Você está na página 1de 43

SCHNEIDER, Sergio; SCHIMITT, Cláudia Job.

O uso do método compara- 1


tivo nas Ciências Sociais. Cadernos de Sociologia, Porto Alegre, v. 9, p. 49-87,
1998.

O uso do método comparativo nas ciências sociais

Sérgio Schneider1 e Cláudia Job Schmitt2

A com p a r a çã o, en qu a n to m om en to d a a tivid a d e cogn itiva , p od e s er


con s id er a d a com o in er en te a o p r oces s o d e con s tr u çã o d o con h ecim en to n a s
ciências s ocia is . É la n ça n d o m ã o d e u m tip o d e r a ciocín io com p a r a tivo qu e
p od em os d es cob r ir r egu la r id a d es , p er ceb er d es loca m en tos e tr a n s for m a ções ,
con s tr u ir m od elos e tip ologia s , id en tifica n d o con tin u id a d es e d es con tin u id a d es ,
s em elh a n ça s e d ifer en ça s , e exp licita n d o a s d eter m in a ções m a is ger a is qu e
regem os fenômenos sociais.

Pa r a a lgu n s a u tor es , a im p os s ib ilid a d e d e a p lica r o m étod o exp er im en ta l à s


ciên cia s s ocia is , r ep r od u zin d o, em n ível de la b or a tór io, os fen ôm en os
es tu d a d os , fa z com qu e a com p a r a çã o s e tor n e u m r equ is ito fu n d a m en ta l em
ter m os d e ob jetivid a d e cien tífica . É ela qu e n os p er m ite r om p er com a
s in gu la r id a d e d os even tos , for m u la n d o leis ca p a zes d e exp lica r o s ocia l. Nes s e
s en tid o, a com p a r a çã o a p a r ece com o s en d o in er en te a qu a lqu er p es qu is a n o
campo d a s ciên cia s s ocia is , es teja ela d ir ecion a d a p a r a a com p r een s ã o d e u m
even to s in gu la r ou volta d a p a r a o es tu d o d e u m a s ér ie d e ca s os p r evia m en te
escolhidos.

Nes s e a r tigo tom a r em os com o p on to d e p a r tid a a id éia d e qu e o m étod o


com p a r a tivo n ã o s e con fu n d e com u m a técn ica d e leva n ta m en to d e d a d os
em p ír icos . O u s o d a com p a r a çã o, en qu a n to p er s p ectiva d e a n á lis e d o s ocia l,
p os s u i u m a s ér ie d e im p lica ções s itu a d a s n o p la n o ep is tem ológico, r em eten d o a
u m d eb a te a cer ca d os p r óp r ios fu n d a m en tos d a con s tr u çã o d o conhecimento
em ciências sociais.

1 . Dou t or a n d o d o Pr ogr a m a d e Pós -Gr a d u a çã o em S ociologia d a UFRGS e Pr ofes s or d o


Departamento de Sociologia da UFRGS.
2 . Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.
2

In icia lm en te, p r ocu r a r em os r efletir a cer ca d a s r ela ções exis ten tes en tr e a
com p a r a çã o e a exp lica çã o s ociológica em a lgu m a s d a s a b or d a gen s clá s s ica s d a
s ociologia (Com te, Du r k h eim e Web er ). Pr op om os , a s egu ir , u m b r eve r oteir o d e
qu es tões r ela tiva s à op er a cion a liza çã o d o m étod o com p a r a tivo. Por fim ,
d is cu tir em os u m exem p lo con cr eto d e a p lica çã o d o m étod o com p a r a tivo,
tom a n d o com o r efer ên cia a ob r a d e Ba r r igton Moor e J r ., “As origen s s ociais d a
ditadura e da democracia”.

I- O MÉTODO COMPARATIVO NA PERSPECTIVA DOS CLÁSSICOS: COMTE,


DURKHEIM E WEBER

A d is cu s s ã o a cer ca d o m étod o com p a r a tivo e d e s eu p a p el n a con s tr u çã o d o


con h ecim en to es tá p r es en te n a s ociologia d es d e os es tu d os clá s s icos d o s écu lo
XIX. Ma r x, a o lon go d e s u a ob r a , tr a b a lh ou s is tem a tica m en te com o con fr on to
en tr e d ifer en tes ca s os h is tór icos s in gu la r es . S eu es tu d o a cer ca d a s “for m a ções
econ ôm ica s p r é-ca p ita lis ta s ” con s titu i-s e em u m b om exem p lo n es s e s en tid o.
Com te, Du r k h eim e Web er , p or s u a vez, a in d a qu e d e m od o d ifer en cia d o,
utilizaram-s e d a com p a r a çã o com o in s tr u m en to d e exp lica çã o e gen er a liza çã o.
Para esses autores, a análise comparativa encontra-se estreitamente relacionada à
p r óp r ia con s titu içã o d a s ociologia en qu a n to ca m p o es p ecífico d o con h ecim en to,
perm itin d o qu e es ta s e d is ta n cie d a s ou tr a s ciên cia s s ocia is , d em a r ca n d o s eu
terreno próprio de atuação.

S er ã o a n a lis a d a s n es s e a r tigo a s con tr ib u ições d e Com te, Du r k h eim e Web er ,


p ois é n a ob r a d es s es a u tor es qu e é p os s ível en con tr a r u m tr a ta m en to m a is
aprofu n d a d o d a s qu es tões ep is tem ológica s e m etod ológica s a s s ocia d a s a o u s o d a
comparação na construção do conhecimento em ciências sociais.

1. A SOCIOLOGIA DE COMTE E O USO DO MÉTODO COMPARATIVO


3

1.1 Os fundamentos da Física Social

Atribui-s e a Com te, com ju s tiça , a or igem d a S ociologia ou Fís ica S ocia l,
com o ele m es m o p r efer iu ch a m a r a ciên cia in cu m b id a d e es tu d a r os fen ôm en os
s ocia is . As con s id er a ções qu e s e s egu em b u s ca m r ecu p er a r s u a s for m u la ções
a cer ca d a Fís ica S ocia l, s eu ca m p o d e es tu d os e m etod ologia d e in ves tiga çã o,
d a n d o es p ecia l a ten çã o à s p r op os ições d o a u tor a cer ca d o u s o d a com p a r a çã o n a
análise sociológica.

Viven d o n a ép oca d e efer ves cên cia p olítica e s ocia l qu e m a r cou os


p r im ór d ios d a in d u s tr ia liza çã o eu r op éia , Com te (1 7 9 8 -1 8 5 7 ) im p ôs -se a ta r efa d e
fu n d a r uma ciên cia s ocia l p os itiva , qu e d es fr u ta r ia de p r es tígio e r igor
s em elh a n tes à s d em a is ciên cia s exp er im en ta is 3 . Na s u a op in iã o, s om en te com a
Fís ica S ocia l com p leta r -se-ia o ed ifício p or ele d en om in a d o d e "s is tem a d a s
ciências da observação", integrado pela astronomia, pela física, pela química e pela
fisiologia (ou Biologia)4 .

S egu n d o Com te, a Fís ica S ocia l es ta r ia in cu m b id a "d o es tu d o p os itivo d o


con ju n to d a s leis fu n d a m en ta is a p r op r ia d a s a os fen ôm en os s ocia is ", ca b en d o-lhe
p or is s o o n om e d e S ociologia . Pa r a Com te, a Fís ica S ocia l n ã o d ever ia s er cr ítica
n em r etr óga d a , m a s or gâ n ica . S ó a s s im s er ia ca p a z d e im p u ls ion a r a h u m a n id a d e
a o p r ogr es s o e r es p on d er a os d es a fios d e s u a ép oca , em u m a s ocied a d e qu e "s e
en con trava, s ob o as p ecto m oral, em u m a verd ad eira e p rofu n d a an arqu ia... e, n ão
havendo outra solução admissível a não ser a formação da Filosofia Positiva” 5 .

3 . Durante muitos anos Comte foi um dos principais discípulosde Saint Simon.
4 . Com t e d efin e a Fís ica S ocia l com o s en d o “…a ciên cia qu e tem por objetivo próprio o es tu d o d os
fen ôm en os s ociais , con s id erad os com o m es m o es pírito qu e os fen ôm en os as tron ôm icos , fís icos ,
qu ím icos e fis iológicos , is to é, com o realid ad es s u bm etid as a leis n atu rais in variáveis ...”. Boa p a r t e
d a s cit a ções u t iliza d a s n es s a s eçã o d es s e a r t igo for a m r et ir a d a s d a ob r a “Cu rs o d e Filos ofia
Positiva” d e Com t e. Pa r a fa cilit a r o a ces s o d o leit or a es s e m a t er ia l for n ecem os a qu i, s em p r e qu e
p os s ível, a p a gin a çã o u t iliza d a n a colet â n ea or ga n iza d a p or E va r is t o d e Mor a es Filh o. Ver :
MORAE S FILHO, E va r is t o (or g). Comte: s ociologia . S ã o Pa u lo: Át ica , 1 9 8 3 . Pa r a a qu eles t r ech os d a
ob r a n ã o in clu íd os n o volu m e or ga n iza d o p or Mor a es Filh o, r ecor r em os à cit a çã o d o t ext o or igin a l
de Comte. Ver: COMTE, A. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
5 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 64.
4

Pa r a cr ia r es ta n ova d is cip lin a e a d equ á -la a o m étod o d a s d em a is ciên cia s


exp er im en ta is , Com te d efr on ta r -se-ia com tr ês p r ob lem a s fu n d a m en ta is : (i) com o
a tr ib u ir à S ociologia u m a es p ecificid a d e e u m ca m p o p r óp r io d e exp er im en ta çã o;
(ii) com o d efin ir s eu es ta tu to teór ico; (iii) com o a d equ á -la a o m étod o cien tífico
universal das ciências.

Qu a n to a o p r im eir o p r ob lem a , Com te fa zia qu es tã o d e s a lien ta r a d ifer en ça


en tr e a Fís ica S ocia l, in cu m b id a d a ob s er va çã o d os fen ôm en os s ocia is , e a
Fis iologia , qu e s e ocu p a va d os fen ôm en os b iológicos . Pa r a ele, "ain d a qu e a
Fis iologia d a es p écie e d o in d ivíd u o s ejam d u as ciên cias ab s olu tam en te d a m es m a
ord em , ou an tes , d u as p orções d is tin tas d e u m a ciên cia ú n ica, n ão é m en os
in d is p en s ável con ceb ê-las e tratá-las s ep arad am en te” 6 . A r ela çã o es ta b elecid a p or
Com te en tr e a S ociologia e a Biologia es ta va d ir eta m en te liga d a a o m étod o
u n iver s a l d a s ciên cia s d a exp er im en ta çã o (qu e d eta lh a r em os m a is a d ia n te),
baseado no princípio da indução e da filiação gradual. Entretanto, segundo Comte,
a S ociologia p od er ia e d ever ia a p r en d er o m od o p os itivo d e p r oced er , qu e ou tr a s
disciplinas, como a Biologia, já haviam incorporado.

E m r ela çã o a o es ta tu to teór ico d a Fís ica S ocia l, Com te r etom a os p os tu la d os


n om ológicos d e Ba con a o a fir m a r qu e tod o con h ecim en to r ea l r ep ou s a n os fa tos
observados e toda especulação imaginativa deve ser subordinada à observação dos
fa tos em s i. Ao m es m o tem p o, o a u tor es ta b elece qu e "n en h u m a verd ad eira
ob s ervação é p os s ível s em qu e s eja p rim eiram en te d irigid a e fin alm en te in terp retad a
por uma teoria"(Comte, Curso de Filosofia Positiva, Primeira Lição, III).

As teor ia s , p or ta n to, con s is tem na a fir m a çã o de d eter m in a d a s leis


in va r iá veis qu e r egem o com p or ta m en to d os fen ôm en os s ocia is . A Filos ofia
Positiva, por sua vez, enquanto ciência busca a coordenação dos fatos através de
uma teoria ou de uma lei geral de explicação. Assim: " ... é nas leis dos fenômenos
qu e con s is te realm en te a ciên cia, à qu al os fatos p rop riam en te d itos , p or m ais exatos

6 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 67.


5

e n u m eros os qu e p os s am s er, n ad a m ais forn ecem d o qu e os m ateriais


indispensáveis"7 .

Pa r a Com te o ob jetivo d a ciên cia é s u b m eter con tin u a m en te tod o e qu a lqu er


fen ôm en o a leis r igor os a m en te in va r iá veis . A p a r tir d es s es p os tu la d os u n iver s a is ,
torna-s e p os s ível extr a ir leis ger a is , p r even d o os r es u lta d os d e fen ôm en os
s em elh a n tes qu e a con teça m em s itu a ções d e es p a ço e tem p o d is tin ta s . Fatos
n ovos passam a s er exp lica d os à lu z de for m u la ções n om otética s p r é-
estabelecidas, e é nisso que consiste o espírito positivo.

E m r ela çã o a o m étod o, o ter ceir o e ú ltim o p r ob lem a com o qu a l s e d ep a r ou ,


Com te a p on ta a indução e a filia çã o h is tórica como in s tr u m en to fu n d a m en ta l d a
d ou tr in a p os itiva . S eu p r in cíp io ger a l é o gr a d u a lis m o lógico p elo qu a l s e
es ta b elece qu e é "p ela vin cu la çã o d os fa tos p r eced en tes qu e s e a p r en d e
ver d a d eir a m en te a con s id er a r os fa tos s egu in tes ". Des s e m od o, o m étod o lógico-
ind u tivo cu lm in a n a for m u la çã o d e p os tu la d os , a os qu a is Com te p r efer iu d a r o
n om e d e teor ia s p os itiva s ou leis ger a is e in va r iá veis . E m b or a a S ociologia ten h a
s u a d ou tr in a e s eu p r óp r io ca m p o d e ob s er va çã o, ela com p a r tilh a d a u n icid a d e
metodológica, própria ao conjunto das ciências da observação8 .

Baseando-s e n o p r in cíp io indutivo, Com te a fir m a s er a filia çã o gr a d u a l


(gr a d u a lis m o) a m elh or m a n eir a d e tor n a r a S ociologia u m a ciên cia ob jetiva . As
leis ger a is e in va r iá veis fu n cion a r ia m com o p os tu la d os e a xiom a s qu e s er ia m
tes ta d os e con fr on ta d os com os fa tos a tr a vés d a exp er im en ta çã o. No lim ite, a
p r óp r ia for m u la çã o d es s a s leis ou d es s es p os tu la d os d ep en d er ia d o gr a d u a lis m o
lógico in er en te a o m étod o, ou s eja , u m a lei ger a l e in va r iá vel s e con s titu i a tr a vés
d o m étod o u n iver s a l qu e ta m b ém p a s s a a s er o m od o d e fa zer ciên cia d a Filos ofia
Positiva.

7. Ver: MORAES FILHO, op.cit., p. 53.


8. Segundo Comte, o método não é sucetível de ser estudado separadamente das pesquisas em que é utilizado. “Quanto
à doutrina, não é necessário que seja uma só; basta que seja homogênea. É, portanto, sob esse duplo ponto de vista, da
unidade dos métodos e da homogeneidade das doutrinas, que consideramos, neste Curso, as diferentes classes de
teorias positivas”. Ver: MORAES FILHO, op.cit., pp. 73 e 81.
6

Ain d a n o qu e s e r efer e a o m étod o, Com te n os for n ece d ois cor olá r ios
fu n d a m en ta is a es te p r in cíp io lógico-ind u tivo a n ter ior m en te exp os to: (i) d eve-se
a fa s ta r a s ca u s a s en qu a n to p r eocu p a çã o d a Fís ica S ocia l e, (ii) b u s ca r n o m étod o
histórico, através da filiação gradual, o complemento lógico ao positivismo. Quanto
a o p r im eir o cor olá r io, Com te a fa s tou d e s u a s p r eocu p a ções a b u s ca das
ca u s a lid a d es (p r in cíp io fu n d a m en ta l d o p en s a m en to d e Du r k h eim ). Pa r a ele, o
ob jetivo d a Filos ofia Pos itiva er a o d e s u b m eter os fen ôm en os à leis in va r iá veis e
não procurar suas causas, fossem elas primárias ou finais. Segundo Comte:

“A verd ad eira ciên cia con s is te, tod a ela, n as relações exatas
es tab elecid as en tre os fatos ob s ervad os , a fim d e d ed u z ir, d o
m en or n ú m ero p os s ível d e fen ôm en os fu n d am en tais , a s érie m ais
exten s a d e fen ôm en os s ecu n d ários , ren u n cian d o ab s olu tam en te à
vã p es qu is a d as cau s a e d as essências. Numa palavra, a revolução
fu n d am en tal qu e caracteriz a a vitalid ad e d e n os s a in teligên cia
con s is te es s en cialm en te em s u b s titu ir, em tod a p arte, a in aces s ível
determinação das causas propriamente ditas pela simples pesquisa
das leis (…) a determinação do como à do porque”9 .

Nes te a s p ecto, a id en tifica çã o d e Com te com os p r oced im en tos d efen d id os


p or Ba con é com p leta . A con cep çã o d e Com te p od e s er ca r a cter iza d a , d e m od o
sucinto, através do seguinte esquema:

9 Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 80.


7

CIÊNCIA
=
Fenômenos + Observação = Dedução + Leis Invariáveis

No qu e s e r efer e a o s egu n d o cor olá r io, p od e-s e a fir m a r qu e, em b or a Com te


con s id er a s s e s u a n ova d is cip lin a cien tífica ca p a z d e a p r op r ia r -s e d os m eios
in ves tiga tivos d a s ou tr a s ciên cia s 10, es ta b eleceu com o com p lem en to in d is p en sável
à lógica positiva "o modo histórico propriamente dito, constituindo a investigação, não
por simples comparação, mas por filiação gradual"11.
Atr a vés d o p r in cíp io m etod ológico d a filia çã o gr a d u a l, Com te ga r a n te u m a
es p ecifid a d e à Fís ica S ocia l p er a n te à s ou tr a s ciên cia s , a o m es m o tem p o em qu e
aprimora seus procedimentos metodológicos. Aqui a analogia no modo de proceder
p os itivo en tr e a S ociologia e a Biologia é es tr eita e evid en te. Pa r te-s e d o ger a l a o
p a r ticu la r , d o gr u p o p a r a o in d ivíd u o, u tiliza n d o-se como procedimento a
comp a ração. Pa r a Com te, “n a fís ica d os cor p os or ga n iza d os , a o con tr á r io, s en d o o
p r óp r io h om em o tip o m a is com p leto d o con ju n to d os fen ôm en os , s u a s
d es cob er ta s p os itiva s com eça m n eces s a r ia m en te p elos fa tos m a is ger a is , qu e lh e
p r op or cion a m d ep ois u m a lu z in d is p en s á vel p a r a es cla r ecer o es tu d o d e u m
gên er o d e p or m en or es . Começa-s e p or d es cer d o geral p ara o p articu lar, p orqu e
conhece-se mais diretamente o conjunto do que as partes"12.
Com te a d m itia qu e a d es cr içã o em p ír ica a b s olu ta d o m od o d e s er d os
fen ôm en os er a im p os s ível, r econ h ecen d o p or is s o qu e a m a n eir a m a is ju d icios a d e
proceder na Sociologia para manter o rigor científico e metodológico deveria incluir
os s egu in tes p a s s os : (i) a ob s er va çã o p r op r ia m en te d ita ou exa m e d ir eto d o
fen ôm en o; (ii) a exp er iên cia , con tem p la çã o d o fen ôm en o em con d ições a r tificia is
(a tr a vés d a u tiliza çã o d e r ecu r s os d e in ves tiga çã o) e; (iii) a com p a r a çã o, is to é, a

10. “... além da aptidão quanto às deduções, desenvolvidas na fase matemática, a possibilidade de exploração direta
que manifesta a fase astronômica, a apreciação experimental própria da fase físico-química, e, enfim, o método
comparativo, emanado da fase biológica....” Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 85.
11 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 85.
12 . Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 83.
8

con s id er a çã o gr a d u a l d e u m a s ér ie d e ca s os a n á logos , a tr a vés d a qu a l o fen ôm en o


s e s im p lifica ca d a vez m a is . Os d ois p r im eir os s ã o com u n s a tod a s a s ciên cia s , d e
m od o es p ecia l à s exp er im en ta is , e o ú ltim o r efer e-s e m a is d ir eta m en te à
Sociologia, e deve ser analisado à parte, tendo em vista os objetivos desse artigo13.

1.2 O método comparativo segundo Augusto Comte

Os p r oced im en tos com p a r a tivos d e Com te es tã o in s p ir a d os n a b iologia e


m er ecem u m a con s id er a çã o p r elim in a r . S egu n d o Com te, qu a n d o s e ob s er va a
s ocied a d e com o u m tod o, d eve-se entendê-la como um organismo social complexo.
As p a r tes con s titu in tes d evem s er a n a lis a d a s d e u m a for m a a n á loga a os m em b r os
do corpo humano, ou seja, a partir da observação das funções desempenhadas por
ca d a p a r te. A d ifer en ça fu n d a m en ta l qu e exis te en tr e a m b a s a s d is cip lin a s
científicas reside na experimentação, que na Biologia é direta e na Sociologia se dá
d e m od o in d ir eto. Con tu d o, Comte acreditava qu e r ed u zid a à es tá tica s ocia l "a
u tilid ad e cien tífica d e tal com p aração era verd ad eiram en te in con tes tável”, m es m o
que o es ta d o gr egá r io h u m a n o tives s e con h ecid o u m a evolu çã o p r ogr es s iva d es d e
os primórdios em relação às variações quase imperceptíveis dos animais14.

Para Comte as leis ger a is e in va r iá veis p od ia m s er d es cob er ta s n a S ociologia


p or in ter m éd io d a com p a r a çã o, n o tem p o e n o es p a ço, en tr e d ifer en tes ép oca s
h is tór ica s ou d ifer en tes a gr u p a m en tos h u m a n os . A S ociologia dever ia s e va ler d o
m étod o com p a r a tivo u tiliza d o n a Biologia , d es d e qu e d e m od o or d en a d o e
obedecend o a u m en ca d ea m en to r a cion a l. O u s o d a com p a r a çã o n a Biologia
en volvia , s egu n d o o a u tor : (i) a com p a r a çã o en tr e a s d iver s a s p a r tes d e ca d a
or ga n is m o d eter m in a d o; (ii) a com p a r a çã o en tr e os s exos ; (iii) a com p a r a çã o en tr e

13. S egu n d o Com t e, n a S ociologia , em vir t u d e d a in cid ên cia d a s p a ixões s ob r e o in ves t iga d or , o
espírito positivo ainda se encontra fragilizado. Isso requer um esforço extra dos pesquisadores para
qu e r es gu a r d em com ext r em o cu id a d o s u a s p os ições em r ela çã o a os ob jet os n o m om en t o d a
observação.
14. Ver: MORAES FILHO, op. cit., p. 92.
9

as diversas fases do desenvolvimento de um organismo; (iv) a comparação entre as


diferentes r a ça s ou va r ied a d es d e ca d a es p écie; (v) en fim , o m a is a lto n ível,
constituído pela comparação entre todos os organismos da hierarquia biológica.

Na S ociologia a com p a r a çã o ta m b ém p od er ia ocor r er em d ifer en tes n íveis .


Na com p a r a çã o S ociológica , o p r im eir o p r oced im en to en volver ia o con tr a s te en tr e
a s p a r tes con s titu tiva s d e u m a s ocied a d e e a id en tifica çã o d e d ifer en ça s s im p les
sociedade-s ocied a d e (con for m e iten s 1 e 2 a cim a ). O s egu n d o p a s s o r efer e-s e à
comparações entre sociedades humanas em diferentes épocas, como, por exemplo,
en tr e m od er n os e p r im itivos (item 3 a cim a , s egu in d o a a n a logia com o u s o d o
m étod o com p a r a tivo n a Biologia ). E m ter ceir o, s egu n d o Com te, a exem p lo d a
Biologia , a S ociologia d ever ia con s tr u ir cla s s ifica ções en volven d o d ifer en tes r aças,
gên er os , etn ia s e fa m ília s , p a r a m elh or com p a r a r , p ois , com o ele p r óp r io
m en cion ou , "n a d a é m a is a p r op r ia d o d o qu e es te p r oced im en to p a r a ca r a cter iza r
n itid a m en te a s d iver s a s fa s es es s en cia is d a evolu çã o h u m a n a " (r efer in d o-s e a o
item 4 a cim a ). E , fin a lm en te, a com p a r a çã o h is tór ica d os d iver s os es ta d os
con s ecu tivos d a h u m a n id a d e, a tr a vés d o m étod o d a filia çã o gr a d u a l on d e, à
semelhança da Biologia, se comparam todos os organismos da hierarquia (item 5).

A im p or tâ n cia qu e Com te a tr ib u i à com p a r a çã o h is tór ica com o m étod o p or


excelên cia d a Fís ica S ocia l, es tá ta n to n a s u a d ifer en ça em r ela çã o a os m étod os
u tiliza d os p ela s d em a is ciên cia s , com o p elo fa to d ela cor r ob or a r o p r in cíp io
m etod ológico qu e con s is te em p r oced er d o u n iver s a l p a r a o p a r ticu la r (d o geral
p a r a o es p ecífico), p er m itin d o o u s o r a cion a l d a s s ér ies s ocia is . Por ta n to, a
comparação por filiação gradual constitui-se no procedimento metodológico que dá
con s is tên cia ep is tem ológica a o m étod o d es tin a d o a d a r s u p or te à n ova ciên cia
incumbida do estudo dos fenômenos sociais.
10

2. DURKHEIM E A COMPARAÇÃO COMO LEI DE EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA

A com p lexid a d e e a im p or tâ n cia d a a b or d a gem teór ico-m etod ológica d e


Du r k h eim n ã o p od em s er com p r een d id a s (ou a tu a liza d a s ) s em u m a r eflexã o
a cer ca d o lu ga r ocu p a d o p ela com p a r a çã o em s u a ob r a , n o qu e s e r efer e à
con s tr u çã o d a exp lica çã o s ociológica . Con cor d a m os a qu i com Ra gin & Za r et
qu a n d o a fir m a m qu e a a n á lis e com p a r a tiva ocu p a u m lu ga r cen tr a l n a ob r a d e
Du r k h eim , ju s ta m en te p or qu e é a tr a vés d ela qu e o a u tor a p r es en ta s u a s s olu ções
p a r a a lgu n s d os p r ob lem a s fu n d a m en ta is d a s ciên cia s s ocia is , en tr e eles , a d ifícil
conciliação entre a complexidade e a generalidade da pesquisa social15.

Du r k h eim em p r ega d ifer en tes in s tr u m en tos a n a líticos , com o os tip os id ea is


e a s es p écies s ocia is , n a op er a cion a liza çã o d e u m a es tr a tégia d e com p a r a çã o
s is tem á tica . Ma s , a in d a qu e o a u tor ten h a ch a m a d o a ten çã o p a r a a im p or tâ n cia
d o m étod o com p a r a tivo n a a n á lis e s ociológica , o s ign ifica d o ep is tem ológico d es te
procedimento nem sempre aparece de forma explícita em seus escritos.

Antes de analisarmos a forma como Durkheim utiliza o método comparativo,


con s id er a m os n eces s á r io evid en cia r d ois p a s s os d ecis ivos qu e a n teced em o u s o d a
com p a r a çã o em s u a a b or d a gem s ociológica . In icia r em os n os s a r eflexã o r etom a n d o
a p er s p ectiva d u r k h eim ia n a a cer ca d os fu n d a m en tos ep is tem ológicos da
exp lica çã o ca u s a l p a r a , a s egu ir , d is cu tir a con s titu içã o d os tip os s ocia is , o qu e
deverá nos conduzir, finalmente, ao tema central da discussão desse artigo.

2.1. Os fundamento epistemológicos da explicação causal

15 . Algu n s d os a r gu m en t os a p r es en t a d os a s egu ir for a m r et ir a d os d o a r t igo d e Ra gin e Za r et . Ver:


RAGIN, C. e ZARE T, D. Th eor y a n d m ethod in comparative research: two strategies. Social forces,
Chappel Hill, v. 61, n. 3, p. 731-754, March 1983.
11

Em ter m os ep is tem ológicos , Du r k h eim a licer ça su a p r op os ta teór ico-


m etod ológica em um p r in cíp io ger a l, qu e se d ivid e em d ois p os tu la d os
fu n d a m en ta is . Por u m la d o, a cr ed ita qu e a s ocied a d e h u m a n a d eva s er es tu d ada
com o os d em a is or ga n is m os b iológicos , p os s u in d o u m a lógica or ga n iza tiva
s em elh a n te à d a s s ocied a d es a n im a is . Por ou tr o, p os tu la qu e, p a r a con h ecer e
exp lica r o or ga n is m o s ocia l, é p r ecis o d es ven d a r s u a s con exões es s en cia is ,
formadas pelas relações de causalidade e de funcionalidade que lhe são inerentes.

O primeiro postulado é afirmado por Durkheim quando este estabelece uma


r egr a fu n d a m en ta l com o p on to d e p a r tid a d e s eu m étod o, qu a l s eja , a d e qu e "os
fatos sociais devem ser tratados como coisas"16. Essa regra impõem ao sociólogo que
es te s e coloqu e em u m es ta d o d e es p ír ito s em elh a n te a o d e u m fís ico ou u m
qu ím ico em u m la b or a tór io, d e for m a a tr a ta r os ob jetos d e es tu d o d a ciên cia
social como coisas, ou seja, enquanto realidades externas à sua consciência.

Na ver d a d e, a n tes d e os fa tos s ocia is p od er em s er tr a ta d os com o cois a s , ou


s eja , tor n a r em -s e p a s s íveis d e s er em s u b m etid os a o m étod o p os itivo, Du r k h eim
p r ecis ou con fer ir -lh es o es ta tu to de ob jetos do con h ecim en to cien tífico,
diferenciando-os d os fa tos in d ivid u a is ou p s icológicos , e d os fa tos ger a is ou
vu lga r es (con s tr u íd os a p a r tir do s en s o com u m ). Os fa tos s ocia is são
ca r a cter iza d os e d efin id os p or s u a exter ior id a d e a o in d ivíd u o, e p or exer cer s ob r e
ele u m a coer çã o ou u m p od er im p er a tivo. S ã o, p or ta n to, a lh eios à von ta d e
in d ivid u a l, qu e es tá s u b m etid a a eles , em gr a u va r ia d o, p or ém , d e m od o
inescapável.

O segundo postulado epistemológico da teoria durkheimiana é decorrente do


a n ter ior , e r efer e-s e à s r ela ções d e ca u s a lid a d e qu e con s titu em a es s ên cia d os
fatos sociais, sendo o alvo da explicação sociológica17. As relações causais são o elo
de ligação dos fenômenos coletivos (fatos sociais) com suas partes constituintes (os

16. Ver : DURKHE IM, E . As r e g r a s d o m é t od o s oc i ol óg i c o. S ã o Pa u lo: E d it or a Na cion a l, 1 9 8 5 . p .


XXI.
17. Im p or t a n t e n ã o con fu n d ir o ob jet o d e es t u d o d a s ociologia d e Du r k h eim , qu e s ã o os fa t os
s ocia is , com a exp lica çã o s ociológica p r op r ia m en t e d it a , qu e é a elu cid a çã o d a s r ela ções d e
causalidade.
12

in d ivíd u os qu e in tegr a m a s ocied a d e). As s im , d es ven d a r a n a tu r eza d a s r ela ções


qu e s e es ta b elecem en tr e a s p a r tes (in d ivíd u os ) e o tod o (a s ocied a d e), s ign ifica
revelar as conexões causais que mantêm a ordem e o funcionamento do organismo
s ocia l, à s em elh a n ça d o qu e ocor r e com os d em a is or ga n is m os b iológicos . No
es tu d o d os fa tos s ocia is o cien tis ta d eve p r ocu r a r r evela r a s ca u s a s , or ien ta n d o-se
a p a r tir d os efeitos p or ela s p r od u zid os . Dever á a gir , p or ta n to, d e for m a a n á loga a
u m m éd ico, qu e b u s ca a m a in a r a d or (efeito) d e s eu p a cien te, a ta ca n d o a d oen ça
(causa) que lhe dá origem.

O p r in cíp io ger a l a qu i exp licita d o, a tr a vés d e s eu s d ois p os tu la d os , s er ve d e


fu n d a m en to ao ed ifício teór ico d u r k h eim ia n o, es ta b elecen d o as b a s es da
ob jetivid a d e e d a cien tificid a d e d o con h ecim en to s ob r e o s ocia l. E s ta con s tr u çã o
a n a lítica , p r op os ta p or Du r k h eim , en con tr a -s e a s s en ta d a , s egu n d o Fer n a n d es 18,
em tr ês p a ta m a r es d is tin tos , h ier a r qu ica m en te d is p os tos : (i) a d elim ita çã o d o
ob jeto a tr a vés d a ob s er va çã o s ociológica ; (ii) a con s titu içã o d os tip os s ocia is
m éd ios (ou in s tâ n cia s em p ír ica s , com o p r efer e Fer n a n d es ) e; (iii) a exp lica çã o d o
fato social propriamente dita.

No p r im eir o a n d a r , b u s ca -s e d eter m in a r o fa to s ocia l com o ob jeto d a


S ociologia , en ca r a n d o-o p os itiva m en te en qu a n to cois a (d a d o), e n ã o com o
r ep r es en ta çã o. Feito is s o, Du r k h eim s u ger e com o cor olá r ios a es ta r egr a
fundamental o afastamento das pré-noções, a definição objetiva do que se estuda e
a con s id er a çã o d e m a n ifes ta ções coletiva s . Com r es p eito à d elim ita çã o d o ob jeto,
deve-s e m en cion a r a in d a a d is tin çã o en tr e os fa tos d e n a tu r eza n or m a l e os
patológicos.

Ao d efin ir os fen ôm en os s ocia is em s i m es m os , d es ta ca d os d os in d ivíd u os


con s cien tes qu e for m u la m r ep r es en ta ções a s eu r es p eito, com o ob jeto d e a n á lis e
da sociologia, Durkheim rejeita tanto o nominalismo das generalizações filosóficas,
quanto o individualismo e o gradualismo das explicações positivas. O nominalismo
e o gr a d u a lis m o s ã o r ejeita d os , d e u m la d o, p elo fa to d a s ociologia "n ã o s er u m
13

cor olá r io d a p s icologia " e n ã o tr a ta r d os fen ôm en os r ela tivos à vid a in d ivid u a l e


p a r ticu la r d e ca d a s er h u m a n o, d e ou tr o, p or qu e a s s ocied a d es h u m a n a s n ã o
exis tem p or ju s ta p os içã o, s en d o a s d e tip o s u p er ior m er a evolu çã o d a qu ela s m a is
simples.

A ciên cia r ea lis ta e r a cion a lis ta , com o a d efin e o p r óp r io Du r k h eim , d eve


es ten d er à con d u ta h u m a n a o r a cion a lis m o cien tífico, p ois , a p a r tir d e u m a
a n á lis e tem p or a l, é p os s ível r ed u zir os fa tos s ocia is à u m con ju n to d e r ela ções d e
ca u s a e efeito 19. Nes te s en tid o, Du r k h eim r om p e com a s for m u la ções d e Com te,
S p en cer e S tu a r t Mill, qu e n ã o ob s ta n te ter em d ecla r a d o qu e os fa tos s ocia is s ã o
fa tos d a n a tu r eza , n ã o os tr a ta r a m com o cois a s , ou s eja , en qu a n to ob jetos d o
método positivo.

O m ér ito d e Com te é p a r ticu la r m en te r es s a lta d o p or Du r k h eim , p or ter s id o


es te a u tor o p r im eir o a a b a n d on a r a s gen er a lid a d es filos ófica s e r econ h ecer o
ca r á ter em p ír ico d os fa tos s ocia is , a p lica n d o-lh es o m es m o o p r in cíp io exp lica tivo
u tiliza d o p ela s d em a is ciên cia s p os itiva s . No en ta n to, o er r o d e Com te, s egu n d o
Du r k h eim , foi o d e n ã o ter p er ceb id o qu e a evolu çã o gr a d u a l d a s s ocied a d es é
u m a id éia (r ep r es en ta çã o) qu e for m a m os p a r a s er vir d e r ecu r s o con cep tu a l e n os
a p r oxim a r m os d a r ea lid a d e. Por s i s ó a s ocied a d e n ã o é u m ob jeto d e es tu d o e
ta m p ou co s u a evolu çã o gr a d u a l. Os ob jetos s ociológicos , s egu n d o Du r k h eim ,
n eces s ita m s er con s tr u íd os e s ep a r a d os d os fa tos com u n s ou vu lga r es , e p or es s a
r a zã o a s im p les d es cr içã o d a evolu çã o gr a d u a l, p r op os ta p or Com te, fica a m eio
caminho da explicação sociológica.

Pa r a Du r k h eim , Com te tin h a u m p r oced im en to m etód ico - a exp lica çã o


p os itiva d os fa tos s ocia is a p a r tir d a s leis d e filia çã o gr a d u a l – m a s n ã o u m ob jeto
de estudo. Comte considerava que a Sociologia deveria ser construída com base na
s im p les ob s er va çã o e for m u la çã o d e leis ger a is in va r iá veis . Da m es m a m a n eir a ,
s egu n d o Du r k h eim , S p en cer ter ia com etid o er r o s em elh a n te, a o p a r tir d e u m a

18. Ver : FE RNANDE S , Flor es t a n . Fu n d a m e n t os e m p í r i c os d a e x p l i c a ç ã o s oc i ol óg i c a . S ã o


Paulo: T. A. Queiroz, 1980. p. 71.
19. A expressão “ciência realista” é de Fernandes. Ver: FERNANDES, op. cit. , p. 73.
14

r ep r es en ta çã o a b s tr a ta d a s ocied a d e e d a coop er a çã o, p a r a d efin ir , p or d ed u çã o, o


ob jeto d a s ociologia . O m es m o a con tecer ia com S tu a r t Mill, a o n ã o for n ecer os
elementos concretos nos quais baseou sua reflexão sobre a aquisição de riquezas.

E m Du r k h eim , o s ocia l s e exp lica p elo s ocia l, is to é, a s con exões ca u s a is


fu n d a m en ta is s e d es ven d a m a p a r tir d a s r ela ções s ocia is p or ela s p r óp r ia s
en gen d r a d a s , e, m u ita s vezes , n ã o p er cep tíveis a “olh o n u ”. Pa r a Du r k h eim , a o
contrário de Comte, "o todo não é idêntico à soma das partes, constitui algo diferente
e cu jas p rop ried ad es d ivergem d aqu elas qu e ap res en tam as p artes d e qu e é
com p os to.(...) A s ocied ad e n ão é u m a s im p les s om a d e in d ivíd u os , e s im u m s is tem a
form ad o p ela s u a as s ociação, qu e rep res en ta u m a realid ad e es p ecífica com s eu s
caracteres próprios"20.

No p r im eir o a n d a r d o ed ifício teór ico d e Du r k h eim os s ociólogos a in d a n ã o


n eces s ita m d e teor ia s . S egu n d o Fer n a n d es , s om en te à m ed id a qu e a in ves tiga çã o
sociológica progredir é que delas se beneficiarão. Até lá, e mesmo depois, precisam
s a b er p r oced er a d es cr ições exa ta s , a ob s er va ções b em feita s e, em p a r ticu la r ,
d evem a p r en d er a extr a ir d a com p lexa r ea lid a d e s ocia l os fa tos qu e in ter es s a m
p r ecis a m en te à S ociologia . Pa r a a tin gir es tes fin s n ã o n eces s ita m d e u m a teor ia
s ociológica , p r op r ia m en te fa la n d o, m a s d e u m a es p écie d e teor ia d a in ves tiga çã o
s ociológica , o qu e é ou tr a cois a e p r es u m ivelm en te a lgo exeqü ível e legítim o. É
ju s ta m en te a í qu e a S ociologia p od er ia a p r oveita r a liçã o e a exp er iên cia d a s
ciências mais maduras: transferindo para seu campo de estudos os procedimentos
cien tíficos u s a d os nas ciên cia s em p ír ico-in d u tiva s , de ob s er va çã o ou
experimentais21.

2.2. A elaboração das instâncias empíricas: os tipos sociais médios

20. Ver: DURKHEIM, op cit, 1985, p. 89-90.


21 . Ver: FERNANDES, op. cit, p. 72.
15

E s ta b elecid os os p r es s u p os tos ep is tem ológicos e a s r egr a s r ela tiva s à


d elim ita çã o e à ob s er va çã o d os fa tos s ocia is , Du r k h eim p r op õe a con s tr u çã o d o
s egu n d o a n d a r d e s u a ed ifica çã o teór ica , a tr a vés d a ela b or a çã o d e tip os s ocia is .
Com o o fa to s ocia l n ã o p od e s er d efin id o is ola d a m en te e, ta m p ou co, s u b m etid o a
u m a lei gen ér ica in va r iá vel, s ob p en a d e r ep etir m os o equ ívoco com tea n o, o
sociólogo necessita construir o que Durkheim chama de espécies.

Pa r a s u b m eter fa tos d e n a tu r eza em in en tem en te s ocia l, a u tôn om os e


d ecor r en tes d a s r ela ções en tr e os in d ivíd u os , à s leis d a exp lica çã o ca u s a l,
Du r k h eim p r ecis ou r ecor r er à a n a logia com a Biologia . Atr a vés d a ob s er va çã o o
s ociólogo b u s ca u n ifica r a s m a n ifes ta ções s ocia is em tor n o d e tip os m éd ios . O tip o
s ocia l m éd io es tá n a fr on teir a en tr e o qu e é n or m a l e com u m a os olh os h u m a n os
com a qu ilo qu e é a n or m a l (p a tológico). O tip o s ocia l m éd io é a lgo p a r ecid o com a
cla s s e n a s s ocied a d es a n im a is : in tegr a m u m a cla s s e os s er es qu e p os s u em
ca r a cter ís tica s s em elh a n tes , em b or a a lgu n s p os s a m s er d es via n tes em cer to gr a u .
Veja-s e o exem p lo d os a n im a is d a cla s s e d os m a m ífer os . Tod os tem em com u m o
fato de mamarem, embora pertençam a espécies diversas.

S egu n d o Ra gin & Za r et, é com a con s tr u çã o d e es p écies s ocia is qu e


Du r k h eim in icia a es tr a tégia com p a r a tiva . As es p écies s ocia is exis tem p ela m es m a
r a zã o qu e exis tem es p écies n a Biologia . Pa r a Du r k h eim "a afirm ação d e qu e
d iferen tes es p écies s ão ob jetivam en te d is tin tas e fin itas tem com o p res s u p os to a
id éia d e qu e as relações in tern as en tre es p écies s ão d eterm in ad as p elo s eu m od o d e
agregação, e seus atributos emergem da combinação de suas partes constituintes”22.

E s ta con cep çã o d a s es p écies b iológica s é com p a tível com o s is tem a s ocia l


im a gin a d o p or Du r k h eim . A d ou tr in a d a h ier a r qu ia s ocia l a p a r ece com o u m
a xiom a n o s is tem a teór ico d e s u a S ociologia . As r ela ções en tr e va r iá veis s ã o
a m p la m en te d eter m in a d a s p elo con texto s is têm ico. Por es s a r a zã o Du r k h eim
p r efer e a s exp lica ções fu n cion a is à s h olís tica s . Por a í ta m b ém d eve s er en ten d id a
a u tiliza çã o d a s a n a logia s b iológica s qu e exp lica m a s n oções s is têm ica s d e

22 . Ver: RAGIN e ZARET, op. cit. , p. 734.


16

ca u s a lid a d e. Pa r a Ra gin & Za r et, "A qu es tão cen tral n ão é o fato d e Du rk h eim ter s e
u tiliz ad o d e an alogias orgân icas ; ele ad otou os pres s u pos tos m eta-teóricos d a
B iologia por acred itar qu e a em ergên cia h ierárqu ica, a explicação h olís tica e a
classificação, aplicavam-se tanto à sociologia como à Biologia” 23.

Com o m os tr ou Flor es ta n Fer n a n d es , a con s tr u çã o d os tip os s ocia is m éd ios


r evela com o Du r k h eim u tiliza -s e d a in d u çã o com o p r oced im en to qu e r evigor a s eu s
cr itér ios d e ob jetivid a d e cien tífica , p ois os tip os m éd ios tem p or b a s e a n a tu r eza
das coisas (sociais), e vão além das manifestações puramente individuais24.

Pa r a Du r k h eim , en tr e a con fu s a m u ltip licid a d e d a s s ocied a d es h is tór ica s , e


o con ceito ú n ico, m a s id ea l, d e h u m a n id a d e, exis tem in ter m ed iá r ios : s ã o a s
es p écies s ocia is . Na id éia d e es p écie, com efeito, en con tr a m os r eu n id a s ta n to a
u n id a d e qu e é exigid a p or tod a a p es qu is a ver d a d eir a m en te cien tífica , qu a n to a
d iver s id a d e qu e é d a d a n os fa tos ; s en d o a m es m a em tod os os in d ivíd u os qu e d ela
fazem parte, cada espécie difere, no entanto, da outra25.

Na in tr od u çã o d a ob r a “O S u icíd io”, os p r oced im en tos a d ota d a s p a r a a


construção dos tipos médios estão claramente expostos. Durkheim afirma:

“...n os s a tarefa p rim ord ial d eve p ortan to s er a d e d eterm in ar a


ord em d e fatos qu e n os p rop om os a es tu d ar s ob o n om e d e
s u icíd ios . Nes s e s en tid o vam os p rocu rar ver s e, en tre os d iferen tes
tip os d e m ortes , exis tem algu m as qu e tem em com u m caracteres
s u ficien tem en te ob jetivos p ara p od erem s er recon h ecid os p or
qu alqu er ob s ervad or d e b oa fé, s u ficien tem en te es p eciais p ara n ão
s erem en con trad os n ou tros tip os , m as , ao m es m o tem p o,
s u ficien tem en te p róxim os d os qu e s ão qu alificad os s ob o n om e d e
s u icíd ios p ara qu e p os s am os , s em forçar o u s o, con s ervar es ta
m es m a exp res s ão. Reu n irem os s ob es ta d en om in ação tod os os
fatos s em exceção, qu e ap res en tarem es tes caracteres d is tin tivos , e
is to s em n os p reocu p arm os com s e a clas s e as s im con s titu íd a n ão

23 . Ver: RAGIN e ZARET, op. cit., p. 735.


24 . Ver: FERNANDES, op. cit, p. 76.
25 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 67.
17

com preen d e tod os os cas os qu e n orm alm en te s e d en om in am


assim"26

A con s tr u çã o d os tip os m éd ios n ã o a p en a s tem o ob jetivo d e r eu n ir s ob u m


tip o os ca r a cter es com u n s a tod os os in d ivíd u os p a r a qu e a ciên cia p os s a
descrevê-los e cla s s ificá -los , com o ta m b ém s er ve p a r a s u b s titu ir os fa tos vu lga r es
e n u m er os os p elos fa tos d ecis ivos e cr u cia is . A con s tr u çã o d a s es p écies tem o
p a p el d e coloca r em n os s a s m ã os p on tos d e a p oio com os qu a is p os s a m os liga r
ou tr a s ob s er va ções ; d evem s er ca p a zes d e a b r evia r o tr a b a lh o d e cla s s ifica çã o d os
fa tos s ocia is e, p or is s o, b a s ea r -s e n u m p equ en o n ú m er o d e ca r a cter es ,
cuidadosamente escolhidos.

A b u s ca d os fa tos cr u cia is , tom a d a d e em p r és tim o d e Ba con , s e d á a tr a vés


d a con s tr u çã o d e es p écies e r ecoloca o p os tu la d o d a exp lica çã o ca u s a l n o cen tr o
da estratégia teórico-metodológica de Durkheim. Assim:

“u m a vez es tab elecid a a clas s ificação, a p artir d es te p rin cíp io, n ão


s erá n eces s ário ter ob s ervad o tod as as s ocied ad es d e u m a es p écie
p ara s ab er s e u m fato é geral n es s a es p écie ou n ão; a ob s ervação
de algu m as s ocied ad es s erá s u ficien te. E m es m o, em m u itos cas os ,
b as tará u m a ob s ervação s ó, m as b em feita, as s im com o, m u itas
vez es , u m a ú n ica exp eriên cia b em con d u z id a ch ega p ara o
estabelecimento de uma lei"27

Pa r a Du r k h eim , a cla s s ifica çã o p or tip ifica çã o p er m ite ver m a is cla r a m en te


a s ca u s a s es s en cia is con s titu in tes d e u m fen ôm en o. E n es ta fa s e, e s om en te a í,
Du r k h eim a p lica o p os tu la d o com tia n o d a evolu çã o, a o es ta b elecer qu e a s
s ocied a d es a tu a is d evem s er p er ceb id a s com o u m a d ecor r ên cia d a u n iã o e d a

26 . Ver: DURKHEIM, E. O suicídio: estudo sociológico. Lisboa: Editorial Presença e Martins


Fontes, 1973. p. 8.
27 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 70.
18

tr a n s for m a çã o das for m a s s ocia is m a is s im p les . E s te p r oced im en to é


particularmente evidente nos estudos de Durkheim sobre as religiões28.

2.3. O método comparativo na explicação sociológica segundo Durkheim

Fin a lm en te ch ega m os a o ter ceir o a n d a r d o ed ifício teór ico d u r k h eim ea n o,


p a r a u s a r a m etá for a d e Flor es ta n Fer n a n d es . Com o vim os , Du r k h eim s e op u n h a
à s exp lica ções s ociológica s b a s ea d a s em leis cien tífica s a b s tr a ta s ou em m er a s
gen er a liza ções filos ófica s for m u la d a s a p a r tir d a s im p les d es cr içã o em p ír ica d os
fen ôm en os . Pa r a ele, a p es qu is a com p a r a d a er a o p on to in ter m ed iá r io en tr e a
com p lexid a d e d os ob jetos em s eu es ta d o b r u to e a p os s ib ilid a d e d o con h ecim en to
cien tífico p od er es ta b elecer exp lica ções gen er a lizá veis , a s p ecto fu n d a m en ta l,
segundo Durkheim, para credenciar a sociologia enquanto ciência.

Ao a s s u m ir a d eter m in a çã o ca u s a l com o u m p r in cíp io m etod ológico,


Du r k h eim a tr ib u i-lh e u m s ign ifica d o d e extr em a im p or tâ n cia em s u a teor ia . S e a s
ca u s a s s ã o p er m a n en tes e im u tá veis n a s ocied a d e, ela s s ã o in er en tes a os fa tos
s ocia is . Por ta n to, com o a tr ib u tos in er en tes a o s ocia l, a s ca u s a s n ã o p od em s er
r em ovid a s e s u b m etid a s a a n á lis e d ed u tiva d ir eta , ta l com o ocor r e n a s ciên cia s d a
exp er im en ta çã o. Nota -s e a í a r u p tu r a fu n d a m en ta l en tr e a con cep çã o d e
Du r k h eim e a s p os ições d e Com te e Ba con . A s ociologia , s egu n d o Du r k h eim , d eve
s egu ir o ca m in h o d a exp er im en ta çã o in d ir eta ou a a n á lis e d a s va r ia ções
con com ita n tes , fa zen d o u s o, p or ta n to, d e u m p r oced im en to in d u tivo, e n ã o
d ed u tivo, com o p r op u n h a m Com te e Ba con . Pela va r ia çã o con com ita n te, ou p elo
s im p les p a r a lelis m o d e u m a va r iá vel, p od e-s e ver ifica r s e a ca u s a é p er m a n en te e,
neste caso, verificar se há uma lei de explicação. A concomitância é a prova de que

28. Ver : DURKHE IM, E . As for m a s e l e m e n t a r e s d a vi d a r e l i g i os a . S ã o Pa u lo: E d ições


Paulinas, 1976.
19

u m a ca u s a exis te em d ois fen ôm en os s ocia is e qu e, p or ta n to, ten d e a p r od u zir os


mesmos efeitos e ter funções semelhantes. Segundo Durkheim:

"… s e d es ejarm os em p regar o m étod o com p arativo d e m an eira


cien tífica, is to é, con form an d o-n os com o p rin cíp io d a cau s alid ad e
tal qu e s e d es p ren d e d a p róp ria ciên cia, d everem os tom ar p or b as e
d as com p arações qu e in s titu irm os a s egu in te p rop os ição: a um
mesmo efeito corresponde sempre uma mesma causa.”29

“Não tem os s en ão u m m eio d e d em on s trar qu e u m fen ôm en o é


cau s a d e ou tro, e é com p arar os cas os em qu e es tão
s im u ltan eam en te p res en tes ou au s en tes , p rocu ran d o ver s e as
variações qu e ap res en tam n es tas d iferen tes com b in ações d e
circunstâncias testemunham que um depende de outro"30

E n tr eta n to, a s ociologia , con tr a r ia m en te à s ou tr a s ciên cia s , p a r a p od er va le-


se deste postulado causal, precisa fornecer ao investigador recursos metodológicos
qu e s eja m ca p a zes d e n eu tr a liza r ou p elo m en os con tr ola r a com p lexid a d e d os
seus objetos (os fatos sociais), pois a simples demonstração, tal como nas ciências
físico-qu ím ica s , r evela -s e in s u ficien te p a r a ga r a n tir qu e os vá r ios efeitos p os s u em
u m a ú n ica ca u s a lid a d e. Ou s eja , h á u m a gr a n d e p r ob a b ilid a d e d e er r o a o s e
d eter m in a r qu e ta l efeito cor r es p on d e a es ta ou a qu ela ca u s a , m es m o d ep ois d e
estudá-los cientificamente.

Du r k h eim es ta va cien te d e qu e p or m a is com p eten te qu e p u d es s e s er o


in ves tiga d or , ele d ificilm en te p od er ia ga r a n tir cer teza tota l n a a n á lis e d os efeitos
ou d os a n teced en tes h is tór icos (con h ecid os ou n ã o) r es p on s á veis p or u m a
d eter m in a d a ca u s a . A com p a r a çã o ga n h a , a qu i, u m p a p el d e d es ta qu e em s u a
proposta teórico-metodológica, pois, segundo o autor:

"…para que uma variação seja demonstrativa, não é necessário que


tod as as variações d iferen tes d aqu elas qu e com p aram os ten h am
s id o rigoros am en te exclu íd as . O s im p les p aralelis m o d e valores

29 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 112.


30 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 109.
20

pelos qu ais pas s am d ois fen ôm en os , d es d e qu e ten h a s id o


es tabelecid o n u m n ú m ero s u ficien te d e cas os bas tan te variad os , é
a prova d e qu e exis te en tre eles u m a relação (...) A con com itân cia
con s tan te é, pois , ela m es m a, u m a lei, s eja qu al for o es tad o d os
fenômenos que restaram fora da comparação”31

Ma s , p a r a Du r k h eim , a lém d e a com p a r a çã o a u xilia r o in ves tiga d or a


d eter m in a r a r ela çã o ca u s a l fu n d a m en ta l d os fa tos s ocia is , exis te a in d a ou tr a
r a zã o qu e tor n a o m étod o das va r ia ções con com ita n tes (com p a r a ções ) o
in s tr u m en to p or excelên cia d a exp lica çã o s ociológica . E s ta r a zã o es tá n o fa to d e
que este método:

“… n ão n os ob riga n em a en u m erações in com p letas , n em a


ob s ervações s u p erficiais . Para qu e d ê res u ltad os , b as tam algu n s
fatos . Des d e qu e s e p rovou qu e, n u m certo n ú m ero d e cas os , d ois
fen ôm en os variam , u m e ou tro, d a m es m a m an eira, p od e-s e ter a
certeza de que nos encontramos em presença de uma lei”32

Ou s eja , é p ela com p a r a çã o en tr e d ois fa tos s ocia is , ou s eja , en tr e u m fa to


cr u cia l e u m fa to vu lga r (d o s en s o com u m ), qu e o s ociólogo p od e d eter m in a r o qu e
é fu n d a m en ta l, es ta b elecen d o a ca u s a p r in cip a l a p a r tir d a qu a l d er iva m efeitos e
conseqüências diversas e que, portanto, merece ser investigada.

Qu a n d o s e com p a r a con com ita n tem en te d ois fen ôm en os , é p r ecis o r ecor r er


à in ter p r eta çã o p a r a s e ch ega r a ca u s a com u m en tr e a m b os . Pa r a s e es ta b elecer
uma relação de causalidade entre eles pode-se proceder do seguinte modo:

1º "…p rocu rar, com o au xílio d a d ed u ção, s ab er com o u m d os d ois term os p od e


produzir o outro";

2º "…verificar o res u ltad o d es ta d ed u ção com o au xílio d e exp eriên cias , is to é, d e


novas comparações;"

31 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 113-114.


32 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 116.
21

3º "…s e a d ed u ção for pos s ível e s e a verificação é bem s u ced id a, pod er-se-á
encarar a prova como terminada"33.

E n tr eta n to, s e n ã o h ou ver n en h u m a r ela çã o en tr e os fa tos a n a lis a d os ,


s ob r etu d o s e n ã o h ou ver n en h u m a r ela çã o en tr e a h ip ótes e in icia l e a lei
d em on s tr a d a , en tã o é p r ecis o r ecor r er a u m ter ceir o fen ôm en o, com o qu a l os
fen ôm en os a n ter ior m en te com p a r a d os ten h a m r ela çã o. Ap lica -s e en tã o,
novamente, o m étod o das va r ia ções con com ita n tes , ou s eja , o m étod o
comparativo.

Pr ocu r a m os a qu i d em on s tr a r com o em Du r k h eim a com p a r a çã o n ã o é


s im p les m en te u m a técn ica d e tr a b a lh o, u tiliza d a p a r a fa zer a n a logia s en tr e d ois
ou m a is fa tos , es ta b elecen d o en tr e eles d ifer en ça s e s em elh a n ça s . Pa r a Du r k h eim
a com p a r a çã o é o m étod o s ociológico p or excelên cia , p or qu e é a tr a vés d ela qu e
p od em os d em on s tr a r o p r in cíp io d e qu e a ca d a efeito cor r es p on d e u m a ca u s a . E m
s u a s ob r a s , Du r k h eim d em on s tr ou com o em d is tin ta s s ocied a d es o cr im e, o
ca s a m en to, o s u icíd io e a p ou p a n ça , s ã o d ifer en tes e s ofr em va r ia çõe, p os s u in d o,
n o en ta n to, ca u s a lid a d es com u n s , com o p or exem p lo a exis tên cia ou n ã o d a
s olid a r ied a d e (s eu gr a n d e tem a d e p es qu is a ). E m s eu livr o (qu e p a r a a lgu n s
assemelha-s e a u m m a n u a l d e m etod ologia ), Du r k h eim d eixou u m s ér ie d e
r ecom en d a ções r efer en tes à u tiliza çã o d o m étod o com p a r a tivo, qu e m er ecem s er
reproduzidas:

1 0 -“O necessário é comparar, não variações isoladas, mas séries de


variações regu larm en te con s titu íd as e, o qu e é m ais ,
s u ficien tem en te exten s as , cu jos term os s e ligu em u n s aos ou tros
p or u m a grad ação tão con tín u a qu an to p os s ível. Pois as variações
d e u m fen ôm en o n ão p erm item ch egar a u m a lei, a n ão s er qu e
exp rim am claram en te a m an eira p ela qu al ele s e d es en volve em
circunstâncias dadas"34

33 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 1 15.


34 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 118.
22

2 o – “Faz en d o en trar em lin h a d e con ta m u itos povos d a m es m a


es pécie, d is pom os já d e u m cam po d e com parações m ais vas to. Em
prim eiro lu gar, pod em os con fron tar a h is tória d e u m com a d e
ou tros e ver s e, em cad a u m d eles , tom ad o à parte, o m es m o
fen ôm en o evolu iu n o tem po em fu n ção d as m es m as con d ições . Em
s egu id a, pod e-s e es tabelecer com parações en tre os d ivers os
desenvolvimentos.”35

3 o- “Para exp licar u m a in s titu ição s ocial p erten cen te a u m a es p écie


d eterm in ad a, s erão com p arad as as form as d iferen tes qu e ela
ap res en ta, n ão ap en as en tre os p ovos d es ta es p écie, m as em tod as
as espécies anteriores”36.

Por con s egu in te, não se p od e exp lica r um fa to s ocia l de a lgu m a


com p lexid a d e s en ã o s ob a con d içã o d e s egu ir -lh e o d es en volvim en to in tegr a l
a tr a vés d e tod a s a s es p écies s ocia is . “A s ociologia com p arad a n ão é u m ram o
p articu lar d a s ociologia; é a p róp ria s ociologia, n a m ed id a em qu e d eixa d e s er
puramente descritiva e aspira a explicar os fatos”37.

3. WEBER E O USO DA COMPARAÇÃO NAS “CIÊNCIAS DA CULTURA”

3.1 A explicação sociológica segundo Max Weber

Pa r a qu e p os s a m os com p r een d er o p a p el d a com p a r a çã o n a con s tr u çã o d a


exp lica çã o s ociológica , d en tr o d e u m a p er s p ectiva web er ia n a , ju lga m os n eces s á r io
r es ga ta r a qu i, a in d a qu e d e u m a for m a s in tética , a lgu n s d os p r es s u p os tos
fu n d a m en ta is qu e, s egu n d o es s e a u tor , d ã o s u s ten ta çã o a o p r oces s o d e p r od u çã o
do conhecimento nas ciências sociais.

As d ifer en ça s exis ten tes en tr e a es tr a tégia d e com p a r a çã o p r op os ta p or


Web er e a s a n á lis es d e Com te e Du r k h eim , en con tr a m s u a s r a izes em for m a s

35 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 119.


36 . Ver: DURKHEIM, op.cit., 1985, p. 120.
37 . Ver: DURKHEIM, op. cit., 1985, p. 121.
23

d is tin ta s d e com p r een d er o m od o com o s e d á a va lid a çã o cien tífica do


con h ecim en to n a s ch a m a d a s “ciên cia s d a cu ltu r a ”, r em eten d o, p or ta n to, a
d ifer en tes vis ões a cer ca d o p r ojeto d a S ociologia en qu a n to d is cip lin a cien tífica . É
somente dentro deste contexto mais amplo que podemos compreender as idéias de
Web er a cer ca das r ela ções exis ten tes en tr e a s in gu la r id a d e h is tór ica e a
generalização explicativa na construção da explicação sociológica.

Pa r a Web er a s ocied a d e n ã o p od e s er com p r een d id a com o u m s is tem a


n a tu r a l, p a s s ível d e s er a p r een d id o em s u a tota lid a d e. A s ociologia , en qu a n to
“… ciên cia qu e p reten d e en ten d er, p ela in terp retação, a ação s ocial, p ara d es ta
m an eira exp licá-la cau s alm en te, n o s eu d es en volvim en to e n os s eu s efeitos ”38, tem
com o r efer ên cia u m a r ea lid a d e in fin ita e com p lexa , a n a lis a d a , s em p r e, a p a r tir d e
um determinado ponto de vista.

As con exões exis ten tes en tr e con s tela ções s in gu la r es d e fen ôm en os


n ã o p od em s er d ed u zid a s com b a s e em leis e fa tor es d e ca r á ter u n iver s a l. A
d es cob er ta d a s r egu la r id a d es ger a is qu e r egem d eter m in a d os fa tos d a vid a s ocia l
n ã o é u m fim em s i m es m a , m a s u m a eta p a n eces s á r ia à exp lica çã o d e u m
p r oces s o h is tór ico-s ocia l d eter m in a d o, p r od u zid o p or u m con ju n to com p lexo d e
causas que atuam em condições sociais específicas

“S u p on d o qu e algu m a vez , qu er p or m eio d a p s icologia, qu er d e


qu alqu er ou tro m od o, s e con s egu is s e d ecom p or em fatores ú ltim os
e s im p les tod as as con exões cau s ais im agin áveis d a coexis tên cia
h u m an a, tan to as qu e já foram ob s ervad as , com o as qu e u m d ia
s erá p os s ível es tab elecer, e s u p on d o qu e s e con s egu is s e ab ran gê-
las d e m od o exau s tivo n u m a im en s a cas u ís tica d e con ceitos e d e
regras com a rigoros a valid ad e d e leis , o qu e s ign ificaria es te
res u ltad o p ara o con h ecim en to, qu er d o m u n d o cu ltu ral
historicamente dado, quer de algum fenômeno particular, como o do
cap italis m o n a s u a evolu ção ou n o s eu s ign ificad o cu ltu ral? Com o
m eio d e con h ecim en to, n ão s ign ifica n em m ais n em m en os qu e

38. Ver : WE BE R, Ma x. Con ceit os s ociológicos fu n d a m en t a is - 1 9 2 1 . In : WE BE R, Ma x.


Me t od ol og i a d a s c i ê n c i a s s oc i a i s . S ã o Pa u lo: Cor t ez / E d it or a d a Un iver s id a d e E s t a d u a l d e
Campinas, 1992. p. 400.
24

aqu ilo qu e u m d icion ário d as com bin ações d a qu ím ica orgân ica
s ign ifica para o con h ecim en to biogen ético d os rein os an im al e
vegetal. Tan to n u m cas o com o n ou tro, ter-se-á realiz ad o u m
im p ortan te e ú til trab alh o p relim in ar. Tod avia, e, tan to n u m cas o
com o n ou tro, torn ar-se-á im p os s ível ch egar algu m d ia a d ed u z ir a
realid ad e d a vid a a p artir d es tas “leis e fatores ”. Não p or
s u b s is tirem , ain d a, n os fen ôm en os vitais , d eterm in ad as “forças ”
s u p eriores e m is terios as (...) m as s im p les m en te p orqu e, p ara o
con h ecim en to d a realid ad e, s ó n os in teres s a a con s telação em qu e
es tes fatores (h ip otéticos ) s e agru p am , form an d o u m fen ôm en o
cu ltu ral h is toricam en te s ign ificativo p ara n ós ; e tam b ém p orqu e, s e
p reten d erm os “exp licar cau s alm en te es tes agru p am en tos
in d ivid u ais , teríam os d e n os rep ortar con s tan tem en te a outros
agru p am en tos igu alm en te in d ivid u ais , a p artir d os qu ais os
exp licás s em os , em b ora u tiliz an d o, n atu ralm en te, os citad os
(hipotéticos) conceitos denominados leis”39

A a fir m a çã o feita p elo a u tor d e qu e a for m u la çã o d e leis e con ceitos ger a is


corresponde s om en te a u m a eta p a d o p r oces s o d e con h ecim en to em ciên cia s
s ocia is , n ã o p od en d o s er vis ta com o s en d o s eu ob jetivo ú ltim o, n ã o im p lica , n o
en ta n to, em u m a b a n d on o d os p r in cíp ios d e exp er im en ta çã o e com p r ova çã o qu e
fu n d a m en ta m a con s tr u çã o d o con h ecim en to cien tífico. As ciên cia s h is tór ico-
s ocia is p os s u em , n o en ta n to, fu n d a m en tos m etod ológicos p r óp r ios , es tr eita m en te
a s s ocia d os à b u s ca das con exões de s en tid o exis ten tes en tr e fen ôm en os
historicamente singulares. O reconhecimento de que a realidade social possui uma
dimensão subjetiva e valorativa, dimensão esta que permeia a própria atividade do
cien tis ta , n ã o im p lica , n o en ta n to, em u m a a d es ã o a o “in tu icion is m o”, tã o
cr itica d o p or Web er . A r u p tu r a en tr e con h ecim en to cien tífico e ju izo d e va lor
encontra-s e, n es te ca s o, es tr eita m en te vin cu la d a a o r igor os o con tr ole d a lógica
subjacente à explicação causal.

Explicar, em Sociologia, significa apreender interpretativamente o sentido ou


a con exã o d e s en tid o im p lícita em u m a d eter m in a d a a çã o. O m étod o qu e
possibilita desvendar o sentido subjetivo das ações é o método compreensivo, seja

39. Ver : WE BE R, Ma x. A ob jet ivid a d e d o con h ecim en t o n a ciên cia s ocia l e n a ciên cia p olít ica -
1904. In: WEBER, op.cit., 1992. p. 126-127.
25

ele a p lica d o n a a n á lis e d e u m a a çã o h is tór ica p a r ticu la r , n a in ter p r eta çã o d e u m a


massa de casos (como média aproximada) ou na construção de um tipo ideal.

“O tip o id eal con s titu i-s e com o u m m om en to em qu e o s u jeito cogn os cen te


analisa o real conforme as relações que seu ponto de vista mantém com os valores”40.
E s te r ecu r s o h eu r ís tico p er m ite a o in ves tiga d or con s tr u ir u m a es p écie d e
“exp er im en to id ea l”, p or m eio d o qu a l tor n a -s e p os s ível r ela cion a r os p r oces s os
s ocia is con cr etos à s s u a s con exões d e s en tid o, o p a r ticu la r a o ger a l, o
desenvolvimento hipotético ao desenvolvimento real41.

A lógica que preside a construção dos conceitos típico-ideais diferencia-se da


lógica s u b ja cen te à con s tr u çã o d e con ceitos gen ér icos s im p les . O tip o id ea l n ã o
r ep r es en ta o p on to m éd io, con s titu íd o com b a s e em uma d iver s id a d e d e
fenômentos empiricamente observáveis:

“Trata-s e d e u m qu ad ro d e p en s am en to, n ão d a realid ad e h is tórica


e m u ito m en os d a realid ad e “au tên tica”; n ão s erve d e es qu em a em
qu e s e p os s a in clu ir a realid ad e à m an eira exem p lar. Tem an tes o
s ign ificad o d e u m con ceito lim ite, p u ram en te id eal, em relação ao
qu al s e m ed e a realid ad e a fim d e es clarecer o con teú d o em p írico
d e algu n s d e s eu s elem en tos im p ortan tes , e com o qu al es ta é
com p arad a. Tais con ceitos s ão con figu rações n as qu ais
con s tru im os relações , p or m eio d a u tiliz ação d a categoria d e
p os s ib ilid ad e ob jetiva qu e a n os s a im agin ação, orien tad a s egu n d o
a realidade, julga adequadas.”42

E n qu a n to con s tr u çã o h ip otética e r a cion a l, o tip o id ea l r es u lta da


a r ticu la çã o en tr e fen ôm en os is ola d os e p on tos d e vis ta d ifer en cia d os , s elecion a d os
d e for m a u n ila ter a l, qu e p a s s a m a con s titu ir um qu a d r o h om ogên eo d e
p en s a m en to, n o qu a l a p a r ecem a cen tu a d a s a s ca r a cter ís tica s típ ica s e d is tin tiva s
d e u m fen ôm en o s in gu la r . Um exem p lo con cr eto d es te p r oced im en to s ã o os tip os

40. Ver : TRATE MBE RG, Ma u r ício. At u a lid a d e d e Ma x Web er . In : WE BE R, Ma x, op.cit., 1 9 9 2 , p .


XXV.
41. Ver: FERNANDES, op. cit., 89.
26

p u r os d e d om in a çã o, r a cion a l, tr a d icion a l e ca r is m á tica , con s tr u íd os p or Web er ,


em relação aos quais ele observa: “... o fato de que nenhum dos três tipos ideais que
vão s er es tu d ad os a s egu ir, cos tu m e ocorrer em “es tad o p u ro” n a realid ad e h is tórica,
n ão d eve im p ed ir aqu i, com o em n en h u m lu gar, a fixação con cep tu al, n a form a m ais
pura possível, de sua construção”.43

Os tip os con s tr u id os p or Web er n ã o d evem s er vis tos en qu a n to u m r eflexo


d o r ea l. S u a a r qu itetu r a , b a s ea d a em con exões d e s en tid o p u r a m en te r a cion a is ,
tem p or ob jetivo s er vir en qu a n to u m r efer en cia l, a p a r tir d o qu a l, é p os s ível a fer ir
a d is tâ n cia exis ten te en tr e o tip o id ea l (con s tr u id o en qu a n to u m a a çã o r a cion a l
em r ela çã o a fin s ) e o d es en volvim en to h is tór ico-s ocia l con cr eto, in flu en cia d o p or
irracionalidades de todo o tipo (paixões, erros, acasos).

É a r ela çã o exis ten te en tr e d u a s s ér ies d e fen ôm en os , “… u m a real (os


fenômenos no curso observado) e outra ideal (os fenômenos no curso do como se, isto
é, n o cu rs o d o con s tru id o racion alm en te)… ”44, qu e p er m ite a o in ves tiga d or
d es ven d a r a s ca u s a s ger a d or a s d es te ou d a qu ele fen ôm en o s ocia l. O m étod o
in ter p r eta tivo p r op os to p or Web er p r ocu r a con ju ga r , d e u m la d o, a b u s ca d e u m a
ad equ ação d e s en tid o, ou s eja , a id en tifica çã o d a s m otiva ções s u b ja cen tes à
con d u ta d e u m d eter m in a d o a gen te s ocia l, d e ou tr o, a ad equ ação cau s al, ou s eja ,
a s ca u s a s qu e d eter m in a m qu e u m a s u ces s ã o d e fa tos , d en tr o d a s r egr a s d a
experiência, tenha a probabilidade de acontecer de uma determinada maneira.

A explicação sociológica, na forma como é compreendida por Weber, tem por


ob jetivo id en tifica r a s con exões ca u s a is exis ten tes en tr e d eter m in a d os “con ju n tos
de condições”, passíveis de serem associadas ao fenômeno estudado. Contrariando
o p os tu la d o d u r k h eim ia n o d e qu e “a ca d a efeito cor r es p on d e u m a ca u s a ”, o a u tor
d ir ecion a s eu s es for ços n a b u s ca d a r ela çã o lógica exis ten te en tr e com p lexos d e
con d ições qu e, em con textos h is tór ico-s ocia is es p ecíficos , en con tr a m -se

42. Ver : WE BE R, Ma x. A ob jet ivid a d e d o con h ecim en t o n a ciên cia s ocia l e n a ciên cia p olít ica -
1904. In: WEBER, Max., op. cit., 1992, p. 140.
43. Ver : CAS TRO, A.M. e DIAS , E . In t r od u ç ã o a o p e n s a m e n t o s oc i ol óg i c o. Rio d e J a n eir o:
Eldorado, Tijuca, 1987. p. 140.
27

associadas à gênese e ao desenvolvimento de um determinado processo. Para isso,


la n ça m ã o d a “im p u ta çã o ca u s a l” en qu a n to p r oced im en to m etod ológico. Va le a
pena retomar aqui as palavras do próprio Weber:

“O qu e n ós efetivam en te qu erem os s ab er é o s egu in te: p or m eio d e


qu ais op erações lógicas con s egu im os a com p reen s ão e a s u a
fu n d am en tação d em on s trativa, d a exis tên cia d e u m a tal relação
cau s al en tre aqu eles elem en tos “es s en ciais ” d o res u ltad o e
determinados elem en tos d en tro d a in fin id ad e d e elem en tos
d eterm in an tes . Certam en te qu e n ão p ela ob s ervação d o s im p les
cu rs o d os acon tecim en tos - p elo m en os n ão, s e p or is s o s e en ten d e
u m a “fotografia” es p iritu al, “s em p res s u p os tos ”, d os p roces s os
psíquicos e físicos que aconteceram na época e no lugar em questão
(...) Pelo con trário, a im p u tação s e faz n a form a d e u m p roces s o d e
p en s am en to qu e con tém u m a s érie d e ab s trações . Des tas , a
p rim eira e a m ais d ecis iva é a qu e, en tre os com p on en tes cau s ais e
reais d o p roces s o, s u p om os u m com p on en te ou vários com p on en tes
m od ificad os n u m d eterm in ad o s en tid o, e n ós n os p ergu n tam os s e,
n as con d ições d o cu rs o d os acon tecim en tos qu e foram m od ificad as
dessa maneira, seria “possível” esperar o mesmo resultado.”45

A ca u s a lid a d e, n o s en tid o web er ia n o, é d is cip lin a d a p ela probabilidade,


en ten d id a , a n tes d e m a is n a d a , em s u a d im en s ã o qu a lita tiva . A p os s ib ilid a d e
ob jetiva d e qu e u m d eter m in a d o fen ôm en o ven h a a ocor r er é a fer id a com b a s e em
m od elos qu e r ep ou s a m , em gr a n d e m ed id a , n o s ign ifica d o a tr ib u id o p elo
in ves tiga d or a o con teú d o d e u m a con tecim en to con cr eto e s u a s p os s ib ilid a d es d e
d es en volvim en to. E s te exer cício d e im p u ta çã o ca u s a l tem s u a ob jetivid a d e
ga r a n tid a a tr a vés d o r igor is m o lógico e con cep tu a l im p lícito à s con s tr u ções típ ico-
id ea is , qu e p er m ite a d is tin çã o en tr e ca u s a çã o a d equ a d a e ca u s a çã o a cid en ta l,
assim definidas:

44. Ver: FERNANDES, op. cit., p. 91.


45. Ver : WE BE R, Ma x. E s t u d os cr ít icos s ob r e a lógica d a s ciên cia s d a cu lt u r a . In : WE BE R, Ma x,
op. cit., 1992, p. 198.
28

“... d en om in am os d e “cau s ação ad equ ad a” os cas os qu e


corres pon d em a u m tipo lógico n o ú ltim o term o e qu e s e referem à
relação d e d eterm in ad os com plexos d e “ con d ições ” com o u m
res u ltad o efetivo, com plexos qu e foram con cebid os com o is olad os e
reu n id os para a con s id eração h is tórica n u m a u n id ad e (a cau s ação
ad equ ad a s e refere à cau s ação d aqu eles elem en tos d o res u ltad o
através d es tas con d ições ) (...) falarem os d e “cau s ação acid en tal”
n os cas os em qu e, n o qu e d iz res peito aos elem en tos d o res u ltad o
qu e en tram n a con s id eração h is tórica, foram eficaz es certos fatos
qu e provocaram u m res u ltad o n ão “ad equ ad o” n es te s en tid o, com
relação a u m com plexo d e con d ições con cebid o com o reu n id o n u m a
unidade.”46.

Enquanto procedimento metodológico, a imputação causal pode ser aplicada


ta n to na p es qu is a h is tór ica , cu ja a n á lis e en con tr a -s e cen tr a d a “n a s
p er s on a lid a d es , nas es tr u tu r a s e nas a ções in d ivid u a is con s id er a d a s
culturalmente im p or ta n tes ”, com o n a s ociologia , en ten d id a en qu a n to u m a ciên cia
“gen er a liza d or a ”, qu e tem com o p r eocu p a çã o cen tr a l d ecob r ir , a p a r tir d e u m a
a b or d a gem m en os com p r om etid a com a d in â m ica s ocia l, a s r egr a s ger a is d o
acontecer.

A im p or tâ n cia d a d a p or Web er à s in gu la r id a d e d os p r oces s os s ocia is e


h is tór icos , n ã o im p lica em u m a r en ú n cia à b u s ca d a exp lica çã o r a cion a l e d a
gen er a liza çã o: a con s tr u çã o d e h ip ótes es e o exer cício d a im p u ta çã o ca u s a l tem ,
com o m ed ia çã o fu n d a m en ta l, a s r ela ções exis ten tes en tr e con ceitos típ ico-ideais,
qu e p er m item a r ticu la r a s ca tegor ia s ger a is da s ociologia , a os fen ôm en os
empiricamente observáveis.

3.2 A comparação na perspectiva weberiana

46. Ver: WEBER, Max. Estudos críticos sobre a lógica das ciências da cultura. In: WEBER, op. cit.,
1992, p. 207
29

Com base n o qu e foi exp os to a n ter ior m en te, a cer ca d os p r in cíp ios
fu n d a m en ta is da exp lica çã o s ociológica , ca b e p er gu n ta r : qu a l o p a p el d a
com p a r a çã o n a m etod ologia p r op os ta p or Web er ? Nã o ign or a n d o a s d ifer en tes
leitu r a s exis ten tes a cer ca d a s b a s es ep is tem ológica s d a s ociologia web er ia n a , n os
p a r ece im p or ta n te r es ga ta r a qu i a in ter p r eta çã o p r op os ta p or Flor es ta n Fer n a n d es
em seu livro “Fundamentos empíricos da explicação sociológica”:

“Ao con trário d o qu e acon tece com Du rk h eim , o “m étod o


com p arativo” d es em p en h a, n a técn ica in d u tiva d e W eb er, u m p ap el
s ecu n d ário, ain d a qu e con s tru tivo. Ele n ão é im p ortan te com o
in s tru m en to d e ab s tração, m as com o elem en to racion al d e con trole.
B em an alis ad as e con h ecid as as m od alid ad es d e m an ifes tação d e
u m fen ôm en o em con d ições s ócio-cu ltu rais d ivers as e d is tin tas ,
confrontam-se os resultados interpretativos e estabelecem-se dentro
d e qu e lim ites certos efeitos p od em ou n ão s er atrib u íd os a
d eterm in ad os fatores cau s ais , ch egan d o, as s im , à s eleção d as
condições suficientes de tal fenômeno.”47

A com p a r a çã o, n o s en tid o p r op os to p or Web er , b a s eia -s e em u m a es tr a tégia


cen tr a d a n a b u s ca , n ã o d o p a r a lelis m o exis ten te en tr e va r iá veis ou s ér ies d e
va r iá veis , m a s , s im , n a com p a r a çã o en tr e ca s os h is tór icos , tom a d os em s u a
diversidade e singularidade. Selecionada uma unidade X, na qual está presente B,
con fr on ta m os X , s eja com ou tr a s u n id a d es (d ifer en tes d e X), n a qu a l B ta m b ém
está presente, seja com outras unidades (similares a X), nas quais B está presente.
Atr a vés d es s e p r oces s o, in ves tiga m os o p os s ível con ju n to d e ca u s a s (A + C + ... N)
d e B 48. Com es s e p r oced im en to, tor n a -s e p os s ível id en tifica r d en tr o d a
d iver s id a d e h is tór ica , d eter m in a d os p a d r ões in va r ia n tes , ca d a u m d eles p od en d o
ser associado a uma trajetória histórica específica.

O r ecu r s o à com p a r a çã o es tá p r es en te em d iver s os es tu d os em p ír icos


desenvolvidos p or Web er a o lon go d e s u a ob r a . S eu s en s a ios n o ca m p o d a

47. Ver: FERNANDES, op. cit., p. 94-95


48. Ver : PANE BIANCO, An gelo. Com p a r a ción y exp lica cion . In : MORLINO, L. y S ARTORI, G.
La comparación en las ciências sociales. Madrid: Alianza Editorial, 1994.
30

s ociologia d a r eligiã o, con s titu em u m exem p lo b a s ta n te fecu n d o d e a p lica çã o d o


m étod o com p a r a tivo. E s te p r ojeto in telectu a l, qu e s e in icia com o en s a io “A ética
protestante e o espírito do capitalismo”, irá se desdobrar em um extenso trabalho de
p es qu is a , en volven d o es tu d os s ob r e o con fu cion is m o, o ta ois m o, o h in d u is m o, o
budismo e o judaismo antigo.

Ao com p a r a r a ética d e d iver s a s d ou tr in a s r eligios a s , Web er p r ocu r ou


d em on s tr a r a for m a com o a lgu m a s d ela s exer cia m u m efeito a celer a d or s ob r e a
r a cion a liza çã o d a vid a econ ôm ica , en qu a n to qu e ou tr a s exer cia m o efeito op os to.
E s te p r oces s o de in ves tiga çã o p a r ece ter s id o n or tea d o p or tr ês tem a s
fundamentais: “1 ) o efeito d as id éias religios as im p ortan tes s ob re a ética s ecu lar e a
con d u ta econ ôm ica d o cren te m éd io; 2 ) o efeito d a form ação d e gru p os s ob re as
id éias religios as ; 3 ) a d eterm in ação d as caracterís ticas d is tin tivas d o Ocid en te
através d e u m a com p aração d as cau s as e con s eqü ên cias d as cren ças religios as em
civilizações diferentes.”49

Ao con tr a p or Or ien te e Ocid en te, Web er d es a fia -s e, m a is u m a vez, a b u s ca r

os fa tor es ca p a zes d e exp lica r a s ca r a cter ís tica s s in gu la r es a s s u m id a s p elo

d es en volvim en to h is tór ico n o Ocid en te. Com p a r a n d o a in telectu a lid a d e b r â m a n e e

a con fu cia n a , a p r ofecia n a Gr écia An tiga e n a civiliza çã o ju d a ica , a ética s ecu la r

n o h id u s im o, n o p u r ita n is m o e n o con fu cion is m o, Web er id en tifica p r ob lem a s

u n iver s a is , qu e s e a p r es en ta m , n o en ta n to, d e for m a s in gu la r , n a s d ifer en tes

socieda d es . Os elem en tos de com p r ova çã o, ger a d os a tr a vés da a n á lis e

com p a r a tiva , s er vir ã o com o in s tr u m en to n o con tr ole r a cion a l d e s u a s h ip ótes es

r ela tiva s a o d es en volvim en to ocid en ta l. An a lis a d a s e con h ecid a s a s m od a lid a d es

d e m a n ifes ta çã o d e u m fen ôm en o em s itu a ções s ócio-cu ltu r a is d is tin ta s , tor n a -se

p os s ível es ta b elecer os lim ites n os qu a is cer tos efeitos p od em ou n ã o s er

49. Ver : BE NDIX, R. Ma x W e be r : u m p er fil in t elect u a l. Br a s ília : Un iver s id a d e d e Br a s ília , 1 9 8 6 .


p. 90.
31

a tr ib u íd os a d er m in a d os fa tor es ca u s a is , “…chegando-s e as s im à s eleção d as

condições suficientes de tal fenômeno.” 50

II. ALGUMAS QUESTÕES ACERCA DA OPERACIONALIZAÇÃO DO MÉTODO


COMPARATIVO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

O m étod o com p a r a tivo tem s id o em p r ega d o d a s m a is d iver s a s m a n eir a s n o


campo das ciências sociais. Os distintos usos da comparação refletem diferentes
p os ições a cer ca d a s r ela ções exis ten tes en tr e a s teor ia s ger a is e a s exp lica ções
loca is , os qu a d r os con ceitu a is e a s técn ica s d e p es qu is a , a for m u la çã o d e
hipóteses e sua validação.

E m s eu tr a b a lh o “Th e u s e of com p arative h is tory in m acro-s ocial in qu iry ”51,


S k ocp ol e S om er s id en tifica m tr ês tip os d e a n á lis e com p a r a tiva . O p r im eir o
d es s es tip os en glob a os es tu d os d ed ica d os a o exa m e s is tem á tico d a co-variação
exis ten te en tr e os ca s os , b u s ca n d o ger a r e con tr ola r h ip ótes es . E m u m a
segunda categoria, situam-se os trabalhos nos quais o investigador analisa uma
s ér ie d e ca s os “com o ob jetivo d e m os trar qu e m u itos d eles p od em s er ilu m in ad os
d e m an eira ú til m ed ian te u m con ju n to d e con ceitos e categorias ou p or u m m od elo
concreto”52. Nes te ca s o n ã o exis te u m con tr ole efetivo d a teor ia , m a s u m a
esp écie d e d em on s tr a çã o p a r a lela . Ain d a qu e es te tip o d e a b or d a gem n ã o
p er m ita fa ls ea r u m a teor ia , cu m p r e u m p a p el im p or ta n te n o p r oces s o d e

50. Ver: FERNANDES, op. cit., p. 95.


51. Ver: SKOCPOL, T. , SOMERS, M. The use of comparative history in macro-social inquiry. Comparative studies in
Society and History, 22 (April), p. 174-197. Citado por COLLIER, David. El método comparativo: dos décadas de
cambio. In: SARTORI, G. , MORLINO, L. op. cit., p. 51-80. p. 58.
52. Ver: SKOCPOL, T., SOMERS, M., op. cit., p. 58.
32

ela b or a çã o d e teor ia s , p elo m en os n o ca m p o d os es tu d os in ter n a cion a is . Um


ú ltim o en foqu e, id en tifica d o com o “contraste de con textos ”, con s is te na
com p a r a çã o d e d ois ou m a is ca s os , b u s ca n d o p or em evid ên cia s u a s d ifer en ça s
recíprocas.

Com o m od o d e in ter liga r es s a s d ifer en tes p er s p ectiva s d e a n á lis e, S k ocp ol e


S om er s p r op õe a n oçã o d e “ciclo d e in ves tiga çã o”. A d eb ilid a d e p r es en te em
qu a lqu er u m a d es s a s p er s p ectiva s a n a lítica s p od e s er vir com o es tím u lo p a r a
que o pesquisador venha a recorrer a qualquer um dos outros enfoques:

“... u m es tu d ios o qu e recorre à “d em on s tração p aralela”, p od e


in trod u z ir u m a n ova teoria, tratan d o d e d em on s trar com o s e
ap lica a m u itos cas os ; as s im u m es tu d ios o voltad o p ara o
“con trole d as h ip ótes es ”, p od e ob s ervar qu e es s a teoria n ão s e
ad ap ta a d eterm in ad os cas os e, em n ível com p arativo, form u lar e
verificar h ip ótes es s ob re em qu e cas o s e ad ap ta ou n ão. Por s u a
vez , u m es tu d o orien tad o p ara o “con trole d as h ip ótes es ”, qu e
con fron ta con textos d is tin tos d e m an eira d em as iad o ap res s ad a,
p od e p rod u z ir u m a in ves tigação p or “con tras te d e con textos ”, n a
qual outro investigador trate de dar conta, com maior previsão, do
significado da diferença entre contextos.”

A noção de ciclo de investigação permite situar o uso do método comparativo


d en tr o d e u m ca m p o teór ico-m etod ológico a b r a n gen te, com p os to p or m ú ltip la s
es tr a tégia s d e a b or d a gem d os ob jetos em p ír icos . É in egá vel, n o en ta n to, qu e a
com p r ova çã o e for m u la çã o d e d eter m in a d a s h ip ótes es con tin u a s en d o, p a r a a
maioria dos autores, um dos principais objetivos do método comparativo.

S egu n d o Ma r c Bloch , “…ap licar o m étod o com p arativo n o qu ad ro d as ciên cias


h u m an as con s is te (...) em b u s car, p ara exp licá-las , as s em elh an ças e as d iferen ças
qu e ap res en tam d u as s éries d e n atu rez a an áloga, tom ad as d e m eios s ociais
distintos.”53 Os m eios s ocia is d e qu e fa la Bloch p od em s er s ocied a d es d is ta n tes n o

53. Fica cla r a a qu i a in flu ên cia d a p er s p ect iva d u r k h eim ia n a . Ver : CARDOS O, C. F. e BRIGNOLI,
H. P. Os m é t od os d a h i s t ór i a : in t r od u çã o a os p r ob lem a s , m ét od os e t écn ica s d a h is t ór ia
demográfica, econômica e social. São José: Universidad de Costa Rica, 1975.
33

tem p o e n o es p a ço (es s a a p lica çã o d o m étod o com p a r a tivo é b a s ta n te p r óp r ia d a


h is tór ia ), ou s ocied a d es s in cr ôn ica s , vizin h a s n o es p a ço, e qu e p os s u em u m ou
m a is p on tos d e or igem com u m . E s te tip o d e a b or d a gem p er m ite con cilia r , d e u m
la d o, o tr a b a lh o d e ela b or a çã o teór ica , d e ou tr o, o in ter es s e volta d o à a n á lis e d e
processos sociais específicos.

Bloch id en tifica d ois m om en tos in er en tes a o m étod o com p a r a tivo: u m


m om en to a n a lógico, r ela cion a d o à id en tifica çã o das s im ilitu d es en tr e os
fen ôm en os , e u m m om en to con tr a s tivo, n o qu a l s ã o tr a b a lh a d a s a s d ifer en ça s
en tr e os ca s os es tu d a d os . S egu n d o Ta r ga 54, p a r a Bloch , a a n a logia ter ia
p r eced ên cia s ob r e a a n á lis e em ter m os con tr a s tivos , n ã o a p en a s en qu a n to p a s s o
m etod ológico, m a s en qu a n to for m a d e com p r een s ã o d o r ea l. É id en tifica n do
p os s íveis elem en tos h is tór icos ou es tr u tu r a is s em elh a n tes , tom a d os en qu a n to
“… lu gar relevan te d as com p arações p ertin en tes , d as id en tid ad es e d iferen ças qu e
p erm itirão traçar o qu ad ro clas s ificatório”55, qu e p od em os d a r ver d a d eir o p es o
exp lica tivo à s d ifer en ça s . Ou tr os a u tor es , n o en ta n to, d ã o im p or tâ n cia a a m b os os
momentos da análise.

O m étod o com p a r a tivo im p lica em u m a s ér ie d e p a s s os qu e s e a r ticu la m d e


for m a d ifer en cia d a s egu n d o d is tin ta s or ien ta ções teór ica s e m etod ológica s .
Pr ocu r a m os s is tem a tiza r a qu i a lgu m a s d a s d im en s ões im p lícita s n es s e p r oces s o,
s em ter a p r eten s ã o d e es ta b elecer fr on teir a s r ígid a s en tr e a s d ifer en tes op er a ções
teórico-m etod ológica s in er en tes à a tivid a d e d e in ves tiga çã o e con s id er a n d o,

54. Ver: TARGA, L. R. P. Comentário sobre a utilização do método comparativo em análise regional.
Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 265-271, 1991.
55. Refer in d o-s e à con s t r u çã o d o con h ecim en t o n a ch a m a d a h is t ór ia n a t u r a l, Rob er t o Ma ch a d o,
baseando-s e em Fou ca u lt , id en t ifica d ois t ip os d ifer en cia d os d e com p a r a çã o: o "s is t em a " e o
"m ét od o". "O qu e d is tin gu e es s as d u as técn icas é qu e elas partem d e critérios d iferen tes para
es tabelecer a clas s ificação. En qu an to o s is tem a privilegia u m ou vários elem en tos e relacion a através
d eles tod os os in d ivíd u os , o m étod o com para, a partir d e tod os os elem en tos , u m con ju n to fin ito d e
s eres vivos ". Gu a r d a d a s a s d ifer en ça s exis t en t es en t r e ca m p os d is t in t os d o con h ecim en t o,
entendemos que esses dois tipos de utilização do método comparativo estão presentes, também no
con t ext o d a s ciên cia s s ocia is ob ed ecen d o, n o en t a n t o, n ã o a u m a lógica cla s s ifica t ór ia , m a s, sim, a
u m a p er s p ect iva d e t ip o r ela cion a l. Ver : MACHADO, Rob er t o. Ci ê n c i a e s a be r : a t r a jet ór ia d a
arqueologia de Foucault. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982. p.128.
34

p or ta n to, a exis tên cia d e u m cer to gr a u d e s im u lta n eid a d e en tr e es tes d is tin tos
procedimentos:

(i) A s eleção d e d u as ou m ais s éries d e fen ôm en os qu e s ejam efetivam en te


comparáveis:

A s eleçã o d os fen ôm en os a s er em es tu d a d os im p lica n ã o a p en a s n a


d efin içã o d e r ecor tes cla r a m en te d elin ea d os n o tem p o e n o es p a ço, e p or ta n to,
ca p a zes de tor n a r em os u n iver s os em p ír icos p es qu is a d os cla r a m en te
r econ h ecíveis , m a s , m a is d o qu e is s o, n a con s tr u çã o d e in s tâ n cia s em p ír ica s
ca p a zes d e “rep rod u z ir os as p ectos es s en ciais d os fatos ou fen ôm en os in ves tigad os ,
selecion ad as e coligid as em totalid ad es coeren tes ”56. Coloca-s e já , n es s e p r im eir o
es tá gio, o p r ob lem a d a r ela çã o exis ten te en tr e n ú m er o d e ca s os e n ú m er o d e
variáveis. Freqüentemente, nos estudos comparativos, o pesquisador trabalha com
u m p equ en o n ú m er o d e ca s os e u m gr a n d e n ú m er o d e va r iá veis , en fr en ta n d o, em
d ecor r ên cia d is s o, u m a s ér ie d e d ificu ld a d es n o qu e d iz r es p eito a o con tr ole d a s
h ip ótes es . Por ou tr o la d o, o exces s ivo n ú m er o d e ca s os p od e leva r , fa cilm en te, a
u m “es tir a m en to con cep tu a l”, n a m ed id a em qu e os s ign ifica d os r ela cion a d os a o
con ceito or igin a l, n ã o s e a d a p ta m a os n ovos ca s os . Com o a lter n a tiva a o p r ob lem a
“m u ita s va r iá veis / N p equ en o”, s u r gem , com o p os s ib ilid a d es , o a u m en to d o
n ú m er o d e ca s os , a a p lica çã o d e r igor os os cr itér ios d e s eleçã o d os ca s os
es colh id os e a r ed u çã o d o n ú m er o d e va r iá veis . E s ta ú ltim a op çã o tem , com o
con tr a p a r tid a , u m a m a ior foca liza çã o d a p er s p ectiva teór ica d o es tu d o em ter m os
de sua precisão analítica.

(ii) A definição dos elementos a serem comparados:

E s s e p on to n os p a r ece cen tr a l à m ed id a em qu e tem com o d es d ob r a m en to


d ifer en tes a lter n a tiva s p os s íveis d e tr a b a lh o. Algu n s a u tor es , p or exem p lo, p a r tem
d e m od elos exp lica tivos p r evia m en te con s tr u íd os , n os qu a is a s va r iá veis a s er em
com p a r a d a s já s e en con tr a m cla r a m en te es p ecifica d a s . Mes m o n es s es ca s os , em
qu e o es for ço a n a lítico en volve a a p lica çã o d e u m m od elo p r evia m en te con s tr u id o,
35

vis a n d o id en tifica r s u a ca p a cid a d e exp lica tiva n os lim ites d e u m a d a d a r ea lid a d e,


a op er a cion a liza çã o d o m étod o com p a r a tivo exige d o p es qu is a d or u m a s ér ie d e
op ções qu e s ã o d ecis iva s d o p on to d e vis ta d o r es u lta d o fin a l d o tr a b a lh o d e
in ves tiga çã o, u m a vez qu e con ceitos e con s tr u ções teór ica s n em s em p r e
es ta b elecem r ela ções cla r a s com gr a n d eza s ob s er vá veis . Por vezes , a s p r óp r ia s
variáveis p od em n ã o s er p er tin en tes a u m a cu ltu r a ou u m r egim e p a r ticu la r . E m
ou tr os es tu d os , n o en ta n to, a s va r iá veis qu e d ever ã o s er vir com ob jeto d e
com p a r a çã o s ã o con s tr u íd a s a p a r tir d a a n á lis e d os p r óp r ios ca s os s elecion a d os , o
qu e é feito, p or vezes , com o a u xílio d e ou tr os p r oced im en tos qu e p od em s er
a s s ocia d os a o m étod o com p a r a tivo, com o, p or exem p lo, a a b or d a gem h is tór ico
estrutural.

(iii) A generalização:
O que faz com que um estudo comparado não se torne uma mera coleção de
ca s os in ter es s a n tes ? Fa la n d o a r es p eito d a s gen er a liza ções , Ba r r in gton Moor e J r .
comenta:

“As gen eraliz ações s egu ras as s em elh am -s e a u m m ap a em gran d e


es cala d e u m terren o exten s o, d o gên ero qu e u m p iloto d e avião
utilizaria para atravessar um continente. Tais mapas são essenciais
p ara certos fin s , tal com o os m ap as m ais d etalh ad os s ão
n eces s ários p ara ou tros . Nin gu ém qu e p rocu re u m a orien tação
p relim in ar d o terren o d es eja s ab er a localiz ação d e cad a cas a e
cad a atalh o. Con tu d o, s e a exp loração for feita a p é, e atu alm en te o
his toriad or com p aratis ta faz exatam en te is s o, os p orm en ores s ão
aqu ilo qu e p rim eiro ap reen d e. O s eu s ign ificad o e a s u a relação
em ergem ap en as grad u alm en te. Pod e h aver lon gos p eríod os
d u ran te os qu ais o in ves tigad or s e s en te p erd id o n u m m atagal d e
fatos h ab itad os p or es p ecialis tas ocu p ad os em s elváticas d is p u tas
s ob re s e a vegetação é u m p in h al ou u m a flores ta trop ical. (...) E s e
d es en h ar u m m ap a d a z on a qu e vis itou , é m u ito p os s ível qu e u m
dos nativos o acuse de omitir a sua casa e o seu jardim, o qual é de
lam en tar s e o in ves tigad or lá tiver ob tid o algu m s u s ten to. A
reclam ação s erá tan to m ais violen ta s e, n o fim d a viagem , o

56. Ver: FERNANDES, op. cit., p.3.


36

explorad or ten tar d es crever d e form a m u ito s u cin ta, para os


vindouros, as coisas notáveis que viu.”57

A p r in cíp io, o qu e s e es p er a , é qu e o m étod o com p a r a tivo, s e b em a p lica d o,

p os s a s er vir com o u m a b ú s s u la p a r a qu e o cien tis ta s ocia l con s iga r ea liza r s u a

via gem exp lor a n d o os ca m in h os qu e s e a b r em n o d ecor r er d o p r oces s o d e

in ves tiga çã o s em s e a fa s ta r d em a s ia d o, n o en ta n to, d e u m tr a b a lh o s is tem á tico

s ob r e a s in ter r oga ções qu e o m otiva r a m n o in ício d e s eu tr a b a lh o. Nes s e s en tid o,

n os p a r ecem fu n d a m en ta is a s ob s er va ções d e Lu cien Gold m a n a r es p eito d o n ível

estratégico58. S egu n d o es s e a u tor , a s p es qu is a s h is tór ico-s ociológica s p od em s e

situ a r em d ifer en tes n íveis , qu e vã o “d a gen er a lid a d e s ociológica extr em a , à

s in gu la r id a d e h is tór ica extr em a ”. O p r ob lem a m etod ológico con s is te em

d eter m in a r o qu e o a u tor ch a m a d e n ível es tr a tégico. Is to im p lica em d eter m in a r ,

“o n ível, a es tr u tu r a çã o d o ob jeto qu e p er m ita a gr u p a r exclu s iva m en te fa tos d e

p a r en tes co s u ficien tes p a r a ilu m in a r em -s e r ecip r oca m en te, e, a o m es m o tem p o,

com d iver s id a d e b a s ta n te p a r a d a r or igem a u m a lei es tr u tu r a l qu e p a s s e d a m er a

descrição ao fato individual.”

Is s o im p lica em d es cob r ir os elem en tos com u n s a os d ifer en tes ca s os , típ icos

p a r a a s d ifer en tes cla s s es d e ca s os , ou s in gu la r es , qu e n ã o p od em s e r ep etir . No

n os s o en ten d er , a cor r eta id en tifica çã o d o n ível es tr a tégico, r ep r es en ta , em ter m os

d o m étod o com p a r a tivo, a ch a ve ca p a z d e ga r a n tir a cor r eta a r ticu la çã o en tr e os

dados empíricos e a teoria, na construçäo da explicação sociológica.

57. Ver : MOORE J r ., Ba r r in gt on . As or i g e n s s oc i a i s d a d i t a d u r a e d a d e m oc r a c i a : s en h or es e


camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1983.
58. Ver : GOLDMAN, Lu cien . E s t r u t u r a s ocia l y con s cien cia colect iva d e la s es t r u t u r a s . In :
LABROUS S E et a llii. La s e s t r u c t u r a s y l os h om br e s . Ba r celon a : E d icion es Ar iel, 1 9 6 9 , p .1 0 4 -
113.
37

IV- APLICAÇÃO DO MÉTODO COMPARATIVO NA PESQUISA SOCIAL EMPÍRICA:


BARRINGTON MOORE JR. E “AS ORIGENS SOCIAIS DA DITADURA E DA
DEMOCRACIA”

No ca m p o d a p es qu is a s ocia l em p ír ica , d iver s os a u tor es tem u tiliza d o o


m étod o com p a r a tivo en qu a n to in s tr u m en ta l d e a n á lis e. A títu lo d e exem p lo,
ju lga m os in ter es s a n te r econ s titu ir a qu i, em s u a s lin h a s m a is ger a is , o m od o com o
a com p a r a çã o foi u tiliza d a em u m es tu d o es p ecífico, n o ca s o, o con h ecid o
tr a b a lh o d e Ba r r in gton Moor e J r . en titu la d o “As origen s d a d itad u ra e d a
democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno”.

A ob r a d e Ba r r in gton Moor e J r . tem com o ob jeto d e in ves tiga çã o os distintos


p a p éis p olíticos d es em p en h a d os p elos gr u p os s ocia is a gr á r ios (ca m p on es es e
ter r a ten ien tes ) n a tr a n s içã o d a s s ocied a d es a gr á r ia s p r é-ca p ita lis ta s p a r a a s
m od er n a s s ocied a d es in d u s tr ia is . Tr a ta -s e d e in ves tiga r a p a r ticip a çã o d es s a s
ca tegor ia s s ocia is es p ecífica s n a em er gên cia d a s d em ocr a cia s p a r la m en ta r es
ocid en ta is , d o fa s cis m o e d o com u n is m o n o m u n d o con tem p or â n eo. Atr a vés d a
r econ s titu içã o h is tór ica d e ca s os es p ecíficos e d e s u a com p a r a çã o, o a u tor
p r eten d e s e con tr a p or a in ter p r eta ções , en tã o a ceita s , qu e a tr ib u ia m a em er gên cia
dos regimes totalitários do século XX ao processo de industrialização.

O es tu d o d a tr a jetór ia d e d ifer en tes p a ís es , in clu in d o a í os E s ta d os Un id os ,


a Fr a n ça , a In gla ter r a , o J a p ã o, a Ch in a e a Ín d ia 59, ir á d es ven d a r a exis tên cia d e
múltiplas vias de transição que ligam o mundo pré-capitalista ao mundo moderno,
n a s qu a is a s for ça s s ocia is vin cu la d a s a o u n iver s o a gr á r io tiver a m u m p er fil d e
atuação bastante diferenciado.

Um p r im eir o elem en to qu e m er ece a ten çã o em r ela çã o a o m od o com o o


a u tor s e u tiliza d o m étod o com p a r a tivo d iz r es p eito a os cr itér ios em p r ega d os p a r a
a s eleçã o d os ca s os s in gu la r es . Tr a ta -s e d e u m u n iver s o b a s ta n te s ign ifica tivo d e
p a ís es , ta n to d o p on to d e vis ta d o n ú m er o, com o em ter m os d e s u a im p or tâ n cia
38

p a r a a for m a çã o d o m u n d o con tem p or â n eo. Refer in d o-s e a os m otivos p elos qu a is


p a ís es com o a S u iça , a E s ca n d in á via , os Pa ís es Ba ixos , “d o la d o d em ocr á tico”,
ou Cu b a , Vietn a m d o Nor te ou Cor éia d o Nor te, n o ca m p o s ocia lis ta , n ã o for a m
escolhidos como objeto de estudo, Barringtos Moore Jr. afirma:

“Es te es tu d o con cen tra-s e, em certas fas es im p ortan tes , n u m


p roces s o s ocial exten s o qu e s e verificou em d ivers os p aís es .
Faz en d o p arte d es s e p roces s o d es en volveram -s e, p ela violên cia e
ou tros m eios , n ovos s is tem as s ociais qu e torn aram certos p aís es
con d u tores p olíticos em d eterm in ad as ocas iões , d u ran te a p rim eira
m etad e d o s écu lo XX. O foco d e in teres s e res id e n a in ovação qu e
levou ao poder político, não na difusão e na recepção de instituições
qu e foram ap licad as à força em qu alqu er ou tro local, exceto n os
cas os em qu e levaram a u m p od er s ign ificativo n a p olítica m u n d ial
(...) u m a d eclaração d e caráter geral s ob re as p recon d ições
h is tóricas d a d em ocracia ou d o au toritaris m o qu e cu b ra tan to os
p equ en os p aís es com o os gran d es p od eria, m u ito n atu ralm en te, s er
tão vas ta qu e n ão p as s aria d e lu gares com u n s ab s tratos . Des te
p on to d e vis ta, a an ális e d a tran form ação d a s ocied ad e agrária a
p artir d e p aís es es p ecíficos p rod u z res u ltad os p elo m en os tão
compensadores quanto generalizações mais amplas.”60

A es colh a d os p a ís es en con tr a -s e p or ta n to in teir a m en te vin cu la d a , d e u m


la d o, à p r ob lem á tica m a is ger a l qu e d eu or igem a o tr a b a lh o, d e ou tr o, a o m étod o
d e a n á lis e em p r ega d o. Nã o s e tr a ta p or ta n to d e gen er a liza r a p a r tir d e u m
u n iver s o con s titu íd o p elo m a ior n ú m er o d e ca s os p os s íveis , com tod a s a s s u a s
s in gu la r id a d es e va r ia ções , m a s s im d e s elecion a r p a ís es cu jo d es en volvim en to
h is tór ico a p r es en ta d im en s ões s ign ifica tiva s d o p on to d e vis ta d a a n á lis e em
qu es tã o, ou s eja , cu ja tr a n s içã o d a s ocied a d e a gr á r ia à s ocied a d e in d u s tr ia l
en volveu a r r a n jos es p ecíficos en tr e os d ifer en tes gr u p os s ocia is , d a n d o lu ga r a
for m a s s ocia is e p olítica s in ova d or a s , e cu ja s r ep er cu s s ões extr a p ola m os lim ites
estabelecidos por suas fronteiras nacionais.

59. Os casos da Rússia e da Alemanha não se constituiram enquanto objeto específico de análise mas são usados, ao
longo de toda a obra, como contraponto aos demais países estudados.
60. Ver: MOORE JR., Barrington, op.cit. p. 2-3
39

A com p a r a çã o en tr e p r oces s os p olíticos eu r op eu s e a s iá ticos p er m ite


r om p er , p or u m la d o, com uma vis ã o exces s iva m en te “ocid en ta liza d a ” d o
desenvolvimento social, por outro, com um tipo de interpretação histórica segundo
a qu a l, “exis tia a p en a s u m a es tr a d a p r in cip a l qu e con d u zia a o m u n d o d a
s ocied a d e in d u s tr ia l m od er n a , a es tr a d a qu e leva va a o ca p ita lis m o e à d em ocr a cia
p olítica ”, tr a zen d o à d is cu s s ã o ca s os n os qu a is a m od er n iza çà o a s s u m e con tor n os
não democráticos ou mesmo antidemocráticos.

O n ível cen tr a l d e a n á lis e s ob r e o qu a l s e es tr u tu r a tod o o tr a b a lh o d e


com p a r a çã o d es en volvid o p or Ba r r in gton Moor e J r . é o es tu d o a p r ofu n d a d o d os
ca s os s in gu la r es . Tr a ta -s e d e in ves tiga r , em ca d a u m d os p a ís es , qu a is for a m a s
com b in a ções es p ecífica s d e elem en tos qu e p os s ib ilita r a m a em er gên cia d es ta ou
daquela configuração social, deste ou daquele “padrão” de transição. Estabelece-se
a s s im u m a ten s ã o en tr e “a s exigên cia s d e exp lica çã o d e u m ca s o s in gu la r e a
b u s ca d e gen er a liza ções ”61. A p a s s a gem d e u m n ível a ou tr o d e gen er a liza çã o n ã o
se dá, no entanto, de forma mecânica:

“...p ara qu alqu er p aís con s id erad o é p recis o d es cob rir as lin h as
d e con d icion am en to, qu e n em s em p re s e aju s tam facilm en te às
teorias d e caráter m ais geral. Con trariam en te, u m a d ed icação
m u ito in ten s a à teoria con tém s em p re o p erigo d e s e con ced er
exces s iva im p ortân cia aos fatos qu e s e aju s tam a u m a teoria,
para além de dua importância na história de cada país.”62

Ca b e p er gu n ta r a qu i com o o a u tor a va n ça d e u m n ível d e gen er a liza çã o a


ou tr o, ou s eja , com o con s egu e ir a lém d o es tu d o d e ca d a p a ís es p ecífico,
r etom a n d o, em u m p a ta m a r m a is eleva d o d e a b s tr a çã o, a s qu es tões qu e lh e
serviram como ponto de partida.

61. MOORE JR., Barrington. op.cit., p.7


62 .MOORE JR., Barrington, op. cit p. 3.
40

E m “As origen s s ociais d a d itad u ra e d a d em ocracia” es te p r ob lem a é


r es olvid o a tr a vés d a con s tr u çã o d e u m a tip ologia , p or m eio d a qu a l tor n a -se
possível identificar três vias distintas de transição para o mundo moderno:

1 ) Um p r im eir o ca m in h o, o d a s “r evolu ções b u r gu es a s ”, p er cor r id o p ela s


s ocied a d es in gles a , fr a n ces a e a m er ica n a , n o qu a l o p r oces s o d e in d u s tr ia liza çã o
d eu or igem a s is tem a s d em ocr á ticos d e gover n o. Um a d a s ca r a cter ís tica s m a is
im p or ta n tes qu e id en tifica es tes p a ís es é a exis tên cia d e u m gr u p o s ocia l, com
u m a b a s e econ ôm ica in d ep en d en te, qu e s e con tr a p õe a os en tr a ves exis ten tes a
u m a “ver s ã o d em ocr á tica d o ca p ita lis m o” or igin á r ia d o p a s s a d o, tornando-s e o
artífice da construção de uma nova ordem social;
2 ) Um a s egu n d a r ota , a d a “m od er n iza çã o p elo a lto”, qu e d eu or igem a o
fascismo, na forma como este ocorre em países como a Alemanha e o Japão. Neste
ca s o, a p r es en ça d e u m a b u r gu es ia “fr a ca ” e d e u m a cla s s e for tem en te en r a iza d a
d e ter r a ten ien tes , p er m itir á qu e s e es ta b eleça u m a a lia n ça en tr e os d ois gr u p os os
qu a is ir ã o con d u zir o p r oces s o d e in d u s tr ia liza çã o s ob u m r egim e s emi-
p a r la m en ta r . A econ om ia s e m od er n iza s em qu e ocor r a m a lter a ções m a is
p r ofu n d a s n a s es tr u tu r a s s ocia is ; o ca m p es in a to con s er va s u a im p or tâ n cia em
ter m os p r od u tivos e o exced en te p a s s a a s er extr a íd o p ela s cla s s es d om in a n tes
p or m étod os p olíticos b a s ea d os s ob r etu d o n o u s o d a for ça . O m ilita r is m o a p a r ece
com o a lter n a tiva n o s en tid o d e u n ir a s elites e d a r con ta d e u m p r oces s o m a is
a m p lo, qu e ocor r ia em m a ior ou m en or gr a u em tod o o ocid en te, ou s eja : a
emergência dos trabalhadores como atores sociais;
3) Um a ou tr a via n a qu a l r evolu ções ca m p on es a s d ã o or igem a os r egim es
com u n is ta s , ta l com o a con tece n a Ch in a e n a Rú s s ia . Nes ta s s ocied a d es m a n tém -
s e u m a vigor os a cla s s e d e ca m p on es es . “Es ta clas s e, s u jeita às n ovas ten s ões e
forças , à m ed id a qu e o m u n d o m od ern o ia avan çan d o s ob re ela, p rod u z iu a p rin cip al
força revolu cion ária e d es tru id ora, qu e s u b verteu a ord em an tiga e lan çou aqu eles
41

país es n a era m od ern a, s ob a d ireção d o com u n is m o, qu e torn ou os cam pon es es as


suas primeiras vítimas”63;
4 ) Um a qu a r ta a lter n a tiva , a p on ta d a n o ca s o d a Ín d ia , n a qu a l o im p u ls o
para a modernização se caracteriza por ser extremamente fraco, não dando lugar a
nenhum tipo de revolução camponesa.
S egu n d o Ra gin e Za r et 64, a s via s d e tr a n s içã o p a r a a s ocied a d e m od er n a
identifica d a s p or Ba r r igton Moor e J r ., cor r es p on d em a os tip os s ocia is web er ia n os ,
onde o estudo de casos historicamente referenciados conduz a hipóteses acerca da
r ela çã o en tr e d eter m in a d a s com b in a ções d e ca u s a s , vis ta s en qu a n to a r r a n jos
tem p or á r ios , “p a d r ões d e in va r iâ n cia em m eio à d iver s id a d e”. Ca d a u m d os
p os s íveis p er cu r s os h is tór icos a p on ta d os em “As or igen s s ocia is d a d ita d u r a e d a
d em ocr a cia ” in flu en cia , em su a tr a jetór ia , os p er cu r s os s u b s eqü en tes : a s
r evolu ções b u r gu es a s ocor r id a s n os E UA, n a In gla ter r a e n a Fr a n ça tiver a m
r eflexos s ob r e os d es d ob r a m en tos h is tór icos ocor r id os n a Alem a n h a e n o J a p ã o e
es tes , p or s u a vez, a feta r a m a s r evolta s qu e leva r a m a os r egim es com u n is ta s .
Tratam-s e, p or ta n to, d e exp lica ções d e n a tu r eza gen ética , qu e s e d is ta n cia m d a s
generalizações transhistóricas próprias da comparação durkheimiana.

Com Barrington Moore Jr. fica apontada assim uma abordagem comparativa
for tem en te vin cu la d a a o ca s o es p ecífico, tom a d o em s u a s in gu la r id a d e, m a s qu e
tem com o r es u lta d o a con s tr u çã o d e tip ologia s m a is a m p la s , qu e tem p or ob jetivo
p os s ib ilita r , d e u m la d o, u m a r eleitu r a d e exp lica ções p r evia m en te a ceita s , d e
ou tr o, u m a r u p tu r a , ta n to com a s in ter p r eta ções gen er a liza n tes com o com a s
abordagens históricas excessivamente descritivas e empiricistas.

63. Ver: MOORE JR. , Barrington, op. cit., p.6


64 . Ver: RAGIN, C. e ZARET, D. , op. cit. 745-746.
42

BIBLIOGRAFIA:

BE NDIX, R. Ma x W e b e r : u m p er fil in telectu a l. Br a s ília : Un iver s id a d e d e Br a s ília ,


1986.
CARDOS O, C. F. e BRIGNOLI, H. P. Os m é t o d o s d a h is t ó r ia : in tr od u çã o a os
p r ob lem a s , m étod os e técn ica s d a h is tór ia d em ogr á fica , econ ôm ica e s ocia l.
São José: Universidad de Costa Rica, 1975.
CAS TRO, A.M. e DIAS , E . In t r o d u ç ã o a o p e n s a m e n t o s o c io ló g ic o . Rio d e
Janeiro: Eldorado, Tijuca, 1987.
COMTE, A. Curso de filosofia positiva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
DURKHE IM, E . As fo r m a s e le m e n t a r e s d a vid a r e lig io s a . S ã o Pa u lo: E d ições
Paulinas, 1976.
DURKHE IM, E . As r e g r a s d o m é t o d o s o c io ló g ic o . S ã o Pa u lo: E d itor a Na cion a l,
1985.
DURKHE IM, E .. O s u ic íd io : es tu d o s ociológico. Lis b oa : E d itor ia l Pr es en ça e
Martins Fontes, 1973.
FERNANDE S , Flor es ta n . Fu n d a m e n t o s e m p ír ic o s d a e x p lic a ç ã o s o c io ló g ic a .
São Paulo: T. A. Queiroz, 1980.
GOLDMAN, Lu cien . E s tr u tu r a s ocia l y con s cien cia colectiva d e la s es tr u tu r a s . In :
LABROUS S E et a llii. La s e s t r u c t u r a s y lo s h o m b r e s . Ba r celon a : E d icion es
Ariel, 1969, p.104-113.
MOORE J r ., Ba r r in gton . As o r ig e n s s o c ia is d a d it a d u r a e d a d e m o c r a c ia :
senhores e camponeses na construção do mundo moderno. São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
MORAES FILHO, Evaristo (org). Comte: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
MORLINO, L. y S ARTORI, G. La c o m p a r a c ió n e n la s c iê n c ia s s o c ia le s .
Madrid: Alianza Editorial, 1994.
RAGIN, C. e ZARE T, D. Th eor y a n d m eth od in com p a r a tive r es ea r ch : two
strategies. Social forces, Chappel Hill, v. 61, n. 3, p. 731-754, March 1983.
TARGA, L. R. P. Com en tá r io s ob r e a u tiliza çã o d o m étod o com p a r a tivo em a n á lis e
regional. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 265-271, 1991.
WE BE R, Ma x. Me t o d o lo g ia d a s c iê n c ia s s o c ia is . S ã o Pa u lo: Cor tez / E d itor a
da Universidade Estadual de Campinas, 1992.
This document was created with Win2PDF available at http://www.win2pdf.com.
The unregistered version of Win2PDF is for evaluation or non-commercial use only.
This page will not be added after purchasing Win2PDF.

Você também pode gostar