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Apostila Psicologia Geral
Apostila Psicologia Geral
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RESUMO:
Partindo do pressuposto que a intervenção no processo psicodiagnóstico pode propiciar
resultados terapêuticos, o presente estudo objetiva averiguar, por meio da análise de
um caso clínico infantil, como o psicodiagnóstico interventivo pode funcionar como
modalidade de atuação terapêutica. Para tanto, foi realizado um psicodiagnóstico
infantil, envolvendo sete sessões, com realização de entrevista inicial, entrevista de
anamnese, sessões ludodiagnósticas, aplicação do Teste “O Desenho da Figura
Humana – DFH III” e entrevista devolutiva, visando investigação e intervenção nas
dificuldades apresentadas pela criança e por sua família. Os resultados revelaram que o
psicodiagnóstico interventivo pode funcionar como modelo de atuação terapêutica na
medida em que não é utilizado apenas como recurso de avaliação de sinais e sintomas,
mas de intervenções como acolhimento e conscientização de comportamentos
problemas dos analisantes, permitindo que estes saiam da posição passiva de objeto
de estudo e se tornem responsáveis pela busca de mudanças.
1
Psicóloga, Graduada pela Universidade Nove de Julho - UNINOVE/SP, Especialista em Psicopedagogia
pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais - UNILESTE. Especialista em “Clínica Psicanalítica na
Contemporaneidade” – UNILESTE/MG.
2
Psicanalista, Doutor em Estudos Lingüísticos pela UFMG.
Assuming that their intervention can provide psycho therapeutic results, this study aims
to determine, through analysis of a clinical case of children, as the psycho can work as
interventive modality of therapeutic action. To that end, we conducted a psycho child,
involving seven sessions, with completion of initial interview, anamnesis interview,
ludodiagnósticas sessions, application of the Test "The Human Figure Drawing - HFD III"
and interview feedback session, seeking investigation and intervention in the difficulties
presented by the child and his family. The results revealed that the psycho interventionist
can work as a model of therapeutic action in that it is not only used as a resource
assessment of signs and symptoms, but as host of interventions and awareness of
behavior problems of analysands, allowing them to leave the position passive object of
study and become responsible for seeking change.
Introdução
Por muito tempo, o psicodiagnóstico foi percebido como um processo que envolvia a
aplicação de testes como forma de satisfazer a solicitação de outros profissionais, tais
como psiquiatras, neurologistas, pediatras, etc (OCAMPO & COLABORADORES,
1981). Nesse contexto, o processo psicodiagnóstico era visto, somente, como meio de
investigação e levantamento de demandas a serem tratadas posteriormente por outros
profissionais.
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Paulo (2006), em trabalho posterior, destaca que, nas últimas décadas, foi possível
perceber o processo evolutivo do psicodiagnóstico, anteriormente visto somente como
avaliação e investigação com finalidade de encaminhamento. Sobre esse aspecto, os
autores Barbieri (2002), Trinca (2002) e Tardivo (2004) pontuam que, na atualidade,
podem-se encontrar estudos que revelam uma nova concepção de psicodiagnóstico:
além da possibilidade diagnóstica, acrescenta a intervenção terapêutica.
Tal como foi abordado por diversos autores, o psicodiagnóstico vem sofrendo
modificações relevantes nas últimas décadas, o que demanda uma gama maior de
estudos e práticas, que abordem seu desenvolvimento no campo da investigação e
intervenção.
Este estudo objetiva averiguar, por meio da análise de um caso clínico infantil, como o
psicodiagnóstico interventivo pode funcionar como modalidade de atuação terapêutica.
Além disso, busca compreender melhor o psicodiagnóstico, considerando relevante
percebê-lo como um processo que vai além da investigação de sinais e sintomas, mas
que exige enquadre e intervenções específicas que podem produzir efeitos
terapêuticos.
Andrade (1998) aponta, ainda, que o diagnóstico eficaz e bem sucedido prevê, entre
vários aspectos, o conhecimento das causas das dificuldades do paciente e a
consideração de suas capacidades e aptidões. Também, se faz necessário considerar a
capacidade de observação do terapeuta, o conhecimento sobre a variabilidade de
recursos disponíveis e de medidas a serem tomadas diante de determinados
diagnósticos. Sobretudo, o terapeuta deve ficar atento, não somente ao problema
apresentado diretamente pelo paciente e seus familiares, mas também à busca de
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Considerando, tal como apontam Anastasi e Urbina (2000), que as condições ideais
para a avaliação diagnóstica devem entrelaçar a diversificação de informações oriundas
de observações, análise das funções mentais e dados da história do analisado, o
psicodiagnóstico, realizado nesse estudo, envolveu entrevistas, anamnese e aplicação
de testes, que buscaram criar condições para que fosse possível detectar e intervir nas
causas prejudiciais ao desenvolvimento global do indivíduo analisado.
Santa-Rosa (op. cit.) destaca, ainda, que, diante das evidências de que as primeiras
relações familiares servem de base para a constituição do psiquismo, é possível haver
influências familiares no surgimento das dificuldades psicológicas infantis. Entretanto,
nas etapas de entrevistas diagnósticas é indispensável a análise da dinâmica familiar e
intervenção nos comportamentos apresentados como problemas, que podem interferir
negativamente no processo de desenvolvimento saudável da criança.
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2. Metodologia
O Caso Clínico apresentado neste estudo constitui uma experiência clínica vivenciada
pela Psicóloga Andréa Andrade, um dos autores deste artigo. Tal experiência foi eleita
para ser transcrita devido à qualidade e riqueza de suas informações. A construção do
artigo ocorreu com a orientação do autor Psicanalista Cássio Miranda e a utilização dos
dados clínicos para fins científicos se deu mediante a assinatura do termo de
consentimento pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.
2.1. Procedimento
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O processo de análise dos dados emergentes nas entrevistas iniciais e nas sessões
lúdicas com Sophie indicou a hipótese de não haver atraso no seu desenvolvimento
cognitivo, mas bloqueio emocional, o que comprometia seu desempenho durante as
avaliações escolares. Com o propósito de melhor averiguar a origem das dificuldades
de Sophie foi administrado o teste DFH III na sexta sessão diagnóstica. O DFH III foi
eleito para compor esse processo psicodiagnóstico por ser um teste projetivo,
padronizado para crianças brasileiras na faixa etária de 05 a 12 anos, considerado
como medida de desenvolvimento cognitivo/ conceitual.
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Sophie foi encaminhada para o atendimento por indicação da escola, a qual alegou que
era uma menina inteligente, participava das atividades cotidianas do contexto escolar,
porém, apresentava dificuldades durante as avaliações corriqueiras da escola, obtendo
notas abaixo da média exigida para a aprovação. A mãe relatou que antes e durante as
avaliações, Sophie vivenciava momentos de estresse e angústia, inclusive, tinha
desmaiado em casa na manhã de um dia em que faria uma avaliação escolar, mas
despertou rapidamente e, levada ao hospital, o médico examinou e concluiu não
apresentar motivo aparente para a causa do desmaio.
No decorrer da entrevista inicial, a mãe relatou que não entendia a razão da filha
apresentar dificuldades no processo de avaliação escolar, já que ela era uma mãe
presente que acompanhava os estudos da filha, ficando, diariamente, horas estudando
com ela para garantir sua aprendizagem e preparo para a realização das avaliações.
Destacou que se esforçava ao máximo para que sua filha pudesse concluir seus
estudos, coisa que ela sempre desejou para si e foi impedida por seus pais e marido.
A mãe relatou que foi uma excelente aluna e tinha prazer em ir à escola, mas sua mãe,
quando queria castigá-la, a impedia de sair de casa para estudar, até que chegou um
dia em que, definitivamente, não a deixou continuar os estudos. Depois, casou-se
bastante jovem e se dedicou, exclusivamente, ao lar.
latente, pressupôs-se que isso poderia estar sendo direcionado para Sophie em forma
de uma excessiva cobrança no que se referia aos estudos, o que poderia estar
interferindo no seu desempenho durante o processo de avaliação escolar. A mãe,
emocionada, assentiu e tomou consciência de suas cobranças relativas à busca do
sucesso escolar da filha.
Após o termino do desenho, Sophie relatou que havia feito uma menininha e a sua mãe.
Foi pedido para Sophie falar mais sobre o que havia desenhado e ela respondeu: “a
mãe pediu à menininha para aguar as plantas e ela estava com o regador jogando água
nas florezinhas”. Foi perguntado o que mais e Sophie continuou: “Às vezes, a mãe da
menininha pede a ela pra fazer alguma coisa e ela não faz direito. A menininha quer
impressionar a mãe, mas não consegue, porque tudo acaba dando errado. A mãe da
menininha percebe o esforço dela, sente pena e diz: eu sei que você queria fazer isso
para me agradar e deu errado”.
Diante do relato de Sophie, foi perguntado o que leva a menininha a querer tanto
impressionar a mãe e ela respondeu que gostaria que a mãe ficasse orgulhosa dela.
Continuou dizendo que tudo acabava dando errado, piorando ainda mais as coisas e a
menininha fica envergonhada.
Para que Sophie pudesse se perceber no seu discurso foi perguntado se algum dia
aconteceu com ela alguma situação parecida com a história da menininha. Sophie
respondeu que sim, acrescentando: “muitas vezes”. Lembrou-se de um dia que
planejou uma apresentação na escola e ensaiou muito porque queria que a sua mãe
ficasse orgulhosa, mas na hora de apresentar, olhou para a mãe em meio às pessoas e
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não conseguiu dizer nada. Sua voz não saía e estava sendo vista por todos da escola,
vivenciando uma situação vergonhosa. Neste momento foi realizada outra intervenção,
pontuando a Sophie a percepção de sua angústia e frustração frente às tentativas mal
sucedidas de impressionar a mãe.
Foi perguntado a Sophie: “Não se pode errar?” Ela respondeu que até pode errar, mas
quando isso acontece, sua mãe sempre diz que se ela tivesse seguido corretamente as
indicações não tinha acontecido o erro. Foi dito para Sophie a percepção da excessiva
exigência de sua mãe e a frustração que ela vivencia por medo de errar. Sophie teve
um insight, dizendo que tal exigência ocorre até mesmo em relação aos seus estudos,
fazendo com que ela fique com tanto medo de tirar notas baixas e deixar a mãe triste
que, na hora da prova, ela nem consegue lembrar o que estudou.
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A análise do teste DFH III revelou que Sophie apresenta o desenvolvimento cognitivo/
conceitual avaliado entre a “Média/ Abaixo Média”, comparado à amostra
experimentada para validação do teste com faixa etária equivalente a dela. O resultado
obtido foi avaliado dentro da faixa de confiança de 95%. Comparando os resultados
obtidos nos desenhos das figuras feminina e masculina, pode-se observar que Sophie
apresentou 84.5% dos itens esperados, 65.5% dos itens comuns, 31% dos itens
incomuns e 35% dos itens excepcionais, normalmente esperados para a sua idade.
A sessão de Entrevista Devolutiva permitiu que Sophie e sua mãe pudessem analisar o
processo psicodiagnóstico como um todo, apresentando o percurso seguido desde a
Entrevista Inicial até o fechamento do caso. Foi relatado para ambas que a análise do
teste DFH III avaliou que Sophie não apresenta atraso no desenvolvimento cognitivo e
os dados apresentados durante todo o processo diagnóstico mostraram que as
dificuldades vividas por Sophie durante as avaliações escolares pareciam estar
relacionadas a bloqueios emocionais. Esses bloqueios se deviam à maneira que Sophie
vivenciava as cobranças excessivas da mãe, as quais se tornavam fonte de sofrimento
e angústia. Novamente, a mãe de Sophie destacou a redução de suas cobranças em
relação aos estudos da filha e enfatizou as mudanças evidenciadas no processo
escolar.
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Por meio da maneira com que lidou com o brincar durante as primeiras sessões
ludodiagnósticas, Sophie não só expressou o seu mundo interno, como também pôde
compreender melhor suas fantasias e dificuldades. Após as primeiras sessões
ludodiagnósticas, Sophie apresentou-se mais tranqüila, evidenciando a diminuição de
suas angústias. Por intermédio do brincar, teve possibilidade de experimentação das
suas vivências e sentimentos, reproduzindo a si mesma e criando novas maneiras de
experimentar o mundo, permitindo, dessa forma, a elaboração de seus conflitos
inconscientes emergentes, tal como destacou Lemos (2007).
5. Considerações finais
Sophie teve uma notável diminuição das defesas e ansiedades, obtendo êxito nas
avaliações escolares realizadas nesse período. Contudo, Sophie e sua mãe foram
encaminhadas para assistência psicológica, com intuito de continuar o trabalho das
questões emocionais apresentadas no psicodiagnóstico.
Através da análise do caso Sophie, foi possível perceber que o psicodiagnóstico pode
funcionar como modelo de atuação terapêutica na medida em que não é utilizado
apenas como recurso de avaliação de sinais e sintomas, mas como um processo que
envolve a compreensão das dificuldades, acolhimento, esclarecimento e
conscientização de comportamentos problemas. Por meio de tais intervenções, que
podem ser consideradas terapêuticas, o paciente tem a possibilidade de sair da posição
passiva de apenas objeto de investigação e tornar-se responsável pelas próprias
mudanças, com a mobilização de recursos próprios para busca de transformação.
Referências
ANASTASI, A., & URBINA, S. Testagem Psicológica. Porto Alegre: Artes Médicas,
2000.
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