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' ce ee | | es a ku FACA AQUILO DE QUE VOCE GOSTA — MESMO QUE NO COMECO PARECA QUE NAO VAI DAR CERTO “Muitas vezes, as pessoas nao sabem 0 que querem até que alguém hes mostre.” Steve Jobs, em enarevista d revista BusinessWeek, em 1998 Em 1972, Jobs — entio com apenas 17 anos — conheceu Steve Worniak, cinco anos mais velho, obsessivamente fascinado por radioamador ¢ por circuitos inteprados. Juntos, intuiram que havia espaco para um ‘computador pessoal completamente montado (e nao vendido [por pecas, come era praxe entre os fandticos por informatica daquele tempo pos-Beatles ¢ pré-internet). Jobs vendeu sua sn, Wounlak se desfez de uma calculadora | cientifica da HP. Juntaram 1300 dolares para fundar a Apple, minivan Volksw: em 1976, na garagem da casa dos pais (adotivos) de Jobs, na California. O resto € historia, ‘No ano seguinte, logo depois do langamento do Apple IL —o primeiro PC com cara de PC, associado a um mouse | e disco rigido intemo — os dois Steves divulgaram um documento para atrair financiamento privado que, lido hioje, tem a relevancia visiondria das grandes cartas fundadoras de nagdes. O Preliminary Confidential Offering Memorandum Ginha 47 paginas. Dizia 0 texto a antecipar uma revolucdo: “A principal caracteristica distintiva do verdadeiro mercado de computagao residencial ¢ a relativa falta de interesse técnico, fico do usuario, Além disso, devido 4 falta geral de conhecimento dos beneficios oferecidos pelo ‘computador, os clientes mais provaveis nio tem quase ‘nenhum desejo de comprar um equipamento hoje em dia Portanto, sera necessério educar © mercado com respeito aos Deneficios resultantes da posse. Espera-se que, de fato, em 1985, uma unidade doméstica que utilize um computador tera vantagens significativas em relagdo a uma que no uilize”. 1977 Com Steve Wozniak, a7 qpresentar 0 Apple Hl, 0 pai de todos os compuiadores pessoais —a génese de do 98 [12 DEOUTUERO 2011 | vel APRENDA COM OS ERROS — E JAMAIS PARE DE ERRAR “Se continuam correndo o risco de fracasso, eles ainda sao artistas. Dylan e Picasso sempre corriam 0 risco de fracasso.” Em reportagem na revista Fortune, 1998 Poucos meses antes do langamento do “Macintosh (cujo nome faz referéncia a um tipo de maga), em meados de 1983, Jobs interrompeu tum demonsiracgo da maquina para petsuntar. em vor alta: “Que barulho & esse”. Nao havia rufdo algum, a excecio da respiragao dos presentes e do quase inauavel bater de pés de uma discreta ventoinha, Jobs mandot tira, queria “silencio toral” em seu computador, relata | Jay Elliot, ex-vice-presidente da Apple, no tivro The Steve Jobs Wax. Os téenicos, iritados & desnorteados com a ordem insana, voltaram para (0s laboratatios. A decisao de Jobs ia contra todas as leis da fisica. O Macintosh chegou 2% lojas, em janeiro de 1984, com cinco meses de atraso. Nao emorou para que o apelidassem de “torradeira bege” em decorréncia do superaquecimento provocado pela auséncia de ventilador, apesar da presenga de uma fonte de alimentacto diferente das que existiam. Nas edigdes seguintes, Jobs voltou atrds e admitiu a instalagao da peva que reftescava ‘sistema, 20 mestno tempo banal e vital. Mas @ expressdo “torradcira bbege” entrou nos dicionérios como iOnimo de Macintosh Na fase de elaborago do Mac original, Jobs tambem cismou que a placa-mae era feia ¢ precisava ser esteticamente remodelada, com nova disttibuicdo de chips e circuitos. Redesenh-la, contudo, poria em risco fa passagem de cargas elétricas, Os engenheiros fizeram mudangas — ‘depois abandonadas, quando Jobs petcebeu que exagerava — a contragosto, dizendo que ninguém Jamais teria interesse em abrit 0 ‘computador para ver a placa-mae. Jobs retrucou: “Um grande carpinteiro ni vai usar madeira ordindsia para a parte de tras de um armério, ainda que ninguém a veje TRABALHE FACA AS PERGUNTAS CERTAS COM EQUIPES —— E PENSE DIFERENTE PEQUENAS DO QUE VOCE PENSA “€ dificil imaginar que “Vocé quer passar o resto da vida vendendo agua com uma empresa de 2 bilhdes agiticar ou quer ter a chance de mudar o mundo?” de délares e mais de Bn 1983. a comvidar John Scully, entao 4300 pessoas nao pudesse executivo-chefe da Pepsi, para trabathar na Apple connects Colm sels Pessoas {Quando ehamouJotin Selle, da Peps, ara dsgir a Apple, um pouco vestindo jeans.” | antes do langamento do Macintosh, Jobs fez a desconcertante pergunta — a enone os ine eR A parceria duraria apenas dois anos, quando Jobs seria afastado da empresa SEE Tem | Pelo proprio Sculley por divergir das titicas de vendas. A companhia criada Berna eh or Jobs depois de sair da Apple, a NeXT fracassou — mas ele nunea parou . Em 1985, depois de deixar a Apple, ea Sculley so restou aceitar 0 convite, com o efetio de um xeque-mate, | de por pontos de interrogacdo nos lugares correwos, Para Jobs, 0 motor da Para Jobs, 0 mundo sempre foi inovago era um s6, apostar no inexistente, no que as pessoas ainda ni0 dividido entre pessoas de dois tipos: confeciam. Nas diatribes com Bill Gates. o arqu-inimigo da Microsoft. a as que faziam “porearias absolulas”, quem acusara de plagiar no Windows a imerface erica do Macintosh (com Jmensa maiora, e as outras, muito Fazio), ele sempre explorava a dticuldade de Gates em pensar diferente | PPoucas,rarssimas, que poderiam “0 tinico problenta da Microsoft ¢ que eles nio tgm gosto. Nao no sentido trabalhar na Apple, Ele associou essa resttto, mas o sentido amplo, 0 que significa que eles nao estimulam ideias postura elitista, de pura meritocracia originaise nao inserem muita cultura em seu produto”, disse em 1996, 20 zelo por grupos de trabalho ‘Nao {enho nada contra o sucesso deles — em grande parte eles merecem es- reduzidos. O time do Macintosh tina Se sucesso, Mas lamento ofato de s fazerem produtos de terceira categoria” ‘apenas 100 pessoas, da ideia inicial Era provocagiio (evidentemente a Microsoft fez muita coisa de primeirissima a campanha de publicidad, Se era 0 ategoria}, mas ajudou a colar na Apple a marca da criatividade inigualavel ccaso de contratar alguém, dava-se um Pense diferente”, nao por acaso, ¢ 0 mais conhecido e bem-sucedido slogan jeito de demitir outro. friamemte. publicitario da empresa sediada em Cupertino, no Vale do Silicio. O grupo pioneiro, montado a partir de 1980, usava uma camiseta em que se tig: “E melhor ser um pirata do que se juntar 4 Marina”. E por que 100? “Porque € dilfeil saber o nome de | ‘mais de 100 pessoas”. dizia Jobs, 1984 O Macintosh sem verailador ‘interno, foi apelidado de “gorradelra bege’ CRIE UMA CULTURA CORPORATIVA — MESMO. NA ADMINISTRACAO DOMESTICA “A inovacao nao tem nada a ver com a quantidade de délares que vocé investe em pesquisa e desenvolvimento. Quando a Apple lancou o Mac, a IBM estava gastando no minimo cem vezes mais em P&D. Nao é uma questao de dinheiro. E a equipe que vocé tem, como vocé lidera e quanto vocé entende da coisa.” — £m entrevista para a Fortune, em 1998 A mania de Jobs pelos detalhes dos produtos e pela boa ‘gestao da Apple bebeu da fonte de um dos grandes persona- gens americanos da hist6ria da administracao de empresas, embora pouco citado: Alfred Sloan (1875-1966). executivo- ‘chefe da General Motors da década 20 aos anos 50, periodo, hho qual a montadora teve de se adaptar a0 consumo de mas- |_ sa. Sloan foi quem inventou os sucessivos langamentos de | modelos (como faz a Apple de Jobs). Sloan era exigente | como belo desenho a servigo de umia utilidade (idem para Apple). No cotidiano empresarial, Sloan se inspirou nos | métodos de gestdo do Exército ¢ da Igreja para montar equi- pes de suicesso — nada acontecia sem planejamento prévio. ‘sem claro conhecimento dos fomnecedores e distibuidores. ‘A Apple faz. assim —e soa injusto, em perspectiva, manter viva a imagem de Jobs como mau administrador. Nao, niio cra. Em seu primeiro perfodo na Apple, de 1976 2 198: predominou 0 génio vocacional que levou ao Macintosh. Depois, em seu retorno, a partir de 1997, brotou o adminis- trador detalhista e excepeional que antevin a nova industria ctiada pelo iPod e pelo iPhone. 1Na Pixar, comprada de George Lucas — que em 1995 lancou Zoy Story, 0 primeiro longa-metragem de ani- ‘macdo feito integralmente com computadores —, é Jobs levou a gestdo aos moldes de Sloan 20 pa- roxismo. Tudo ali funciona como uma linha de moniagem de exceléncia — a partir de Jobs, eenquanto sua satide permitiu, passando pelo executivo-chefe, Ed Catmull, por John Lasse- ter (ditetor de Toy Story), até o mais novato dos desenhistas. Para Brad Bird, diretor de Os Ineriveis, a ALFRED SLOAN —santssima trindade A Inspiracao como funciona impeca- cdminisradore —yelmente. Disse ele ‘rladorde novos certa vez: “Refiro- produos me a esses 165 co- 102 | 2DEOUTUBRO, 2011 | vee ‘empresa na qual Jobs fez juncionar todos os seus conhectmenios idiossincrasias como administrador no sendo o Pai, 0 Filho ¢ o Espirito Samo. Ed, que inventou ‘essa midia fantdstica © € 0 projetista dessa miquina humana ue é a Pixar 60 Pai. John, a forgacriadora que a move, ¢ 0 Filho. E voce sabe quem é o Espirito Sant SIMPLIFIQUE — E DIGA NAO AO SUPERFLUO “A medida que aumenta a complexidade da tecnologia, também cresce a demanda pela forca basica da Apple de tornar compreensivel para meros mortais recursos tecnolégicos muito complexos.” Em entrevista ao New York Times, em 2003 A forma deve seguir a funeto, defendiam os aarquitetos modernistas na primeira metade do séeulo XX. Com Sieve Jobs, essa ideia atingiu patamar quase inalcangdvel. Forma e funcdo, nos produtos da Apple, GUARDE SEGREDOS E OS ALIMENTE “A jornada é a recompensa.” Aos criadores do Macintosh, em 1982 Jobs dominava como ninguem a ante de criar expectativas — com a verteza de que ndo decepeionaria “E tem mais uma coisa..”, frase coma qual encerrava suas apresentacdes, antecipava 0 antincio de um novo produto e, 20 mesmo tempo, revelava tim segredo. Bra 0 épice de meses de trabalho escondido, dde que um bando de genios preparava algo que mudaria as regras do jogo. E assim era ‘Nenhum produto foi guardado com mais sigito que 0 iPho- ne, apresentado em janeiro de 2007, Jay Elliot, que foi vice- presidente da Apple, narra no livro The Steve Jobs Way como uma sueessto de reunides répidas, das quais participavam pou- cos engenbeiros, moldon a cara do primeiso iPhone, Jobs de dra que o apareiho deveria ter um nico botdo — na contramao dos modelos de celular de marcas concorrentes, Como ocorrera ‘uras vezes, diziamethe que seria imposetvelligar€ desliga, aumentar e baixar o volume, acessar a intemet ¢ outras fungbes com um tinico otto. Nao houve modo de demoxé-lo. A Apple secretamente — fez contato com empresas que ajudaram no desenvolvimento da tecnologia de nnitiptos toques. iPhone nasceu, como queria Jobs, com um soitério bod, porque todo o restante era comandado pelos dedios na tel, 30 oficial, ao som de Beatles e Dylan, Jobs fez 1 plateia ovacionar 0 objeto, quando ele despontou em suas nos, como se tivesse presenciado o mais espetacular ruque {do mégico Houdini. Ao iPhone estavam atreladas 200 patentes, todas elas contratadas na surdina de outras empresas. OUCA OS OUTROS — MAS NAO TENHA MEDO DE TOMAR DECISOES SOZINHO “Nao fazemos pesquisa de mercado. Nao contratamos consultores. ‘$6 queremos fazer produtos 6timos.” Na CNN, em 2008 ‘Certo de que antecipara ondas de comportamen- {0 como nunca ninguem fizera, Jobs sinha um man= tra guid-lo na eriacdo de produtos: impedia a reali- zagH0 dos chamados grupos de foco. técnica admi- nistrativa por meio da qual os consumidores sao ‘ouvidos detalhadamente antes dos lancamentos. “Como € que eu posso perguntar as pessoas como, um computador baseado em uma interface gréfica deveria ser quando elas nao tém a menor ideia do que seja um computador baseado em uma interface grafica?”, costumaya dizer. algo assim." Jobs tinha uma earta na mang ma de retorica sempre que Ihe indagavam a respeito ‘das consultas preliminares com possiveis comprado- res, Citava Henry Ford, logo depois de por 0 moxe- Jo T na linha de montagem: “Se eu perguntasse a meus clientes o que eles queriam, etiam respondido que era um cavalo mais rapido”. Se Jobs tivesse fei- 10 consultas antes de anunciar o iPad, teria ouvido que se tratava de um iPhone gigante, e desistiria. stio palavras identicas, O bege do Macintosh foi estudado delicadamente ao longo de trés anos porque a ideia era fugit do lugar-comum. As embalagens eram tratadas com 0 mesmo atfinco dedicado aos computadores. Para familiarizar os novos usudrios com 0 mouse do Macintosh, entao inédito, conta o eseritor e jornalista Leander Kahiney, Jobs fez questao de que ele fosse embrulhado em compartimento separado No desenvolvimento do iPod, Jobs ¢ 0 chefe de design da Apple, o inglés Jonathan Ive, decidiram que nde haveria botGes,, nem mesmo 0 de lipar e desligar. © resultado fot a roda de rolagem, na frente do aparelho original, que € sia marea mais, cconhecida, imitada & exaustdo, Jobs e Ive, fascinados por ‘process0s de fubricacdo e materia, alimentaram uma incessante busca por novidades industriais. As primeiras geracdes de iPod tinham uma pelicula fina e transparente colada por cima de seu corpo plistico. O revestimento dava ao iPod uma aparéneia de “maior peso e profurdidade sem, no entanto, acrescenta-lo iz Kahney. Para Ive, “agora podems fazer coisas com pl ‘que antes nos diziam set impossiveis” Vela | 12 DE OUTUBRO.2011 | 103 E SEMPRE MELHOR PEGAR UM CAMINHO ALTERNATIVO DO QUE CORRER ONDE TODOS JA ESTAO “Leonardo da Vinci era um grande artista eum grande cientista. Michelangelo conhecia a fundo o corte de pedras em pedreiras. Edwin Land, da Polaroid, um dia disse: ‘Quero que a Polaroid se | situe na interseceao da arte e da ciéncia’ — nunca me esqueci disso.” Na Time, em 1999 Jobs tinh um heréi: Edwin Land (1909-1991), cientista e inventor, o pai da clmera forogratica Polaroid. Chezou a ‘isité-1o algumas vezes.Irrtou-se quando soube que Land fora demitido da Polaroid depois de um tinico grande fracasso — 0 Polavision, um sistema de visualizagao instantinea de filmes que sugou 70 milhoes de dolares. John Sculley, ex-executivo da Apple, lembra que Jobs e Land tinham um pensamento comum sobre a invencdo. “Os dois diziam que alguns produtos revolucionarios sempre existiram, mas ninguém 0s havia visto, Para eles, tanto o Macintosh quanto a Polaroid estavam em algum ‘canto — apenas foram descobertos.” Descobertos, a rigor, ‘partir de raciocinios l6gicos que até entao ninguém via feito. Na criagao do iPad, conta Carmine Gallo no livro Inovacdo — A Arte de Steve Jobs, ele abriv uma reuniao etguntando aos presentes por que nao havia uma categoria intermedidria de aparelho entre um laptop eum smartphone. “E se desenvolvéssemos uma”. Assim nasceu o iPad, de uma provocagdo inteligente, UM POUCO DE AUTOSSU! FICIEN' CIA SUA PROPRIA MARCA “Eu valia mais de 1 milhao de dolares quando tinha 23 anos, mais de 10 milhées quando tinha 24, mais de 100 milhées quando tinha 25, e isso nao era importante, porque nunca fiz nada por i Em 1996, no documentério para a televisdo O Triunfo dos Nerds Em seu derradeiro ato, a apresentacao do iCloud. 0 sistema que armazena todos os arquivos dos aparelhos da Apple, anunciado em junho deste ano, Jobs brineou de ‘Deus ao dizer que “o centro de nossa vida digital estaré has nuvens”. AS huvens, no caso, sao imensos servidores emotos aos quals se tem acesso por meio da internet. E como se Jobs, depois de ter reinventado o mundo com ‘maquinas —o Mac, 0 iPod, 0 iPhone e o iPad —. tivesse ‘decid etemizar-se como o tei do contetido. Rico efi ‘moso 20s 20 ¢ poucos anos, com o nascimento da compu: {agtio pessoal, ele virou mito 20 por nas maos das pessoas {oda a informagao e diversao do mundo em aparelhos por- téteis: cujo conterido agora anda nas nuvens. Uma missio de tamanha envergadura exigiria um ego de proporga0 ‘gual —e também nesse aspecto Jobs foi campezo. A um jomalista que 0 indagou a respeito de seus habitos de con- sumo (tina pougufssimos mndveis em casa; vitou lenda a sala de estar com apenas uma luminéria e uma foro de Einstein na parede), Jobs respondeu: “Acabo no compran: do muitas coisas porque eu as acho ridiculas”. Ele vive 56 anos para tentar provar 0 contrdrio as pessoas. Provou. Pee No derradeiro ato, iCloud, o sistema ora) era.

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