 6.significativo das novas possibilidades do territério, Entre 1958 1976 o numero de indiistrias cresce 515,48% e 0 pessoal 44 0 MEIO TECNICO-CIENTIFICO desse modo que o Pais vai conhecer uma ocupagao periférica, A decisdo geopolitica de estimular a industrializagao em diversas regides e de ocupar 0 territério com projetos de colonizagao teve influéncia relevante nesse proceso, mas 0 préprio mercado jogou papel fundamental, viabilizado pelas novas infra-estruturas de transportes e de comunicagées, assim como pela superestrutura dos mecanismos reguladores, sob o comando do Estado e dos agen- tes hegeménicos da economia, através, sobretudo, dos interme- digrios financeiros. A creditizagao do territorio, a dispersao de uma produgao al- tamente produtiva, a expansio do capitalismo, a exacerbacéio do movimento nao seriam possiveis sem a informatizagao do espago brasileiro. O territério 6, hoje, possivel de ser usado, com 0 co- nhecimento simulténeo das agdes empreendidas nos diversos luga- res, por mais distantes que estejam. Isso permite, também, a im- plantagao de sistemas de cooperagio bem mais largos, amplos profundos, agora associados mais estreitamente a fatores econémi- cos de ordem nao apenas nacional, mas também internacional. /) De fato, os eventos sfio, hoje, dotados de uma simultaneidade que se distingue das simultaneidades precedentes pelo fato de ser movida por um tinico conjunto motor, a mais-valia em nivel mundial, que 6, em ultima andlise, responsével, direta ou indi reta, pela forma como os eventos se dao sobre os diversos terri térios. Essa unificagdo se dé em grande parte através do nexo financeiro e conduz a uma reformulagao do espago em escala mun- dial (Santos, 1993) No caso do Brasil, o ajustamento do espago As novas condigées do periodo tem dados particulares, que so, ao mesmo tempo, fatores de implantagaio e de aceleragao do processo, Um deles € o ja referido ‘modelo econdmico, do qual um subtitulo é o modelo exportador, agra- ccupado aumenta em 760,11%. Eram 176 indistrias instaladas até 1967, en- quanto foram criadas 519 a partir daquele ano. ‘No infcio dos anos 70, havia 1.070 proprietérios de terra com mais de 1,000 hectares dos quais 116 com mais de 10.000 ha, nas catorze municipalidades da fronteira oriental; eles so, respectivamente, 4.314 ¢ 240 em 1985 (J. Hébette, 1985, p. 80). Segundo Bertha Becker (sd, p. 25) “O formidavel fuxo de familias para Ron- donia (85.000 entre 1973-1983) criou um novo espago para reproduc4o da economia camponesa do Centro-Sul do Pats, implantando novas formas de exploragao ca- pitalista em Rondénia. Em quinze anos multiplicou-se 0 mimero de estabeleci- mentos por 18,5 ¢ a superficie por cles ocupada por 8,2, indicando o grande fra- cionamento da terrs O MEIO TECNICO-CIENTIFICO 45. vado em fungdo da divida, o que veio criar para o Pais, nas dreas mais ricas, certa continuidade no crescimento, com a presenga de culturas agricolas modernas. Como resultante, ha maior es- tabilidade no crescimente das aglomeragdes urbanas correspon- dentes. Durante, praticamente, trés séculos e meio, o territério brasi- leiro conheceu uma utilizagao fundada na exploracao dos seus recursos naturais pelo trabalho direto e concreto do homem, mais do que pela incorporagdo de capital A natureza que, durante esse tempo, teve um papel relevante na selegdo das produces e dos homens. Nos cem anos que vo da metade do século XIX a metade do século XX, algumas dreas conhecem a implantagéo de um meio téenico, meio mecanizado, que altera a definigdo do espago e mo- difica as condigdes do seu uso, Recentemente (no ultimo quartel de século, aproximadamente), uma grande rotura se impée. Ela é definida pela soma conside- ravel de capital fixo que é adicionado ao territdrio, na dissociagéo com o meio ambiente, na condugao da produséo cada vez mais pelo capital, enquanto o trabalho, tornado abstrato, passa a re- presentar um papel indireto. As diferengas notadas hoje no ter- Titério sAo, por isso, diferengas sobretudo sociais e nao mais na- turais. Os critérios para uma diviséo regional, se a queremos ten- tar, teriam de ser buscados na estrutura fundidria, nas formas de tenéncia da terra, na participagao de cada subespaco na divisiio do trabalho, nas relagées de trabalho, na densidade do capital e nos niveis de capitalizagac ou financializagao das atividades. Tudo isso fundado na maior ou menor densidade dos sistemas técnicos, que sdo a base material da atividade.| Ao longo dessa histéria, passamos de uma autonomia relativa e entre subespagos a uma interdependéncia crescente, de uma interdependéncia local entre sociedade regional e natureza a uma espécie de socializagao capitalista territorialmente ampliada, de cir- cuitos locais rompidos por alguns poucos produtos e pouquissimos produtores a existéncia predominante de circuitos mais amplos. O espago se torna mais articulado as relagdes funcionais, e mais de- sarticulado, quanto ao comando local das ages que nele se exercem. A regulagdo da economia e a regulacdo do territério vao agora impor-se com ainda mais forca, uma vez que um processo pro- dutivo espalhado e tecnicamente fragmentado tem necessidade de posterior reunificagao, para ser eficaz. O aprofundamento da 46 0 MEIO TECNICO-CIENTIFICO divistio do trabalho impoe formas novas e mais elaboradas de cooperagao e de controle. De fato, defrontamo-nos com diferen- ciagdes regionais e disparidades territoriais de outra natureza, As novas necessidades de complementaridade aparecem para- lelamente A necessidade de vigid-las, acompanhé-las e regul-las. Esta nova necessidade de regulagao, de controle estrito, mesmo que & distancia, dos processos da produgiio, mas também da dis- tribuigaio e de tudo mais que envolva o processo de trabalho, 6 uma diferenga entre a complementaridade atual e a do passado, ampliando a demanda de urbanizagao, As necessidades de informagao inerentes A presenga do meio técnico-cientifico e exigidas por sua operagdo, fazem com que, ao mesmo tempo em que se instala essa tecnoesfera, haja a tendéncia paralela a criagdo de uma psicoesfera (Santos, 1988) fortemente dominada pelo discurso dos objetos, das relagdes que os move e das motivagdes que os presidem. A tecnoesfera se adapta aos mandamentos da produgao e do intereambio e, desse modo, freqtien- temente traduz interesses distantes; desde, porém, que se instala, substituindo o meio natural ou o meio técnico que a precedeu, cons- titui um dado local, aderindo ao lugar como uma prétese. A psicoesfera também faz parte desse meio ambiente, desse entorno da vida, fornecendo regras objetivas da racionalidade ou do imaginario, palavras de ordem cuja construgao freqiiente- mente é longinqua, Ela é local pelas pessoas sobre as quais se exerce, mas constitui o produto de uma sociedade bem mais am- pla que aquele lugar e cuja inspiragao e cujas leis tém dimensoes ainda mais complexas. A relagao entre “a reorganizagao da estrutura produtiva do Pats, iniciada nos anos 60 sob o regime militar” e a criagdo de “uma base técnica e econémica dos processos modernos de comunicagao” é iden- tificada por Ana Clara . Ribeiro (1991, p. 46) quando inclui o sis- tema moderno de comunicagio “como parte do aparelho institucional criado para 0 desenvolvimento de estratégias de controle do terri- torio nacional e, em sua face econdmiea, como elo articulador e agi- lizador dos mereados. Essa relagdo biunivoca entre consumo e cul- tura, lembrada por Renato Ortiz. (1988), ganha nova qualidade a partir da afirmagao dessa psicoesfera®, Tal fenémeno tem sido, to- © 0 assunto foi sistematicamente tratado para o caso do Rio de Janeiro em A.C, Torres Ribeiro (1990). 0 MEIO Te NICO. TiFICO 47 davia, pouco relacionado com fatos geogréficos, como as migragoes ou a urbanizagao, apesar das reiteradas sugestées de J, Baudril lard e de H. Lefebvre, aatores, no entanto, muito citados na li- teratura socioespacial brasileira. Na realidade, essa combinagao eficaz de elementos da insténeia econémica e da instancia cultural esta entre as bases da formagio de uma psicoesfera, sem cujo fancionamento e sem cujas leis 0 uso da tecnoesfera seria muito menos eficaz. “Essa psicoesfera”, diz A. C. T. Ribeiro (1991, p. 48), consolida “a base social da técnica e a adequagao comporta- mental a interago moderna entre tecnologia e valores sociais” e 6 por isso mesmo que a psicoesfera “apdia, acompanha e, por ve- zes, antecede a expansac do meio téenico-cientifico”. Tecnoesfera e psicoesfera tornam-se redutiveis uma @ outra, Esse novo meio geogréfico, gragas ao seu conteido em técnica e ciéncia, é indutor ¢ condicionante de novos comportamentos hu- manos, e estes aceleram a necessidade da utilizagdo de recursos técnicos, que por sua vez constituem a base operacional de novos automatismos sociais. Tecnoesfera e psicoesfera sio os dois pilares com os quais 0 meio cientifico-téenico introduz a racionalidade no proprio con- tetido do territério. Desse modo, 0 espago nacional fiea dividido entre dreas onde os diversos aspectos da vida tendem a ser regi- dos pelos automatismos tenicos e sociais proprios A modernidade tecnicista e éreas onde esses nexos esto menos, ou quase nada, presentes. Seria uma oposigao entre espagos inteligentes, racio- nais, e espagos opacos, nao racionais ou incompletamente ra- cionais, comandando uma nova diviso regional do Pais e deter- minando novas hierarquias: entre regides com grande contetido em saber (nos objetos, nas instituigées e empresas, nas pessoas) e regides desprovidas dessa qualidade fundamental em nossa épo- ca; entre regides do mandar e regives do fazer. 5, A NOVA URBANIZACAO DIVERSIFICAGAO E COMPLEXIDADE Esse movimento de fundo, no territério e na sociedade, vai dar em conseqiiéncia uma nova urbanizagao brasileira. Um dos elementos fandamentais de sua explicagao 6 0 fato de que aumentou no Brasil, exponencialmente, a quantidade de trabalho intelectual’, Nao se dird, com isso, que a populagéo brasileira se haja tornando culta, mas ela se tornou mais letrada. O fato de que se haja tornado mais letrada esta em relagao direta com a realidade que vivemos neste periodo cientifico-técnico, onde a ciéncia e a técnica estao presentes em todas as atividades huma- nas. Nessas condigées, a quantidade de trabalho intelectual so- licitada 6 enorme, mesmo porque a produgéio material diminui em beneficio da produgio néo material. Tudo isso conduz & am- plificagéio da terciarizagac (ou quaternarizagao?) que, nas condi- goes brasileiras, quer dizer também urbanizagao. Por outro lado, e conforme ja vimos, amplia-se 0 consumo no Brasil. A gama de artigos de consumo aumenta enormemente. A expanséio do consumo da satide, da educagaio, do lazer, 6 paralela a do consumo das batedeiras elétricas, televisées, e de tantos ou- 1 Bsse fendmeno de diftsdo do trahalho intelectual na rede urbana, aleangando ‘nl apenas as grandes cidades mas também as cidades médias e os centros locas, parece ser geral, isto 6, em escala de todo o territério. Na Amazdnia, por exemplo, © fendmeno vem claramente descrito por Lia Osério Machado (julho, 1984) quando se refere a concentragio, nos nticleos urbanos, de “administradores, planejadores, isto 6, dos ‘intelectuais do sistema” Segundo J. Graziano da Silva (1989, p. 19), “(..) 0 erescimento das fungies téenicas e administrativas nas empresas rurais ¢ agroindustriais cria a demanda de empregos preenchidos tipicamente por profissionais de origem e vivencia ur- banas, Essas ‘atividades de escritério’ em contraposigao as atividades de campo propriamente ditas sao cada vez mais vitais ao desempenho econdmico-financeiro das empresas modernas ¢ tém que ser exercidas no contexto urbano pois af 6 que se encontram os comerciantes (de produtos e insumos), os bancos, os agentes governamentais ete.” 50 A NOVA URBANIZACAO — DIVERSIFICAGAO E COMPLEXIDADE, tros objetos, do consumo das viagens, das idéias, das informagées, do consumo das esperangas, tudo isso buscando uma resposta concentrada que leva A ampliagdo do fendmeno da urbanizacao, sobretudo porque ao lado do consumo consuntivo, que se esgota em si mesmo, criam-se no mundo agricola formas novas de con- sumo produtivo. Quer dizer, a um consumo consuntivo que se amplia, corresponde, também, uma ampliagéio de consumo pro- dutivo, através dessa incorporacao de ciéncia e informagao ao ter- ritério rural, A proporeao que o campo se moderniza, requerendo maquinas, implementos, componentes, insumos materiais e intelectuais in- dispensaveis A produgdo, ao crédito, A administragéo publica e privada, 0 mecanismo territorial da oferta e da demanda de bens e servigos tende a ser substancialmente diferente da fase prece- dente. Antes, 0 consumo gerado no campo, nas localidades pro- priamente rurais e, mesmo, nas cidades, era, sobretudo, um con- sumo consuntivo, tanto mais expressive quanto maiores os exce- dentes disponiveis, estas sendo fungao da importancia dos ren- dimentos e saldrios, e, pelo contrario, tanto menos expressivo quanto maior a taxa de-exploracdo, mais extensas as formas pré- capitalistas, mais significativo 0 coeficiente de auto-subsisténcia. Com a modernizagao agricola, 0 consumo produtivo tende a se expandir e a representar uma parcela importante das trocas entre os Ingares da produgao agricola e as localidades urbanas. O consumo consuntivo cria uma demanda heterogénea segundo os estratos de renda, mas comparavel segundo as mesmas pos- sibilidades de demanda. A arquitetura do sistema urbano tende a se reproduzir; o que varia é a distancia entre os nticleos do mesmo nivel, os quais dispdem de equipamentos mercanti paraveis, Essa distancia sera tanto maior —e a acessi aos bens e servigos tanto menor — quanto a demanda local for maior, a distancia entre os micleos provedores tende a ser menor, ea acessibilidade, portanto, igualmente maior. O consumo produtivo cria uma demanda heterogénea segundo os subespacos. Os equipamentos mercantis tendem a ser diferen- tes. O consumo produtivo rural nao se adapta As cidades, mas, ao contrério, as adapta. A arquitetura dos diversos subsistemas 6, desse modo, diversa, Ha, na realidade, superposigao dos efeitos do consumo consuntivo e do consumo produtivo, contribuindo para ampliar a escala da urbanizagao e para aumentar a importancia | ANOVA URBANIZACAO — DIVERSIFICAGAO E COMPLEXIDADE 51 dos centros urbanos, fortalecendo-os, tanto do ponto de vista de- mogréfico, quanto do ponto de vista econémico, enquanto a divisao do trabalho entre cidades se torna mais complexa. E assim que vamos ter no Brasil um niimero crescente de cidades com mais de 100.000 habitantes, 0 novo limiar da cidade média, Ha trés ‘ou quatro decénios, as cidades médias eram as que tinham cerca de 20.000 habitantes. Por outro lado o sistema urbano ¢ modificado pela presenga de indtistrias agricolas néo urbanas, freqiientemente firmas he- geménicas, dotadas néo s3 de capacidade extremamente grande de adaptagao & conjuntura, como da forga de transformagao da estrutura, porque tém o poder da mudanga tecnolégica e de trans- formagao institucional. Fortes por sua influéncia junto ao Estado, terminam por mudar as regras do jogo da economia e da sociedade & sua imagem, Dotadas de uma capacidade de inovagao que as ou- tras ndo tém, fazem com que o territério passe a ser submetido-a tensdes muito mais numerosas e profundas, pulsagdes que, vindas de grandes firmas, se impéem sobre o territério, levando a mudangas répidas e brutais dos sistemas territoriais em que se inserem. (As cidades locais mudam de contetido. Antes, eram as cidades dos notdveis, hoje se transformam em cidades econdmicas. A ci- dade dos notaveis, onde as personalidades notdveis eram o padre, o tabelido, a professora priméria, o juiz, o promotor, o telegrafista, cede lugar & cidade econémica, onde sio imprescindiveis o agré- nomo (que antes vivia nas capitais), 0 veterinario, o bancério, 0 piloto agricola, o especialista em adubos, 0 responsdvel pelos co- mércios especializados®) Esses lugares representam estoques de meios de consumo, es- toques de sementes e implementos, estoques de capital de giro (agora indispensaveis), estoques de mao-de-obra nos mais diver- sos niveis, centros de transportes e de comunicagoes, pélos de difusfio de mensagens e ordens. O lugar est, de um lado, ligado ao processo direto da produgao que envolve o trabalho imediatamente necessario, dai o grande niimero de béias-frias presentes em todas as estagdes do ano (por isso, também, a populagao rural tende a ser menor que a popu- 20 campo, a partir desse perfodo, passa a ser o local de residéncia da po: pulagio especializada: tratoristas, mecdnieos, quimicos, agronomos, fiseais e par- cela pouco significativa de trabalhadores rurais permanentes" (Rosa Ester Rossini, 1988, p. 121. 52 A NOVA URBANIZAGAO — DIVERSIFICAGAO E COMPLEXIDADE. lagao agricola) e o capital imediatamente necessério, daf a pre- senga de ramificagdes do sistema bancério, até mesmo em micleos menores. Por outro lado, seu papel politico, agora ampliado com as fungdes de controle da atividade econémica, nao é apenas di- retamente tributario (como antes) da produgao local e das tradi- ges locais, passando a ser inserido em uma trama de relagoes que ultrapassa o lugar. Mas 6 nesse lugar que boa parcela do poder politico 6 exercido. A cidade torna-se 0 locus da regulagao do que se faz no campo. FE ela que assegura a nova cooperacao imposta pela nova divisao do trabalho agricola, porque obrigada a se afeigoar As exigéncias do campo, respondendo As suas demandas cada vez mais pre- mentes e dando-lhe respostas cada vez mais imediatas. Como 0 campo se torna extremamente diferenciado pela multiplicidade de objetos geograficos que o formam, pelo fato de que esses objetos geogréficos tm um contetido informacional cada vez mais distinto (o que se impde, porque o trabalho no campo é cada vez mais carregado de ciéncia) tudo isso faz com que a cidade local deixe de ser a cidade no campo e se transforme na cidade do campo. A urbanizagiio também aumenta porque cresce a quantidade de agricultores residentes na cidade*, O Brasil é um pafs que praticamente nao conhecia o fenémeno de village. Pode-se dizer que as primeiras aldeias brasileiras s6 vao nascer, j4 modernas, neste mesmo perfodo, com a colonizagao na Amazénia e no Cen- tro-Oeste (L. O. Machado, 1984). Na verdade, nao nascem rurais, jd surgem urbanas. A essa divisdo social do trabalho ampliada, que leva a uma divisdo territorial do trabalho ampliada, soma-se 0 fato de que as diferenciagdes regionais do trabalho também se ampliam, As cidades locais se especializam tanto mais quanto na area respectiva ha possibilidades para a divistio do trabalho, tanto do ponto de vista da materialidade quanto do ponto de vista da di- namica interpessoal, Quanto mais intensa a divisio do trabalho numa rea, tanto mais cidades surgem e tanto mais diferentes sio umas das outras. 3...) mesmo voltados prioritariamente para 0 garimpo, esses nticleos jamais, deixaram de exercer a fungdo de concentrar mAc-de-obra mével, também dispo- nivel ao trabalho por empreitada nas grandes propriedades” (Maria Célia Nunes Cootho, Raymundo Garcia, 1986, p. 13). A NOVA URBANIZACAO — DIVERSIFICACAO E COMPLEXIDADE 53 Dentro do que freqiientemente consideramos como localidades do mesmo nivel, ha uma diferenciagao cada vez mais marcada, acompanhada de uma divisao interurbana do trabalho. E o que se verifica no Brasil em boa porgdo dos estados do Sudeste e do Sul, com a distribuigao de fungdes produtivas entre as cidades. Isso € possivel porque os transportes se difundiram e a criagao de grandes autopistas se soma, nas regides mais desenvolvidas, uma criagao téo grande ou maior de estradas vicinais; desse modo, a circulagao se torna facil ¢ o territério fluido. E essa fluidez do territério tem como conseqiiéncia uma acessibilidade (fisiea e fi- nanceira) maior dos individuos. Quando essa acessibilidade fi- nanceira é maior, os preros tendem relativamente a baixar e a parte disponivel do salirio tende relativamente a aumentar. Quanto maior a divisao territorial do trabalho, maior a propenséio a consumir e a produzir, maior a tendéncia ao movimento, € a mais criagdo de riqueza. “Nas zonas onde a divisdo do trabalho 6 menos densa, em vez de especializagdes urbanas, hd acumulagao de fangdes numa mes- ma cidade e, conseqiientemente, as localidades do mesmo nivel, incluindo as cidades médias, sao mais distantes umas das outras. Este é, por exemplo, 0 caso geral do Nordeste brasileiro. A rede urbana é cada vez mais diferenciada, cada vez. mais complexifi- cada; cada cidade seu campo respondem por relagdes especificas, proprias As condigdes novas de realizagao da vida econémica social, de tal maneira que toda simplificagao no tratamento dessa questo precisa ser superada) No sistema urbano, as categorias consideradas homélogas, os niveis tidos como paralelos séo cada vez mais diferenciados entre si, Ha, pois, diferenciagao extrema entre os tipos urbanos, Houve tempo em que se podia tratar a rede urbana como uma entidade onde as cidades se relacionavam segundo uma hierarquia de ta- manho e de fungées. Esse tempo passou. Hoje, cada cidade 6 di- ferente da outra, nao importa o seu tamanho, pois entre as me- trépoles também ha diferengas. Se, no periodo anterior, metrépoles como Salvador, Recife, Be- lém guardavam elementos de semelhanga, pois a produgio in- dustrial que Ihes cabia era orientada para um nimero reduzido de bens, ligados ao consumo mais banal dos habitantes, hoje, com um sistema moderno de transportes ¢ comunicagdes que facilitam © comércio e o controle por firmas situadas a milhares de quilé- 54 A NOVA URBANIZACAO — DIVERSIFICACAO E COMPLEXIDADE metros do lugar de produgdo, aquelas antigas metrépoles regio- nais se tornam metrépoles nacionais pela maior amplitude de suas relagdes econémicas. EF uma nova maneira de ser metrépole incompleta (Santos, 1971), que inclui 0 fato de serem extrema- mente diferenciadas entre si. Maria de Azevedo Brandado (1985) mostra o quanto a industria baiana é diferente da de Recife, e 0 mesmo pode ser dito de Porto Alegre e Belém. Isto € possivel porque se tornou vidvel o aproveitamento das virtualidades de cada area, uma vez que um sistema industrial mais complexo distribui territorialmente tarefas distintas, gragas as facilidades de transporte e comunicagées. Essa diferenciagao também se da entre Séo Paulo e Rio de Janeiro. A disputa que mantinham no comego do século j se mostra favorével A primeira dessas cidades desde os anos 30, ainda que, estatisticamente, isso s6 se va revelar no decénio se- guinte. Agora Sao Paulo passa a ser a drea polar do Brasil, nao mais propriamente pela importéncia de sua industria, mas pelo fato de ser capaz de produzir, coletar, classificar informagées, pré- prias e dos outros, distribui-las e administré-las de acordo com seus préprios interesses. Esse 6 um fenémeno novo na geografia e na urbanizagao do Brasil. Esta nova qualidade do papel de co- mando da metrépole paulistana provoca um distanciamento maior entre Sao Paulo e Rio de Janeiro, uma maior divisdo ter- ritorial do trabalho, nao s6 do Sudeste, mas de todo o Brasil. Sao Paulo destaca-se como metrépole onipresente no territério bra- sileiro. Este novo perfodo consagra também uma redistribuigao das classes médias no territério, e, de outro lado, uma redistribuigéo dos pobres, que as cidades maiores sio mais capazes de acolher. A mais rica de todas, Séo Paulo, 6 também a que tem maior poder de atractio. Basta dizer que, entre 1970 e 1980, a regiao metropolitan de Sao Paulo recebe, sozinha, 17,37% do total de migrantes do Pais, 0 dobro do que vai para o Rio de Janeiro. Apesar da grande campanha de propaganda empreendida pelo Estado, em favor da colonizagao da Amaz6nia, levando para essa regidio um contingente de dois milhdes de pessoas, essa migragio nao é compardvel & que se dirigiu para as regides metropolitanas. Apenas a regido metropolitana do Rio de Janeiro recebe, no mes- mo perfodo, volume igual de pessoas, enquanto a Grande Sao Paulo acolhe o dobro. A NOVA URBANIZAGAO — DIVERSIFICAGAO E COMPLEXIDADE 55 (Por outro lado, as cidades de porte médio passam a acolher maiores contingentes de classes médias‘, um ntimero crescente de letrados, indispensaveis a uma produao material, industrial e agricola, que se intelectualiza. Por isso assistimos, no Brasil, a um fendmeno paralelo de metropolizagao e de desmetropoliza- so, pois ao mesmo tempe crescem cidades grandes e cidades mé- dias, ostentando ambas as categorias ineremento demografico pa- recido, por causa em grande parte do jogo dialético entre a criagao de riqueza e de pobreza sobre o mesmo territério.\As cidades entre 20.000 ¢ 500,000 habitantes véem sua populagdo total passar de cerea de sete milhdes em 1950 para perto de 38.000.000 em 1980, enquanto as cidades com mais de um milhao de habitantes pas- sam de seis milhées e meio em 1950 para 29.000.000 de residentes em 1980. Por ultimo, dir-se-ia que, dentro das cidades, sobretudo das grandes cidades, vai dar-se aquilo que Armstrong e McGee (1968) haviam prematuramente visualizando nos anos 60. Esses dois gedgrafos propunham a nogao de “involugéo urbana” com base no que era chamado de ruralizagdo da cidade, isto 6, a invaséo de praxis rurais no meio urbano em virtude das numerosas e brutais correntes migratsrias provenientes do exmnpo) Hoje, po- rém, talvez se possa falar em uma involucéo metropolitana mas em outro sentido, uma vez que o grande ntimero de pobres ur- banos cria o caldo de cultura para que nas cidades, sobretudo nas grandes cidades, viesjem formas econdmicas menos moder- nas, dotadas de menor dinamismo e com menor peso na conta- bilidade estatistica do croscimento econémico (Santos, 1988). Sao Paulo hé muito tempo cresce relativamente menos do que © Pais e eresce também menos do que o Estado de Sao Paulo, néo propriamente em termos absolutos, mas em termos propor- 4 Bm um bairro de classe média de Ribeirao Preto (interior de Sao Paulo), formado por residéncias construidas mediante financiamento do Sistema Finan- ceiro da Habitagio, a classe média era expressiva, tendo 20,5% dos residentes uma renda superior a onze salirios minimos (eram 2,3% eom mais de dezesseis| SM), enquanto §5,7% se situavam na faixa entre seis ¢ dez saldrios minimos & apenas 23,8% tinham rendimentos inferiores e cinco salérios mfnimos. Nesse es. tudo do Conjunto Habitacional Jardim Castelo Branco I, Carlos Stechhahn (1990) mostra que em 100% das casas havia geladeira, fogao e tolevisao em cores, em 71,1% havia pelo menos um ventilador, em 65,5% um rédio e em metade delas (50%) um automével. Bens como maquina de lavar, telefone e aparelho de som estavam presentes em, respectivamente, 47,7%, 42,2 © 38,0% 56 A NOVA URBANIZACAO — DIVERSIFICACAO E COMPLEXIDADE cionais. ste, alias, néo é apenas fenémeno paulista. Nas regides de agricultura moderna, o crescimento econdmico é, por razées miltiplas, maior que nas respectivas metrépoles. Estas sao lu- gares onde se encontram enormes estoques de capital velho, uma vez que, no campo, a substituigio de uma composigao organica do capital por outra composigao organica do capital é, mais facil do que 0 é, na cidade, a substituigéio de uma composigao técnica por outra composigao técnica do espago. E muito mais caro arrasar um quarteirdo, fazer uma nova avenida, um tinel, um viaduto, do que substituir, com incentivos financeiros e fiscais, méquinas, sementes e produtos quimicos. Por outro lado, o fato de que os pobres venham para a cidade e abandonem o campo modernizado, leva a que no urbano se recriem condigdes para utilizagao do velho econémico. (0 consumo produtivo rural ndo se adapta as cidades, mas, ao contrario, as adapta} Estas so chamadas a dar respostas parti- culares as necessidades das produgdes particulares, e dai a maior diferenciagdo entre as cidades. Estas se diferenciam cada vez mais pelo fato de o nexo do consumo produtivo ser ligado a ne- cessidade de encontrar, no lugar e na hora, respostas indispen- sdveis A marcha da produgdo. Este fendmeno, antes restrito as cidades, que eram “depésitos” para os fatores da produgao indus- trial, agora também se dé no campo, com a diferenga de que, a partir desse momento, a regulacao do mundo rural nao se faz mais no campo. Hoje, nas areas mais desenvolvidas, todos os da- dos da regulagao agricola se fazem no urbano, novidade que em muito muda a significagao, neste perfodo, da urbanizagao brasi- leira. 6. A DIVERSIDADE REGIONAL A complexa organizagao territorial e urbana do Brasil guarda profundas diferengas entre suas regides. Em 1980, 6 a Regiao Sudeste a mais urbanizada, com um indice de 82,79%. A menos urbanizada é a Regiao Nordeste, com 50.44% de urbanos, quando a taxa de urbanizagao do Brasil era de 65,57%. Essas disparidades so antigas, embora diversas segundo os periodos, conforme mostra o quadro abaixo, TAXAS REGIONAIS DE URBANIZAGAO 1940 1960 1980 Norte 20,15 37,80 51,69 Nordeste 23,42 34,24 50,44 sul 27,78 87,58 62,41 Sudeste 39,42 57,36 82,79 Centro-Oeste 21,52. 35,02 67,75. M.A. A. de Souza, 1988. Em 1940, além de as taxas regionais nao serem altas, as di- ferengas entre regides so menos significativas do que nos anos seguintes. J4 em 1960, 0 Sudeste, mais modernizado, mostra avangos importantes no processo de urbanizagao. Em 1980, todos os indices conhecem incrementos, enquanto 0 Sudeste mantém preeminéncia'. 1 Em 1980, para um indice nacional de urbanizagao igual a 67,6%, duas Grandes Rogides, o Sudeste e 0 Centro-Oeste compareciam com taxas mais clevadas (83% (68% respectivamente) e as trés outras Grandes Regives apareciam com nfveis de urbanizagio mais baixos que o do Pais (Sul: 62%; Norte: 52%; Nordeste: 50%). E insuficiente, porém, levar, apenas, em conta esses mimeros relatives. Con- siderado isoladamente, o Sudeste tinha uma populagao urbana (43.550.604) maior que o resto do Pafs, Eram 53,1 da populagio urbana total. Esse fato de massa o 58 A DIVERSIDADE REGIONAL. Em 1940, quando a populagdo urbana representava 31,2% da populagao total brasileira, somente o Sudeste ultrapassava esse indice, com cerca de 39% de urbanos. Nesse ano, eram o Norte e 0 Sul que apareciam em segundo lugar, ambos com 28% de urbanos, enquanto o Nordeste e o Centro-Oeste se aproximavam, com uma taxa de urbanizagio de 23% e 22% respectivamente. Em 1950, 0 Sudeste se mantinha em sua posigao dianteira (48%) sendo, pois, mais urbanizado do que o Pais como um todo (36,2%).. Apenas 0 Sul (33%) ultrapassava o indice brasileiro deste ultimo ano. A Grande Regiao Norte vinha logo em seguida com 29% de urbanos, a frente do Nordeste (26%) e do Centro-Ocste (24%). Os decénios mais recentes marcam uma aceleragiio no cresci- mento das taxas de urbanizagao em todas as regides, mas sobre- tudo no Centro-Oeste, que em 1980 (com cerca de 68%) ultrapassa de muito o indice nacional de urbanizagao (55,9%), situagao que 6, também, a das Regides Sudeste (sempre na dianteira) e Sul. Tanto o Norte quanto o Nordeste tém uma urbanizagao menor que 0 Pafs como um todo. ‘A distancia entre os indices regionais de urbanizagdo, minima em 1940, vai acentuando-se a partir do pés-guerra, para se tornar bem marcada com a modernizagao do territério nacional (sobre- tudo apés 1970). O caso do Centro-Oeste merece uma observacaio particular. Essa era, em 1940, 1950 e 1960, a regido menos ur- banizada do Pats e a partir de 1970 ganha 0 segundo lugar nessa classificagao, precedida apenas pelo Sudeste. Quanto ao Sul, que nesses termos ainda era ligeiramente ultrapassado pelo Norte em 1960, conhece, a aceleragdo do seu crescimento urbano nos dois decénios seguintes. Considerando 0 volume de populagao urbana, o crescimento relativo entre 1960 e 1980 é maior no Centro-Oeste e no Norte que nas outras trés Grandes Regides, sendo que no Nordeste no Sudeste esse crescimento é menor que no Pais considerado em conjunto. Se levarmos em conta 0 horizonte temporal 1950- 1980, 0 mesmo fenémeno se repete, Na verdade, alids, os indices respectivos aparecem ainda mais expressivos, como demonstram os dois quadros seguintes: tem de ser levado em conta, pelas suas conseqiéncias econdmicas, sociais ¢ po- Iiticas, sobretudo se levarmos em conta que @ Grande Regido Sudeste se estende por uma drea relativamente reduzida, comparada com a superficie total do Pais. A DIVERSIDADE REGIONAL 59 CRESCIMENTO DA POPULAGAO URBANA BRASILEIRA SEGUNDO AS DIVERSAS GRANDES REGIOES 1950 1980 1980/1950. Brasil 18,782,981 82.018.875 43 Norte 580.867 8.102.659 534 Nordeste 4.744.808 17.959.640 3,78 Sudeste 10,720,734 43.50.64 4,06 Sul 2.812.085 12,158.71 5.25 Contro-Oeste 423.497 5.246.441 12,39 1960 1980 ———_—*1980/1960 Brasil 004.817 82.018.875 Norte 988.278 3.102.659 Nordeste 7.680.681 1.959.640 Sudeste 17.818.649 43,550.64 sul 4.469.103" 12,153.71 Centro-Oeste 1.053.106 5.246.441 4.98. (Bnquanto o territério nao é unifieado pelos transportes ¢ co- municagdes e pelo mercado, e a urbanizagdo ndo se torna um fenémeno generalizado sobre 0 espago nacional, a simples com- paracdo dos seus indices entre diferentes regides e cidades pode levar a equivocos de interpretaao. Por exemplo, em 1940, con- forme j4 vimos, a taxa de urbanizagao da Amazénia era sen: velmente parecida a do Sul. Mas os nexos que estdo por detras desses nimeros so bem diversos. | Na Amazénia, frata-se de uma reliquia dos periodos histéricos anteriores, também e sobretudo da fase maior de exploragio da borracha. Area onde o essencial da atividade era extrativa, as- sociada a uma cultura de subsisténcia, faltavam-the densidade econémica e densidade demografica para permitir o surgimento de sélidos organismos urbanos locais fora dos pontos de nucleagio mais importantes, representados pelas cidades onde estava se- diado um poder politico-administrativo associado a funges espe- culativas com certo relevo, Os empregos publicos e privados assim criados por essas atividades de relagio, garantiam a essas aglo- meragdes privilegiadas um fermento de vida, enquanto a inter- dependéncia local de fungées assim criadas assegura a tais cida- des a continuidade de saa importaneia relativa junto as respec- tivas dreas de influéncia, ainda que sua populagio ¢ seu movi- ‘mento econémico estagnem ou baixem, tanto em termos absolutos ne 60 A DIVERSIDADE REGIONAL como em relagiio a outras cidades e regides do Pais. Na Amazénia, trata-se de um modelo claramente macrocefélico, devido a uma divisao do trabalho incipiente e que apenas se reproduz, sem qua- se se alargar. O fendmeno é estudado em detalhe por Roberto Lobato Corréa (1987). ‘No Sul e no Sudeste, onde existe uma rede urbana mais de- senvolvida, a interagao entre as cidades acelera o proceso de divisio territorial do trabalho que thes deu origem e, por sua vez, vai permitir 0 avango dos indices de urbanizagao, renovando as- sim, num efreulo virtuoso, os impulsos para um novo patamar na divisio internacional do trabalho. Enquanto isso, os indices de urbanizagaio ficam estagnados ou evoluem lentamente no Nor- te, onde devemos esperar os anos sessenta para que a situagdo se desbloqueie, gragas ao desenvolvimento das comunicacdes e do consumo e A amplitude maior do intereambio com as demais regides do Pais, gragas @ industrializagao e A modernizagao da sociedade e do Estado. Mais recentemente, todas as areas do Pais experimentam um revigoramento do seu processo de urbanizagao, ainda que em ni- veis e formas diferentes, gragas as diversas modalidades do im- pacto da modernizagio sobre o territério. partir dos anos 60, ¢ sobretudo na década de 70, as mudangas nao so, apenas, quantitativas, mas, também, qualitativas. A ur- banizagao ganha novo contetido e nova dinamica, gragas aos pro- cessos de modernizagiio que o Pais conhece ¢ que explicam a nova situagdo. A situagio anterior de cada regido pesa sobre os processos re- centes. A diferenga entre as taxas de urbanizagao das varias re- gides esta intimamente ligada a forma como, nelas, a diviséo do trabalho sucessivamente se deu, ou, em outras palavras, pela ma- neira diferente como, a cada momento histérico, foram afetadas pela divisdo inter-regional do trabalho. Quando da intensificagao da urbanizagdo, algumas reas eram de antigo povoamento, servidas por infra-estruturas antigas, re- presentativas de necessidades do passado, e ndo respondendo, assim, as vocagdes do presente. O simples exame dos mimeros da urbanizagéo nas diversas regiées pode dar a impressfo de uma evolugdo contraditéria. Nao se trata disso, A partir do momento em que 0 territério brasileiro se torna efetivamente integrado e se constitui como mercado tini- ADIVERSIDADE REGIONAL 61. co, 0 que a primeira vista aparece como evolugao divergente 6, na verdade, um movimento convergente. Hé uma légica comum aos diversos subespagos. Essa logica ¢ dada pela divisao territorial do trabalho em escala nacional, que privilegia diferentemente cada fragao do territério a um dado momento de sua evolugao. E dessa maneira que, em cada perfodo, se entendem as particula- ridades e 0 movimento préprio de cada subespago e as formas de sua articulagao no todo. Esse enfoque se impde, pois a cada mo- mento histérico as herangas dos periodos passados também tém papel ativo na divisdo territorial do trabalho atual. O movimento, no territério, do geral e do particular, tem de ser entendido nao apenas haje, como ontem. E assim que se podem explicar nao apenas esse dado estatfstico que so as diferengas regionais dos indices de urbanizagao, mas também dados estruturais, como as diferengas regionais de forma e de contetido da urbanizagao. ‘Nas areas pouco povoadas do Norte e do Centro-Oeste, a mo- dernidade (referimo-nos, aqui, a modernidade posterior & segunda guerra mundial) se implanta quase sobre 0 vazio e desse modo quase no encontra o obstaculo das herangas. Essas areas ain- da se mantinham praticamente pré-mecanicas até trinta anos atras. O Centro-Oeste (e, mesmo, a Amazénia), apresenta-se como extremamente receptivo aos novos fenémenos da urbanizagao, j4 que era praticamente virgem, nao possuindo infra-estrutura de monta, nem outros investimentos fixos vindos do passado e que pudessem dificultar a implantagao de inovagGes. Péde, assim, re- ceber uma infra-estrutura nova, totalmente a servigo de uma eco- nomia moderna, ja que em seu territério eram praticamente au- sentes as mareas dos precedentes sistemas técnicos. Desse modo, af o novo vai dar-se com maior velocidade e rentabilidade. E é por isso que o Centro-Oeste conhece uma taxa extremamente alta de urbanizagao, podendo nele se instalar, de uma s6 vez, toda a materialidade contemporanea indispensavel a uma economia exi- gente de movimento. Na Amaz6nia legal, o indice de urbanizagao passa de 28,3% em 1950 a 52,4% em 1980 (L. O. Machado, 1983) e o nimero de micleos urbanos duplica nesse mesmo perfodo, subindo de 169 para 340 (M. Miranda, 1985, p. 9). A Regio Centro-Oeste e, particularmente, Mato Grosso do Sul e Goids distingue-se da Amaz6nia pelo fato da continuidade es- PO TE ST RI 62 A DIVERSIDADE REGIONAL. pacial da ocupagio, feita a partir de capitais mais intensivos, com a presenga de uma maior composigao organica e num subespago onde a fluidez é maior. E na Amazénia houve, desde 0 século passado, condigdes para a concentragao da populagdo em poucos nticleos, exatamente em fungdo da descontinuidade e da raridade do povoamento2 0 caso de Goids ¢ emblematico. Durante praticamente quatro séculos 6, do ponto de vista da produgao, um verdadeiro espaco natural, onde uma agricultura e uma pecuéria extensivas so praticadas, ao lado de uma atividade elementar de mineragao. Da construgao de Goifnia, inaugurada nos anos 30, ndo se co- nhecem sistematicamente os efeitos dinamicos. O novo urbano chega antes da modernizagao rural, da modernizagao dos trans- portes e do Pais, da modernizagéio do consumo e, de modo mais geral, da modernizagao do Pais, Com a redescoberta do cerrado, gracas a revolugao cientifico-técniea, eriam-se as condigdes locais para uma agricultura moderna, um consumo diversificado e, pa- ralelamente, uma nova etapa da urbanizagao, gragas, também, ao equipamento moderno do Pais e A construgao de Brasflia, que podem ser arrolados entre as condigdes gerais do fenémeno. Gra- gas as novas relagées espago/tempo, cidades médias relativamente espacadas (em contraste com areas de velha urbanizagéo como 0 Nordeste) se desenvolvem rapidamente, e, reforada, Goidnia pode pretender a condigao metropolitana, apesar de sua proximi- dade a Brasilia. Outra é a realidade do Nordeste, onde uma estrutura fndidria hostil desde cedo a maior distribuigao de renda, a maior consumo ea maior terciarizagao, ajudava a manter na pobreza milhdes de pessoas, e impedia uma urbanizacdo mais expressiva. Por isso, a introdugdo de inovagdes materiais e sociais iria encontrar gran- de resisténcia de um passado cristalizado na sociedade e no es- paco, atrasando 0 processo de desenvolvimento. Um antigo po- 2A presenga da pecudria em Mato Grosso nao estimulou 0 desenvolvimento de uma densa malha de eidades e nem de grandes cidades. Assim, ao procurar lembrar as cidades mato-grossenses, nos vem & membria praticamente apenas Campo Grande (294.000 habitantes), Cuiabé (213.000) e Corambé (81.000), que representaram 23,3% da populagao do estado em 1980. Comparando com o norte do Brasil, notamos que o extrativismo vegetal dominante (borracha, eastanha etc.) também nao gerou uma verdadeira rede urbana, mas duas cidades alean- garam outro nfvel populacional: Belém (934,000) e Manaus (635.000) que em 1980 Somaram 26,6% da populagio total da érea” (A. Mamigonian, 1986, p. 39, Geosul) A DIVERSIDADE REGIONAL 63 voamento, assentado sobre estruturas sociais arcaicas, atua como freio As mudangas sociais ¢ econémicas, acarreta retardo da evo- lugao técnica e material e desacelera o processo de urbanizagao. Esta € recentemente menos dinamica no Nordeste, se comparada a putras dreas do Pais. (J 0 Sudeste, mais “novo” que o Nordeste ¢ mais ‘velho” que © Centro-este, consegue, a partir do primeiro momento da me- canizagao do territério, uma adaptagao progressiva, eficiente aos interesses do capital dominante. Cada vez que ha uma moderni- dade, esta encampada pela regido. A cidade de Sao Paulo é um bom exemplo disso, pois constantemente abandona o passado, vol: ta-lhe permanentemente as costas e, em contraposigao, reconstréi seu presente a imagem do presente hegeménico, o que Ihe tem per- mitido, nos perfodos recentes, uma desempenho econémico superior, acompanhado por taxas de crescimento urbano muito elevadas. Hé, no Sudeste, significativa mecanizagao do espago, desdé a segunda metade do século passado, ao servigo da expansio eco- némica, o que desde entao contribui para uma divisao do trabalho mais acentuada e gera uma tendéncia a urbanizagao. As levas de migrantes europeus que aqui desembarcavam, mediante suas aspiragdes de consumo, jé traziam consigo um estimulante a uma maior divisdo do trabalho nessa area, cuja incorporagao econd- mica tardia, em relagdo as demandas dos paises industriais, acata por ser uma vantagem. O fato de que a mecanizagao do espaco se da sobre um quase “vazio”, eriando 0 novo técnico ao lado do novo econdmico, é um outro acelerador da divisao do trabalho. Isso vai ocorrer sobretudo no Estado de Sao Paulo onde, ao longo do século, ¢ ainda recentemente, foi possivel acolher as novas sucessivas modernizagées, Essa permanente renovagdo técnica serve como base material para permanente renovagao da econo- mia e do contexto social, ensejando uma divisdo do trabalho cada vez. mais ampliada e a aceleragio correlativa do processo de ur- banizagiio, cujos indices atuais no Sudeste sao compardveis, sendo superiores, a0 da maioria dos pafses da Europa Ocidental Quanto a Grande Regiao Sul, retine areas de povoamento mais antigo, incorporadas a civilizagdo mecanica desde fins do século passado e outras cuja incorporagao tardia A civilizagdo técnica Thes permitiu um desenvolvimento urbano mais répido. Compa- re-se, por exemplo, a marcha da urbanizagio em um estado como © Parand com o que se passou no Rio Grande do Sul. O exemplo, 64 A DIVERSIDADE REGIONAL alids, mostra-nos o perigo de nos atermos unicamente a grandes unidades territoriais. A proporgao que reduzimos a escala de nos- sas observagées, vemos aparecer formas de evolugao particulares. Por exemplo, no caso das reas “vazias” cuja incorporagéo a ma- terialidade moderna é mais recente, nao ha como confundir si- tuagdes como a do Mato Grosso do Sul com a que se verifica na Amazénia, Nesta, a colonizagao é mais descontinua, e mobiliza relativamente menos capitais e mais trabalho, enquanto no Mato Grosso do Sul a densidade maior da ocupagao ¢ acompanhada de maior densidade capitalistica e téenica. Isso ajudaria a explicar © maior desenvolvimento urbano em Mato Grosso do Sul (e tam- bém em Mato Grosso e Goids) onde, também, a presenga de uma classe média urbana 6 mais notavel. O que h4 de comum a esses subespagos é 0 aparecimento de um proceso vigoroso de urba- nizagao paralelamente as novas vagas de povoamento e nisso es- sas Areas se distinguem do resto do Pais, onde, em relagéo a povoamento, a urbanizagao (do territério e nao apenas pontual) se verifica com atraso. i BRASIL URBANO E BRASIL AGRICOLA E NAO APENAS BRASIL URBANO E BRASIL RURAL Que outras inferéneias retirar da expansao do meio tée- nico-cientifico © da conseqiiente divisao do Pais em espacos da racionalidade, espacos inteligentes e espagos incompletamente tecnicizados, espacos opacos? Gragas A evolugao contemporanea da economia e da sociedade e como resultado do recente movimento de urbanizagdo e de ex- pansao capitalista no campo, podemos admitir, de modo geral, que 0 territério brasileiro se encontra, hoje, grosseiramente re- partido em dois grandes subtipos que agora vamos denominar de espagos agricolas e espacos urbanos. Utilizando, com um novo sentido, a expressao regio, diremos que o espago total brasileiro 6 atualmente preenchido por regides agricolas e regides urbanas, Simplesmente, néo mais se trataria de “regides rurais” e de “ei dades”./Hoje, as regides agricolas (e nao rurais) contém cidades; as regides urbanas contém atividades rurais.)Na presente situa- go socioeconémica, as cidades preexistentes, nas areas de po- voamento mais ou menos antigo, devem adaptar-se as demandas do mundo rural e das atividades agricolas, no que refere tanto ao consumo das familias quanto ao consumo produtivo, isto é, 0 consumo exigido pelas atividades agricolas ou agroindustriais. Quanto as cidades, aquelas cujas dimensées sao maiores, utilizam parte dos terrenos vazios dentro da aglomeragao ou em suas pro- ximidades com atividades agricolas freqiientemente modernas e grandemente destinadas ao consumo da respectiva populagao. As regides metropolitanas, oficiais ou de fato, so o melhor exemplo desse fenémeno. Teriamos, desse modo, no primeiro caso, areas agricolas contendo cidades adaptadas as suas demandas e, no segundo caso, dreas rurais adaptadas a demandas urbanas. ‘Trata-se de um esquema geral. De um lado, toda cidade dispoe de um fermento local de vida, préprio a ela mesma, independente 66 BRASIL URBANO E BRASIL AGRICOLA de impulsdes externas, aquela autonomia urbana referida por Ma- ximilien Sorre e sem a qual ndo ha cidade. (A partir de certo nivel, a permanéncia da vida urbana nao mais dependeria da atividade que lhe deu origem.) Essa autonomia 6 garantida pelas atividades requeridas pela prépria populagao urbana e cada vez mais também pelos fenémenos de circulagio. A autonomia tende a ser tanto mais forte quanto a cidade é maior. De outro lado, a produgao agricola realizada no interior dos limites metropolitanos ou urbanos pode ser objeto de um consumo nao unicamente local. A gama de situagoes intermedidrias entre as duas situagdes-tipo aqui sugeridas é, assim, muito grande e a promogao de uma cidade dependente do espago agricola a situagao de verdadeira regiao urbana é possivel. 0 fenémeno, alias, é ver- dadeiro j4 em muitas areas e em muitas aglomeragées grandes, ‘Trata-se de uma tendéncia historicamente verificavel, fundada na evolugao atual da economia, da sociedade e do territério. Pode- se, desde j4, prever que essa tendéncia ganhara corpo e vai ge- neralizar-se nos préximos decénios. Dois problemas, reais e de método, parecem impor-se. O pri- meiro € a diferenga de situagdes entre, de um lado, as regides economicamente mais desenvolvidas do Pais (aquelas onde o meio téenico-cientifico se afirma mais fortemente) e, de outro, as re- gides deprimidas. Nestas uiltimas, as demandas do mundo rural so qualitativamente e quantitativamente menores, porque os ni- veis de renda so baixos e a modernizagao agricola é inexistente, pontual ou incompleta, e, desse modo, a cidade preside a uma vida de relagdes que é ainda proxima do tradicional, através da conhecida dicotomia rural-urbana. No caso das regides pioneiras, fatos novos se instalam sobre areas relativamente vazias. A im- plantagao das inovagées se dé com uma populagao relativamente menor do que em outras areas onde a modernidade vem super- por-se a um fendmeno anterior de densidade, O tamanho da po- pulagao 6, pois, um fator a nao desconsiderar, junto com o nivel de sua renda e de sua demanda. Mais uma vez, no entanto, as situagdes sao muito variadas, o que, todavia, néo impede de pro- por uma generalizagio O outro problema é 0 de saber a partir de que tamanho urbano pode-se falar em regido urbana. O caso das regides metropolitans € 0 exemplo limite. Sao dreas onde diversas “cidades” interagem com grande freqiiéncia e intensidade, a partir de uma interde- E NAO APENAS BRASIL URBANO E BRASIL RURAL 67 pendéncia funcional baseada na unidade das infra-estruturas ur- banas ¢ nas possibilidades que esse fato acarreta para um divisdo do trabalho interna bem mais acentuada que em outras dreas. E por isso que com razéio se admite que o Brasil tem muito mais regides metropolitans que as nove da classificagao oficial. Para ficar sé num exemplo, Brasilia merece, de ha muito, participar dessa classe. Mas as regijes metropolitanas apenas constituem 6 nivel superior dessas regides urbanas; qual seria o limite infe- rior? Podemos, grosseiramente, propor o limite dos 200.000 ha- bitantes, 0 que hoje daria ao Pais algumas dezenas de regides urbanas. A questao, porém, dificilmente poderd ter resposta me- ramente quantitativa e as diferengas de desenvolvimento regional terdo também influéncia na definigdo do fenémeno. Se aceitas as premissas com que estamos trabalhando, isso equivaleria a admitir uma alternativa para a corrente divisio (sobretudo estatfstica e administrativa) do Pafs em dreas urbanas e areas rurais, Haveria, entao, um Brasil Urbano e um Brasil Agricola, em que o critério de distingao seria devido muito mais ao tipo de relagdes realizadas sobre os respectivos subespagos. Nao mais se trataria de um Brasil das cidades oposto a um Brasil rural. No Brasil agricola, ha tendéneia a que a drea de exportagéo, isto 6, de produgao que procura um mercado distante, seria, so- bretudo, a drea rural, ¢ isso tanto mais quanto a agricultura re gional seja moderna. No Brasil urbano, a drea “de exportacéio” seria tanto a rural quanto a urbana, mas sobretudo a urbana. 5 evidente, porém, que tanto mais importante a regido urbana, tan- to mais forte nela serd a divisdo interna do trabalho, com os di- versos micleos que a compdem vendendo uns aos outros bens in- termediérios e finais. A regido urbana tem sua unidade devida sobretudo a inter-re- lagdo das atividades de fabricagao ou tercidrias encontradas em seu respectivo territério, As quais a atividade agricola existente preferentemente se relaciona. A regido agricola tem sua unidade devida a inter-relagdo entre mundo rural e mundo urbano, re- presentado este por cidades que abrigam atividades diretamente ligadas as atividades agricolas circundantes e que dependem, se- gundo graus diversos, dessas atividades. Isso, naturalmente, nao exclui uma hierarquia de respostas no sistema urbano regional. Alids, todas as cidades (e regides urbanas) do sistema urbano 68 BRASIL URBANO E BRASIL AGRICOLA nacional sao, de uma forma ou de outra, interessadas pela ativi- dade rural, as quais se ligam segundo diversos niveis de inter- relagdo e de controle. ias nas regides agricolas 6 0 campo que, sobretudo, comanda a vida econémica e social do sistema urbano (sobretudo nos niveis inferiores da escala) enquanto nas regides urbanas sao as ativi- dades secundarias e tercifrias que tém esse papel. Essa subdiviséo do Pafs em um Brasil Urbano’e um Brasil Agricola somente tem validade como generalizagao, nao prescin- dindo, desse modo, de andlise mais aprofundada, ainda por fazer, das especificidades dos diversos subespagos. 8. URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO A partir dos anos 70, 0 processo de urbanizagao aleanga novo patamar, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitative. Desde a revolugao urbana brasileira, consecutiva a revolugio demogréfica dos anos 50, tivemos, pri- meiro, uma urbanizagao aglomerada, com o aumento do nimero —e da populagao respectiva — dos micleos com mais de 20.000 habitantes e, em seguida, uma urbanizagdo concentrada, com a multiplicagao de cidades de tamanho intermédio, para aleangar- mos, depois, 0 estdgio da metropolizagéio, com 0 aumento consi- derdvel do nimero de cidades miliondrias e de grandes cidades médias (em torno do meio milhao de habitantes). Aglomeragées com mais de 20.000 habitantes E a partir dos anos 50 que se nota mais francamente uma tendéneia a aglomeracao da populagdo e da urbanizagao. Os nu- cleos com mais de 20.000 habitantes véem crescer sua participa- 40 no conjunto da populagao brasileira, passando de pouco menos de 15% do total em 1940 para quase 0 dobro (28,43%) em 1960 para constituir mais de metade (51%) da populagao em 1980. Es- ses mesmos micleos com mais de 20.000 habitantes reuniam qua- se metade (47,7%) da populagao urbana em 1940, mais de trés quintos (63,64%) em 1960 e mais de trés quartos (75,48%) em 1980. Mas as realidades regionais sao diferentes e o peso relativo dessas aglomeragdes na populagao total e na populagdo urbana de cada regidio so um raflexo da histéria passada e recente de cada uma delas. 70 _URBANIZAGAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO AGLOMERACOES (CIDADES E VILAS) COM MAIS DE 20,000 HABITANTES NA DATA DOS RECENSEAMENTOS GERAIS % sobre a populagao —‘% sobre a populagao _____Popitaséo total total do Brasil urbana do Brasil 1940 6.144.935 14,98) 47,71 1950 10.845.971 20,88 81,74 1960 19.922.252, 28,48 63,64 1970 87.398.842 40,15 71,80 1980 0.745.403 51,00 75,88 PARTE RELATIVA DOS AGLOMERADOS URBANOS (CIDADES E VILAS) COM MAIS DE 20.000 HABITANTES NA POPULAGAO TOTAL BRASILEIRA 1940 1960 1980 Brasil 14,98 28,43 51,00 Norte 15,77 22,11 36,90 Nordeste 8,58 16,45 3171 Sudeste 21,96 41,92 69,39 Sul 11,08 20,85 42,88 Centro-Oeste 185; 14,12, 45,57 PARTE RELATIVA DOS AGLOMERADOS COM MAIS DE 20.000 HABITANTES SOBRE A POPULAGAO URBANA TOTAL, 1940 1960 1980 Brasil 47,71 63,64 75,48 Norte 57,05 59,15 71,38 Nordeste 48,54 62,86 Sudeste 55,57 73,54 83,80 Sul 39,87 56,20 68,72 Centro-Oeste 851 41,25 67,27 (Cabe, todavia, levantar uma questdo: podemos classificar as éidades com mais de 20.000 habitantes como médias? Um dos problemas que se apresentam nas ciéncias humanas é 0 do uso € interpretagaio das séries estatisticas, pois 0 numero, em mo- mentos distintos, possui significado diferente. Nesse sentido, as séries estatisticas sfio miragens. O que chamavamos de cidade média em 1940/50, naturalmente nao 6 a cidade média dos anos 1970/80))No primeiro momento, uma cidade com mais de 20.000 habitantes poderia ser classificada como média, mas, hoje, para URBANIZACAG CONCENTRADA E METROPOLIZAGAO 71 ser cidade média uma aglomeragao deve ter populagao em torno dos 100.000 habitantes... Isto nao invalida o uso de quadros es- tatisticos, mas sugere cautela em sua interpretagao. ‘Tomando como base fixa de comparagao os 501 centros urbanos que tinham mais de 20.900 habitantes em 1980, Frangois E. J. de Bremaeker (1986, p. 280) assim nos descreve 0 crescimento da sua importéncia relativa: “Em 1950, estes 501 centros urbanos detinham 13,6 milhées de habitantes, que constitufam 72,6% da populagao urbana brasileira e 26,3% da populagao total. Em 1969, continham 23,5 milhées de habitantes, que representavam 73,5% da populagao urbana e 33,1% da populagao total. Em 1970, ja retinham 40,3 milhdes de habitantes que constitufam 76,2% da populagao urbana e 42,6% da populagao total. Finalmente, em 1980, estes 501 centros urbanos aleangavam a marca de 62,5 mi- Ihdes de habitantes, que correspondiam a 76,3% da populagao urbana e a 51,6% da populagao brasileira’.! A populacao vivendo em micleos com mais de 20.000 habitantes aumenta 4,58 vezes entre 1950 e 1980, pasando de 13.640.237 para 62.543,148 pessoas, crescendo, pois, em cerca de 49.000.000 de habitantes. Como, nesse perfodo, a populagao urbana total eresce um pouco mais de 63.000.000 de pessoas, segue-se que, de cada cem novos urbanos, 77 se encontravam em cidades e vilas com mais de 20.000 habitantes e apenas 23 em localidades me- nores, Enquanto a populagao destas uiltimas 6 multiplicada por 3,78 entre 1950 e 1980, a dos niicleos maiores de 20.000 habi- tantes 0 6 por 4,58. A populagao urbana das aglomeragdes com mais de 20,000 ha- bitantes cresce mais depressa que a populagao total e que a po- pulagao urbana do Pais, e 0 mesmo fendmeno também se verifica em escala regional. Considerando-se as cinco Grandes Regides em que 0 territério nacional esta dividido, o incremento maior nos decénios 60-70 e 70-80 se verifiea no Norte e no Centro-Oeste, respectivamente, Esta ultima, alias, conhecia, entre 1950 e 1960, crescimento espetacular da populagao residente nos niicleos maio- res de 20.000 habitantes, conforme nos indica 0 quadro a seguir. 1 Considerados os 501 centros urbanos que tinham mais de 20.000 habitantes ‘em 1980, essas aglomeragies nstitufam mais de trés quartos da populagao ur- bana total do Pafs e mais de metade da populagao total. Bram, portanto, 7,4% do total dos micleos populacionais brasileiros, j4 que estes, em 1980, eram em nidmero de 8.078 (3.991 cidades ¢ 4.084 vilas) 72 URBANIZAGAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO {NDICE DE INCREMENTO DA POPULACAO DAS AGLOMERAGOES URBANAS (CIDADES B VILAS) COM MAIS DE 20.000 HABITANTES 1980-70 1970-60 Brasil 1.87 Norte 1,93 Nordeste 1,89 Sudeste 1,82 sul 184 Centro-Ovste 246 181 ‘A difuséio do fendmeno foi relativamente maior que a média nacional no Centro-Oeste, no Sul e no Norte e menor que essa média no Nordeste? e no Leste. Tomando como base os dados do recenseamento de 1980, o resultado da comparagao entre os rit- mos regionais é diferente conforme tomemos como ponto de par- tida os anos de 1950, 1960 ou 1970. Mas, em todos os casos, é no Centro-Oeste onde se registra o maior incremento, enquanto o lugar seguinte varia conforme o perfodo considerado. Se levarmos em con- ta todos os trinta anos entre 1950 e 1980, é ao Sul que cabe o indice maior, ainda que seguido de muito perto pelo Norte. Mas se tomar- ‘mos em conta 1960-70 ou 1970-80, o Norte mostra um avango con- siderdvel sobre o Sul. Quanto ao Nordeste, seus indices de incre- mento séo ligeiramente menores que os do Sudeste, exceto entre 1970 e 1980, quando ¢ 0 contrério que se verifica. ‘Mas a comparagao do volume demogréfico correspondente as diversas Grandes Regides, durante o periodo 1950-1980, revela a grande concentragio dos respectivos efetivos no Sudeste, segui- do, de muito longe, pelo Nordeste e o Sul, ao passo que ao Cen- tro-Oeste e ao Norte apenas cabem fatias relativamente reduzi- das. Ainda que sua participagao seja decrescente, nos tiltimos quatro recenseamentos (1950, 1960, 1970 e 1980), cerea de 60% da populagdo residente nos centros maiores de 20.000 habitantes se encontram no Sudeste. Se é verdade que o Sudeste vé baixar sua participagao relativa, a ligao dos ntimeros absolutos é reveladora, A mudanga espeta- 2 Uma ilustragio do fenémeno de difusao territorial e da tendéncia a urbani- zacao eoncentrada, no periodo 1940-1980, 6 dada, para o Estado da Bahia, por Silva e Silva, 1987, Os centros com mais de 20,000 habitantes passa de um apenas em 1940 a oito em 1960 e 29 em 1980. Havia somente um com mais de 100.000 hhabitantes em 1940, a capital do estado, e sdo quatro em 1980. URBANIZAGAO CONCENTRADA E METROPOLIZAGAO 73 cular dos indices relativos ao Centro-Oeste significa, no periodo 1970-1980, um crescimento de cerca de 1.900.000 moradores em nticleos com mais de 20,000 habitantes. No Norte, esse incremen- to é da ordem de 1,000,000, Mas no Sudeste, ele é de mais de 12,000.00 de pessoas. Considerando o periodo 1950-1980, os ni- veis sio: cerea de 3.300.000 de 1.800.000 para o Centro-Oeste e 0 Norte, respectivamente, enquanto no Sudeste 0 incremento respectivo 6 de 28.000.00 Cidades com mais de 100.000 habitantes O numero das aglomeragées onde a populagao ultrapassa os 100.000 habitantes ndo para de crescer, conforme indicado na tabela seguinte. NUMERO DE LOCALIDADES, SEGUNDO TAMANHO, NO ANO DOS RECENSEAMENTOS DE 1940, 1950, 1960, 1970 E 1980 1940 1950 __*1960___—*1970___—*1980 Entre 100.000 e 200.000 hab un 15 28 60 95 Entre 200.000 & 500,000 hab. 5 9 u 19 33 Mais de 500.000 hab. 2 3 6 9 4 ‘Total oom mais de 100,000 hab. 18 45 88 442 Tomadas em conjunto, as aglomeragées com mais de 100.000 habitantes, raras em 1940 — quando eram apenas dezoito em todo o Pais — véem o seu mimero aumentado nos recenseamentos seguintes, aleangando 142 em 1980, Em 1991, 183 municipios contavam com mais de 100.000 habitantes. A partir dos anos 70, parece ser esse (100.000) 0 patamar necessdrio para a identifi- cagdo de cidades médias em boa parte do territério nacional. A expansio e a diversificagzo do consumo, a elevagao dos niveis de renda e a difusao dos transportes modernos, junto a uma divisdo do trabalho mais acentuada, fazem com que as fungdes de centro regional passem a exigir maiores niveis de concentragio demo- gréfica e de atividades. Somente nas dreas mais atrasadas é que tais fungdes sdio exercidas por nticleos menores. 74 URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO ‘As Iocalidades com mais de 100,000 e menos de 200.000 ha- bitantes viram 0 seu ntimero multiplicado por quase nove entre 1940 e 1980, passando de onze para 95. Aquelas com populagaio entre 200.000 e 500.000 habitantes triplicaram seu mimero entre 1960 e 1980: eram onze em 1960 e so 33 em 1980. As cidades com mais de meio milhao de habitantes eram somente duas em 1940 e somam catorze em 1980. Em 1940, sete dos onze nucleos entre 100.000 e 200.000 ha- bitantes estavam no Sudeste e no Sul, Em 1980, o Sudeste con- tava com 67 dos 95 micleos desse tamanho. Em 1940, dos cinco nticleos entre 200,000 e 500.000 moradores, trés estavam no Su- deste; em 1980, para um total de 33, o Sudeste e o Sul abrigavam dezoito. A parte que corresponde as duas regides mais desenvolvidas aumenta entre 1940 e 1950, quanto as aglomeragdes entre 100.000 e 200.000 habitantes, e diminui para os nticleos maiores. E, também, relevante assinalar que, em 1940, apenas nove esta- dos dispunham de cidades com populagao entre 100.000 e 200.000 moradores; em 1980, elas existem em 26 unidades da Federagao (onze em 1950; dezessete em 1960; 21 em 1970). Tomando-se as localidades com entre 200.000 e 500,000 habitantes, elas estavam presentes em apenas cinco estados em 1940 e se encontram em 1980 em dezenove estados (oito em 1950, nove em 1960, quinze em 1970). Quanto aos nticleos maiores de 500.000 habitantes, apenas dois em 1940, sao eles eatorze em 1980. Naquele ano, ambos estavam no Sudeste, mas dos presentes em 1980 0 Sudeste contava com cinco, o Sul com dois, os outros sete estando em outras regives. No total, esses nticleos representavam 7,7% da populagao brasi- leira em 1940, mas sao 31,5% desse total em 1980, Eles estavam presentes em apenas dois estados em 1940 e em 1980 estado treze (trés estados em 1950, seis em 1960 e nove em 1970). Cidades miliondrias As cidades milionarias, que eram duas em 1960 (Sao Paulo e Rio de Janeiro) sao cinco em 1970, dez em 1980 e doze em 1991. Esses mimeros ganham maior significagdo se nos lembrarmos de que em 1872 a soma da populagio das dez maiores cidades bra- sileiras nao chegava a 1.000.000 de habitantes, reunindo apenas URBANIZAGAO CONCENTRADA E METROPOLIZAGAO 75, 815.729... Esta é a nova realidade da macrourbanizagéo ou da metropolizagao. Mas se levarmos em consideragao as aglomera- ges ou quase-conurbagdes que beiram essa cifra, seu mimero seré consideravelmente aumentado. A palavra metropole 6, todavia, timidamente utilizada no Brasil, quando as novas realidades da mundializagao ampliam 0 processo de sua eriagao como “o locus por exceléncia das relagies sociais e econémicas” (W. Panizzi, 1990, p. 51-52). Nesse sentido, é legitima a preocupagao de Celso Lamparelli (1990, p. 56) quando lamenta que continuemos “in- sistindo em referéncias que jé ndo iluminam suficientemente a problemética das transformagées vividas ultimamente pelo es- paco”. O fenémeno de metropolizagao vai muito além da denominagao legal, Segundo esta, o Pais conta com nove Regides Metropolita- nas: Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Sao Paulo, Curitiba e Porto Alegre, criadas por lei para atender a critérios certamente vélidos, de um ponto de vista ofi- cial, & época de sua fundagiio. Hoje, na verdade, a elas se podem acrescentar outras “regides urbanas”, que mereceriam idéntica nomenclatura. A primeira delas é Brasflia, com suas cidades sa- télites, exaustivamente estudadas por Aldo Paviani (1988), entre ‘outras, O mesmo se pode dizer dos conjuntos urbanos comandados por Campinas e por Santos — a menos que se queira integrar estes dois tiltimos numa entidade territorial que Maria Adélia de Souza (1978, p. 25) ja denominava de macrometrépole paulista desde 0s anos 70. As cidades que, no norte do Parané, tém fungbes interdependentes, facilitadas pela proximidade e fluidez dos transportes, também aspiram & mesma classificagdo como me- trépole (M. C. Linardi, 1992). A verdade, alids, se considerarmos também as aglomeragées miliondrias, ou perto de sé-lo, pelo me- nos Manaus e Goiania jé se incluiriam nessa lista, Segundo J. R. Langenbuch (1971, p. 1), que escrevia isso ha mais de vinte anos, “...) a metropole constitui um tipo especial de cidade, que se distingue das menores nao apenas por sua dimenséio, mas por uma série de fatos, quer de natureza quantitativa, quer de na- tureza qualitativa”. ‘As atuais Regides Metropolitanas tém como pontos comuns dois elementos essenciais: a) so formadas por mais de um mu- niefpio, com 0 municipio micleo — que lhes dé o nome — repre- sentando uma drea bem maior que as demais; 6) sao objeto de 76 URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZAGAO programas especiais, levados adiante por organismos regionais especialmente criados, com a utilizagao de normas e de recursos em boa parte federais. Sdo, na verdade, regides de planejamento, onde, todavia, o que é feito nao atende a problematica geral da rea, limitando-se a aspectos setoriais. A socializagao capitalista favorecida pelo poder publico nessas areas metropolitanas é acom- panhada por uma expansdo periférica, que inclui a criagao de Direitos Industriais explicitos e implicitos, e pela concentra¢ao geografiea dos servigos de interesse coletivo, Appopulagaio das nove Regides Metropolitanas quase dobra seus porcentuais em relagdo A populagao total, entre 1940 e 1980. PARTE DAS REGIOES METROPOLITANAS NO TOTAL DA POPULAGAO BRASILEIRA 1940 98% 1950 — 17,95% 1960 — 21,72% 1970 — 25,58 1980 — 28,93 Do crescimento da populagao total do Brasil, parcela conside- ravel vai instalar-se nas Regides Metropolitanas, e essa parcela é crescente desde 1950, Populagdo que se instala nas % do aumento da populagéo nacional que se instala nas Regides Metropolitanas tee 1940-1950, 8.052.907 1950-1960 5.952.919 1960-1970 8.596.874 1970-1980 11,259.74 A parte desse ineremento que vai a Regido Metropolitana de Sao Paulo é dominante e crescente (respectivamente 10,31%, 11,42%, 14,64% e 17,73%). Somente para o periodo de 1970-1980, as periferias de Sdo Paulo e Rio de Janeiro absorvem 11,61% do ineremento demografico do Pais, enquanto os municipios-centro re- colhem 13,97%. Em outras palavras, as aglomeragdes de Sao Paulo e do Rio de Janeiro sao responsiveis pela absorgao de mais de um quarto do incremento total da populagao brasileira nesse decénio, URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZAGAO 77. Desde 0 decénio 1940-1950 que, em ntimeros absolutos, 0 in- cremento demogréfico da Regiao Metropolitana de Sao Paulo vem sendo maior que o correspondente Regio Metropolitana do Rio de Janeiro. O mesmo se verifica quanto aos respectivos munici- pios-micleo. Mas o ineremento de populagao dos municipios pe- riféricos de So Paulo somente ultrapassa, em ntimeros absolutos, 0 da Regido Metropolitana do Rio de Janeiro a partir do decénio 1960-1970. Comparando 0 total da populacdo migrante com a parcela che- gada nos tiltimos cinco anos, segundo os dados do Censo Demo- grafico de 1970, pode-se concluir que a forca atrativa da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro foi menor que a de Sao Paulo ou Belo Horizonte. POPULAQAO MIGRANTE ‘TEMPO DE RESIDENCIA NO ATUAL DOMICILIO ‘Menos de trés De trés a cinco ‘anos % anos % Rio de Janeiro 19,1 12.0 Sao Paulo 22,1 13,8 Belo Horizonte 23,5 163 Na Regidio Metropolitana do Rio de Janeiro, 53,2% das pessoas contadas como migrantes la estavam hé mais de onze anos. O incremento da populagao da aglomeracao paulistana entre 1970 e 1980 6 bem maior que 0 da populagao fluminense entre 1960 e 1980, Ja no decénio anterior (1960-1970), a Regiao Metropoli- tana de Sao Paulo crescia quase uma vez meia mais que a do Rio de Janeiro. Na realidade, o aumento da populagao paulistana em 1960-1970 iguala o da Regido Metropolitana do Rio de Janeiro entre 1950 e 1970. Ha mudanga de ritmo consideravel entre as duas maiores aglomeragées do Pais a partir de 1950, com ace- leragio dos ganhos demogréficos na Regido Metropolitana de Sao Paulo, Esta absorve quase 40% do incremento total das Regides Metropolitanas entre 1960 e 1970 e mais de 40% entre 1970 e 1980. Ha, pois, paralelamente amplificagao do fenémeno de urbani- zagio, tendéncia A metropolizagao, mas entre as metrépoles é a 78 URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO maior delas que cabe a parcela maior de novos habitantes, so- bretudo no ultimo decénio intercensitario.® Entre 1970 e 1980, a Regio Metropolitana de Sao Paulo aco- Theu 3.351.600 imigrantes e a do Rio de Janeiro 1.337.600. Essas duas dreas absorviam, sozinhas, im elevado porcentual do total de 7.881.400 imigrantes absorvido pelas nove Regides Metropo- litanas do Pais. Este movimento’é de tal monta que, apesar da grande campanha de propaganda empreendida pelo Estado em favor da colonizagao do Norte, que em dez anos movimentou um contingente de 2.000.000 de pessoas para essa regio, essa mi- gragio nao 6 compardvel A que se dirigiu para as Regides Me- tropolitanas. Como vemos, apenas a Regio Metropolitana do Rio de Janeiro recebe, no mesmo periodo, contingente igual de pes- soas, ao passo que a Grande Sao Paulo acolhe o dobro. Mas as migragées deslanchadas, num primeiro momento, apés a segunda guerra, véem seu movimento acelerado a partir do “milagre eco- némico” e tendem a buscar tanto as regides metropolitanas quan- to,as cidades intermedidrias. / Conforme haviamos lembrado em nossa Comunicagao & reu- nido da ANPUR-IPPUR sobre “Macro-Urbanizagao: Periodizagao e Recorte Espacial” (M. Santos, 1989), 0 fenémeno de macrour- banizagéio e metropolizagao ganhou, nas tiltimas duas décadas, importancia fundamental: concentrago da populagéo e da pobre- za, contemporanea da rarefagdo rural e da dispersdo geogréfica das classes médias; concentragao das atividades relacionais mo- dernas, contempordnea da dispersdo geografica da produgao fisi- ca; localizagao privilegiada da crise de ajustamento as mudangas na divisdo internacional de trabalho e as suas repercuss6es in- ternas, o que inclui a crise fiscal; “involugdo metropolitana”, com ‘a coexisténcia de atividades com diversos niveis de capital, tec- 3 “A urbanizagao do Brasil implicou numa elevada concentragio geogritica de atividades e popul: dados de 1980 mostram claramente que nio se trata apenas do erescimento das éreas metropolitanas dos grandes centros na- cionais © regionais. Entre 1970 ¢ 1980, 0 Brasil experimentou um crescimento anual da ordem de 2,5%, enquanto a rea metropolitana de Curitiba crescew 5,8% ao ano, a de Belo Horizonte 4,5%, a de Sto Paulo 4,4%; mas, no Estado de Sao Paulo, por exemplo, as taxas mais elevadas de crescimento populacional no decénio pertencem a agflomeragbes urbanas como Americana (7,4%), Campinas (6,6%), Sto José dos Campos-Jacaret (6,8%), Jundiat (5,2%), todas localizadas no chamado ‘entorno’ da regiao metropolitana de Sao Paulo” (Pedro Geiger, set. 1985, p. 2). URBANIZACAO CONCENTRADA E METROPOLIZACAO 79. nologia, organizagao e trabalho; maior centralizagao da irradiagao ideolégica, com a concentragao dos meios de difusdo das idéias, mensagens e ordens; construgao de uma materialidade adequada & realizagao de objetivos econémicos e socioculturais e com im- pacto causal sobre o conjunto dos demais vetore: fato metropolitano se apresenta como uma tofalidade menor dentro da totalidade maior, constituida pela formagao social na- cional: 56 as aglomeragdes urbanas com certo nivel de complexi- dade podem ser consideradas como totalidades, 0 que ndo cabe aos outros tipos de formagées regionais. As metrépoles podem, desse modo, ser analisadas segundo um critério sistémico, desde que a percepeaio das varidveis constitutivas seja alcangada, Um estudo substantive pode, desse modo, ser buscado, 0 que, alids, se impée, caso se deseje realmente conhecer o fendmeno e chegar a propor solugdes. O enfoque de planejamento nao pode ser au- ténomo, mas subordinado ao conhecimento intrinseco da realida- de global. A maioria dos estudos metropolitanos no Brasil é marcada por preocupagées adjetivas e visdes de detalhe. Isso se deve, em gran- de parte, a dois fatores interligados: 1) tais estudos comegaram, no Pais, com objetivos de um planejamento limitado e restritivo e estiveram mais preocupados em obter uma definigao formal qué mesmo material, isto é, de contetido, do fenémeno metropolitano;’ 2) esses estudos tiveram prosseguimento para dar resposta a questées tépicas (casa, transporte...) e foram pesadamente in fluenciados, nessa diregao, pelas agéncias financiadoras, naci nais e estrangeiras, sem que universidades e érgdos de pesquisa quisessem ou pudessem reverter esse rumo. O resultado foi 0 empobrecimento da pesquisa urbana sobre as metrépoles, tornada repetitiva e monocérdia, e, afinal, praticamente esvaziada. A pes- quisa vai para um lado, a realidade aponta para outro. Urge reverter esse quadro para que os estudos metropolitanos brasileiros retomem, em diversos niveis, a busca de interpretagoes globais, com base nas realidades do presente, 0 que supe 0 co- nhecimento do periodo histérico atual — o periodo técnico-cien- tifico — e suas repercussdes sobre a sociedade ¢ o territério. Essa linha de reflexdes aponta para dois outros aspectos do fenémeno — a desmetropolizagao e a dissolugao da metrépole nacional. 9. TENDENCIA A DESMETROPOLIZACAO? Os mesmos nimeros que revelam um proceso de me- tropolizagéo prestam-se a outra interpretacao desde que demos prioridade ao processo de macrourbanizasao, Levando em conta uma desagregagao maior da populacao urbana segundo o tama- tho dos aglomerados, pode levar-nos & conclusao de que, parale- lamente ao crescimento cumulative das maiores cidades do Pafs, estaria havendo um fenimeno de desmetropolizagao, definida como a repartigaio com outros grandes micleos de novos contin- gentes de populagao urbana»Nao se trataria, aqui, da reprodugao do fenémeno de desurbanizagao, encontrado em paises do Pri- meiro Mundo e que os eternos repetidores de teorias inadequadas fa esta parte do globo estio agora, desesperadamente, buscando encontrar também aqui’. Consideremos sete classes de niicleos: 20.000 a 50.000 habi- tantes; 50.000 a 100.000; 100,000 a 200.000; 200.000 a 500,000; 500.000 a 1.000.000; 1.000.000 a 2,000,000; mais de 2.000.000 de habitantes. Ao longo dos trés decénios entre 1950 e 1980, a parte que cabe, na populagao urbana total, a cada qual dessas classes urbanas, varia. Mas, se nos seis primeiros casos essa variagao grosso modo 6 positiva, somente se verifica diminuigao do res- pectivo porcentual entre as localidades com mais de 2.000.000 de habitantes, Essas aglomeragdes bimiliondrias representavam 32,07% da populagéo dos micleos maiores de 20.000 habitantes ‘om 1950 e 21,75% em 1980. Mas, se lovarmos em conta apenas 0 perfodo 1970-80, ha também redugao dos porcentuais relativos 1A propésito da desurbanizacio, um bom estudo teérico-empirico ¢ © de Giuseppe Dematteis (1986) a propésito da Italia. Quanto aos Estados Unidos ver, entre outros, o trabalho ée José Allende Landa (1983) sobre a migragao de atividades econdmicas para centros menores. Muitos outros trabalhos vem ‘sendo publicados em torno desse tema, na Europa Ocidental, no Japao e na América do Norte. 82. TENDENCIA A DESMETROPOLIZAGAO? as aglomeragdes entre 1.000.000 e 2.000.000 de habitantes (17,14% em 1970 e 16,56% em 1980). Quanto as demais nota-se constante incremento dos respectivos porcentuais, exceto apenas quanto as menores (entre 20,000 e 50.000 habitantes) cujos porcentuais tém evolugao irregular no periodo, ainda que aleance em 1980 indice ligeiramente elevado em relagdo ao de 1950. DISTRIBUICAO PORCENTUAL DA POPULAGAO URBANA, EM NUCLEOS COM MAIS DE 20,000 HABITANTES SEGUNDO TAMANHO POPULACIONAL. DAS AGLOMERAGOBS* Populagdo 1950, 1960-1970 1980 20a 50 13,22 13,34 12,84 13,46 50a 100 10,05 10,67 10,98 13,00 100a 200 © 10,79 11,75 11,60 12,13 2000 500 12,99 13,88 14,92 1591 500 a 1.000 587 6,12 7,08 719 1,000 a 2.000 14,28, 16,63 1714 16,56 mais de 2.000 32,07, 20,57 25,41 21,75, *Caleulos feitos com base em Frangois 289. . J. de Bremacker, 1986, tabela 5, p. Esses dados sao significativos, ainda que 0 crescimento de- mografico bruto das aglomeragées miliondrias e bimilionérias represente alto porcentual do crescimento total da populagdo urbana brasileira. As cidades miliondrias absorvem cerca de 35% do crescimento total da populagao brasileira entre 1960 1980. Por outro lado, enquanto o total da populagao urbana vivendo em aglomeragdes com mais de 20.000 habitantes € multiplicado, em média, por 4,58 entre 1950 e 1980, somente ha multiplicadores menores entre as aglomeragoes hoje biliondrias (3,11), havendo indices aproximados da média, mas ligeiramente superiores, nas, localidades entre 20.000 e 50.000 (4,66). Nas demais classes, 0 ineremento € consideravelmente superior, indo de 4,96 nas aglo- meragdes entre 1.000.000 e 2,000,000 de habitantes e 5,93 na- quelas entre 50.000 e 100.000 habitantes. ‘TENDENCIA A DESMETROPOLIZAGAO? 83. EVOLUGAO DA POPULACAO DOS NUCLEOS URBANOS MAIORES DE 20.000 HAEITANTES, 1950 B 1980* eee Populagao 1960 1980 1980:1950, 20a 50 1.803.988 8.419.886 4,66 50.a 100 1.870.919 8.136.606 98 10a 200 1.472.654 7.589.516 5,82 200 500 1.772.643, 9.956.747 561 500 a 1.000 760.726 4.494.219, .90 1,000 a 2.000 2.080.551 10.840.105, 4,96 2,000 e mais 4.374.746 19,606,525 3 ‘Total da populagdo 1.640.237 2.543.148, 4,58 ¥CAlculos feitos com base em Frangois B. J. de Bremacker, tabela 5, 1986, p. 289. Os mimeros revelam, todavia, mais uma vez, que, paralela- mente ao erescimento das grandes ¢ muito grandes aglomeragées, ha lugar, também, para o aumento do niimero das cidades inter- medidrias e das respectivas populagGes. Pode-se, aqui, desde logo, falar em desmetropolizaceo? O que, em todo caso, se esta verifi- cando 6 a expansao da metropolizagao e, paralelamente, a che- gada de novas aglomeragies & categoria de cidade grande e de cidade intermedidria, Um porcentual cada vez mais expressivo da populagdio que vive em niicleos com mais de 20.000 habitantes vai, agora, para as grandes cidades médias. Considerando-se apenas 0 incremento intercensal do conjunto das nove regides metropolitanas ¢ comparando-o ao da populacao urbana total, o indice resultante, que passara de 38,71% para 45,01% entre os decénios 1940-1950 e 1950-1960, conhece reducao significativa nos dois ultimos perfodos intercensitdrios (41,12% entre 1960 e 1970 ¢ 31,49% entre 1970 e 1980), o que indica diminuigdo da parte relativa das Regides Metropolitanas no cém- puto geral da populagao urbana brasileira, Essa tendéncia se afir- ma no Recenseamento de 1991, como veremos a seguir. ‘Sao Paulo e Rio de Janeiro guardavam mais de dois tergos do total do incremento correspondente as nove Regides Metropolita- nas entre 1940 e 1950, mas apenas 57,40% entre 1950 e 1960. Se aumentam os seus ganhos entre 1960 ¢ 1970, com quase 63% do incremento total, sua parte relativa decai para pouco menos de trés quintos entre 1970 e 1980. Se o denominador comum for 1a populagao urbana total do Brasil — e nao seu incremento in- tercensitdrio — a parte relativa a aglomeragao paulista ¢ & flu- 84 TENDENCIA A DESMETROPOLIZAGAO? minense baixa de 26,24% no decénio de 1940 para 18,69% no decénio de 1970 (25,84% no decénio 1950-60 ¢ 25,89% entre 1960 e 1970). Essa queda prossegue no ultimo periodo intercensitario. O ensaio estatistico oferecido por Zantman e outros (1987) per- mite, mediante outro caminho, chegar a conclusio semelhante. Esses autores separam os centros urbanos brasileiros em trés grupos: 1) as duas maiores regides metropolitanas; 2) as outras regides metropolitanas; 3) os demais nticleos urbanos. O indice de incremento demografico aleangado entre 1950 e 1980 pelas Regides Metropolitanas de Sao Paulo e Rio de Janeiro tomadas em conjunto (4,0%), 6 menor que o do Pais como um todo (4,28%), mas ambos sao largamente ultrapassados (4,96%) pelas demais areas metropolitanas. O indice nacional é aproxi mado pelo das dreas urbanas nao metropolitanas. Hi, pois, re- distribuigdio da populagao urbana. Se o volume da populagao con- tinua crescendo nas grandes metrépoles, esse incremento é maior nas outras dreas metropolitanas, enquanto outras aglomeragdes urbanas também mostram evolugao significativa. POPULAGAO URBANA DO BRASIL (em milhdes) 7960 7980 ss a By ps reas metropolitanas do Rio de Janeiro ¢ de Sto Paulo 34 216 40 26 129 496 Areas urbanas nio- metropolitanas 108 460 4.26 Total tgs Fonte: IBGE, tirado de Zantman, Cartier Bresson, Rosinger, 1987, p. 51 Othando mais de perto os porcentuais relativos a cada um dos trés grupos de aglomeragdes em cada momento censitério, isso nos permite chegar a conclusdes ainda mais eloqiientes, uma vez que as “outras regides metropolitanas” conhecem ganhos demo- gréficos constantes. O conjunto Séo Paulo-Rio de Janeiro, com uma evolugao irregular, vé baixar sua participagao relativa entre 1950 e 1960 e novamente entre 1970 e 1980, com incremento positivo entre 1960 e 1970. Separados os dados relativos a cada ‘TENDENCIA A DESMETROPOLIZACAO? 85 uma dessas duas aglomeragées, 0 que, porém, se constata ¢ que os ganhos demogréficos da-Regiéio Metropolitana de Sao Paulo crescem a um ritmo cada vez mais elevado, enquanto na area ‘metropolitana fluminense ha perda relativa desse ritmo. Se entre 1950 e 1960, os ganhos pepulacionais sao compardveis nas duas maiores Regises Metropolitanas, entre 1970 e 1980 Sao Paulo ganha 0 dobro do incremento obtido na Regitio Metropolitana do Rio de Janeiro, Quanto as dreas urbanas ndo-metropolitanas, a evo- lugdo irregular é complementar (e, por isso, oposta) & do conjunto Sao Paulo-Rio. Como as variagées nao sao brutais, conclui-se que ha um movimento paralelo de metropolizaeao ¢ de expansao urbana, PARTE DA POPULACAO URBANA PRESENTE NAS REGIOES METRO- POLITANAS B NAS AREAS NAO-METROPOLITANAS (em porcentagem) Regios metropeitanas do Outras Regides Areas urbonas Tio de Janeiro e ‘Metropolitanas ndometropotianas ide Sao Paulo 1950 287 138 575 1960 267 4.2 59,1 1970 28,5 148 566 1980 263 160 Zantman, Cartier Bresson, Rosinger, 1987, p. 51. ‘A evolugéo mais recente parece confirmar o fenémeno que es- tamos descrevendo. A parcela que cabe as nove Regides Metro- politanas no conjunto da populagao brasileira que havia aumen- tado entre 1970 e 1980, conhece uma redugéo, relativa, ainda que n&o muito relevante (de 28,99% para 28,88%) entre 1980 e 1991. Jé a populagdo de todos os municipios com mais de 500.000 habitantes vé sua parte aumentada de 25,73% para 26,19%. Enquanto as Regides Metropolitanas conhecem ganho de cerca de 7.500.000 habitantes, aquelas com populago su- perior a 100.000 habitgntes viram sua parte aumentar de 46,03% para 47,76%. ‘Os dados do recenseamento de 1991 permitem verificar que em seis da nove Regides Metropolitanas, ha evolugao positiva de sua parte relativa na populagao brasileira total, enquanto na Re- giéo Metropolitana do Rerife ha estagnagao, na de Sao Paulo pe- quena baixa e na do Rio de Janeiro diminuigao considerdvel. 86 TENDENCIA A DESMETROPOLIZAGAO? REGIOES METROPOLITANAS/POPULAGAO RESIDENTE, 1970. 19801991 1980/70 1991/80 Belém 655.001 999.165 1.884.460 4,30 Fortaleza 1.036.779 1.580.060 2.292.524 4,80 Recife 1.791.822 2.947.005 2.550.469 2,74 Salvador 1.147.821 1.766.582 2.472.181 4,41 Belo Horizonte 1.605.806 2.540.180 3.461905 4,70 Rio de Janciro 7.063.760 9.014.274 9.600528 2,47, Curitiba 821.283 1440626 1.975.624 5,78 Porto Alegre 1.581.255 2.291.802 3.015.960 3,84 Sao Paulo 8.139.730 12.588.725 15.202.533 4,46 ‘Total RM. 22.793.107 34.507.959 42.215.184 37,00 Brasil 93.139.037 119,002,706 146.154.502 2,48 1,89) ‘Sumério de Dados da Grande Sao Paulo, 1991, p. 36, Emplasa, 1992 EVOLUGAO DA POPULACAO RELATIVA DAS R. M. SOBRE ‘A POPULAGAO TOTAL, DO Pals 1970, 1980 1991 Belém 7 08 09 — Fortaleza 11 13 16 - Recife 19 20 2.0 - Salvador 12 18. ur Belo Horizonte 17 21 24 - Rio de Janeiro 76 78 66 - Curitiba 09 12 14 Porto Alegre 16 19 21 Sao Paulo 87 106 104 Os dados do ultimo recenseamento geral do Brasil parecem confirmar a tendéncia ao movimento que os anos 70 ja vinham registrando, com o aumento do ntimero de cidades médias, mas sobretudo de grandes cidades médias. Os municipios com popu- lagdo entre 200.000 e 500.000 habitantes passam de 33 a 85, aque- les com mais de 500,000 tém seu mimero aumentado de catorze para 25, enquanto as aglomeragdes milionarias sao doze em 1991 (eram dez em 1980). Havia, em 1980, apenas quatro cidades com mais de meio mi- Théo de habitantes fora das nove Regides Metropolitanas. Elas sio nove em 1991. Estas aglomeragoes (Brasilia e Manaus, agora com mais de 1.000.000 de habitantes, além de Goiania, Campinas, ‘TENDENCIA A DESMETROPOLIZACAO? 87 Sao Luis, Maceié, Natal, Teresina e Campo Grande) somavam 5.110.000 habitantes em 1980 e tém 7.428.000 em 1991, o que representa acréscimo de 44,23%, bem superior ao registrado pelas nove Regides Metropolitanas, que foi de 22,33%. 1980, 1981 - Ne Populagéo NS Populagao Regides Metropolitanas 9 84.507.959 9 42.215.184 Aglomeragies com mais de 500.000 hab. em 1991, fora RM. 4 5.150.210 9 7428. Esses resultados, indicativos de nova tendéncia, isto é, de aglo- meragao da urbanizagao em outro nivel, parecem confirmar a ten- déncia a que estamos aludindo, isto é, a uma desmetropolizagao que se verifica em paralelo com a permanéncia do fenémeno de metropolizagao. 1940 1950_—*:1960_—«1970~—«1980_——«199T 100.000 a 200.000, u 15 28 60 95 rr 200.000 a 500.000 5 9 u 19 33 85 mais de 500.000 2 3 6 9 “ 25 mais de 1.000.000 2 2 4 7 10 2 ‘Total com mais de 45 88. 142 207 10. A “DISSOLUCAO” DA METROPOLE Hlouve, ao longo ca histéria brasileira, quatro momentos do ponto de vista do papel da significagaio das metrépoles. Quan- do 0 Brasil urbano era um arquipélago, com auséncia de comu- nicagées faceis entre as metrépoles, estas apenas comandavam uma fragao do territério, sua chamada zona de influéncia. Num segundo momento, ha esforgos pela formagao de um mercado tini- co, mas a integragao territorial 6, praticamente, limitada ao Su- deste e ao Sul. Um terceiro momento é quando um mereado tinico nacional se constitui. E 0 quarto momento é quando conhece um ajustamento: primeiro expansio e, depois, a crise desse mer- cado, que é um mercado tinico, mas segmentado; tinico e diferen- ciado; um mercado hierarquizado e articulado pelas firmas he- geménicas, nacionais estrangeiras, que comandam o territério com apoio do Estado) Nao é demais lembrar que mercado e espago, ou, ainda melhor, mercadc ¢ territdrio, sto sindnimos. Um nao se entende sem 0 outro. O movimento de concentragao-dispersio, préprio da dinamica territorial em todos os tempos, ganha, todavia, expressdes parti- culares segundo os periodos histéricos. Pode-se dizer, no caso do Brasil, que, ao longo de sua historia territorial, as tendéncias concentradoras atingiam ntimero maior de varidveis, presentes somente em poucos pontos do espago. Recentemente, as tendén- cias a dispersio comegam a se impor e atingem parcela cada vez mais importante dos fatores, distribuidos em areas mais vastas € lugares mais numerosos. Com o fim da segunda guerra mundial, a integragao do espago brasileiro ¢ a modernizagao capitalista ense- jam, em primeiro lugar, uma difusio social e geografica do consumo em suas diversas modalidades e, posteriormente, a desconcentragdio da produgao moderna, tan‘o agricola quanto industrial. Em outro sentido, todavia, ha um movimento de concentragaio das formas de intercdmbio, no nivel nacional e estadual ou re- © 90 A “DISSOLUGAO” DA METROPOLE gional, tanto no ambito material quanto no intelectual. A comer- cializagéo tende a se concentrar, economicamente e geografica- mente, ainda que a pobreza persistente da populagao assegure a permanéncia de pequenos comércios e servigos, com estabeleci- mentos dispersos. As novas formas de um trabalho intelectual mais sofisticado, de que dependem a concepgao e o controle da produgdo, sao, também, concentrados, ainda que outras formas de trabalho intelectual, cada vez mais numerosas, ligadas ao pro- cesso direto da produgao mas também a sua circulagao, sejam objeto de dispersio geogréfica, atribuindo novas fungdes as cida- des de todos os tamanhos. ‘A nova divisao do trabalho territorial atinge, também, a pré- pria regiao concentrada, privilegiando a cidade de Sao Paulo, a respectiva Regio Metropolitana e seu entorno, onde a acumula- gio de atividades intelectuais ligadas & nova modernidade asse- gura a possibilidade de criagéo de numerosas atividades produ- tivas de ponta, ambos esses fatos garantindo-lhe preeminéncia em relagéo as demais areas e the atribuindo, por isso mesmo, novas condigdes de polarizagdo. Atividades modernas presentes em diversos pontos do Pais necessitam de se apoiar em Sao Paulo para um ntimero crescente de tarefas.(Sio Paulo fica presente em todo 0 territério brasileiro, gragas a esses novos nexos, gera- dores de fluxos de informagao indispensaveis ao trabalho produ- tivo. Se muitas varidveis modernas se difundem amplamente so- bre 0 territério, parte considerdvel de sua operagio depende de outras varidveis geograficamente concentradas.’Dispersao e con- contragao dao-se, uma vez mais, de modo dialético, de modo com- plementar e contraditério. 6 desse modo que Sao Paulo se impse ‘como metrépole onipresente e, por isso mesmo, e ao mesmo tempo, como metrépole irrecusdvel para todo o territério brasileiro. ‘Agora, a metrépole ests presente em toda parte, e no mesmo momento. A definigao do lugar é, cada vez mais no perfodo atual, a de um lugar fancional a sociedade como um todo. E, paralela- mente, através das metrépoles, todas as localizagées tornam-se hoje funcionalmente centrais. Os lugares seriam, mesmo, lugares funcionais da metrépole. ‘Antes, sem duivida, a metrépole estava presente em diversas partes do Pais. Digamos que 0 nticleo migrava, para o campo e para a periferia, mas o fazia com defasagens e perdas, com dis- perséo das mensagens e ordens. Se, ao longo do tempo, o espaco A“DISSOLUCAO" DA METROPOLE 91 se tornava mais e mais unificado e mais fluido, todavia faltavam as condigdes de instantaneidade e de simultaneidade que somente hoje se verificam. Mas, a0 contrario do que muitos foram levados e imaginar e a escrever, na sociedade informatizada atual nem o espago se dissolve, abrindo lugar apenas para o tempo, nem este se apaga. O que ha é uma verdadeira multiplicagdo do tempo, por causa de uma hierarquizagao do tempo social, gracas a uma seletividade ainda maior no uso das novas condigées de realizado da vida social. ‘A simultaneidade entre os lugares nao é mais apenas a do tempo fisico, tempo do relégio, mas do tempo social, dos momentos da vida social. Mas 0 tempo que esté em todos os lugares 6 0 tempo da metrépole, que transmite a todo o territério 0 tempo do Estado e o tempo das multinacionais e das grandes empresas. Em cada outro ponto, nodal ou nao, da rede urbana ou do espago, temos tempos subalternos e diferenciados, marcados por domi- nancias especificas. Com isso, nova hierarquia se impée entre lugares, hierarquia com nova qualidade, com base em diferencia- so muitas vezes maior do que ontem, entre os diversos pontos do territério. Nenhuma cidade, além da metrépole, “chega” a outra cidade com a mesma celeridade, Nenhuma dispde da mesma quantidade e qualidade de informagies que a metrépole. Informagées virtual- ‘mente de igual valor em toda a rede urbana nao esto igualmente disponiveis em termos de tempoi ‘Sua insergao no sistema mais global de informagoes de que depende seu proprio significado de- pende da metrépole, na maior parte das vezes. Esta af 0 novo princfpio da hierarquia, pela hierarquia das informagées... e um novo obstaculo a uma inter-relagao mais frutuosa entre aglome- ragdes do mesmo nivel, ¢, pois, uma nova realidade do sistema urbano. ) Os momentos que, no mesmo tempo do relégio, sao vividos por cada lugar, sofrem defasagens e se submetem a hierarquias (em relagdo ao emissor e controlador dos fluxos diversos). Porque ha defasagens, cada qual desses lugares é hierarquicamente subor- dinado. Porque as defasagens sao diferentes para 0s diversos va- ridveis ou fatores € que os lugares so diversos. As questées de centro-periferia, como precedentemente coloca- das, e a das regides polarizadas, ficam, assim, ultrapassadas. Hoje, 92 A “DISSOLUGAO" DA METROPOLE a metrépole esta presente em toda parte, no mesmo momento, instantaneamente.(Antes, a metrépole ndo apenas ndo chegava ao mesmo tempo a todos os lugares, como a descentralizagao era diacrénica: hoje a instantaneidade é socialmente sincrénica. Tra- ta-se, assim, de verdadeira “dissolugdo da metrépole”, condigao, lis, do funcionamento da sociedade econdmica e da sociedade politica. ‘Temos, agora, diante de nds, o fenémeno da “metrépole tran- sacional” de que fala Helena K. Cordeiro (1987, 1989). Esta é a grande cidade cuja forga essencial deriva do poder de controle, sobre a economia e 0 territério, de atividades hegem@nicas, nela sediadas, capazes de manipulagdo da informagao, da qual neces- sitam para 0 exercicio do proceso produtivo, em suas diversas etapas. Trata-se de fato novo, completamente diferente da me- trépole industrial. O dado organizacional é 0 espago de fluxos estruturadores do territério e nao mais, como na fase anterior, espago onde os fluxos de matéria desenhavam 0 esqueleto do sistema urbano.! No caso brasileiro, vale a pena insistir sobre essa diferenga pois em ambos os momentos a metrépole é a mesma: Sdo Paulo. ‘Nas condigdes de passagem de uma fase a outra, somente a me- trépole industrial tem condigdes para instalar novas condigées de comando, beneficiando-se dessas precondigdes para mudar qua- litativamente)A metrépole informacional assenta sobre a metr6- pole industrial, mas j4 ndo é a mesma metrépole. Prova de que sua forga ndo depende da industria 6 que aumenta seu poder organizador ao mesmo tempo em que se nota uma desconcentra- ¢a0 da atividade fabril. O fato 6 que estamos diante do fenémeno de uma metrdpole onipresente, capaz, ao mesmo tempo, pelos seus 1 Ainda que 0 peso da atividade industrial soja muito expressivo na aglome- rracio paulistana, so a compararmos com 0 resto do Pais, nfo é essa fungdo me- tropolitana que atualmente assegura a Sao Paulo papel diretor na dindmica es- pacial brasileira. Esse papel 6, por causa de suas atividades quaternérias de Criagdo e controle, praticamente sem compotidor no Pafs, pois agora $40 o8 fluxos de informagao que hierarquizam o sistema urbano. O papel de comando é devido a essas formas superiores de produgao nao-material, elas préprias sendo conse- quéncia da integracao creseente do Pafs a novas condigies da vida internacional 0 locus dessas atividades privilegiadas, tao diferentes da produgao industrial, tem, todavia, muito que ver com o fato de que essa mesma aglomeracao paulistana, era e continua sendo um centro importante de uma atividade fabril complexa. Foi a partir dessa base que a capital industrial se transformou em capital infor- macional acumulando em perfodos consecutivos papel metropolitano erescente. A“DISSOLUGAO” DA METROPOLE 93 vetores hegeménicos, de desorganizar e reorganizar, ao seu ta- lante e em seu proveito, as atividades periféricas e impondo novas questdes para o processo de desenvolvimento regional. Retomemos 0 exemple, de modo figurative. No passado, Séo Paulo sempre esteve presente no Pais todo: presente no Rio um dia depois, em Salvador trés dias depois, em Belém dez dias de- pois, em Manaus trinta dias depois... Sao Paulo hoje est presente em todos os pontos do territério informatizado brasileiro (S. Ger- tel, 1986 e 1988), ao mesmo tempo e imediatamente, o que traz como conseqiiéncia, entre outras coisas, uma espécie de segmen- tagdo do mercado enquanto territério e uma segmentagao vertical do territério enquanto mercado, uma vez que os diversos agentes sociais e econémicos nao utilizam o territério de forma igual. Isso representa um desafio as planificagdes regionais, uma vez que as grandes firmas que controlam a informagio e a redistribuem ao seu talante tém papel entrépico em relagao as demais areas, e somente elas podem realizar a negentropia. O espago 6 assim desorganizado e reorganizado a partir dos mesmos pélos dinami- cos. O fato de que a forga nova das grandes firmas, neste periodo cientifico-técnico, traga como conseqiiéncia uma segmentagao ver- tical do territério supse que se redescubram mecanismos capazes de levar a uma nova horizontalizagio das relagées, que esteja no apenas a servigo do econémico, mas também do social. 11 A ORGANIZACAO INTERNA DAS CIDADES: A CIDADE CAOTICA Com diferenga de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problematicas parecidas. O seu tamanho, tipo de atividade, regido em que se inserem etc. Sao elementos de diferenciagdo, mas em todas elas problemas como os do emprego, da habitagio, dos transportes, do lazer, da agua, dos esgotos, da educagao e sauide, so genéricos ¢ revelam enormes caréncias. Quanto maior a cidade, mais visiveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estéo em toda parte. Isso era menos verdade na primeira metade deste século, mas a urbanizagao corporativa, isto 6, empreendida sob o comando dos interesses das grandes firmas, constitui um receptéculo das conseqiiéneias de uma ex- pansio capitalista devorante dos recursos publicos, uma vez que estes sfio orientados para os investimentos econdmicos, em detri- mento dos gastos sociais,) Como definir a organizagio interna atual das cidades brasilei- ras? Quanto menor a aglomeragao, menor a diversidade de sua ecologia social; quanto mais populosa e mais vasta, mais diferen- ciadas a atividade e a estrutura de classes, e mais 0 quadro ur- bano compésito, deixando ver melhor suas diferenciagses. CAs cidades, e sobretudo as grandes, ocupam, de modo geral, vastas superficies, entremeadas de vazios. Nessas cidades es- praiadas, caracteristicas de uma urbanizagao corporativa, ha in- terdependéncia do que podemos chamar de eategorias espaciais, relevantes desta época: tamanho urbano, modelo rodovidrio, ca- réncia de infra-estruturas, especulagao fundiria e imobilidria, problemas de transporte, extroversao e periferizagdo da popula- sao, gerando, gragas as dimensées da pobreza e seu componente geografico, um modelo esperifico de centro-periferia, Cada qual dessas realidades sustenta ¢ alimenta as demais e 0 crescimento urbano, 6, também, o crescimento sistémico dessas caracteristi- 6 96 A ORGANIZAGAO INTERNA DAS CIDADES: A CIDADE CAOTICA cas. As cidades sao grandes porque ha especulagao e vice-versa; ha especulagao porque ha vazios e vice-versa; porque ha vazios as cidades sfio grandes. © modelo rodovidrio urbano é fator de crescimento disperso e do espraiamento da cidade. Havendo es- peculaeao, hé criagdo mercantil da escassez e o problema do aces- so a terra e a habitagdo se acentua. Mas o deficit de residéncias também leva a especulagaio e os dois juntos conduzem a perife- rizagéio da populagaio mais pobre e, de novo, ao aumento do ta- manho urbano. As caréncias em servigos alimentam a especula- gio, pela valorizagdo diferencial das diversas fragdes do territorio urbano. A organizagaio dos transportes obedece a essa légica torna ainda mais pobres os que devem viver longe dos centros, no apenas porque devem pagar caro seus deslocamentos como porque os servicos e bens so mais dispendiosos nas periferias. E isso fortalece os centros em detrimento das periferias, num verdadeiro circulo vicioso. A especulagéio imobilidria deriva, em ultima anélise, da con- jugagéio de dois movimentos convergentes: a superposi¢ao de um ‘sitio social ao sitio natural e a disputa entre atividades ou pessoas por dada localizacao{A especulagao se alimenta dessa dindmica, que inclui expectativas. Criam-se sitios sociais uma vez que 0 fancionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeigoando-os as suas exigéncias funcionais. E assim que certos pontos se tornam mais acessiveis, certas artérias mais atra- tivas e, também, uns e outras, mais valorizados. Por isso, so as atividades mais dinamicas que se instalam nessas areas privile- giadas; quanto aos lugares de residéncia, a ldgica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde Ihes parega mais conveniente, segundo os cAnones de cada época, 0 que também inclui a moda) E desse modo que as diversas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo. O plane- jamento urbano acrescenta um elemento de organizagao ao me- canismo de mercado. O marketing urbano (das construgdes e dos terrenos) gera expectativas que influem nos pregos. Assim, um primeiro momento do processo especulativo vem com a extensfo da cidade e a implantagao diferencial dos servicos coletivos.(O capitalismo monopolista agrava a diferenciagao quan- to a dotago de recursos, uma vez que parcelas cada vez maiores da receita publica se dirigem a cidade econdmica em detrimento da cidade social>A lei da escassez. se afirma, entao, com mais ‘A ORGANIZACAO INTERNA DAS CIDADES: A CIDADE CAOTICA 97 forca, e se ampliam as diferengas ja existentes entre lugares ur- banos, do ponto de vista das amenidades. O estabelecimento de um mercado da habitagdo “por atacado”, a partir da presenga do Banco Nacional da Habitagaa ¢ do sistema de crédito correspon- dente, gera novas expectativas, infundadas para a maioria da populagao, mas atuantes no nivel geral. Como isso se da parale- lamente & expansio das classes médias urbanas e a chegada de numerosos pobres cidade, essa dupla pressdo contribui para exacerbar 0 processo especulativo. A terra urbana, dividida em loteamentos ou néo, aparece como promessa de lucro no futuro, esperanea justifieada pela existéncia de demanda crescente. Como as terras apropriadas, mas nao utilizadas, sao cada vez mais nu- merosas, a possibilidade de doté-las dos servigos requeridos é sempre menor. Daf, e de novo, uma diferenciagéo no valor de troca entre as diversas glebas e assim por diante. E assim que a especulagiio se realimenta e, ao mesmo tempo, conduz a que as extensdes incorporadas ac perimetro urbano fiquem cada vez maiores. ‘A organizagao interna de nossas eidades, grandes, pequenas médias, revela um problema estrutural, cuja anélise sistémica permite verificar como todos os fatores mutuamente se causam, perpetuando a problematica. 12. A URBANIZACAO E A CIDADE CORPORATIVAS No Brasil moderno pés-64, conjugam-se, como a mao e a luva, as exigéncias de insergao em nova ordem econémica mun- dial que se desenha e as necessidades internas de um Estado autoritario. A integracao dos transportes e das comunicagées, ra- pidamente modernizados, necessdria 4 viséo pandptica do terri- tério, é, igualmente, condigao material para a difusdo, além das regides centrais mais desenvolvidas, de atividades industriais e agricolas altamente capitalistas,) Em 1970, 85% das quinhentas maiores empresas nacionais estavam no Sudeste, enquanto em 1985 so apenas 68%. O Nordeste passa de 5% a mais de 13% nesse periodo e o Norte de parcos 0,4% a 3% do conjunto dessas quinhentas empresas'. O mercado, assim unificado, se amplia, sob 0 comando de firmas cada vez mais poderosas, que eliminam as empresas concorrentes. Relacionando-se com as novas condi- goes de equipamento do territério, Sonia Vasconcellos (1991, p. 45) descreve esse fenémeno, e citando Karavaev (1987, p. 194-196) mostra como, entre 1974 e 1980, desapareceram treze dos 53 gru- pos empresariais com patriménio acima dos US$ 100,000,000. Em 1981, s6 quatro empresas nacionais estavam incluidas entre os 32 grupos privados com patriménio liquide acima de US$ 300,000,000. O processo de concentragéio da economia 6 vigoroso e rapido. Conforme relata Lawrence Pih (1989), “duzentos grupos empre- sariais privados controlam virtualmente a economia e apenas 1 ‘As quinhentes maiores empresas do Brasil 1970 1975 1980 1985 ‘Sudeste 85,20% 82,40% 71,00% 67.80% Sul 820% 820% 15,605 14,00% Nordeste 5.20% 680% 9,60% 13,40% Centro-Oeste 1,00% 1.60% 1,809 1,80% Norte 040% 1,00% 2,00 3,00% « 100 4 URBANIZAGAO E A CIDADE CORPORATIVAS 1,7% das empresas controla mais de metade de todo o mereado industrial brasileiro”. Esse mesmo autor, que é, alids, um em- presario (L. Pih, 1990) indica o grau de oligopolizagao® alcancado Paulo, 4/12780) Graus de concentragéo Transports aéreo ve eis 90% montadoras de vetculos 89% transporte ferrovisrio 39% ‘construgao naval 85% fumo 80% fabricagto de aviso 80% produtos de perfumaria 1% erracha eae pneus 88% produtos ndo-metslioos 88 transporte maritime e fluvial 60% tratores ¢ implementos 58 ‘cquipamentos de escrtério 580 Allista se estende a outros onze setores, cujp grat de concentrago supera o nivel de 40% (L. Pih, idem). a A cancentragao da economia ‘Nimero de grupos. % 29 feturemento (grou de concentracho) ‘moinhos 4 58 frigortfios 4 53 ceonservas, sucos, concentrados 4 % cerveja 2 86 cigarro © fumo 3 1 material de transporte 4 % produtos de higiene ¢ limpera 4 1 cimento ¢ cal 4 6 vargjista ‘4 8 Aistribuigto de 94s 4 66 Vidro o cristal 4 6 A URBANIZAGAO E A CIDADE CORPORATIVAS 101 ‘em diversos setores. Idéntica constatagao é a do Nuicleo de Es- tudos Estratégicos da Universidade de Campinas‘. Em cutras palavras, pequeno nimero de grupos com posigao dominante no mercado, exerce de fato papel de controle do ter- ritério, via produgao e consumo. Empresas internacionais estAo cada ver mais presentes nesse jogo. Em um discurso sobre “Pers- pectivas das Relagdes Teuto-Brasileiras” pronunciado no Bi em 5 de abril de 1979, numa reuniao da Camara de Comércio e Industria Brasil-Alemanha, o chaneeler Helmut Kohl assim se felicita da presenga econdmica do seu pais na atividade fabril brasileira: “A industria alema criou, apenas no Estado de So Paulo, direta ou indiretamente, cerca de 600.000 lugares de tr balho. Seu desempenho na formagao técnica ¢ na transferéncia de tecnologia € consideravel’ (0 Estado de S. Paulo, 6/4/1979). ‘As multinacionais, no final da década de 80, eram responsdveis por 22,6% do produto industrial, 17% do emprego no setor (em- pregando 1.300.000 trabalhadores, com uma folha anual de US$ Kime de pepe geen ‘enfees 2 6 motores ¢ implemestos agricolas ‘ « coquipamentor para -communicagoes 4 Es Lawrence Pih, “O desafio brasileir, Fatha de S. Paulo, 2/80, ‘ Bolo concentrado* ‘Niimero de ©mpres0* atin do meade tideres ‘onserves + 7 core 2 86 garro fomo 3 1 letrodomésticns 4 6 peus ¢ artefatos de borracha 4 ® prodatos de higiene ¢ limpeza 4 n cimento 0 cal 4 os dro e cristal 4 6 ry * Dados calculados sobre vendas Iiquidas da industria em 1988. Fonte: Nicleo de Estudos Estratégicos. Isto é Senhor 1083, 20690, p. 58 102 A URBANIZAGAO E A CIDADE CORPORATIVAS: 3,200,000,000) e se responsabilizam por 35% da receita fiscal (J. Beting, 1988), Para Florestan Fernandes (Capitalismo dependente..., 1973, p. 18), 0 perfodo atual revela um padrao de dominagao externa que se dé “em conjungao com a expansao das grandes empresas corporativas nos paises latino-americanos” empresas que “trou- xeram A regio um novo estilo de organizagao, de produgao e de marketing, com novos padrées de planejamento, propaganda de massa, concorréncia e controle interno das economias depen- dentes pelos interesses externos. Elas representam o capitalismo corporativo ou monopolista, e se apoderaram das posigdes de li- deranga — através de mecanismos financeiros, por associagéo com sécios locais, por corrupgdo, pressdo ou outros meios — ocupadas anteriormente pelas empresas nativas e por seus ‘policy-makers”. A unificagao, agora fortalecida, do territério e do mercado res- ponde pelo proceso de concentragao da economia, com a consti- tui¢do de empresas oligopolistas que ampliam, cada vez mais, seu raio de agao e seu poder de mercado, integrando ainda mais esse mercado e 0 préprio territ6rio.\ A produgao do espago necessdrio aos grandes capitais {Na fase do capital concorrencial, demandas sociais podiam ser mais facilmente atendidas pelos cofres municipais, e, em muitos casos, as burguesias locais também participavam, juntamente com o resto da sociedade urbana, do esforgo de equipamento so- cial. A demanda de capitais comuns pelas atividades econdmicas era relativamente menor. Bem diferente é 0 que se vai passar quando o capitalismo com- petitivo for cedendo lugar ao capitalismo monopolista, até este se impor. O capital monopolista supée, dentro e fora da cidade, a utilizagdo de recursos macigos. De um lado, é preciso dotar as cidades de infra-estruturas custosas, indispensdveis ao processo pro- dutivo e circulagdo interna dos agentes e dos produtos, De outro, para atingir 0 mercado nacional, é exigida uma rede de transportes que assegure a circulagdo externa. Esse processo ¢ concomitante ao de centralizagdo dos recursos puiblicos em maos do governo federal que 08 utiliza em fungdo de suas prdprias opgdes. A ideologia desenvolvimentista dos anos 50 e a posterior ideo- logia do crescimento e do Brasil poténcia justificavam e legitima- A URBANIZAGAO E A CIDADE CORPORATIVAS 103, vam a orientagao do gasto piblico em beneficio de grandes em- presas cujo desempenho permitiria ao Brasil aumentar suas expor- tagdes para poder se equipar mais depressa e melhor... As admi- nistragées locais viam reduzidos os seus recursos préprios e, ainda por cima, perdiam o poder de decisao sobre os recursos que Ihes eram alocados. O essencial dos meios com que contavam era (e ainda ©) destinado aos gastos com a economia, e a prépria indigéncia dos cofres municipais aconselhava a atragao de atividades capazes de pagar impostos e desse modo ampliar as receitas locais. Esse raciocinio também conduziu a dar prioridade aos inves- timentos em capital geral do interesse de umas poueas empresas, em lugar de canalizar os dinheiros obtidos para dar respostas aos reclamos sociais. O regime autoritdrio, mediante rigido con- trole das manifestagdes de uma opiniao publica j4 por si defor- mada, contribuiu, fortemente, para a manutengiio desse esquema. Marx, nos Grundrisse (5.° Caderno, p. 524) jé havia sugerido que 0 capital necessita da “criagio de condigées fisicas que faci- litem o coméreio — meios de comunicagao e de transporte — aniquilagao do espaco pelo tempo — torna-se para ele uma ne- cessidade”, O fato é que falar genericamente de capital nao ajuda muito em tarefas analiticas. B indispensdvel qualificar o capital ou, mesmo, classified-lo. As exigéncias de fluidez nao sao as mes- mas para todos os tipos de capital. A cada momento, o capital hegeménico necesita de maior fluidez que os outros, e entre ou- tras razées exatamente porque The cabe operar em Area maior. E, atualmente, o caso des corporagées, Conforme nos diz Ph. Ay- dalot (1976, p. 297, 1979), “a dinamica das grandes empresas implica um alargamento constante do espago submetido aos seus célculos: néo apenas cresce a mobilidade das atividades no espago, mas deve inscrever-se em uma area sempre mais vasta, sem 0 que, encontrando limites, as empresas nao poderiam lutar contra a tendéncia ao aumento de custo de reprodugao de sua forga de trabalho e a reprodugao do sistema estaria bloqueada”. Observa- gio parecida é feita por Rainer Randolph (1991, p. 105-106)* e uma valiosa pesquisa de Roberto Lobato Corréa (1991) & bem explicativa desse fato. 5 Rainer Randolph (1991) mostra como a presenga de firmas multinacionais altera a légica da organizagic do tervitério de forma significativa, ainda que os dados do processo (mas ndo a sua significagdo) possa escapar aos agentes econd- rmioos, que nas diversas dreas operam em uma escala menor.

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