Você está na página 1de 333
HARMONIZACAO VOCALICA UMA REGRA VARIAVEL por LEDA BISOL Nacro-area: Linguistica e Filologia Tese de Doutorado em Linguistica apresentada % Coordenacao dos Programas de Pés-Graduacao da Fa~ cultade de Letras da Universida- de Federal do Rio de Janeiro. Orientador: Professor Doutor An- tony Julius Naro. Rio de Janeiro, 19 semestre de 1981 ‘A mou pai, Fortunato Bisel, auséncia sentida, A minha mie, Maria Rossato Biscl, tutadora incansavet. A tia AngeLina, aniga. A meus irndos, Dicio Luis Bisol ¢ Josmarw, José Paulo Bisot e Yolanda, Dinceu Fortunato Bisol ¢ Carmen, meus compankeinos . AGRADECI MENTOS Ao Professor Anthony Jueius Nato, meu orientador de tese, peto acompanhamento inteligente, seguro e pela atencdo incansivel G Professonra VYonne Leite, pela Lectura critica enriquecedonra da purte regenente & fonologia e, sobretudo, por seu apoio amigo ao Paogeasor Alan Kemp pela assisténcia prestinesa & analise aciistica xeakizada no Labonatinio de Fonética da Universidade de Edin burgh ao Professor A.L. Iskes pela Leitura da parte referente as tran Sig5eS & 08 oportunos ensinamentos necebidos durante o estagio na Univer- sidade de Edinburgh 20 Professor Jurgen Heye pela teitura da parte referonte 2 ana- Lise aciistica, sugestics e incentive a0 Progessonr Luis Cagliars. peta Leitura da parte nregerente a nasatidade ¢ a vatiosa contribuigho incorporada ao trabatho a0 Professor Mixio Camarinka da Sitva por iiteés sugestoes na pan~ te editorial ao Ihmio Evo Clemente, da Pontificia Universidade Catdtica do Rio Grande do Sue, por permitin traballian com dados do Curso de Pbs~Gra- duagdo, na anostna previa a Charlotte Enmerich ¢ a Gisele Nachtine de Oliveira Sitva pela presenca amiga nesta Longa jornada, e a Charkotte também pelas explica- Ges sobre a negra do Uneaut do alendo ¢ exemplificacses utilizadas neste Anabatho a Mauricio de Carvalho pela despreendida cofatonacao como in- fomnante da anostra previa no Labonatonio de Fonética de Edinburgh a Teda Heinz Comassette por facilitar o contato com os ingorman- tes de Taquara e acompanhar-ne durante toda a tarega de coteta de dados naquela cidade a mous ingormantes de Porto Afegne, Livramento, Verandpois (Non- te BOréco) ¢ Taquara, sem 0s quacs esta pesquisa nfo teria side reatizada ao Projeto NURC, déregdo e ingormantes & CAPES, Coondenagdio de Apergedgoamento do Pessvat do Ensino Su perion, pola boksa concedida & Universidade Federa do Rio Grande do Suk pela Licenca conce- dida 20 Rio-DATACENTRO ¢ & Universidade Federal do Ric de Janeiro pelos servicos computacionais ea todos aquetes que, de uma forma ou de outra, contribuiram para a concretizagac desta pesquisa. SINOPSE A variagio da preténica na pronfincia do Rio Grande do Sul. Andlise quantitativa. Problenas referentes 4 formalizag4o de um regra varidvel. Consideragdes fonéticas de ordem aciistica, articulatéria e audi- tiva. Semelhangas entre a regra de hoje @ a de onten. SUMARIO Pag 1 - A MULTIDIMENSIONALIDADE DE UMA REGRA VARIAVEL Light = Tatroduoso “eral, uy sc sccsegsile dk Saentieeseles te 1S 1.1.1 - Revis&e da literatura ....-....... 1s 1.1.2 - Objetivos ...... oe . 29 1.1.3 - Pressuposigées: contextos de variagio . 30 1.1.4 - Delimitagio.da area om estudo ......... 33 1.1.5 - Definigio operacional das variaveis lin- giisticas extralinglisticas ..... - 38 1.1.6 - LimitagSes © relevincia do presente tra~ Pid ea nee dans WAR L. een a7 1.2.1 - SWAMING ........02.seeecee 47 1.2.2 - VARBRUL ......+--.+ sees 48 1.2.3 - Amostragem e coleta de dados .. 49 1.3 - Resultados ......seeeseeeececesrene 57 1.3.1 - Variaveis lingliisticas ..... es 58: 1.3.2 - Variaveis extralingiisticas ........... 81 or 1.4.2 - 1.4.3 - Lead - 1.4.5 - 1.4.6 - cussao Nasalidade .... Contexto fonoldgico ....... Atoni idade ..... Sufixagdors+=seiesdactiees Tonicidade e contigilidade .. Etnia .. 2 - A REGRA FONOLOGICA sealete BB +. 88 92 jee 598 ++ 104 eg 2ULO. iaiee HLS 2.1 - Introdugéo ... 2.2 - Formalizagao - A regra de aplicagdo linear ........ A regra de aplicagao simultanea 2.2.1 - 2.2.2 - 2.2.3 ' 2.2.4 - A regra de aplicagao iterativa ........ A regra variavel .. 125 125 125 129 131 134 3 - ASPECTOS SINCRONICOS E DIACRONICOS DA VARIAGAO DA PRETONICA 3.1 - Andlise 3.1.1 - Introdugao .. 3.1.2 - 3.1.3 - acistica 3.LeL.L - 3.1.1.2 - Resultados .... 3.1.2.1 351.252 3.1.2.3 3.1.2.4 Discussao 3.1.3.2 - 3.1.3.2 - 3.1.3.3 - Selegdo da amostra ........+5 © mapeamento das vogais .. © sistema da regiao metropo- litana .. © sistema da regido de colo- nizagdo dlemi ........ © sistema da regido de colo- nizagéo italiana ..... © sistema da regido frontei~ riga Generalidades ... Diferengas dialetais . Transigdes ... a) Alveolar . b) Velar ..... c) Labial ...-..-.eee eee 4) Palatal .. 160 160 164 165 168 168 172 173 173 178 181 186 191 196 198 3.2 - Impressées aciisticas e auditivas .... 3.2.1 - Introdugdo .. 3.2.2 - Pri iro experimento: 0 efeito da la~ bializagio e da posigéo da lingua ..... 212 3.2.3 - Sequndo experimento: vogais sintéticas. 217 aes 22 3.3 - A categoria tensa/relaxada ... 3.4 - A variagao da preténica na histéria do portugués 229 3.4.1 - Introdugdo ........ ee as 2229) 3.4.2 - © que se deduz da presente pesquisa ... 232 3.4.3 = Consideragées adicionais 255 CONCLUSAD 4.1 - Conclusées gerais .. 258 4.2- ses 263 BIBLIOGRAFIA ... 265 NOTES 9.2.7 281 GLOBERRIO ” p riba, napu > nabo) como um processo que se desenrclou, pode dizer-se, sim excegdes, decorrente da regularidade con que os sons mudam. Atentos aos fatos ompiricos que refletiam por vezes ex- cegées As leis fonéticas, entendidas como o desenvolvimento na~ tural das linguas, admitiam os neogran&ticos a analogia ou mis- tura de dialetos como finica excegao 4 regularidade das refe- ridas leis, interpretada a analogia como uma atividade mental que se opunha ao processo mecanico da mudanga fonética, des- virtuando-lhe caminhes naturais. Tentando uma explicagiio psi- colégica, argumentavam que qualquer mudanga fonStica atri- bufda a modificagdes no ponto de articulagaio, provinha do in- dividuo, por empréstimo ou imitagdo ¢ se espalhava, através da comunicagéo, para a comunidade toda (Mattoso Camara, 1975, p. 75-84). 19 Posto de lado tal pensamento com o advento do estrutu~ ralismo que levou a sincrénica a refinamentos de andlise sem atentar para a diacronia, retoma-se hoje 0 objeto de estudo dos neogramaticos, embora as hipdteses centrais sejam outras. 1.1.1.3 - 0s variacionistas Enquanto os neogramaticos estudaram a mudanga lingtlis- tica entre linguas aparentadas ou dois estagios ou mais de_uma lingua, os variacionistas tratam hoje de apreender a mudanga na sincronia, tentando sistematizar as condigdes lingliisticas sociais de operabilidade de uma regra variavel, num dado sistema, ao lado de uma regra categérica. £ evidente que nao se pode captar ao vivo uma mudanga, nas as flutuagdes de__uma regra podem ser sintomas de futuras mudangas sistémicas. De maneira lenta e continua a mudanga de sons se processaria im perceptivelmente, ndo fora a existéncia dessas formas varian- tes que emergem e gradativamente véo adguirindo consisténcia. © destino de uma regra variavel & tornar-se uma regra geral. Neste sentido comenta Labov (1972a): En nuitas regras veriaveis hé um trago de ambionte tdo forte que quando ele esta presente, a regra se aplica em quase a totalidade dos casos. Iseo @ um aspecto importante da mudanga lingiistics. Regras caminham para a cua realizagio plena nos anbientes mais favorecidos, enquanto continuan variaveis nos demais. A apreenedo da regra variavel ndo 88 im- tice, mas tam porta cono expressao de mudanca Lingif bém cono parte integrante do sistema de uma lingua numa dada Epoca. (p. 28) 20 Hoje, n&o estudar a variagio de um sistema é atrofiar a 23): sua descrigéo. Neste sentido, comenta Bailey (1973, Minha posigio nie @ a de alguns sociolingiistas para quen o estudo da variagio @ um valioso acréscimo a lingUistica, mas € — o estudo padronizedo de var: oe cao em uma comunidade linglistica nao pode ser omi- tido da teoria lingufetica sem invalidé-la. 1.1.1.4 - 0 est&tico e o dinamico no sistema © ideal de um sistema coeso e harmonioso que tem suas origens em Saussure encontrou adeptos de Bloomfield a Chomsky, em uma gramatica do desempenho e em uma gramatica da compe- téncia. A variacao atribuiram-lhe sempre um papel secundario, como j& mencionamos. As premissas de Pike descartaram-na da andlise. 0s principios gerativistas no lhe deram nais do que o “status” formal de uma regra optativa. £ a teoria da va- riag&o gue lhe atribui o carater de regra da gramética da competéncia, e postula que quando se trata de descrever uma gramtica que reflita o saber lingliistico do falante, a regra variavel tem o mesmo “status" da regra geral, uma vez que o individuo faz uso de uma ¢ de outra com a mesma sabedoria. Na descrigio de uma lingua que reflita o saber do falante, a rea lidade da variag&o & to contundente quanto a das constantes que delineiam 0 funcionamento do sistema. Quando a variagSe sobrepassa o nivel do esporadico de sua fase inicial, cerceia-se de ambientes especificos que per- mitem captar-lhe as relagdes abstratas que a constituem, da 21 mesma forma e com as mesmas sutilezas de uma regra categérica (Bailey, 1973a, p. 13). £, portanto, o fluir do fendmeno lingiistico que se per- cebe nas formas variantes de uma regra, em uma dada época e em una.coletividade, aquilo que tende a quebrar a unidade con- sagrada do sistema, o centro da Teoria da Variagio. 1.1.1.5 - A mudanga lingitistica Numa se negou que as linguas mudam. As metodologias de andlise é que se centralizam ora nas diferengas entre duas linguas aparentadas ou estagios de lingua, ora no sistema abstrato ideal de uma lingua como se fossem dois compartimen- tos estanques. Tambén posicionamentos diferentes se foram tomando quan- to ao caréter da mudanga, advogando-a repentina ou gradual. Foi Sapir (1954) quem chamou ateng&o para o fato de que a mu- danga est& ligada 4 estrutura linglilstica, no sentido de que ela lhe vai determinando uma alteragéo se a sua evolugio gra- dual se for processando normalmente. © eventual aparecimento de um novo trago qualquer pode trazer consigo o germe de uma mudanga que por certo ocorrera, se for incorporado, consciente ou inconscientemente na fala de varios individuos, desencadeando-se um processo de expan- S8o de Areas de uso. Pode também nao ir além de um fato ca- sual, ou por outra, empreender uma trajetéria regressiva quan— do j4 posta em relevo, seguindo, de uma forma ou de outra, a destinagio dos seres vivos 22 A evolugdo dos sistemas prende-se & histéria das varia~ gées que na sincronia se fazem presentes perceptivel ou imper~ ceptivelmente. # 0 sistema de hoje o resultado de variagoes do sistema de ontem que se solidificaran com 0 perpassar dos tem- pos a ponto de alterar-Ihe a feigio, como as variagdes de ho- je trazen consigo as senentes do sistema de amanha. A mudanga ndo 6 abrupta. No é repentina. £ um pro- cesso lento e gradual, sustentado pelos mesmos principios de evolugie que regem o desenrolar dos fenémenos naturais (La- pov, 1972b, p- 274-275). com respeito 4 mudanga gradual, vale notar que nunca se nogou a exist@ncia de trés estagios sincrénicos que 1ne conforen autenticidade: 1) uma gramatica anterior 4 inovagao; 2) uma gramAtica con duas formas; 3) uma gramatica somente con a forma inovada, Diferentes posigdes teéricas levaram o nodelo tradicional voltar-se para (1) ou para (3) ¢ a Teoria da Variag&io fazer do segundo seu objeto de estudo (Berdan, 1973, p. 20-21). 1.1.1.6 - A variagao inerente De longos tempos aceita-se que a variagao é inerente a certas regras granaticais. Entende-se por variagéo inerente flutuagdes que ndo se podem classificar como empréstimo ou mistura de cédigos, ainda que se faga dificil distinguir uma de outra e nao figue excluida a possibilidade de a segunda po~ der ser a origem da primeira. Porém a variagéo inerente mos tra uma estrutura sensivel ao ambiente linglistico que a cer 23 ca, ndo encontr4vel nas flutuagdes resultantes da mistura de cddigos (Wolfram, 1974, p. 54-56). Na descrig&o de problemas de intralinguagem esta sempre viva a variagiio inerente. Na descrig&o de problemas de lin- gua em contato, pidginizagao ou bilinglismo, nado menos atuante é a variacdo por mistura de cédigos. Porém, quando se fala em variagio inerente, o tema sao as formas variantes de uma regra categSrica, presentes nos ideoletos que constituan o cor- pus da descrigo real de uma determinada lingua. Descrevé-la por wina metateoria que sé libertou das amarras de uma sincro- nia oposta 4 diacronia € 0 objeto da Teoria da Variagao que Uhe deu o formato de regra probabilistica, cuja operabilidade funcional no processo da mudanga continua de uma lingua pode ser predita. 1.1.1.7 - A regra probabilistica A teoria da variag&o tem apontado para o fato de que frequéncias relativas de uso de uma varidvel por um grupo po- dom fazer predigdes sobre a populagdo em jogo. Entio as afir~ magSes probabilisticas conferidas 4 regra tornam explicita um Propriedade importante da rogra variavel: ela é 0 recurso ideal para fazer generalizagSes sobre distribuigiio randémica ou pro- babilistica de realizagdes de variaveis (Berdan, 1973, p. 15- 16). Por outra, enquanto a nogao de opcionalidade falhou en descrever a regra variavel, a nogio de probabilidade captou- lhe a natureza sist@mica que existe até no nivel da grandticr de un s6 individuo, expressa como regra da gramAtica con’ 24 jada por tragos Linglisticos e sociais (Cedergren & Sankoff, 1974), verificveis através da segmentagao de contextos. 1.1.1.8 - A xestrigie variavel observa-se que muitos aspectos do ambiente linglistico afetam a aplicagéo de una xegra variavel. Entdo segmenta-se © contexto em que a regra ocorre, para descobrir subcategori~ zagdes relevantes, de acordo com intuigdes, inspecgSes, ana~ logia, suspeitas. © resultado @ um conjunto de restrigdes re~ gulares gue se distribuem hierarquicamente, pois h& aquelas que favorecem mais e as que favorecer menos a aplicagao da re- gra. Un exenplo 6 a regra da contragao do inglés preto: he 1 arco o/® <4 Pro > ## zz] & Bo ave > Ela estabelece (Labov, 1972a, p. 93-100) que @ contragao @ 0 apaganente variavel de um 'schwa' que deve incorporar 0 mar- cador tompo @ que & favorecida se precedida por um Pronone -@ seguida por um verbo. No-entanto 4 regra nio diferiris de una regra opcional nao fora associada 4 notagio de colchetes angulados uma notagao de contabilidade que prediz para © con- texto a uma atuacao maior que Be Segundo Wolfram (1974, p. 58-61), 0 que distingue a regra variivel da variagio da Gramética Tradicional & o padrao sis- tem&tico da variagio. Essa regularidade € demonstravel, iso- lando-se varios contextos lingllIsticos extralinglisticos, que favorecem ou inibem a operagao de uma regra opcional par- ticular. As restrigdes na variagao s&o ordenadas, entao s¢ — 25 pode formular una hierarquia regular de restrigées de uma re~ gra dada. 1.1.1.9 - © principio da contabilidade © primeiro passo no reconhecimento formal do principio da contabilidade 6 associar a cada regra variavel uma quanti- dade especifica que denota a probabilidade de a regra ocorrer. a & uma fung&o, um niimero que varia entre 0 e 1. © principio da contabilidade 6 motivado pela convitga de que o objetive da anflise lingiistica é sobretudo descrever padrées regula- res da comunidade de fala, mais do que padrées idiossincrati- cos de dado individual. A solugéo de Labov de associar a ca- da regra optativa uma indicag&o de sua freqiiéncia de usc (x), xesultente da operagio - BETES cccerekeles en que a regra poderia aplicar poe em evidéncia que a variagdo na freqliéncia nao é aleatéria, mas sistematica (Labov, 1972a). Uma gramatica contém regras categoricas e regras varia- veis. Essas iltimas sdo aquelas em que fatores linglisticos e extralingliisticos impedem a aplicag&o plena. © que se afirma com este modelo é que nao existe varia- gao livre. Toda variagao é condicionada por tragos linguis- ticos ou sociais ou por ambos. Note-se que a quantidade numérica associada regra va- xidvel nao Giz respeito 4 probabilidade de um individuo usar UFRES Biblioteca Setorial de Ciéncias Socisis e Humanidados 26 a regra, mas constitui uma indicagéo do peso relativo dos fa~ tores que condicionam a sua aplicabilidade, pois se cada fa- tor tem seu efeito préprio e constante na aplicagio da regra, (o efeito de um nio interfere no outro), @ suficiente calcular 0 efeito e a contribuig&io de cada trago de contexto e verifi- car como se combinam tais efeitos para calcular, por multi- plicagio, as probabilidades de ambientes especificos favore- cerem ou inibirem a aplicag3o da regra, segundo seus proponen- tes, Cedergren & Sankoff (1974). 1.1,1.10 - A independéncia dos fatores uma vogal precedente favorece a contragéo do copulativo no citade estude de Labov, sem levar em conta a presenca do verbo seguinte, outro fator que por sua fez favorece a apli- cago da regra, independentemente de ser o elemento preceden- te uma vogal ou uma consoante. B essa uma exemplificagao do principio matem4tico que governa o modelo nultiplicativo de Cédergren & Sankoff. S40 validos da mesma forma, neste modelo, fatores lin- gilisticos e extralingliisticos como etnia, tempo, classe so- cial, etc. 1.1.1.11 - 0 social Chamando atengao para o aspecto social da lingua, diz “Labov, (1972b) que nem todas as mudangas sao altamente estru- turadas, mas nenhuma acontece em um "vacuum" social. 27 o novo néo 6 a variago, mas a significagao social que jhe @ atribuide. Quando Labov estudou as variantes dos diton- gos /ay/ © /aw/ om Martha Vineyard, através de suas distribui- goes € freqliéncias om varias localidades da ilha, de acordo com as diferentes etnias, ocupagio e niveis de idade da popu“ jagdo, reconstruiu a histdria moderna da centralizagao dos re~ feridos ditongos e captou a sua significagao lingliistica. Ser de Vineyard é 0 trago social que foi reintroduzido na fala da jana, heranga dos ancestrais que havia tendido a desaparecer- fo reorvdescer desse trago na fala da nova geragéo que ten gua histéria na prépria histéria das etnias que, ao responde- ren a diferentes desafios, foram se imbuindo do espirito da terra, como o autor pode descobrir, aliando 4 andlise da VA- RIAGKO uma pesquisa de atitudes. quando se indaga sobre a origeme a histdria de uma mu- danga lingllistica, ndo se pode ignozar a vida social da comu- nidade, pois pressdes sociais estéo continuamente operando so- bre a lingua, nao a partir de um passado remote, mas agindo como forga imanente na vida social (Labov, 1972b, p- 122-141). padres sociais e lingiiisticos interagem de tal forma que 4 correlago entre eles pode apontar a significagSo linglistica de uma variavel. No primeiro estagio da mudanga, segundo © referido autor, quando essa comega manifestar-se esporadicaq mente, no tem nenhuma significagio lingliistica, somente quar do adquire una significago social € que ela comega a ropa” gar-se por imitagio ¢ a desenroler um papel na lingua, até ave substitua de todo a forma antiga, © @ regularidade se imponha como resultado final do processo. 28 © papel da lingua em seu contexto sociale seu efeito na gramatica hoje interessan os estudiosos. 1.1.1.12 - 0 tempo Parece que Saussure admitia que, se os dois fatores, © social e o temporal, fossem excluidos da lingua, a realidade seria falsificada: Tovtefois il ne suffit pas de dire que 1a langue est un produit des foroos sociales pour qu'on voie clairement qu'elle n'est pas libre; se rappelant qu'elle est toujours I'héritage d'une Epoque pré- cédente, il faut ajouter que ces forces ‘sociales agissent on fonction du temps. Si la langue a un caractére de fixité, ce n'est pas seulement parce quielle est attachée au poids de la collectivité, cest aussi qu'elle est situge dans le temps. Ce deux faits sont inséparables. (Saussure, 1972, p. 108) No entanto estruturalistas e gerativistas excluiram o tempo de seu modelo, com base na classica dicotomia saussurea- na e com vista a descobrir a regularidade do sistema em um mo mento fixo ideal. Na teoria atual, "diversity in social space ought to be thought of as a function of the time factor” (Bailey, 1973a, p. 13), 0 fator tempo é um aspecto relevante. E para o fato incontestavel de que a lingua muda o tempo todo que se voltam os variacionistas. Entfo se buscam, no tempo aparente, delineado através de idade ou classe social, indi- cios da hist6ria de uma variavel, cuja presenga se venha fa- endo notar na fala de uma comunidade. 29 para finalizar, deixemos em relevo o seguinte: — A variacao livre nao existe, pois toda variante @ con- cidionada por fatores lingilisticos e extralingiifsticos. Is- so, na verdade, nado 6 novo. Estava no cerne da teoria dos neogranaticos. Basta folhearmos os classicos livres de es- tudos da lingua, para neles constatarmos que as variagSes eram percebidas como fenémenos dirigidos. Nesse sentido comenta Adolpho Coelho (1874), gramAtico da Lingua Portuguesa: + ora examinando bem essas alteracoes’ de pronia= cia reconhece-se que ellas née sio arbitrarias,nas ao contrario se baseian sobre tendéncias regulares, sobre verdadeiras leis de transformagio phonica. (p- 65) - Mudanga lingiiistica é tema dos velhos tempos, mas VA- RIAGKO, entendida como inicio de mudanga gradual e interpre- tada como parte dos aspectos fundamentais da descrigao sincré- nica, 6 o novo que entra na Histéria da Lingilistica através do estudo das formas flutuantes nas linhas do modelo variacio- nista. 1.1.2 - Objetivos A instabilidade da vogal preténica que caracterizou o velho portugués deixou vestigios no portugués brasileiro,cujos falantes substituem variavelmente /e 0/ pelas respectivas vo- gais /i u/, sob o efeito de certos condicionadores. Ex. Fuja v curuja, menino v minino. | } | 30 Essa variagao que tem sua deriva controlada pela orto- grafia espraiou-se, nio obstante, pela fala popular e culta, ac que tudo indica sem estigmatismo social, configurada aos falares locais pela gradagiio de uso. © dialeto gaiicho, por exemplo, classifica-se entre aque- les que apresentam esse fendmeno moderadamente. Falado no extromo cul do Pais por descendentes de trés grupos étnicos, portugueses, italianos e alemSes, foi tomando, através da si- tuago de linguas em contato, seja o italiano eo alemao dos imigrantes seja o espanhol das cidades limitrofes, aspectos particulares, entre os quais a tendéncia a preservar a média preténica. 0 objetivo deste estudo averiguar os contextos favo- raveis e desfavoraveis para a aplicagio da regra que eleva a preténica e verificar, por meio de operagdes matematicas, a probabilidade de seu uso no dialeto gaficho. contextos de variacao 1.1.3 - Pressuposigdes A abordagem tradicional da redugao das atonas esta di- retamente ligada ao enfraquecimento da silaba. Os tragos fo- néticos que distinguem as sete vogais, perceptiveis na silaba ténica, gradativamente se fazem mais fracos 4 medida que se passa das posigdes preténicas para as posténicas. Disso de~ corre, basicamente, 0 seguinte sistema vocdlico do portugués brasileiro: 31 vénica Pret6nica Posténica final altas uid u 4 u £ Médias oe ° e Baixas 35) 8 P £ na pauta preténica que ocorre por efeito de condicio- nadores suscetiveis de descrig&o o fendmeno em estudo, chama- do harmonizagao vocélica A pratica parcimoniosa da harmonizag&o no dialeto gat cho pode encontrar, como diztamos, uma explicagaio razoavel na base das estruturas ou caracter[sticas das Linguas em contato. Diante disso, poder-se-ia esperar que no portugués dos bilin- gles alemes se constatasse maior uso da regra que eleva a vo-~ gal /o/ do que /e/, por uma predisposigéo advinda do fato de esses falantes estarem habituados a praticar a regra do Unlaut que modifica a vogal posterior do alemic na ambiéncia de um /i/ sufixal. Esperar-se-ia que no portugués dos bilingties italianos, a vogal alta aflorasse prodigamente, enquante esparsa se fi- zesse na fala dos fronteirigos, por razées histéricas, uma vez que na evolugiio das Linguas rominicas,o italiano deu prefe- réncia is altas preténicas om contextos em que o esparhol ten- deu a preservar as médias (Meyer Lubke, 1923, p. 296-299). Ainda que nao se tenha feito o estudo comparativo das diferentes estruturas linglisticas por nado ser esse 0 objeto deste trabalho, a andlise quantitativa que realizamos permite, ao estabelecer correlagdes sdcic-culturais e linglliisticas, de~ terminar tend@ncias gerais relacionadas A sistematizagéo des- 32 ta variavel e tendéncias especificas relacionadas ac refrea~ mento ou expansdo de seu uso, testando, através de amostragem ampla, a generalidade do fendmeno. Tratando-se de uma regra natural do Portugués, cujas o- xigens renontam ao latim do século IV, as etnias e outros fa~ tores sccio-culturais podem dar conta da gradagao de uso, mas as forgas imanentes que provocan essas flutuagdes devem ser encontradas nos principios que regem o sistema lingllistico. Costuma-se atribuir a alteragéio da média preténica a in- fluéncia de uma vogal alta seguinte, imediata, segundo alguns (Silva Neto, 1970), ténica, segundo outros (Mattoso Camara, 1969). Que as flutuagdes nao esto somente adstritas ao mencic- nado condicionador, dizem-nos exemplos. como os seguintes: bo- neca \ buneca, governo guverno. Ro observarmos os dados, as condigées mais propicias para a alteragio da preténica iam-se deixando perceber. Certas con- soantes, como a labial e a velar, pareciam constituir ambien- te fonético favoravel, a primeira para 2 elevag&o de /o/, a segunda para a elevagao de ambas as vogais. Certos segmentos, como o sufixo - zinho (categoricamente) e - inho (veriavelmente) portavam-se como inibidores. Certas vogais eram mais vulne- x&veis que outras ao processo, como a dos verbos de 3% conju- gagao e irregulares da segunda (ferir, firia; poder, pudia) e aquelas n§o oriundas de ténica no processo derivative (formi~ ga ~ furmiga); por sua vez, as alternancias do tipo gabeludo % gabiludo, de cabelo derivadas, mais raras se faziam. Em con textos nasalizados, parecia que o alteamento era mais comum 33 com /o/ do que com /o/. Ora a vogal alta ténica nos parecia © condicionador (coruja . curuja) ora a Atona (procissio v prucissao), nao faltando, todavia, situagées contraditérias vanbém se verificou que a vogal alta substituia a média, com freqléncia, em paradigmas inteiros (vistir, vistido, vistimen- ta, vistuario), como se a analogia estivesse a desompenhar o papel que a histéria lhe outorgou no processo evolutivo das lfnguas, 0 de propagadora de regras. Por acreditarmos intuitivamente que esses fatores .ofe- reciam condicionamentos positivos ou negativos para a aplica- gio da reara que altera a preténica, passaram eles a consti- tuir as variaveis através dos quais se processou a andlise 1.1.4 - Delimitacéo da Area em estudo Esta pesquisa propde-se estudar o comportamento da vo- gal preténica interna. A vogal inicial, a vogal em hiato e a prefixal foram postas de lado pelas razdes que seguem: 1.1.4.1 - Vogal inicial Os principios que regem a elevaco da vogal inicial nao se identificam com os que elevam uma vogal média pretGnica in- terna, mas devem estar em concordancia com outros. £ o que se deduz dos resultados da pequena amostra prévia que analisamos. A elevacao de /e/ antes de /N/ e /S/ que parece um fato consagrado tocou as raias de 908; do prefixo mediou a area de 36% a 508, do hiato de 43% a 80%, (Quadro 1), todos com indi- 34 ces superiores aos da vogal interna que nao ultrapassa a 4rea de 30%. 0s resultados parciais desta andlise estado expostos no Quadro 1. ded QUADRO | PREFIXO, HIATO, EN, ES, NA REGIAO METROPOLITANA EN ES PREF IXO HIATO Freq Freq. Freq Freq. wy 18 | a 16 E rte ee | gaye 368 ye 32 ° : 2 Hh = 508 3 = 80% Os vazios no Quadro dizem respeito & vogal o inicial, sobre cuja elevagdo a literatura consultada ndo nos oferece hipédteses. No entanto vé-se nos dados o 9 inicial elevar-se na vizinhanga da vogal alta (obrigado \ ubrigado), orguihoso » urgulhosc) como na sua auséncia (operar \ uperar, ovelha © uyvelha) . Com respeito ae, dir-se-ia que o siléncio 4 esquerda favorece a elevagao, quando seguido de /N/ e /S/, fato que tem comprovagao histGrica, segundo a investigagéo de Naro (1973). Mas exemplos néo faltam onde o siléncio @ esquerda funciona como elemento preservador da média: educagao (1 vez), educado (3 vezes) e nenhuma iducado e iducagdo; eletricista (5 vezes) e nenhuma iletricista; economia (5 vezes) e nenhuma iconomia 35 etc., assim como oragio (6 vezes) e nenhuma uragdo; olhar e derivados (10 vezes) e nenhuma ulhar; ordenado (13 vezes) e nenhuma urdenado etc. Enbora a amostra prévia seja relativamente poquena, tais resiiltados merecem ser levados em consideragao. Fatos como esses que fogen & histéria da vogal interna parecem indicar que deve a vogal inicial ser estudada 4 parte. - 1.1.4.2 - Hiato Fernao de Oliveira (1536), 0 primeiro gramitico portu- gués, notara a condi¢io de variavel da vogal posta com outra em contato. Com 0 perpassar de téo longos anos, seria dé esperar-se que ela se tornasse uma regra categérica. No entanto como variavel ven se mantendo no dialeto gaiicho, onde se ouvem teatro \ tiatro, geada v giada real v rial, ideal v idial, doente . duente, toalha . tualha, joelho . juelho, etc Apesar disso a elevagdo dessa vogal suprepuja 4 da vo- gal interna, como vimos. Por essa razao e pelo efeito diver- sificado da vogal seguinte (Quadro 2), nao foi ela incluida neste estudo. 36 QUADRO INFLUENCIA DA VOGAL SEGUINTE PREFTYOS FATORES EN Es HIATO Exclufdos EN/ES 1 TZ = oun | B= 90x | 38 ~ 90x 12 = ouz ¥ 5 ~ 922 | B= 98% | $ = 53% Pym 15% é Bese | Be uw | Be rw He 67 ° 48 - 758 HH + 100% t+ 6m ee e $e ore | pe 7s | fp - 1008 Fy - 508 > 7 = soe | 18 95% = $e: : Here | GL 792 | Be 16% Hh 26% 1.1.4.3 - Prefixo A histéria dos prefixos esta vinculada 4 classe de pa- lavras como preposigéo, advérbio e adjetivo. até hoje, parte deles ainda se comporta como se fora a palavra que lhe dera origem, guardando relativa independéncia com respeito ao vo- cabulo fonolégico de cujo corpo faz parte. # por isso que, em muitas gram&ticas, eles figuram no capitulo da composig&o. 37 De acordo com Michaélis de Vasconcelos (1956) , os pre- fixos da lingua portuguesa dividen-se om dois grupos: os que mantém o carater da palavra origindria, dela se distanciando apenas pela redugao do acento e os que se integram totalmente no vocSbulo com que combinam, e de tal forma que lembram o processo de sufixagio. Da remota formagio de muitos deles, o falante nao guarda memdria: receber, retribuir, porvir. Ora, se ha prefixos que nio perdem om parte o carter da palavra originaria, nose ineorporando totalmente ao novo voc4bula, entSo as palavras, por esse processo formadas, de- vem possuir certos tracos da composiga0, ambiente pouco pro- picio para a regra da harmonizagSe vocdlica como veremos om outras paginas deste trabalho. Todavia o Quadro 2 indica que a vogal alta seguinte pode exercer certa influéncia sobre a vogal do prefixo. Quando 0 prefixo se incorpora de todo 4 palavra como se fora um sufixo ou quando se tem perdida a sua origem, entao a harmonizagao passa a atuar: xetiro \ ritiro (subst.) porvir ~ purvir (subst.). Por outro lado, em pré-requisito [pre # rekizitu] ou prélar [pr ># lar], por exemplo, aparecem vogais que nao per- tencem 4 pauta preténica /2¢/, as quais por si sé aio indicios de que a vogal prefixal nao poderia estar inclufda na regra da harmonizag&o vocalica. Por vezes a vogal do prefixo 6 elidida como se observa nos seguintes exemplos, colhidos na regiao metropolitana: dsconfiado (1 vez), dsacostumado (1 vez) dsajeitado (1 vez), dsanéa (1 vez), dzanove (14 vezes) dscansadinha(2 vezes), ds- 38 eanso (14 vezes), dzasete (5 vezes), dscascar (2 vezes) ,dsgos- to (2 vezes), dsiludida (2 vezes) psthsimra 11 vores), dsfei- to (1 vez), etc. Parece que a redugio a zero pode atingir tanto a pauta preténica quanto a 4tona final (dents por dentes, parents por parentes), desde que se forme a conjuntura apropriada. Diante dessas peculiaridades da vogal prefixal, n&o foi ela inclufda neste estudo. © presente trabalho deixou de lado, portanto, a vogal inicial, final, a do hiatoe adoprefixo, estudadas por Naro (1973), pelas razdes supramencionadas, tomando por meta a des- crigio da vogal preténica interna. 1.1.5 - Definigio operacional das variaveis linglistices ¢ extralingliisticas © propésito da presente segio é operacionalizar a defi- nigdo das variaveis relovantos neste estudo, apresentando os parametros de anflise © exemplificando cbjetivamente os ter- mos nele empregados. 1.1.5.1 - variavel dependente 1.1.8.1.1 - Harmonizagao voc&lica ® a transformagio da vogal média preténica /e o/ em vo- gal alta /i u/, respectivamente. Ex: curuja por coruja; mi- nino por menin

Você também pode gostar