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tipo de apresentagiio desse tipo. As autoridades devem providenciar para que nas ruas da Cidade nao existam obscenidades representadas em pinturas ou esculturas, exceto naqueles templos de deuses cujos festivais permitem a pornografia, uma vez que nesses templos a entrada € facultada a pessoas maduras, de uma certa idade, que podem adorar os deuses niio-somente em seu nome, mas também em nome de seus filhos esposa. Mas 0s legisladores no deveriam permitir aos jovens que sejam espectadores dos iambos e das _comédias até que tenham idade suficiente para sentar-se A mesa nas Yefeicdes coletivas e para beber vinho forte; quando alcangarem essa idade, a educagio os tera preparado contra as influéncias negativas dessas representagdes. Fizemos essas observacdes um tanto superficialmente — elas so suficientes nesta oportunidade —; todavia, doravante retomare~ mos o assunto ¢ apés uma discussio mais completa determinaremos se uma liberdade tal deveria ou nfo ser concedida, e de que modo ela seria concedida, em caso afirmativo. TeSdoros, 0 ator tragico, tinha muita razio ao dizer que nao permitiria a nenhum outro ator, mesmo a um de segunda categoria, entrar em cena antes dele, pois os espectadores se enamoram das primeiras vozes que ouvem no espetéculo. E esse mesmo principio aplica-se universalmente para a associagdo com coisas ou pessoas, pois sempre gostamos mais daquilo que vem em primeiro lugar. Assim, os jovens deveriam ser mantidos a distancia de tudo que é ruim, especialmente daquilo que conduz.ao vicio ou ao édio. Entre os cinco ¢ os sete anos de idade, as criangas devem ser admitidas nas mesmas aulas que freqiientardo formalmente a partir de entiio. Ha dois periodos da vida em tomo dos quais a educagao deveria ser dividida, dos sete até a idade da puberdade, e dessa liltima até os vinte e um anos. Os poetas que dividem a vida em perfodos de sete anos esto provavelmente corretos; mas deverfamos observar as divisées fornecidas pela natureza, pois as lacunas dei- xadas pela natureza devem ser preenchidas pela arte ¢ pela educaco, Indaguemos, primeiramente, se & necessério estabelecer algum regulamento concernente fis criangas, e, em segundo lugar, se cuidado com elas deveria ser uma preocupaco péblica ou particular, como se dé costumeiramente em nossos dias, e, finalmente, passemos a discussao sobre o tipo de regulamento.necessari mye p Ss mivRownir Capitulo I N inguém pode por em diivida que a atengio do legislador deve estar centrada, acima de tudo, na educacio da juventude; negligenciar a educagio € promover grandes danos & constituigio. © cidadao deveria ser educado em harmonia com a forma de governo sob aqual vive, pois cada governo tem um cardter peculiar que © acompanha desde a sua origem e que ele preserva com 0 passar do tempo. O caréter democrético gera democracia, e o caréter oligérquico gera a oligarquia; e é fato que quanto mais s6lido for 0 cariter, melhor 0 governo seré. ‘Novamente, para o exercicio de qualquer faculdade ou 0 domtnio de uma arte qualquer, um treinamento prévio € uma etapa de adaptacio slo necessérios; é claramente 0 que se dé com a prética das virtudes. E j& que a cidade inteira compartilha dos mesmos fins, 6 evidente que a educagio deveria ser a mesma para todos, e que deveria ser publica, e nao privada — ou seja, no deve ser como atualmente, quando cada cidadio educa separadamente os seus filhos, dando-Ihes a instrugio que julga ser a mais apropriada; a preparagdo para aquilo que € comum a todos os eidadios dever ser igual para todos. Também nfo € certo supor que cada cidadio deva cuidar de seu préprio destino, pois todos os cidados pertencem Cidade; cada um é uma parte que integra o todo da Cidade, e os ccuidados para com a parte.sfo insepardyeis dos cuidados para com 6 todo. Nesse particular, como ¢m alguins outros, os lacedemdnios devem ser elogiados, pois eles dedigam grandes esforgos & educagao de seus filhos, e considéram a’educagao um assunto da Cidade. Capitulo II se deve negar que a educagiio deveria ser regulamentada pelas leis do governo, nem que deveria ser uma atividade da Cidade, mas qual deve ser 0 cardter da educagio ptiblica, e com que idade as criangas deveriam ser educadas, so questdes que permanecem em aberto. Ha controvérsias a esse res| . A humanidade nao é unanime no que diz respeito aos contetidos a serem ensinados, se devem servir & virtude ou & vida perfeita. As priticas vigentes nos deixam perplexos; ninguém sabe exatamente que princfpios seguir — se 0s da utilidade, se 0s da virtude ou se os do conhecimento méximo deveriam orientar os estudos; essas trés opinides j4 foram dominantes em algum momento. Mas no hé consenso quando se cute 0$ meios; com efeito, pessoas diferentes, que partem de diferentes conceitos de virtude, naturalmente discordam a respeito de sua prética. Nilo pode haver diivida que as criangas deveriam aprender aquilo que é necessério, mas isso nao significa que tenham de aprender tudo o que é titil; as ocupagdes sio dividas em liberais e servis; e as criangas deveriam ter acesso aos conhecimentos que Ihes serio titeis, sem que isso os vulgarize. Ora, qualquer ocupagio, arte ou ciéncia que faz 0 corpo, a alma eo intelecto do homem livre menos aptos & pratica ou ao exercicio das virtudes é vulgar. Dizemos que so ordindrias as artes que tendem a deformar 0 corpo; & igualmente todas as atividades pagas, pois elas absorvem e degradam a inteligéncia, Existem também algumas artes liberais muito apropriadas & educagdo do homem livre, mas apenas até um certo limite, ¢ caso ele participe desses cursos a tal ponto de buscar a perfeigdo nesses conhecimentos, os mesmos efeitos maléficos seguirao, Também 0 objetivo de vida que um homem define para si fe ‘uma grande diferenca; caso ele faca ou aprenda algo para o seu em exclusive ou de seus amigos ou a fim de desenvolver a exceléncia, a atividade nio parecer servil; mas se as realizada a mando de outros, as mesmas atividades ser’o mercenérias e servis A instrugio oferecida atualmente, como j4 dissemos, é marcada tanto pelo cardter liberal quanto servil. Capitulo TI Sao quatro os ramos mais comuns da educagio: 1) leitura ¢ escrita, 2) gindstica, 3) misica, es vezes aereseenta-se 0 4) desenho, Desses, a leitura, a escrita e 0 desenho so considerados igualmente liteis aos propdsitos da existéncia de varias formas diferentes, enquanto se acredita que a gindstica possa dotar 0 cidadio de coragem. Quanto & misica, uma diivida se levanta — em nossos prOprios dias, a maioria das pessoas cultivam-na por prazer, mas originalmente ela fazia parte da educagio, pois a propria natureza, como se tem afirmado com freqléncia, exige que sejamos capazes no apenas de trabalhar bem, mas também de nos divertir bem; pois, como devo realgar, o princfpio de toda a atividade é 0 lazer. Embora trabalho e lazer sejam necessérios & vida, 0 écio é preferivel e € seu fim mais elevado; portanto, & necessério langar a seguinte questo: 0 que devemos fazer com o nosso tempo de écio? E ébvio que nao deverfamos usé-lo para nos divertir, pois a diversdo seria o fim de nossa vida. Mas se isso & impossivel, e a diversio é mais necesséria do que nunca nas horas de trabalho compenetrado, pois aquele que se empenha no trabalho tem necessidades de relaxamento, eadiverstio sempre oferece a possibilidade do relaxamento, enquanto © trabalho vem sempre acompanhado das tensdes e do esforgo, deverfamos introduzir a diverstio apenas nas horas adequadas, ¢ ela deve nos servir como um remédio, pois as emogdes que ela faz sentir na alma sf contribuem para orelaxamento, eno prazer obtemos 0 descanso, Mas 0 dcio oferece prazer, felicidade e a satisfagio de viver, que néo so experimentados pelos homens ocupados demais, e sim por aqueles que tém tempo para o écio, Com efeito, aquele que trabalha tem algum fim em mente, algo que ainda néo conseguit atingir; mas o écio parece ser um fim em si mesmo, uma vez. que todos os homens consideram que ele vem acompanhado de prazer e nio de softimento. Esse prazer, todavia, é concebido de maneira distinta por pessoas diferentes, ¢ varia de acordo com os habitos de cada individuo, e a concepgao que o melhor dos homens faz do prazer € 0 melhor, pois emana das fontes mais nobres. Fica claro, ento, que hé ramos de aprendizagem e de educagao que devemos estudar tendo exclusivamente em vista 0 Scio dedicado a atividade intelectual, e esses ramos devem ser valorizados em si mesmos; a0 ppasso que aqueles tipos de conhecimento necessérios ao trabalho devem ser consideradosinecessérios; ¢ existem como meios para atingir outros fins. Por isso, n6ssos pais admitiam 0 ensino da miisica em nossa educacio, nao pottela ser necesséria ou ttil, pois ela nao é necessiiria, nem de fato €,t8o ttil.quanto a gramética, que 6 titil para ganhar dinheiro, na gestio do lar, na aquisigao de conhe- cimento e no desempenho da vida politica, nem € to util quanto o desenho, que nos ajuda a fazer um julgamento mais apurado das obras dos artistas, nem tio til como a gindstica, que contribs para nos fortalecer a satide; nenhuma dessas coisas pode ser adqui= rida pelo estudo da miisica. Desse modo, a miisica parece estar reservada ao deleite intelectual nas atividades de lazer; o que é, de fato, a razio evidente para a sua introdugio na educagio de um homem livre, pois essa é uma das atividades 4 que se deve dedicar ‘em seu tempo de 6cio; como disse Homero: Mas ele que, entre todos, deveria ser convidado para a festa alegre, e depois descreve outras pessoas que serdo também convi- dadas, como o poeta que deleitaré todos os demais. E, em outra passagem, Odisseu diz que nao hé outra forma melhor de passar a vida do que quando 0 coraco dos homens est feliz e os comensais sentam-se ordenadamente no salo, e ouvem a@ voz do menestrel. Eevidente, portanto, que existem ensinamentos que os pais devem transmitir aos fillos, ndio porque sejam iiteis ou necessérios, mas por serem liberais ¢ dignificantes. Quais os tipos desses ensinamentos, quantos so, do que eles consistem e como devem ser ministrados, so questdes que investigaremos mais tarde. A esse respeito podemos invocar o testemunho dos antigos; sua opinitio pode ser deduzida da importéncia que conferiam 2 miisica, pondo-a como um dos ramos tradicionais de educagio. Ademais, é 6bvio que as criangas deveriam ser instrufdas em algumas atividades tteis, por exemplo, leitura ¢ redacdio — no apenas porque sio titeis em si mesmos, ‘mas porque também servem como meio para a aquisi¢’o de outros / tipos de conhecimento. De uma perspectiva semelhante, eles podem aprender a desenhar, nfo para prevenir que cometam erros na aquisigo de obras de arte, nem apenas para que ndo venham a ser ludibriados, mas porque essa atividade faz deles melhores juizes da beleza nas formas humanas. A procura permanente da utilidade no promove a liberdade e a elevagio do espirito. E claro que, em educagao, a prética deve sempre anteceder a.teoria, © 0 7 deve ser treinado ! L y/ ' Odisséia, XV, 385,(N. do Tf antes do espftito; portanto os meninos deveriam ser entregues aos seus professores de gindstica, que desenvolverdo neles bons habitos, atléticos, e aos instrutores de Iuta, que hes ensinardo as técni dessa arte. Capitulo IV Algumas das cidades que, em nossos dias, sto famosas pela maxima ateng%o que conferem & educagio de suas criangas, tém como meta exclusiva o desenvolvimento do hébito atlético, 0 que conduz 3 distorg%o das proporgdes de suas formas corporais durante © seu crescimento. Embora os lacedem@nios nao tenham incorrido nesse erro, brutalizam suas criangas com exercicios forgados, acre- ditando que com esse procedimento podem Ihes infundir coragem. ‘Mas na verdade, conforme temos repetido, a educagao nao deveria ser ditigida exclusivamente ou principalmente para esse fim. E ainda que os lacedem@nios estejam certos em seu objetivo, os resultados que almejam no séo obtidos, pois entre os bérbaros ¢ os animais, a coragem encontra-se associada, no ao temperamento de maior ferocidade, mas 2 calma, como a que possui um ledo. Hé muitos povos com tendéncias 2 antropofagia, como os acaios e os enfocos, que vivem junto a0 Mar Negro, no Pontos; ¢ hé outros povos que vivem no continente, t20 maus quanto aqueles ou até piores, que vivem da pilhagem, mas que no tém coragem alguma. E notério que os proprios lacedeménios, embora fossem superiores 0s demais povos enquanto realizam seus exercicios militares com assiduidade, agora so superados tanto nas competigdes atléticas quanto nos exercicios de guerra, Com efeito, a sua antiga superiori dade no dependia do modo com que treinavam os seus jovens, ‘mas apenas das circunstdncias em que eles eram treinados, em uma 6poca em que seus tinicos rivais nao recebiam nenhum treinamento. Conseqilentemente, podemos inferir que aquilo que € nobre, ¢ niio © que & brutal, deveria estar em primeiro lugar; pois nenhuma raposa ou outro animal selvagem consegue enfrentar um perigo nobilitante; tais petigos esto reservados para os homens corajosos. De modo que os pais que imp6e.a ginéstica aos seus filhos enquanto negligenciam as outras éreas dé sua educagio, fazem deles trabalha- dores comuns, pois levam-nos a desenvolver uma tinica qualidade necesséria & cidadania, e,até mesmo fesse quesito fazem-nos inferiores aos outros. Nao devemos julgar os lacedeménios pelo que foram no passado, mas por aquilo que so hoje; pois antigamente possufam o melhor sistema educacional, mas agora hé outras cidades gue rivalizam com eles nessa érea. Admite-se por prinefpio que os exercicios fisicos devem ser empregados na educagio, mas que para as criangas eles devem ser realizados dentro de certos limites, evitando-se uma dieta severa demais ou trabalhos forcados, de modo que o seu crescimento nfio seja prejudicado. Os males causados pelos exercfcios fisicos excessivos na primeira infancia sio evidentes quando se analisa a relagio dos campedes olimpicos; pouco mais de dois ou trés deles ‘ganharam prémios nas competig6es infantis e, mais tarde, nas com- peticdes adultas, 0 seu treinamento precoce e os exercicios fisicos severos, levaram-nos & exaustiio. Quando a infiincia chega ao fim, um periodo de trés anos deve ser dedicado a outros estudos; 0 perfodo da vida que vem a seguir pode entio ser dedicado aos exercicios mais vigorosos e a uma dieta mais rfgida. Os homens nao devem trabalhar simultaneamente com a mente € 0 corpo, pois esses dois tipos de exercicio sio opostos; 0 esforgo fisico impede 0 bom desempenho intelectual, e 0 esforgo mental atrapalha a disci- plina fisica. Capitulo V Em relagio & misica, hé algumas questées que j4 levantamos anteriormente; podemos agora retomar 0 assunto € conduzi-lo ao proximo estdgio; e nossas observagdes servirtio como um preltidio para essas ou outras discusses a esse respeito. Nao é fécil determinar a natureza da misica ou a razo pela qual alguém deveria obter Aconhecimentos sobre ela. Poderiamos dizer que ela serve A diversio. € a0 relaxamento, tal como 0 sono ou a bebida, que nfo sio atividades boas em si mesmas, mas so agraddveis e “fazem cessar as nossas preocupagées”, como disse Euripides. Pois com esse objetivo os homens escolhem a miisica, fazendo uso equivalente das trés modalidades —o sono, a bebida e a mtisica —acrescentando, em alguns casos, a danga.Ou deyemosindagar se a mésica promove a virtude, com o argumento dé que/pode ediicar 0 nosso espitito, habituando-nos aos prazeres mais elevados,/da mesma maneira que 1oss0s corpos adquirentim deterinado caster saudével por forga Sat da gindstica? Ou ainda se ela contribui de algum modo para que desfrutemos do écio além do cultivo do espitito, que é uma terceira alternativa? Obviamente os jovens ndo devem ser instrufdos tendo- se em vista apenas a diversdo, pois a aprendizagem nio se confunde com 0 entretenimento, ¢ 0 esforgo integra, inevitavelmente, 0 seu processo. Ademais, o entretenimento intelectual nao é adequado ‘a0s meninos até determinada idade, pois aquilo que é um fim em si mesmo nfo deve servir a0 que & imperfeito. Contudo, é possfvel que se recomende o ensino da miisica aos meninos, pensando-se na diversio que eles terdo quando crescerem, Se esse € 0 caso, por que eles deveriam aprender a tocar mdisica, em vez.de simplesmente, tal como os reis das medas e dos persas, aproveitar 0 prazer € a instrugo que deriva de se ouvir a musica tocada pelos outros? E certamente as pessoas que tem na miisica a sua profissdo tocaréo melhor do que aqueles cuja pratica se limita & aprendizagem bésica. Se eles devem aprender miisica, devem também aprender a cozinhar, fo que é um absurdo, E ainda que se prove que a misica ajuda a formar o caréter restar4 uma objeciio: por que deverfamos ser miisicos, nds mesmos? Por que no podemos obter um prazer verdadeiro ¢ formar um julgamento correto apenas pela audigéo da miisica tocada por outros, como fazem os lacedeménios? Muito embora eles no aprendam musica, so capazes de distinguir corretamente, como dizem, as boas e m4s melodias. Ou novamente, se a mtisica deveria promover entusiasmo e um deleite intelectual refinado, a objegiio ainda permanece — por que deverfamos aprender nés mesmos, em vez de apreciar a execugio feita por outros? Podemos ilustrar 0 que estamos dizendo com a nossa concepgiio dos deuses; pois de acordo com 0s textos poéticos, Zeus ndo canta ou toca a lira ele mesmo. Podemos até mesmo chamar os misicos profissionais de vulgares, ainda dizer que nenhum homem livre deveria tocar ou cantar, a menos que esteja embriagado ou queira fazer gracejos. Mas esses assuntos podem ser deixados para outro momento. ‘A primeira pergunta a ser respondida é se a misica deve ou nao ser inclufda na educagiio, Em qual das trés alternativas mencionadas anteriormente, a misica € mais produtiva: na educagio, do diverti- mento ou do deleite intelectual, pois ela pode ser encaixada em qualquer uma dessas trés;drease,parece compartilhar da natureza de todas elas. O divertimento serve a0 | relaxamento, eorelaxamento € necessariamente agradavel, pois € o alfyio para a dor causada pelo esforco: e o deleite'intelectual é universalmente conhecido por conter elementos nfo somente de nobreza, mas igualmente de prazer, pois a felicidade é uma combinacio de ambos. Todos os homens concordam que a musica é um dos maiores prazeres que hé, seja ela apenas instrumental ou cantada; como diz. Musaios: ‘A misica, entre todas as coisas, € a mais doce. Por isso, e com boas razées, é ela introduzida nas reunides sociais e nas ocasides festivas, porque alegra o coragdo dos homens, e por esse motivo podemos supor que os jovens devam ser educados na mtisica, Com efeito, os prazeres inocentes nilo esto apenas em harmonia com a perfeita finalidade da vida, mas também porque oferecem relaxamento. Ocorre, porém, que os homens raramente aleangam aquilo que almejam, e com frequéncia descansam e se divertem, nfo apenas para poder, depois, cumprir um objetivo mais elevado, mas também pelo prazer imediato, e portanto nfo hé problema que encontrem, as vezes, 0 relaxamento através da misica. Por vezes, os homens fazem da diversiio um fim em si mesmo, confundindo os prazeres inferiores com aqueles que provavelmente existem na consecugao de fins mais elevados; confundem um tipo de prazer com 0 outro, ¢ 20 procurar um deles, encontram 0 outro, j4 que todo prazer é semelhante ao fim maior que se almeja, O fim no € desejével por causa de algum bem que adviré dele no futuro, nem os prazeres que jé descrevemos anteriormente existem para a obtengao de algum futuro bem, mas sim de um bem que se situa no passado, ou seja, eles so 0 alfvio dos sofrimentos e dos esforgos do passado. E podemos inferir que essa 6 a razdo pela qual os homens procuram a felicidade nesses prazeres. ‘Mas a miisica nao é apenas procurada como forma de alivio aos cesforgos do passado, mas também como uma forma de recreagio, E ‘quem pode afirmar se, ao lado dessa sua utilidade, no haverd ‘outras mais nobres? Além desse prazer comum, sentido e compar- tilhado por todos (pois 0 prazer que a misica oferece & natural, e, portanto, adaptado a todas as idades e carter), é possfvel que ela tenha afinal algum influéncia sobre o carter e sobre a alma, Ela teve possuir esse tipo de influéncia se os caracteres forem afetados por ela. E a realidade dessa influéncia,evidencia-se de diversas ma- neiras; por exemplo: pélo poder que as cangdes de Olimpos exercem sobre os jovens; no hé divida gue elds inspiram entusismo, e entusiasmo é uma emogio quesintegra"6 lado ético do espirito. ‘Além disso, quando ouvimos imitagdes [de agGes] nossas préprias emogées variam em sintonia com a miisica, mesmo que nio tenhamos consciéneia de seus ritmos e tonalidades. Uma vez que a miisica é um prazer, ¢a virtude consiste em vivermos corretamente 18 sentimentos de deleite, amor e dio, niio ha nada que requeira de ‘nés um empenho maior do que a aquisicao e 0 desenvolvimento do poder de formarmos julgamentos apropriados, aprendendo a nos deleitar com as boas disposicdes ¢ as atividades mais nobres. Os ritmos ¢ as melodias podem representar a raiva e a dogura, como também a coragem e a temperanca, e, igualmente, todas as qualida- des contrérias a essas, e das demais qualidades de caréter, sem se distanciarem da realidade desses sentimentos, como sabemos por experiéneia prépria, pois ao ouvirmos tais acordes nossas almas passam por verdadeiras transformagdes. O habito de sentir o prazer ou 0 sofrimento a partir de meras representagdes ¢ semelhante aos sentimentos experimentados diante das realidades; por exemplo, a alguém que se deleita com a mera observagio da beleza de uma estétua, & certo que a visio da pessoa real que inspirou a obra causaré prazer. Contudo, os objetos dos demais sentidos, tais como © paladar e 0 tato, nfo possuem nenhuma semelhanga com as qualidades morais; nos objetos visiveis existe um pouco dessa afinidade, pois ha figuras que transmitem o cardter moral, a0 menos até um certo limite, € nem todos os homens sio sensfveis a essa experiéncia, Novamente, as figuras e as cores nio sto imitagées, mas sinais de habitos morais, indicagdes de estados de sentimento fornecidas pelo corpo. A sua conexio com a moral é minima, mas se existe alguma ligagio, os jovens devem aprender a olhar nao as obras de Pauson, mas as de Polfgnoto, ou de qualquer outro pintor ‘ou escultor que expressa idéias morais. Por outro lado, mesmo nas mais simples cangGes hé uma imitagao de caréter, pois diferentes ‘melodias diferem essencialmente entre si, e aqueles que as ouvem stio afetados de formas distintas por elas. Algumas cangées fazem ‘com que os homens se sintam tristes e graves, como, por exemplo, no caso do chamado género mixolidio, outras melodias ajudam a relaxar 0 espitito, e outras ainda produzem um estado de espirito equilibrado, moderado, com 0 que caracteriza 0 modo dério. A misica frigia inspira entusiasmo.,O,gssunto,foi bem discutido por estudiosos desse esse Famo|da educagio(. eles confirmam os seus argumentos com fatos. O' mesmo’ princfpi9, aplica-se aos ritmos; alguns tém uma caraéteristica/de repouso, ‘outros transmitem fot movimento, ¢ entre esses iltimos, alguns se referem a movimentos mais nobres e outros a movimentos mais vulgares. Apresentamos argumentos suficientes para demonstrar que a musica tem o poder de influenciar a formagdo do cardter, e deveria, portanto, ser introduzida na educagio da juventude. O estudo € apropriado & juventude, pois os jovens nao suportam aquilo que nao seja adogado pelo prazer, e a mtisica possui uma docura natural, Parece existir em cada um de nés um tipo de afinidade com os diapasdes e os ritmos musicais, o que leva alguns filésofos a afirmar que a alma é uma harmonia, ¢ outros a dizer que a alma possui uma harmonia. Capitulo VI Agora, cumpre-nos responder uma questo levantada anterior- mente: devem os jovens aprender a cantar e a tocar musica? E evidente que o caréter passa por transformagées considerdveis, em virtude da prética musical Edi, se nfo impossfvel, fazer um bom julgamento do desempenho de outrem se ndo se tem uma experiéncia dessa desempenho. Além disso, é importante que os jovens ocupem-se de algo, e a matraca de Arquitas, que os adultos dio aos seus filhos para entreté-los e com isso prevenir que quebrem objetos decorativos da casa, foi uma invengaio de grande importancia, J que as criangas nao sabem ficar paradas. ‘A matraca € um brinquedo adequado & mente infantil, © a educago musical € uma espécie de brinquedo para criancas que jé cresceram bastante. Conclufmos, portanto, que os jovens devem aprender a mésica de tal modo que sejam capazes de tocé-la, muito além de restringir-se & sua critica. A pergunta sobre 0 que é € 0 que nio é adequado as diferentes faixas etdrias pode ser facilmente respondida; também nao é dificil lidar com a objego daqueles que créem que o estudo da miisica é uma atividade vulgar. Respondemos, primeiramente, que aqueles que devem ser jufzes, precisam igualmente ser executores, ¢ que seria bom que dessem inicio & sua prética 0 mais cedo possivel, embora, quando mais velhos, possam ser poupados da prética. Deve aprender a apreciar €.o-que é-bom:e a desfruté-lo, gragas a0 conhecimento adquirido em sua inffincia’ Quanto 20 suposto efeito vulgarizador que miisica exerce sobre’os jovens, trata-se de uma questo de solugio Féeil quands consideramos até que ponto o homem livre deve se aprofundar nos estudos de arte, durante 0 perfodo de sua educagiio, para que seja capaz de exercer futuramente os seus deveres ¢ direitos politicos; com essa reflexio podemos avaliar que melodias e ritmos deveriam ser permitidos & sua edu- cagfio, ¢ que instrumentos deverao aprender a tocar, pois até mesmo aescolha do instrumento faz grande diferenca. A resposta 4 objegio volta-se sobre essas distingdes, pois é bastante possivel que certos ‘métodos de ensino e aprendizagem musical tenham sobre o individuo um efeito degradante. E evidente, portanto, que a aprendizagem musical no deveria influenciar negativamente no desempenho que jovem teré futuramente em suas atividades, nem deveria degradar o ‘corpo ou deix4-lo inapto para o treinamento civil ou militar, seja para os exercicios corporais do momento, seja para os estudos avangados que virtio mais tarde. O equilibrio sera obtido se os estudantes de miisica se abstiverem de participar dos festivais profissionais de arte, e no procurem alcangar 0 virtuosismo na execugiio musical que se tornou moda nessas competigdes e que ja contaminou o processo educacional. Que aos jovens seja permitido praticar a misica que prescrevemos aeles até aqui, mas apenas até o momento em que se deleitem com as nobres melodias e ritmos, mas nfo com aquelas melodias ordi- nérias nas quais os escravos, as criangas e até alguns animais encontram prazer. ‘A partir desses prinefpios podemos inferir que instrumentos deveriam ser introduzidos na educagiio dos jovens. A flauta, ou qualquer outro instrumento que requeira grande habilidade, como por exemplo a harpa, nao deve ser admitida, mas sim aqueles instrumentos que produzirao alunos de misica bem-sucedidos nas outras dreas da educagdo. Ademais, a flauta nfo expressa o cardter moral do homem, Ela 6 apenas excitante, portanto deve ser usada somente nas ocasiées em que a execugio tem em vista, nfo a instrugio, mas a catarse. E existe uma outra objecio; o impedimento que a flauta oferece ao uso da fala constitui um desvio do valor pedagégico. Desse modo, os antigos estavam certos quando proibiam a pritica da flauta para os jovens e os homens livres, embora tenham permitido durante um determinado periodo. Pois quando sua riqueza os predispOs:mais,ao-lazerje:possufam nogGes mais elevadas sobre o sentido da exceléncia, éstando também orgulhosos de seu sucesso, antes e depois da guerra com os persas, passaram a buscar, com mais zelo do que discernimento, todo tipo de conheci- mento ¢ introduziram o estudo da flauta na educagio dos jovens. Na Lacedeménia, um certo corego conduziu 0 coral tocando uma flauta, € em Atenas o instrumento tomou-se tio popular que a maioria dos homens livres sabia tocé-lo. A sua popularidade pode ser demonstrada pela placa que Trésipos mandou fazer depois de haver equipado 0 coro para Ecfantidas. Mais tarde a experiéncia permitiu aos homens discernir aquilo que era e aquilo que nao era favordvel a virtude, e entio rejeitaram a flauta ¢ muitos outros instrumentos fora de moda, como a harpa Ifdia, a lira de muitas cordas, 0 heptagono, o triangulo, a sambuca, ¢ outros do género — que tem como finalidade exclusiva oferecer deleite a0 que ouver, requerem extraordindria habilidade para se tocar. Hé também um. sentido no mito dos antigos que nos conta de que modo a deusa Atena inventou a flauta ¢ logo em seguida langou-a fora, Nao foi uma m4 idéia deles atribuir 4 deusa o sentimento de repulsa ao instrumento porque ele distorcia a beleza facial de quem o tocava; mas podemos reforgar as razdes de sua rejeigio 2 flauta, dizendo que ela percebeu que a execucio daquele instrumento em nada contribufa para o desenvolvimento da inteligéncia, j4 que Atena é a deusa tanto da sabedoria quanto da arte, Assim, rejeitamos os instrumentos tocados profissionalmente, tanto quanto a educacio profissionalizante de musica (e ao dizer profissional estamos nos referindo aos concursos musicais), pois para esse fim o artista nfo pratica a arte para o seu préprio aper- feicoamento pessoal, mas para oferecer um prazer vulgar aos seus ouvintes. Por esse motivo, a execugio desse tipo de miisica nio deve ser parte da educagaio de um homem livre, mas sim da educagio de um miisico profissional, ¢ o resultado disso € que os miisicos so subalternos, pois o fim a que aspiram é inferior. A vulgaridade do sspectador tende a desvalorizar o cardter da miisica e, conseqiien- {Emente,o carter daquele que aexecuta; os espectadores olham-no — cle os faz ser aquilo que so, e podem influenciar até mesmo os seus movimentos corporais com a mésica. Capitulo VIT ‘i » AT « ~\ Temos ainda de considerar’os ritinosle a Rarmonia, e sua apli- caglio na educagio dos jovens. Devemos isar todas as harmonias ou selecioné-las? E a mesma distinggo deye se aplicar aos que praticam a misica para fins educacionais, ou em cada caso a selegdo terd as suas peculiaridades? J4 sabemos que a misica é produzida pela melodia e pelo ritmo, e deveriamos conhecer as influéncias desses fatores sobre a educagio, ¢ se devemos preferir nna miisica a exceléncia da melodia ou a do ritmo. Entretanto, como © tema jé foi abordado com propriedade por miisicos da atualidade e também por filésofos que tém considerével experiéncia sobre educagio musical, deixemos que nossos leitores investiguem, se quiserem, esses estudos mais especializados. Falaremos apenas, ‘como fazem os legisladores, dos prinefpios gerais concernentes a0 assunto. ‘Aceitamos a classificagao das melodias, segundo a proposta de certos fildsofos, em melodias representativas da ética, da ago e as inspiradoras ou melodias representativas de entusiasmo, cada uma delas tendo um estilo correspondente & sua natureza. Mas acreditamos também que o ensino da miisica nao deveria servir a uma tinica finalidade, mas a vérias, a saber: 1) & educagiio, 2) & catarse (voltaremos a falar sobre 0 significado dessa palavra [na poétical); a mésica pode também servir 3) ao deleite intelectual, a0 relaxamento depois da tensio do trabalho. E evidente, portanto, que devemos empregar todos os estilos musicais, mas nfo da mesma maneira, Na educagio devemos preferir os estilos mais éticos, mas na audigio de miisicos profissionais podemos admitir os estilos que representam a ago e o entusiasmo. Algumas almas séo muito suscetiveis a sentimentos como a compaixio e o medo, ou ainda o entusiasmo. Algumas pessoas entram em um éxtase religioso quando ouvem certas melodias sacras — quando ouvem melodias que levam a alma a uma experiéncia mfstica — renovando-se como se tivessem encontrado a cura e a catarse. Os que so mais suscetiveis 2 compaixio ou ao medo e emogGes de toda natureza devem ter ‘uma experigncia semelhante; cada um é tocado na alma pelas emogées &s quais se encontra mais suscetfvel, ¢ todos tém, de algum modo, a alma renovada em virtude da leveza e do deleite. As melodias que tem a funco catértica oferecem também prazeres inocentes a0 homem. Esse € 0 tipo de miisica que deve ser executada por aqueles que participam dos concursos nos teatros. Mas uma vez que os espectadores sdo.de dois,tipos — 0s livres e educados ¢ a multidio ordindria composta de artifices Servigais e outras categorias inferiores — devem existit ainda 6s festivais\de mdsica instituidos para o relaxamento dessa segundo classe,de pessoas. E a mtisica deve corresponder apropriadamente sua alma; com efeito, sua alma foi desviada em relagao ao seu estado natural, as melodias € harmonias em tons mais altos e cromaticamente forcadas so igual mente desvios da natureza. Um homem sente prazer com aquilo que € natural para si, portanto os miisicos profissionais de classe inferior devem estar autorizados a tocar esse tipo de miisica para audiéncias que também pertencem @ mesma classe inferior de pessoas. Mas para fins educacionais, como jé afirmei, deve-se empregar harmonias e melodias que representem atitudes éticas, tal como 0 jé citado exemplo da miisica déria; embora possamos incluir quaisquer outros estilos musicais aprovados por filésofos formados em musicologia. Sécrates, na Reptiblica, esté errado a0 recomendar apenas o estilo musical frigio além do dério, prin palmente porque ele rejeita a flauta; pois a misica frigia esta para as harmonias como a flauta est para os instrumentos — ambas sio excitantes e emocionantes. A poesia é a prova do que afirmo, pois 0 éxtase béquico € todas as emogdes semelhantes a ele sio mais adequadamente expressos pela flauta, e sto mais compativeis com a harmonia frigia do que com qualquer outra. O ditirambo, por exemplo, é reconhecidamente frigio, de acordo com as evidéncias apresentadas pelos especialistas, entre as quais esta o fato de Filéxenos ter tentado compor o seu ditirambo Os Misios no estilo dério sem obter sucesso, tendo de recorrer ao estilo frfgio, muito mais apropriado para esse tipo de composigio, segundo a sua propria natureza, Todos estilo de acordo que a miisica déria é a ais séria e a mais viril. E porque sempre dizemos ser necessério evitar os extremos € seguir 0 caminho mediano, sendo o estilo dério intermedidrio entre os outros estilos, € dbvio que nossa juventude deve aprender a musica déria. Dois objetivos devem ser perseguidos, o possivel ¢ 0 ideal: ésses so os objetivos que devem mover todos os homens, mas mesmo esses objetivos devem corresponder apropriadamente as diferentes faixas etérias; os mais idosos, que jé perderam parte de suas forgas, nfio podem cantar as harmonias forcadas, e a propria natureza parece sugerir que as suas cangées devem ser as de um estilo mais calmo, Por isso alguns estudiosos da misica culpam Sécrates, ¢ com justica, por ele rejetar os estilos calmos de misica na educagio sob a alegagio de que sio embriagantes, nfo no sentido literal do termo ,(@té porque 0’ vinho tende a excitar os homens em vez de acalmé-l Jos) mas porque/éles parecem perder 0 seu vigor fisico quando ouvem esse estilo musical. Todavia, tendo em vista 0 perfodo de seu envelhecimento, os homens devem praticar as harmonias e melodias musicais mais suaves ¢ outros tipos de musica também, como aquelas que sio apropriadas as crriangas de tenra idade, e que possuem caracteristicas favordiveis a educagio e & ordem, especialmente as cangSes lidias. Assim, ¢ evidente que a educagio deve basear-se nestes trés princfpios: 0 caminho do meio, 0 poss{vel ¢ o ideal. in]

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