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Recife, 16 de abril de 2018 Meu caro presidente, Sim, bem assim... ainda como se ocupasse 0 cargo. Porque em meus 50 anos, no houve outro melhor. Porque eu vivi o congelamento dos produtos e enfrentei as filas, ainda crianga, saindo de casa na madrugada, para comprar um saco de leite Cilpe, da nossa extinta Cia de Industrializaclo de Leite de Pernambuco. Eu vivi o aumento dos precos a toda a hora, a todo instante. Eu vivia falta de carne bovina nos acougues e supermercado. Eu passei 5 meses sem salério, quando do congelamento da poupan¢a naquele fatidico governo. Vi muitas empresas falirem e fecharem por causa disto. Vi muitos desempregados vagando por uma oportunidade. Eu vivi a falta de acesso do jovens a boas escolas. E, embora tenha sido afortunada com o ensino superior federal, ousada para 0 meu tempo, vindo de escola piiblica e sem recursos, eu vivi a dificuldade de acesso dos jovens Universidade Federal de Pernambuco. “Os pobres sé passam na Catélica, mas ndo cursam, néo tém dinheiro para as mensalidades” ~ assim se dizia na minha época. = Porque em meus SO anos, eu via falta de gua e 0 sucesso do projeto Programa Um Milh3o de Cisternas (P1MC), engavetado por anos e tornado real em seus governos, levando melhorig’ da Qualidade de vida a mithares de familias pelos interiores afora. Eu vi a queda da mortalidade infantil, eu via reducdo da pobreza, da fome, da miséria. Eu vi a reestruturagao da educacio superior, antes sucateada, e 0 aumento dos campi por todas as regides do Pais, sobretudo do Nordeste, donde me origino, donde faco morada. Porque em meus 50 anos, eu vi o sonho da casa prépria se tornar real para muitas familias, de baixa renda, vi seus filhos cursando faculdade, vi as empregadas domésticas adquirirem direitos, vi o filho do porteiro fazendo viagem internacional. Eu vi o projeto Ensino Sem Fronteiras abrir espaco para os alunos da rede puiblica alcancarem o mundo. Porque em meus 50 anos, Pernambuco nunca cresceu tanto como em seus governos. Antes dele, 0 saudoso e amado Miguel Arraes muito fez pelo povo pernambucano durante os seus mandatos, mas apenas com as suas forcas, apenas suas, porque nunca fomos rota de progresso & beneficios em governos daquela época, e no de muitos que os sucederam, nem mesmo quando tivemos na vice-presidéncia um conterraneo. Dizia “pai Arraia” (assim chamado pelo povo): “tenho duas mos € 0 sentimento do mundo”, parafraseando Drummond, mas sozinha uma andorinha no faz vero. Mas chegou a nossa vez, e durante 05 seus governos, meu caro presidente, Pernambuco assou @ falar para 0 mundo, como diz o slogan do Jornal do Commercio, e tem sido assim desde ento, apesar dos tltimos baques vividos em seus governos locais, dissociados do cuidado com 0 povo e sem despertar qualquer interesse por parte do governo federal. Nao questiono aqui as aliangas que vocé precisou articular para fazer este Pais acontecer. Se foram ilicitas, que a justica 0 julgue, baseada em dados comprovados, de forma justa, como manda 0 figurino, como preconiza a Carta Magna, como prevé a lei (igualitaria a todos € no igual para os iguals... como temos triste e duramente visto e vivido). Se foram para alinhavar conchavos, no sou estrategista, nada entendo do seu métier. O que eu entendo, vejo, sinto, sei. é que a injustiga faz morada em sua vida... 0 ddio a vocé ver sendo alimentado por pessoas que: desejam a sua popularidade; invejam a sua inteligéncia, eloquéncia e sagacidade; so mediocres em suas vidas cheias de dinheiro e vazias de amor, de solidariedade, de olhares apreciativos ao préximo. Por elas, sinto desprezo e consigo até entendé-las, posto s6 se dé o que se tem e elas sdo mais pobres do que todo o universo de pobreza que hd mundo, porque elas, coitadas, sé tém dinheiro. O que me intriga © entristece é quando 0 ddio vem daqueles ingratos, por quem tanto vocé fez... Mas, a eles a nossa desculpa, presidente. Trata-se de pessoas infelizes, e a ingratidao faz parte da infelicidade deles, ‘como diria Victor Hugo. E devem ter 0 corag3o pequeno, porque, como diria Tolstoi, se o seu coracao é grande, nenhuma ingratidao o flecha, nenhuma indiferenga o cansa © que posso Ihe dizer, entio, meu caro presidente? Eu acredito em si. Eu lhe dei meu voto em todas as suas elei¢des, desde que me entendo como eleitora, Segui o seu desejo, votando em Dilma, minha parceira de data de aniversario. A ela toda a minha admiracdo e respeito. Ful as ruas, acompanhei seus comicios... disto tenho uma boa lembranga: certa vez, vestindo longo e salto alto, saindo de um culto ecuménico de formatura, caminhei da Av. Conde da Vista até a Av. Dantas Barreto, sé para ouvi-lo falar e Ihe prestar meu apoio, naquela multido vermelha. € faria tudo outra vez, porque se tem uma coisa que eu ndo sou é¢ ingrata. Disto nunca iro me acusar. Eu acredito em si... e sei que no estou sozinha. Se 0 nosso bom Arraes dizia ter apenas duas maos e 0 sentimento do mundo, saiba que hé muitas maos consigo, recheada de bons sentimentos, de desejo de justica, de vontade de lutar, de ndo fazer aquela madrugada de 31 de 1964 tomar de novo assento e nos engolir as vontades. Eu Ihe desejo, primeiramente, f6, pois, mesmo que calamos, Deus 6 conosco, é com os Justos, é com aqueles que pensam e fazem pelo préximo, e se ainda nao o libertou para voltar aos afazeres, 6 porque ainda nao ¢ chegada a hora. Confie no Kairés, no tempo de Deus. Também the eco que tenha serenidade, forca, firmeza nos pensamentos positivos. Pensando nas citagdes de Hugo e Tolstoi, que vocé tenha um coracao gigante, blindado contra as fechas dos ingratos, e completamente cego & indiferenca daqueles que, uma vez infelizes, no sdo capazes de agradecer nem de nada ofertar, porque sequer dio o que tém; no fundo, nada téma dar. Do lado de c4, nés seguiremos lutando pelo estado democratico de direito, pelo nosso direito de gritar... Sabe, meu caro presidente, a voz demacratica é coma um passaro atravessado... Ela pode apreciar as gaiolas, desde que nao tenham trancas. Ele pode gostar e decidir ficar... mas pode a qualquer hora querer voar. Ela é livre para ir... para ndo querer sair... para voltar... S6 no a imponham um caminhar, nao a pressionem um estar, ndo a subestimem, nao desviem dela o olhar. A voz democrética... Nada a prende, no a muro nem grades nem celas que a isolem. Nada a domina, nada a impede de ir ou ficar... $6 da luta por liberdade ela é prisioneira... Pela luta por liberdade, no hé temor em se amarrar. Porque lutando, a vor democratica impée o seu tom mais alto, se faz livre, e 56 pelo direito de soltar o seu grito ela se deixa aprisionar. Nao ha barreiras que obstruam os gritos, no ha muros que suportem o eco dos que nio desejam se calar... Seguiremos entoando o nosso grito e gritando por vocé também! Afinal, vocé mesmo disse que se no pudesse falar, nds seriamos a sua voz. Entéo, fique firme e volte logo! Meu caloroso abraco, da terra do frevo e do maracatu, sua casa também! Ediane Souza

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