Você está na página 1de 92
550 “ti T8R9 2419 Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Luckesi, Cipriano Carlos ‘Avaliago da aprendizagem escolar: estudos € proposigdes / Cipriano Carlos Luckesi.- 19. ed.~ Sd Paulo : Cortez, 2008. ISBN 978-85-249-0550-6 | Aprendizagem 2, Avaliagdo educacional I. Titulo. 95.0357 Indices para catélogo sistomatica: |. Aprendizagem escolar : Avaliagdo : Educa¢ao. 370.783, 2. Avaliagdo educacional : Bducago 370.783 Cipriano C, Luckesi AVALIACAO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR 19% edigdo SES AVALIACAO DA APRENDIZAGEM ESCOLAR: estndos ¢ proposigBes Cipriano Carls Luckesi ‘Capa: Castes Clémen Preparagéo de originals: Dircon Seali J. ‘Revisdo: Maria de Lourdes de Almeida, Elana Matis Composit: Dany Editors Lids (Coardenaco editrial: Danilo A. Q. Morales "Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicaa sem sutrizagio cexpressa do aur edo edie (© 1994 by Cipriano Carlos Luckesi Direitos para esta eisho ‘CORTEZ EDITORA ‘Rus Monte Alege, 1074 ~ Perdizes (05014-001 - Sto Pauio- SP Tel: (1) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: comez@contezedtora.combr sworncconteraitora.com br Impress no Brasil ~seembro de 2008 Introdugéo m— v— vi — vii — xX — SUMARIO ‘Avaliagdo da Aprendizagem Escolar: apontamentos sobre a pedagogia do exame .. 17 Avaliagio Educacional Escolar: para além do autoritarismo 2.2.2. ee Pritica Escolar: do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude 2... 2-5 +- Avaliagdo do Aluno: a favor ou contra a democratizagéo do ensino?..........-- 60 Verificagdo ou Avaliago: 0 que pratica a escola? Le : Planejamento e Avaliagdo na Escola: articulagdo e necesséria determinacdo ideolégica 102 Por uma pritica docente critica ¢ construtiva 120 Planejamento, Execugdo ¢ Avaliago no Ensino: a busca de um desejo i Avaliagio da Aprendiaagem Escolar: tum ato amoroso.. 6 eee ee = 168 85 152 Introdugao A avaliagao da aprendizagem escolar vem sendo objeto de constantes pesquisas e estudos, com variados enfoques de tratamento, tais como tecnologia, sociotogia, filosofia € politica. Neste livro, reiino um conjunto de artigos publicados ao longo de anos de trabalho com avaliagio da aprendizagem escolar. Neles se fazem presentes estudos criticos sobre a prética da avaliagdo da aprendizagem na escola, bem como proposigdes ¢ encaminhamentos. © ano de 1968 marcou o inicio de meus contatos com © tema da avaliagdo da aprendizagem escolar. Nessa época, em Sao Paulo, ainda académico de Licenciatura em Filosofia, participei de um curso de Medidas Educacionais, regido pelo professor: Godeardo Baquero, autor do livro Testes psi- cométricos e projetivos.' Entéo entrei em contato com os quase impossiveis desejos positivistas de objetividade nas medidas ‘educacionais, € aprendi também a trabathar com elaboracao & qualificagao de testes de aproveitamento escolar. Dessa data 1. Godeardo Baquero € autor do livre Testes projetivos psicométricos, ‘850 Paulo, Loyola, 1968, em diante, 0 tema da avalia assediou-me incessantemente. da aprendizagem escolar ‘Meu ingresso na érea, como profissional, deu-se em 1972. Nesse mesmo ano, em Salvador, na Bahia, participei de um ‘curso para telepromotores, promovido pelo Instituto de Radio- difusdo Educativa da Bahia (IRDEB), no qual tive a oportunidade de participar das aulas de Luiz Iglesias Valero? sobre avaliago da aprendizagem. Tomei contato, na ocasido, com as taxionomias de objetivos educacionais de Benjamin Bloom, entre outros, aprofundando meus conhecimentos e priticas sobre as relagdes entre medidas educacionais e prética educativa. Confesso que, num primeiro momento, me empolguei com a proposta. Ela parecia responder, em grande parte, aos problemas da preciso nna atividade de avaliar a aprendizagem dos alunos. Em decor- réncia da qualidade de minha participagao nesse evento, fui admitido como profissional do IRDEB e, nessa institui¢0, dediquei-me por quatro anos a trabalhar com produgio, revisio, ‘quantificagio, qualificago e andlise de testes de aproveitamento escolar, experimentando também a produgo ¢ utilizaglio de diferentes instramentos de avaliagio. Aprendi o uso técnico dos instrumentos, porém debatia-me com questées teéricas. Nesse perfodo, tive oportunidade de abordar o tema em diversos cursos ¢ seminérios. Trabalhei junto & Associagao Brasileira de Tecnologia Educacional (ABT), com sede no Rio de Janeiro, em virios cursos oferecidos para diversas partes do pais; também para a Secretaria de Educagio do Estado da Bahia em semindrios e treinamentos para os seus especialistas @ para muitas escolas, situadas na cidade de Salvador e em suas circunvizinhangas, Interesses pessoais afastaram-me, em 1976, das atividades profissionais do IRDEB e passei a me dedicar somente & vida académica dentro da Universidade, onde nunca trabalhei dire- tamente com avaliacdo, mas sim com Filosofia, Filosofia da 2, Luiz Valero era, naquela época, 0 coordenador da érea de avalisglo da ‘TV Educativa de El Salvador. O IRDEB publicou, em 1973, um volume. intitulado Sipersicdo « avallagdo, contendo of principas documentos evtidados durante 0 ‘eurso para tlepromotores; foi uma odio interna realizada pela eitora Mensageiro dda Fé, Salvador, Ba. Educagdo' ¢ com Metodologia Uo Trabalho Cientifico*, Todavia, a avaliagdo da aprendizagem, como objeto de pesquisa ¢ como pritica, ‘continuou a me fascinar ¢, entio, 20s poucos, fui colocando no papel meus estudos ¢ reflexdes sobre 0 tema, seja a partir de demandas pessoais, satisfazendo assim meus anseios de processar um trabalho educativo de melhor qualidade, seja a partir de solicitagdes externas (convites para ministrar cursos © conferéncias), dividindo, dessa forma, com outros educadores os conhecimentos que vinha adquirindo © formu- lando. Iniciei, ento, uma nova fase em meus estudos sobre a temética, J4 no me interessavam muito as questdes técnicas; assediavam-me & mente ¢ a0 corago questées teéricas mais abrangentes; como a filosofia da avaliagéo da aprendizagem. © artigo “Avaliagdo educacional: pressupostos concel tuais’? marcou, em 1978, a maturacdo de uma primeira reflexéo tedrica que’ vinha estabelecendo. Ensaiei, nesse texto, uma definigao da avaliagio da aprendizagem, dando atengio a alguns pontos criticos. Nesse momento, buscava uma formulacao epis temoldgica sobre avaliagio, cuja conceituagio, pouco modifi- cada, utilize até hoje 3. Sou professor Go Depacareto de Foss oa Facldae de Fosofa « citness Homma do Univsidate Federal x Baba esse apoio de 1972 tesino osteo Bdcaio no Mesias Edteagio da UFDA desde 1985; Steamer feo doinas dena area tombe 20 Dostrdo tm EAbasS0 to masne nso, ‘Desde 1976 sou peste de Metodlogia do Trabalho Cientfico va Unive taal Se Fea de Santana A fr Js eaer jontaete Com mats es coleas det, plese um ro ilo Fer wversidde: tino propos meld, tdta pla Corer itr, Sto Paul, mo 0 de 1984 hoe ee te encom ma eg. 5 Punicado na eva Tecnlogt Edscaional. 2° 2, 1978. 6: he casio em qe ee eve ato ize a df da evaligso come "am jt de aor sobre doe slevanes para uma tata Je deci fie quando flo om avaloio dt apendzagen, pefko Geil come “un Juss ob quand ste dd ceva paren oad Je docs A rato So mudanya € a segume: 0 lementn solr posi oma sgniieaio sie. ‘Sico-polics abengers, que alma 0s ties tnene du aaligfo {fo spenegum gor msi dvibr 0 procesto enioaprendnagen. Pao Dono recent unt intestane ecto soe avalon teste ne two Aveiagdo qua picado pla Cones Earn qe vale 8 pera uta Em_ 1980, como coordenador de um Forum de Debates do XII Seminério Brasileiro de Tecnologia: Educacional, rea- lizado em Curitiba, PR, recebi a incumbéncia de redigir um texto bésico que servisse de suporte para as discussées no decorrer da atividade. Escrevi cinco textos ¢ enfeixci-os numa coletanea denominada O papel da filosofia na prdtica educativa. Havia um capitulo intitulado “Compreensio filoséfica da edu- cago: avaliagio da aprendizagem’”, no qual, dando seqiiéncia as minhas meditagdes anteriores, demonstrava que a prética da avaliagio da aprendizagem nao se dava em separado do projeto pedagégico, mas sim 0 retratava. Epistemologicamente, a ava- liag&o nao existe por si, mas para a atividade a qual serve, € ganha as conotagdes filos6ficas, politicas e técnicas da atividade que subsidia. Iniciei, em 1982, uma nova fase de tratamento da temética, dando margem a que os enfoques sociolégico ¢ politico co- mecassem a tomar o seu lugar. Fui convidado pela ABT para coordenar um Férum de Debates do XIV Semindtio Brasileiro de Tecnologia Educacional, que se realizaria no Rio de Janeiro no ano de 1982. Escrevi, entdo, uma série de textos, aos quais dei 0 nome de Equivocos tedricos na prdtica educacional. Entre eles, aquele intitulado “Avaliagao: otimizagdo do auto- ritarismo”*, tratava dos diversos equivocos te6ricos exercidos nna prética educativa; ai tive oportunidade de abordar 0 equivoco em relagdo & avaliagdo da aprendizagem escolar, especialmente ‘em fungao do viés de autoritarismo que mescla e direciona essa pratica. Discuti, entio, como a avaliagdo da aprendizagem se manifestava como um lugar de préticas autoritérias na relagao pedagégica, traduzindo um modelo de sociedade. 7. A Aszociagio Brasileira de Teenologis Bdvcacional — ABT, com sede ‘no Rio de Janeiro, promove anualmente um Semindrio, de ambito nacional, tratando de temas vinculados & tecnologia educacional. Nesse ano de 1980, havia no Semindrio um Férum de Debates que era coordenado por um profissional ¢ ‘que, para tan(0, deveria claborar material espectico pura 0 evento. Estes cinco textos encontrmn-te em ediglo mimeografada da ABT. 8 Equivocos tebricas na prética educacional, ABT, 1984, Série Estudos € Pesquisas, 1° 27, 10 Em 1984, tive nova ocasido para aprofundar esse enfoque. Em seu XVI Seminério Brasileiro de Tecnologia Educacional, realizado em Porto Alegre, a ABT abriu uma segio de “Co- municagéo Livre” para a qual me inserevi com o texto “Ava- liagdo educacional escolar: para além do autoritarismo”®, Nun momento anterior, havia tratado a avaliagio do ponto de vista do seu vigs autoritério; agora desejava aprofundar esse tema ‘e apontar alguma saida para a situacdo anteriormente analisada; por isso, atribuf a0 artigo 0 subtitulo “para além do autorita- rismo”, por desejar ir um pouco além do que ja havia feito no texto de 82; propus, entio, a avaliagdo diagnéstica como uma saida para o modo autoritério de agir na prética educativa em avaliagio, e como meio de auxiliar 2 construgo de uma educagao que estivesse a favor da democratizagao da sociedade. Este texto significou meu verdadeiro foro de cidadania, como estudioso que trabalha a temética da avaliago da aprendizagem; ‘ele foi largamente estudado, debatido, elogiado e criticado". Significou, para mim, um redirecionamento da questio da avaliagio da aprendizagem escolar, ¢ foi também, parece, um marco importante na discussao dessa temética no meio educa- cional brasileiro, ‘Ainda em 1984, além de aprofundar a compreensao da avaliagdo da aprendizagem emi seu viés autoritério, comecei a trabalhar na articulagdo da avaliago com o processo de ensino, numa perspectiva construtiva. Fui, nesse ano, convidado pelo professor José Carlos Libaneo a participar de um Simpésio na Til Conferéncia Brasileira de Educagao (CBE), que se realizaria em Niteréi. Para acompanhar a exposigao, escrevi um texto que teve por titulo “Elementos para uma didética no contexto de uma pedagogia para a transformacao™"'. Ainda que nao fosse um ensaio sobre avaliagao da aprendizagem, relacionava-se 19, Publicado na revista Tecnologia Educacional, ABT, Rio de Janeiro, n° 61. 10. O artigo. publicado inicialmente na revista Tecnologia Educacional, foi tecuitado na revista cs AMAE-Edcando, MG; na revista da AEC, RJ; © na revista da. ANDE, SP. 1, Anais da itt CBE — Simpdsio, Sto Paulo, Loyola, 1984. A ABT epublicou ete artigo na sua revista Tecnologia Educaciona, n° 65. i" com o tema. Trabalhei nesse texto questées que me pareciam fundamentais para a didética, incluindo a avaliago. A avaliaco da aprendizagem escolar nao poderia continuar a ser tratada como um elemento a parte, pois integra 0 process diddtico de. ensino-aprendizagem, como um de seus elementos consti- tutivos. Entio, procurei demonstrar como a avaliago, a0 lado do planejamento e da execugdo do ensino, constituia um todo delimitado por uma concepeao filoséfico-politica da educagio. Desse modo, 0 ano de 1984 foi muito importante para a minha vida académica, assim como para minha trajetéria de ‘educador que abordava a questio da avaliacdo da aprendizagem escolar. Organizei uma inicial compreensio sociopolitica da avaliagao da aprendizagem ¢ dei um passo na discussio de sua articulagéo no proceso didético, subsidiando a construgo bem-sucedida da aprendizagem. Daf em diante, segui essa dupla dirego, ampliando cada vez mais a compreensio do fendmeno da avaliagio da apren- izagem escolar como um fendmeno merecedor de miltiplos tratamentos. Em 1987. fui admitido como aluno no Doutorado em Filosofia da Educagao da Pontificia Universidade Catélica de ‘Sao Paulo, com um projeto de tese sobre avaliagio da apren- dizagem escolar, no qual me propunha a tratar o tema tendo presente aspectos filoséficos, politicos e pedagégicos. Desejava uma abordagem interdisciplinar. Em 1988, participei de um Simpésio na V Conferéncia Brasileira de Educagio, realizada em Brasilia, onde foi discutida a questéo da relagdo entre avaliagZo da aprendizagem e de- mocratizagao do ensino. Entdo, escrevi o texto “Avaliagao do aluno: a favor ou contra a democratizago do ensino?"!? Nessa oportunidade, retomei todas as discussdes apresentadas ante- riormente ¢ as articulei com a questio da democratizagao do ensino. Em 1989, participando do V Encontro Nacional de Didética © Prética de Ensino, realizado em Belo Horizonte, 12. Publicado pela ABT, Rio de Janeiro, no n° 44 de sua Série Estudos © Pesquisas, 0b 0 tlalo Pritica docente « avaliagto, pp. 35-54 12 4 { apresentei uma dissertagdo intitulada “Por uma pritica docente critica e construtiva”, na qual, mais uma vez, tive a oportu- nidade de articular avaliagiio com projeto pedagégico, bem como com todo © processo de ensino. A avaliagio foi entio colocada a servigo da aprendizagem, no seu interior, consti- tuindo-a, e ndo como um seu elemento extemno. Em 1990, a FDE — Fundacdo para 0 Desenvolvimento da Educagio do Estado de Sio Paulo — convidou-me para pronunciar uma conferéncia sobre avaliagio da aprendizagem em um Seminirio sobre A construgiio do projeto de ensino e ¢ avaliagdo. Para acompanhar a fala, elaborei um texto que se chamou “Verificagao ou avaliagdo: o que pratica a escola?”, publicado na Série Idéias, da mesma Fundagio!’, No decorrer do meu pronunciamento, anunciei 0 desejo de escrever um texto que teria 0 nome “Do erro como fonte de castigo ao erro como fonte de virtude”. Para mim, era somente um desejo longinguo, porém Maria Conceigdo Canholado (coordenadora geral do evento) e Maria Cristina Amoroso A. da Cunha (coordenadora técnica do evento) assumiram esse meu desejo como alguma coisa que deveria materializar-se de imediato ¢, com a doce sedugdo que thes € muito prépria, convenceram-me a colocar no papel o que vinha formulando sobre esse tema ¢, endo, no mesmo volume da Série idéias em que foi publicado 0 texto acima, inseriu-se também este. Nesses dois textos, aprofundei a questio da avaliagao da aprendizagem de modo bem especifico, ou seja: de nm lado, estudei como a medida € necessdria para a avaliagZo, mas também como a avaliagéo ultrapassa a medida em seu significado, oferecendo a0 educador um suporte dindmico a servigo da construgéo da aprendizagem bem-sucedida; de outro, estudei 0 erro como um elemento constitutivo da aprendizagem ¢ no como algo que devesse ser recusado, ou, mais que isso, castigado. Os dois 15, Publicado no livieo da Série Estudos e Pesquisas (pp. 9-34) citado na nota anterior. 1M, Sio Paulo, FDE, 1990, Série Tdsias, o* 8, pp. 71-80. A FDE gravou 4 fala no Seminério € produziy um video-conferéncia que vem circulando em vérios locals do pats. 3 textos deram suporte a0 entendimento da avaliagio como elemento: subsidirio do processo ensino-aprendizagem. Em 1991, para participar da VI CBE que se realizou em Sao Paulo, na Faculdade de Educagdo da USP, escrevi um texto que recebeu 0 titulo “Avaliagdo da aprendizagem escolar: ‘a atengdo exacerbada de educandos, educadores, pais, admi- nistradores da educagao ao fenémeno da promogio dc educando de série em série em detrimento do processo de construgio da aprendizagem propriamente dita. Esse texto, acredito, coroou uma discussdo que j estava latente em abordagens anteriores. Em 1992, participei do Seminério “O diretor — articulador do projeto da escola”, promovido pela FDE, no qual fiz uma exposiga0 sobre “Planejamento e Avaliago na Escola: articu- ago e necessdria determinagio ideolégica”, publicado na Série Iaéias, n° 15, onde abordei a avaliagio a servigo da construgio de uma intengao politicamente: delimitada’® ‘Meu iltimo € mais extenso trabalho sobre avaliagio da agem foi minha tese de doutoramento, apresentada 2 de 1992, © defendida em abril desse mesmo ano, sob o titulo Avaliagdo da aprendizagem escolar: sendas percorridas, em que desenvolvi um estudo sobre a historia da avalia¢ao da aprendizagem nas pedagogias do século XVI 20 XX, como também um estudo sobre a pritica da avaliacio da aprendizagem no Brasil. Abordei a avaliagdo da aprendizagem escolar nas pedagogias sob o enfoque de sua utilizagdo disciptinar, tendo em vista a conformagio do cardter dos educandos. Pretendi, com a tese, realizar um exame interdisciplinar da questo da avaliagdo da aprendizagem escolar, incluindo aspectos hist6ricos, politicos, filos6ficos e psicolégicos. O resultado parece ter sido uma tentativa, relativamente bem- sucedida, de desvendar as “sendas percorridas” pela avaliagio da aprendizagem escolar, na sociedade modema, € na prética educativa brasileira, a0 longo do tempo. 15, Revista Tecnologia Educacional, a” 101, pp. 82-86. 16, Cademno Idéias w* 11, 1992, p. 115125. 4 Desde que entrei em contato com a temitica da avaliagao da aprendizagem, em 1968, até presente momento, em 1994, passaram-se vinte e seis anos. J4 trabalhei com as questdes técnicas, as filoséficas, as politicas da avaliagio da aprendiza- gem, ¢, atualmente, pesquiso as psicolégicas, tentando integrar esses enfoques num todo compreensivo, Creio ter construido tum longo e rico percurso. © reconhecimento do valor desse ‘meu trabalho vem endo manifestado pelos carinhosos convites que tenho recebido para pronunciar conferéncias, coordenar dias de estudos ou dar cursos nos mais variados rincdes deste imenso pats. Fiz esse longo relato de minha trajetéria pelo tema da avaliago para mostrar um caminho que foi construfdo lenta- mente, cuja sintese encontra-se nesta publicagio. Por isso, sou grato a todos que, de uma ou outra forma, me estimularam a permanecer na trilha, na busca ¢ na construgo desse conhe- cimento; sou grato a mim mesmo por ter podido olhar criti- camente para minha propria experiéncia como aluno © como professor e investigé-la a fundo; sou grato a meus filhos, desde que pude acompanhé-los, passo a passo, em seu desenvolvimento € em sua vida escolar, aprendendo sempre; sou grato a todos ‘05 meus alunos que, comigo, viveram esse longo percurso de ago e reagio, sofrendo minhas mudancas; sou grato a meus colegas profissionais da educacio, que debateram comigo esse tema tdo emergente; sou grato aos ouvintes de minhas confe- réncias, que sempre me estimularam a aprofundar minha in vestigacao a partir de suas indagagdes € seus questionamentos; e sou grato 20 José Xavier Cortez por ter decidido colocar a plblico este material, através de sua Editora. © conhecimento que pude formular © expor ao longo desses anos é fruto desse conjunto de relagées que me con- duziram a meditar sempre mais na temética, buscando novas trilhas de entendimento ¢ de proposigdes. Os capitulos que se seguem compéem-se de alguns textos j4 publicados em minha trajet6ria de educador e pesquisadot da Grea da avaliagio da aprendizagem, Possuem uma certa seqiiéncia légica de tratamento, uma vez que ordenei-os levando 15 em conta a temética da qual tratam. Por vezes, existem repetigdes inevitéveis, na medida em que foram textos escritos ‘em ocasiées diferentes; contudo, cada um deles trabalha uma faceta diversa do tema. Sinto-me gratificado por poder, mais uma vez, estar contribuindo para a meditagao de todos os que vierem a fazer 1uso dos capitulos deste livro. Fico com uma divida piblica de, em breve, apresentar novos estudos sobre o tema. Estou certo de que estamos construindo 0 hoje ¢ o amanhi, que, ‘com certeza, seré melhor do que 0 ontem, em decorréncia da nossa acdo. Juntos transformaremos nossos sonhos em realidades. Ficarei grato por criticas € sugestdes que me forem remetidas. 16 CAPITULO I Avaliagio da Aprendizagem Escolar: apontamentos sobre a pedagogia do exame* O presente texto compée-se de um conjunto de observagies gerais sobre a prética da avaliagao da aprendizagem na escola brasileira. Sao propriamente apontamentos. A caracterfstica que de imediato se evidencia na nossa prética educativa é de que a avaliagdo da aprendizagem ganhou ‘um espago to amplo nos processos de ensino que nossa prética educativa escolar passou a ser direcionada por uma “pedagogia do exame”’. O mais visfvel e explicito exemplo dessa pedagogia est na pritica de ensino do tereciro ano do 2° Grau, em que todas as atividades docentes discentes estéo voltadas para um treinamento de “resolver provas”, tendo em vista a prepa- raracZo para o vestibular, como porta (socialmente apertada) de entrada para a Universidade. Nessa série de escolaridade, © ensino centra-se no exercicio de resolver provas a partir de determinados contedidos que concemnem a selegao no vestibular. Os cursinhos preparatérios a0 vestibular so mais exacerbados ainda no processo de treinamento de resolugo de provas. Contudo, esse assunto poderd ser objeto de outra reflexio; para * Publicado na revista Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, * 20 (101): 82.6, jul/ago. 1991. 7 este texto, fixar-nos-emos na compreensao de que a pratica pedagégica esté polarizada pelas provas e exames. Esse € 0 tem fmogio, ou do, do ‘studante’ de uma série de escolaridade para outra. O sistema de ensino esté interessado nos percentuais de aprovacdo/reprovacao do total dos educandos: os pais estio desejosos de que seus fithos avancem nas séries de escolaridade: os professores se utilizam permanentemente dos procedimentos de avaliago como elementos motivadores dos estudantes, por meio da ameaga; os estudantes esto. sempre, na expectativa tengo na promocio, Os alunos tém sua atengao centrada na promocg. Ao iniciar um ano letiyo, de, imediato, esto gre faa pte Sake a | fungdo da promogéo ‘de uml série para a outta.” : ., Durante. 9 ano letivo, as notas vio sendo observadas, médias -vio sendo obtidas..O que predomina € a nota: nao ‘So, operadas ¢ manipuladas:como se. nada tivessemm.a ver-com | @ pseu ativo do processo de aprendizagem!. « > 1. Ver Cipriano Carlos Lackesi, “Avaliaplo Ecucacional Escolar: para. além 0 autritarismo”. In: Tecnologia Educacional, Revista dt ABT. Rio de Janeiro, x" © 6, pp. 6-15, ver ainda “Verificseio ou Avaliapo: o que pratica a escola, in A = eonstrugao do projeto de ensino e a evaliogle, Si0 Paulo, FDE, 1990, pp. 71-80. © [Amnbos 0s textos estio include nesta coletines, pp. 77-47 e 85-101, respectivaments, 18 feito esperado, anuncia aos seus alunos: “Estudem! Caso contritio, voces poderio se dar mal no dia da prova”. Quando ‘corre um terrorismo homeopatico.” A cade dia 0 professor* vai anunciando uma pequena ameaca. Por exemplo, em um dia diz: “A prova deste més est4 uma maravilha!” Passados alguns dias, expressa: “Estou construindo questdes bem dificeis. para a prova de vocés”. Apés algum tempo, Id vai ele: “As questées da prova sio todas do livro que estamos utilizando, mas sio dificeis. Se preparem!”. E assim por diante... Sadismo homeo- Taridade bésica e média, demonstram 0 quanto o professor utiliza-se das provas como tum fator negativo? de motivacio. O estudante deverd se dedicar aos estudos ndo porque os conteidos sejam importantes, sig * nificatives ¢ prazerosos de serem aprendidos, mas sim porqu estio ameagados por uma prova. O medo os levard a estar Os pais estiio voltados para a promocio. Os pais’ das ¥ criangas e dos jovens, em geral, esto na expectativa das notas!. dos seus filhos. O importante é que tenham notas para serem aprovados. Isso é facilmente observavel na denominada Reunio de Pais e Mestres, no final de cada bimestre letivo, especialmente § no nivel de escolaridade de 1° Grau. Os professores vao' a | reunigo para entregar os boletins aos pais e conversar ‘com eles sobre as criangas que estio “com problemas”. Tais' pro- blemas, na maior parte das vezes, se referem As baixas notas de aproveitamento. Os pais, cujos filhos apresentam notas § ificativas, no sentem necessidade‘de conversar com 0s professores de seus filhos (que reunizo € essa, entdo, em que #1 8 reunidos no tém interesse em conversar sobre o tema para © qual foram convidados?); Alids-os encontros so realizados de tal forma que ndo hd meio de se conversar. Séo todos os pais de uma turma de trinta ou mais alunos para conversar com um Gnico professor num mesmo momento. O ritual € criado para que efetivamente ndo haja um encontro educativo. Ento, em geral, os pais se satisfazem com as notas boas, que, por sua vez, esto articuladas com as provas, nas quais esto centrados professores e alunos. O estabelecimento de ensino esté centrado nos resul- tados das provas e exames. Por meio de sua administracao, © estabelecimento de ensino, deseja verificar no todo das notas como estio os alunos. As curvas estatisticas so suficientes, pois demonstram 0 quadro global dos alunos no que se refere 20 seu processo de promogd0 ou nao nas séries de escolaridade. ‘A aparéncia dos quadros estatisticos, por vezes, esconde mais do que a nossa imaginagdo € capaz de atentar. Mas essa aparéncia satisfaz, se for compativel com a expectativa que se tem. A dindmica dos processos educativos permanece obnubi- lada, porém emergem dados estatisticos formais. Sua leitura pode ser critica ou ingénua, dependendo das categorias com que forem lidos. O sistema social se contenta com as notas obtidas nos exames. O proprio sistema de ensino estd atento aos resultados gerais. Aparentemente (56 aparentemente), importa-Ihe 05 re- sultados gerais: as notas, os quadros gerais de notas, as curvas estatisticas. Dizemos: “aparentemente”, devido a0 fato de que, se uma institui¢do escolar inicia um trabalho efetivamente significative do ponto de vista de um ensino e de uma correspondente aprendizagem significativa, social e politicamen- te, 0 sistema “coloca 0 olho” em cima dela. Pode ser que ‘essa instituigo, com tal qualidade de trabalho, esteja preparando ‘caminhos de ruptura com a “normalidade”. Contudo, se apre- sentar bonitos quadros dé notas e nfo estiver atentando contra “o decoro social”, ela estard muito bem. Porém, caso esteja agindo um pouco & margem do “normal” (ou seja, na perspectiva da formagio de uma consciéncia critica do cidadio), seri 3. 0 termo “aparéncia” aqui ext6 sendo compreendido como uma das categorias do método dialéico na sua contraposig5o com o termo “essencia’ 20 “autuada”. Enquanto 0 estabelecimento de ensino estiver dentro dos “conformes”, o sistema social se contenta com os quadros estatisticos. Saindo disso, os mecanismos de controle so auto- maticamente acionados: pais que reclamam da escola; verbas que no chegam; inquéritos administrativos etc. Em sintese: os sistemas de exames, com suas conseqlién- cias em termos de notas © suas manipulagdes, polarizam a todos, Os acontecimentos do processo de ensino e aprendizagem, seja para analisé-los criticamente, seja para encaminhé-los de uma forma mais significativa ¢ vitalizante, permanecem ador- mecidos em um canto. De fato, a nossa pritica educativa se pauta por uma “pedagogia do exame”. Se os alunos estio indo bem nas provas ¢ obtém boas notas, 0 mais ¥: Desdobramentos. A atengao centralizada nas provas, exa- mes € notas apresenta desdobramentos especialmente na relagdo professor-aluno. Provas para reprovar. Os professores elaboram suas provas para “provar” os alunos e néo para auxilié-los na sua apren- dizagem; por vezes, ou até em muitos casos, elaboram provas para “reprovar” seus alunos. Esse fato possibilita distorgdes, as mais variadas, tais como: ameagas, das quais j4 falamos;

Você também pode gostar