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Marcos Marlonilo connec: Andel Custédio F Angela Paiva Dior be co UF Groen on Sas toterde Over Sco a ana ei tengo Unnerseade de santiago Compose) Spain Unico) Noten Pa cee UES ofa de arrede PUCEP sore UNAM a {PUC-SF Slants etna 1. ze sso Ste wa sees os. PFO M==eevreren rm sic / ar Alaa Neeaide rat Saou 3 -Parabola , 2013. Inu igre 978857034. 060-2 u-s reaoesiea-Estwsocensinn 24ers Menta cde ee aad, FG, oo: 607 ue 15061926) 506-0075 | Rome ge wparbadtoraon. i prabologparsolaetotl cmt 2018, Tenho um grande respeito, e principalmente um grande cari- ho, pelo oficio de professor e por isso mesmo me reconforta saber que eles também sao vitimas de um sistema de ensino ‘que os induz a dizer besteiras. [...] Lembro-me de um profes- sor de literatura do colégio, um homem modesto e prudente, que nos conduzia pelo labirinto dos bons livros sem interpre- tagdes rebuscadas, Esse método possibilitava a seus alunos uma participacao mais pessoal e livre no milagre da poesia. GABRIEL GARCIA MARQUEZ Capitulo 4 Literatura na escola Propostas didatico- -metodoldégicas Maria Améua Daivt Aproximacao 0 propésito deste capitulo 6 aproximar literatura e educagao, a partir do que poderia sor chamado de contri- coes para o trabalho com 0 texto literdrio nas escolas, um didlogo entre pesquisa bibliografica (de diversos ma- izes @ matrizes) e experiéncias © vivéncias docentes na lucacio basica e na formagao de professores em cursos e Letras © Podagogia. Apresentamos nossas sugestdes rao trabalho com o texto literario nos espagos e tempos colares, em didlogo com as 10 teses propostas por Vitor Manuel de Aguiar e Silva em “Teses sobre o ensino do texto na aula de portugués” (Silva, 1998) — teses essas » que nos apropriamos, alterando-as e atualizando-as. © ponto de partida ¢ que a leitura e a vivéncia ou eriéncia literdrias (dentro ou fora do espago ¢ tempo escolares) sejam distintas do do literatura — de literatura, ¢ néo d toma congénere —, embora este (0 ensino de literatura) nao se dé om separado ou & margem daquelas (a leitura e a vivenei ou experiéneia literdrias) (Beach & Marshall, 1991). Entende- , 6 claro, a argumentagao de que literatura nao se ensina, se 18, se vive — e que, portanto, 0 que possa ser ensinado seja Igo “sobre” literatura ¢ nao literatura “propriamente dita” —, 10 entanto, ndo nos parece que esse argumento se sustente pladamente. storia da literatura ou Ei necessario instituir a experiéncia ou vivéncia de leitura rdria, bem como a constituigao de sujeitos leitores, como lundantes ou inerentes (também) ao ensino de literatura (algo que, de nossa perspectiva, nao poderia acontecer em separa- ) dessas experiéncias, vivéncias ou constituigdes subjetivas); as, para isso, 6 preciso aprender — e ensinar —, no Ambito smo do movimento teoria-pratica-teoria, algumas coisas: or exemplo, 4) 0 que subjaz ao nome “literatura” e a prética de “leitura prdria” historicamente e no momento contemporaneo; b) como e por que no ambito das experiéncias soci culturais se Ié literatura; como 6 possivel se aproximar do texto e do “circuito", mercado” ou “sistoma’ literério, 0 que esperar deles @ daqueles que deles se apropriam; d) como as nogdes de literatura, de to literdri Q das came culturais, histéricas, 61 As experid \viduais so sempre inscritas no interior de modelos e de normas compartilhadas. Cada leitor, para cada uma de suas leituras, em cada circunstancia, é singular. Mas esta singularidade é ela prépria atravessada por aquilo que faz com que este leitor seja [de algum modo] semelhante a todos aqueles que pertencem a mesma comunidade (Char- tier, 1999: 91). Assim, a ideia 6 dar a lume facetas em torno de temas que recorrentemente tm aparecido nos cursos de formagao inicial ou continuada de professores de lingua e literatura, sabendo que qualquer posicionamento 6 sempre histérico e, portan- sujeito & discussao, & diivida, a critica e, claro, & recusa, & formagao, a atualizagao, ao embate. Por isso, na primeira © segunda partes do texto, apresentamos algumas das razdes quais a leitura e a vivéncia ou experiéncia de literatura, n Como o seu ensino, hoje, nos parecem importantes, mesmo ies de que os motivos que justificam sua permanéncia, sob vertentes, nem sempre esto afinados com a domocra- gu ivagio da escola ¢ das experiéncias sociais e culturais. Na terceira e quarta partes, trazemos algumas contribui- para os professores, na expectativa de que, muito mais do formar, informar ou conformar leitores, possamos contYi- para que os leitores de literatura de hoje ¢ amanha refutem om, provocativa, criativa e ousadamente, a leitura, a ‘cola que se Ihes afigura, Essas contribuigdes demos trazer partem do diagnéstico efetivado por veburg (2012): m descompasso entre a pesquisa académica em es- @ asituagao do ensino universitério na area de nos trinta anos tenham sido caracteri- s Literatura na escola: Propostes ddtico-metodclégicas 7) ado por um lado, a8 pesquisas mais corajosas tém pro rever os fundamentos do « € discutir possibilidades de mudangas de paradigmas, por outro, as instancias responsé- veis pelo ensino de pds-graduacao e graduagéo tém tido cli culdades e resisténcias quanto a articulacéo entre o cotidiano de sala de aula e a coragem das mudancas. |...] 05 conhecimentos em teoria da literatura ndo podem ser encarados como ideologicamente neutros. A adogao de uma ou outta perspectiva teérica traz consequéncias importantes, ois estabelece critérios para definigéo de juizos de valor, ar- ticulades a processos seletivos excludentes e a fundamentos da construgao do conhecimento academicamente legitimado. L...] Os instrumentos utilizados pela comunidade académica ppara estabelecer critérios de valor so responséveis pelas ope- races distintivas que do suporte aos estudos literarios na es- cola e na universidade (Ginzburg, 2012: 21-23, grifos nossos). Outro aspecto que precisa ser considerado, para além dos apontados por Jaime Ginzburg é que, geralmente, ainda hoje nas universidades e, assim, nos institutos e faculdades de educagiio, a Tormagio de professores de literatura é bem aquém do que seria perado (Leahy, 2000: 194-202), deixando que a pratica docente iva se encarregue de aspectos que, de nosso ponto de vista, de= m ter sido contemplados primeiramente na formagio inicial ~ ¢ ndo 6 privilégio da situagao brasileira: por exemplo, Elaine *howalter (Showalter, 2003), no prefiicio de seu Teaching Litera: ‘ure, a0 pontuar sua trajetéria e os motivos que teve para escrever livro, afirma o mesmo a Tespeito da situagdo dos Estados , optando por partilhar sua trajetéria de “teacher Elaine”, @ de “professor Showalter”, a fim de contribuir com a pratica iteratura, iversidac Educagao e literatura A literatura muitos saberes. Num roma Robinson Crusoé, ha um saber histérico, geografico, social (coloniall, técnico, bot8nico, antropolégico (Robinson passa da natureza a cultura). Se, por nda sei que excesso de socia lismo ou de barbarie, todas as nossas disciplinas devessen ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disci que deveria ser salva, pois todas as ciéncias esto presentes no monumento literétio. (...| a literatura faz girar os saberes, nao fixa, nao fetichiza nenhum deles; ela thes dé um lugar indireto, e esse indireto € precioso. Por um lado, ela permite designar saberes possiveis — insuspeitos, irrealizados: a ratura trabalha nos intersticios da ciéncia: est sempre atrasa da ou adiantada com relagao a esta|...]. A ciéncia é grosseit a vida é sutil, e é para corrigir essa distancia que a literatura nos importa, Por outro lado, © saber que ela mobiliza nun ca 6 inteiro nem derradeiro; a literatura nao diz que sabe al guma coisa, mas que sabe de alguma coisa; ou melhor: que ela sabe algo das coisas — que sabe muito sobre os homens @arthes, 1979: 18-19) No entanto, 6 importante dizer, mais uma vez, por que mo- acreditamos na literatura e, em particular, na literatura sos ¢ tempos escolares. tiv Na educagéio infantil, o trabalho com a oralidade ¢ com as 48 populares frequentemente nao 6 visto camo uma in- horgiio no mundo da literatura. No entanto, ele 6 impreseindt- apenas porque a literatura ajudaria as criancas a pon- © @ onfrentarem seus dilemas e problemas subjetivos, sociais; 0 trabalho com a literatura é literdrio, a adrinhas, 72 maré”), 0 esquema estrutural bésico das narrativas (situagao inicial — complicagao — climax — desfecho), a identificagao de papéis narrativos, a identificagao de informagées relevan- tes ¢ irrelevantes no contexto da obra (por exemplo, o fato de a madrasta da Branca de Neve ser vaidosa ¢ autocontrada vai ser importante para explicar mais tarde sua atitude em rela- cio a Branca de Neve; certa sflaba que se repita num poema — como ocorre em “O pato pateta”, de Vinicius de Moraes, ou em “0 trenzinho”, de Manuel Bandeira — é relevante, ao passo que outras nao sao etc.), a presenga de contetidos ideolégicos, psiquicos e historicos (por exemplo, as questes da pobreza ¢ da infancia, bem como o desejo de matar o adulto oprossor, om “Joao e Maria’, ou a vivéncia de situagdes semelhantes-dife- rentes na representacéo de papéis dramiticos otc.): ¢ tudo isso constituird bases para a apropriagao da escrita e de formas nao espontaneas da oralidade, além de complexificar a compreen- sao em diversos niveis (6tico, linguistico, estético). No ensino fundamental, a crianga passa a acossar outras formas, géneros e suportes da literatura, desapegando-se do ‘apel da memorizagao pela musicalidade ¢ pela repetigao rumo 4 leitura (em sentido estrito), num continuum no qual ela se des- loca da oralidade para a escrita e vice-versa. A crianga deixa rogressivamente de depender daquilo que o adulto decide con- ‘lev/eantar para ela para poder buscar aquilo que deseja ler, a importancia da biblioteca escolar (, so possivel, de sala, rro ¢ familiar) e do trabalho com diversos géneros escri- iseridos em situagdes socialmente relevantes. No entanto, a “autonomizagao” do leitor, em relagéio lar), 6 relativa — dai a necessidade de ‘atura e educi r exemplo, em Letramento literério na escola: un estudo das praticas de leitura literdria na forma- ¢do da comunidade de leitor sok {exatamente 0 ptiblico do ensino fundamental II) como leitor de literatura em escolas puiblicas do Brasil ¢ de Portugal, entende que o loitor que a escola (@, assim, a sociedade) pretende formar deve ler 0 que é permitido, Para ela, tais valores sio propugna- dos, principalmente, pelo livro didético, que costuma guiar as praticas do leitura realizadas na sala de aula Na anilise que fez das praticas escolares de leitura de tex- tos literdrios, Pinheiro (2006) observou que os alunos devem identificar-se passivamente com os personagens, ficar emo- cionados com 0s textos poéticos, tornando-se individuos “mais sensiveis” ¢, talvez, mais controlaveis pela escola e pela so- ciedade; observou também que o objetivo estético mistura-se, com frequéncia, a um objetivo instrucional, sendo a literatura reduzida a um dispositive que tem como objetivo orientar os individuos a se comportarem de uma tinica maneira (Pinhol- ro, 2006). As leituras realizadas pelos alunos fora da sala de aula, de acordo com a investigac&o etnografica empreendida pela pesquisadora, apresentam um alto grau de dependénc om relagio As praticas de leitura escolares. As possibilidad de realizagao de leituras auténomas pelos alunos so influ ciadas pelas possibilidades de acesso a livros ¢ pelas titi de escolarizagao da literatura desenvolvidas pelos profe ma vez que inclusive a biblioteca escolar constitui-se espaco que propicia e ao mesmo temo controla leituras Jé 0 estudantes dos anos finais do ensino fundam| m iniciar a insergdo nas (se é qu i ) “altas literaturas” disso sem ser irénico, sentando iagdes vang\ pvocativ toxtos om pi 08 contos, novelas ¢ os romances juvenis ou “de formacéio”). No lanto, privilegiam-se a crénica, os textos jornalisticos, a letra miisica ¢ 0 poema mais esteticamente conservador, como sequéncia do trabalho insuficiente ou precério na edueagao ntil e nas séries iniciais do ensino fundamental. O trabalho ‘ério tende a ser altamente controlado polo moralismo (de rdas as ordens) vigente nas escolas. Ao contrério do que se a, a feitura de “teatro” (como ma adaptagao de textos nar- itivos simples), jogral, sarau, livrinhos de poema etc. tende (tender quer dizer “nao necessariamente”, 6 claro) a prestar um ) A causa literdria, pela cristalizagio da nogdo “cos- ica” e as vezes beletrista de literatura. Outro problema fre- ile 6 a adocdo acritica do discurso do “ler por prazer”, que d privilegia uma fungao hedonista para a literatura; essa op¢ao t or consequénci a) 0 entendimento de que 6 “errado” que a literatura seja tratada como contetido que necossita ser aprendido-en- sinado e, portanto, continuamente pensado, problema- tizado, polemizado, discutido, avaliado; b) 0 falseamento ou mascaramento do papel social, ideol6- gico, hist6rico, politico ¢ cultural da literatura, em seus 05, tensdes e sistemas studante precisa ser incentivado a ter contato com for- textos, estéticas mais sofisticadas (0 que osta longe de dizer tor, sem, contudo, deixar de lado essa compre literatura, perspectiva, relativizando-o — como leitor (e, quem sabe, como produtor), No entanto, ele é incapaz sequer de perceber os cle- mentos préprios aos primeiros momentos da constituigao lei- tora — dai sua dificuldade em identificar nos textos ou frag- mentos as “caracteristicas” costumeiramente apontadas como proprias a tal ou qual perfodo, autor ou estética de perccber nuances de (autojironia e de humor ou retomadas parodisti- cas de textos “fundadores”{Além da ma formacao progrossa, a aprendizagem engessada das “escolas” literdrias, 0 pouco tem- po dedicado a leitura literdria ¢ A constituigdo do sujeito-leitor, a fragmentagao da disciplina de Imgua portuguesa em gramé- tica-literatura-produgao de texto, a pequena carga hordria des- tinada as aulas “de literatura’, a pressdo dos oxamos o pro- cessos de seleciio ¢ a adogéo de resumos canhestros das obras que deveriam ser lidas, tudo isso vom coroar uma historia de “fracasso” ou “insucesso”, reiterando a ideia de que literatura 6 algo para gente “genial” (que consegue entender aquilo que 6 incompreensfvel para a maioria), “ociosa” (que tem tempo de ficar discutindo “o sexo dos anjos”) ou “viajante” (que fica de- lirando/inventando/imaginando coisas onde nfo ha nada para ser visto/percebido). ) Os textos literdrios so apresentados em desarticulagdo m o mundo da vida, com a histéria ¢ o contexto social-eco- némico-cultural. Principalmente para alynos economicamente avorecidos, 0 acesso ao circuito literério 6 impensavel quanto um eruzeiro para as ilhas grogas. No en- tanto, a escola se esquece de que talvez fosse o caso de apurar Jar para a andlise de formas literdrias populares, como a idios, a novela, , As vezes, tio ines a a Maria Amaia Dali ao cabo, a retomada dessa produgao da indistria cultural sob_ um viés muito mais eritico. Assim, diante da evidente e imperiosa urgéncia em pensar a aproximagao entre educacao e literatura e entre literatura e educagao, visando a, como jé propés Jorge Larrosa (2004), “literaturizar” a escola e a pedagogia ao invés de escolarizar ou pedagogizar a literatura — mesmo cientes de que, como ad- vertiu Magda Soares, a escolarizagao é sine qua non a tudo 0 que adentra a escola como contetido ou proceso pedagégico — 6 necessdrio reafirmar a constatagao de Cyana Leahy (2000), quando diz que a educagao literdria requer mudangas nas ma- croestruturas de poder educacional e, simultaneamente, que trés pontos parecem relevantes para a transformagio das pré- ticas de educagao literéria: 1) garantir a (ou se esforgar pela) apropriagio das ferra~ mentas criticas para o fortalecimento do leitor; | 2) democratizar as salas de aula do literatura; ¢ 3) reconhecer o poder politico-pedagégico da literatura. Literatura e educagao Revemos, a seguir, 0 conjunto de 10 teses propostas pelo professor Vitor Manuel de Aguiar ¢ Silva (1998) sobre o ensino do texto literdrio na aula de portugues. Essas teses (por nés apro- priadas, adaptadas e atualizadas) nos ajudam a pensar a litera tura na escola, defendendo que ela seja recolocada no lugar em que nunca ostove (a centralidade do ensino de lingua), mas de onde nunca deveria ter safdo. Nao propomos com isso uma reto- a, passiva ou repotitiva do texto literario — ros periodos da histéria modelares em relag&o aos usos da lingua e como objetos de ve- neragao e aprego. Nada Partimos do prinefpio de que a literatura, do modo como a estamos pensando (préxima, real, democratizada, efetivamen- to lida ¢ discutida, visceral, aberta, sujeita a critica, @ inven- cdo, ao didlogo, ao pastiche, a leitura irdnica e humorada, & parédia, & contextualizacdo individual e histérica, com manejo dos recursos — verbais, visuais, materiais ¢ imateriais —, in- serida no mundo da vida © em conjunto com as préticas cultu- rais ¢ comunitdrias, sem medo dos julgamentos), nunca esteve no centro da educagéo escolar{ Basta lembrar que, conforme Fonseca (2000), nos modelos tradicionais do ensino da lingua materna, o texto literério tinha uma presenga constante, mas erigido em exemplo, em objeto de admiragao “por encomenda”, usado como modelo de boa linguagem, como vefculo ideolégi como suporte tematico e documental, como apoio ao ensino da hist6ria literaria, como matéria para exercicios de andlise gra matical — ou seja, uma utilizagdo abusiva, burocrética, nada criativa ou critica o, pior, uma instrumentalizagao inespecifica, que conferia ao texto literdrio uma presenga sacralizada e, a0 mesmo tempo, banal. | Entao, a partir de Silva (1998), as teses que propomos para o trabalho com o texto literdrio nas aulas de lingua seriam as seguintes: A ‘TESE 1 — A PREEMINENCIA DA LITERATURA NA EDUCAGAO: 0 texto literdrio desempenhou, ao longo de toda a hist6 nte, um papel preeminente na formagao dos jovens orspoctivas © sob TES 1 — A CENTRALIDADE DO TEXTO LITERARIO NO ENSINO INGUA: 0 texto literdrio ndo deve ser considerado como uma pendicular ou como uma area perifericamente aristocré- tica da disciplina de portugués, mas como o nucleo da disci- plina, como a manifestag&o da meméria e da criatividade da lingua portuguesa. TESE I] — A QUALIDADE LITERARIA (ELA MESMA SEMPRE SUB- IDA A QUESTIONAMENTOS) COMO CRITERIO PRIMEIRO PARA A HA DE TEXTOS A SEREM LIDOS: os textos literdrios lidos PSC ostudados na disciplina de portugués na escola devem ser es- colhidos tendo em consideragao 0 desenvolvimento linguistico, légico, cognitivo, cultural e estético dos alunos, mas de- ngua ¢ das formas, pela densidade, pela originalidade, pela 1eza @ pela sedugio dos mundos representados, pela preo- aio com o humano, pela possibilidade de leitura aberta — a leitura literaria que ndo desafie, instigue, provoque ndo o investimento do precioso tempo escolar. ‘SE IV —A NUCLEARIDADE DO TEXTO NO ENSINO DE LINGUA, EM GAO COM DIFERENTES LINGUAGENS, SUPORTES E CIRCUTTOS: exto literdrio — sua produgao, sua leitura, sua discussio, no, sua critica, sua contextualizagao, sua histéria — como loar, o ensino de lingua portuguesa deve desemponhar ‘A A PAUTAR 0 ENSINO DE LEN constituem-se e desenvolvem-se na histéria de uma comunidade social e de uma pluralidade de culturas, mas,o reconhecimento da sua historicidade ndo impde que o estudo do texto literdrio, sobretudo no ensino basico, seja dominado pela histéria literaria ou pela “contextualizagao histérica” da obra — ela mesma, como ‘contextualizagao”, frequentemente descontextualizada. ‘TESE VI — A REDUGAO DOS PROGRAMAS E DA MASSA DE IN- FORMAGOES EM DEFESA DE UMA LEITURA E UMA LITERATURA PARA A vipa: dove-se reduzir a extensdo dos programas; diminuir a massa de informagio histérico-literéria| (desentronizando a abordagem periodol6gica); formar leitores que leiam com gosto, com sensibilidade, com “conhecimento de causa” e com dis- cernimento, na escola, fora da escola e para além da escola. 0 objetivo 6 formar leitores para a vida, no sentido plural desta expressio: leitores para toda a vida ¢ leitores que buscam nos textos literdérios conhecimento, sabedoria, prazer, critica e — por que nao? — consolagiio indispensdveis 4 vida. ‘TESE VII — 0 RESPEITO E A PROMOGAO DA LIBERDADE DE LEITU- RA, SEM CONFUSAO E RELAXO INTERPRETATIVO-ANALITICO-CRITICO: lor um texto literério 6 um ato critico histérico-social-cultu- ralmente situado, ou seja, é um ato (ou um conjunto deles) que envolve ¢ comporta hipéteses e jufzos. Por isso mesmo, nao hé uma leitura ne varietur de um texto literario, 0 que nao sig- nifica que toda e qualquer leitura sejavlegitima e admissivel © que nao existam critérios para distinguir as leituras funda- ntadas das leituras forcadas, arbitrérias ou até aberrantes. 0 professor tem de saber tragar cuidadosa e prudentemente a entre a leitura legitima e a liberdade de leitura e a 1si0 ¢ o “relaxo” interpretativo-analitico-critico (e faz isso ncia e repertério como sujeito leitor e de ntinuada). I-A DEFESA RADICAL DA F MENTO DA AU ADEE MAGAO DE SU 3 Ltpromra na exe Propostandidtion-natodokigicas leitura dos textos literdrios, na escola, deve ser guiada pelo professor com seguranga, mas com delicadeza e com discrigao, modo que o aluno seja efetivamente um leitor com identi- de propria, isto 6, um leitor que leia com sua meméria, sua imaginagao, sua experiéneia vital, suas expectativas e seus mhecimentos linguisticos ¢ literdrios.[E necessario que as modes © os afetos — a alegria, a tristeza, a angistia, a pie- , a indignacao, a revolta... —, fundamentais nos jovens, 's adolescentes ¢ nas criangas, néo sejam asfixiadas ou este- adas no ato de leitura por matrizes ou grades de leitura ou por modelos analitico-interpretativos de aplicagio mecnica. perspectiva, as emogées e os afetos sio indissocidveis » conhecimento do mundo, da vida e de si préprio que 0 texto ordrio possibilita ¢ ajuda a dosenvolver no leitor. As opinides, ‘engas e os valores do leitor so interpelados pelo texto li- LfTICA: os textos literdrios, pelo modo como utilizam, rein- ne potenciam, sob todos os pontos de vista, as linguas. mérias, as experiéncias ou vivéncias sécio-histérico-cul- povos ¢ as comunidades, cooperam na constituicéo tidades (ndo unitarias, nao individualistas, estanques ncialistas), subjetivas ou coletivas, permitindo a leitura » tompos e espagos, de forcas ¢ formas, de tramas, trapacas, »s e truques da vida, sendo, portanto, meio e fim de nos- sso infindével de humanizagao, de abertura a si e ao perto ¢ ao longe, de conhecimento e reconhecimento: tm sido também o lugar de diélogo criativo diferenga, terminando por — ao vencer suas tendéneias mio- pes — questionar ¢ abalar (¢ assim, talvez, enriquecer), num processo altamente salutar, a si mesmas. ‘TESE X — A PARCIMONIA, A CLAREZA E 0 RIGOR NO USO DE TER- MINOLOGIAS, MOSTRANDO SUA OPERACIONALIDADE NA LEITURA DE TEXTOS LITERARIOS: na anélise e na interpretagdo dos textos li- terdrios, deve ser utilizada com parciménia, com clareza e com rigor, a terminologia das metalinguagens linguisticas e literd- rias. A inflagéio de tais terminologias ter um efeito devastador na rolagéio dos alunos com os textos| Nos dltimos anos do ensino fundamental e, sobretudo, no ensino médio, torna-se indispensé- vel, porém, fornecer aos alunos termos ¢ conceitos fundamentais das graméticas, da linguistica, da genologia, da retérica e da postica, da histéria, da critica e da teoria literérias mostrando, a partir dos textos e com os textos, sua utilidade e contribuigo no procosso de leitura — sem isso, sdio desnecessdrios. } Propostas didatico-metodolégicas Partindo das teses acima, dividimos as propostas didético- -metodolégicas desse tiltimo item de nosso texto em eixos que consideramos fundamentais: 1) o trabalho com a literatura na escola; 2) a selecao de textos literdrios para leitura na escola; 3) a avaliagdo do trabalho com a literatura na escola; 4) os livros didaticos eo trabalho com a literatura na escola. Alguns principios para o trabalho com aliteratura na escola (b) Promover o maior ntimero pensavel de eventos de leitu- ra literdria para que a meméria (fisica, emocional, psi- quica, lingufstica) de leitor de literatura efotivamente se constitua. (c) Familiarizar os leitores em formagao com todos os gé- neros (poema lirico, poema narrativo, carta, bilhete, pega, esquete, piada, provérbio, tirinha, pooma visual, narrativa curta, narrativa longa), suportes e modos de apresentacao (visual, verbal, filmica, musical, escri- ta, oral) do texto literario que forem possiveis — como parte inerente a esse trabalho, 6 necessario discutir tudo isso (a linguagem, o género, o suporte, 0 modo de apresentaco, o estilo) com a equipe escolar © com os estudantes. d) Reconhecer que a mudanga de suportos e de modos de apresentagao implica alterac&o recepcional (portanto, nao basta trazer o texto “em si mesmo”): é preciso tra- 0 livro, 0 tablet, a cépia, 0 outdoor, a gravagao, a declamagao, o cartaz etc, ¢ conversar sobre os impactos que sao perceptiveis Valorizar o contexto de escrita e leitura — e, claro, de acesso — para a constituigdo de saberes sobre o literdrio, * (f) Instituir a pesquisa e o conhecimento como inerentes & idade de leitura literéria (para ler um texto é neces- sdrio saber sobre ele, seu autor, seu suporte, seus con- seus mecanismos, seus didlogos intertextuais, lo © contra todos, jamais revogar 0 estatuto o-dover ar todas as efculo” ou “ilustra- ‘nobre” que seja), como “recurso”, Gao” do que quer que soja. () Compreender e explicar que nem todas as leituras sao validas — e explicitar os critérios que, caso a caso, legi- timam umas leituras e invalidam outras. () Evitar mutilar os textos e as obras: procurar sempre trabalhar com textos integrais e, se possivel, em seus diferentes modos de publicag&o (a parte de uma obra guarda relagdo — e, portanto, exige atengéio — com o todo do onde foi retirada etc). (k) Tomar como critério principal de escolha a diversida- de (de géneros, suportes, modos, escritas, sensibilida- des, recursos, estéticas, periodos hist6ricos, modos de ilustragao, etc.) e 0 “perigo” e a “poténcia” que o texto oferece. () Jamais langar um leitor & leitura sem considerar os ris- cos envolvidos (e tentar, tanto quanto possivel, equa- cionar idade, adequagéo vocabular e tematica, grau de inovagao, questionamento a doxa etc.): 0 professor de literatura sabe e reconhece que existem horizontes (e se esforca arduamente para identificd-los), mas entende que deve expandi-los, e nao confirmé-los (0 humor, 0 respeito pelo leitor ¢ o apelo a curiosidade sao excelen- tes ant{dotos as obras ruins que,o mercado oferece). (m) Avaliar sem punir, avaliar para promover a aprendi- zagom © principalmente a aproximagao e 0 respeito, avaliar com rigor, mas sem desprezar a “rugosidade” inerente ao proprio processo de avaliagdo, avaliar com critérios claros e enunciaveis, avaliar a partir do didlo- Lerten tcl Popostas dice metedoigicas sejam 0s “leitores certos” para o maior ntimero possivel de obras — em quantidade e em qualidade. (o) Inserir os estudantes em circuitos ou sistemas mais e mais amplos: bibliotecas, salas de leitura, feiras cultu- raise literdrias, langamentos, frequéncia a sebos, rodas de leitura, mesas de debates, encontros com escritores, ilustradores ¢ tradutores, leitura de criticas ¢ resenhas jornalisticas, pesquisa na internet, criagdo de adapia- Ges, parddias, homenagens, recriagées, tradugies. (p) Fazer da leitura literdria uma sedugo, um desafio, um prazer, uma conquista, um habito: para isso, incorpord- -la ao cotidiano escolar (e extraescolar) de todos (e tal- vez principalmente do proprio professor, como leitor em evidéncia). Algumas perguntas a serem feitas na seleco de textos literdrios para leitura na escola (a) 0 titulo, o tema ou o(s) autor(es) tém, potencialmente, in- teresse para os leitores, em fungao dos projetos, agdes, atividades que vom sendo desenvolvidos na escola? E possivel realizar um trabalho prévio de “preparagdo” para 0 primeiro contato, a fim de “situar” o leitor em relagao a obra, texto ou livro proposto? (b) f possivel trabalhar com diferentes edigdes e em dife- rentes suportes, a fim de discutir os diversos modos pe- $s quais os textos se constituem (na tensao entre o que uma leitura que o faga problematizar os papéis sociais, histéricos ¢ culturais que exerce. Os tipos ¢ os géneros pre- dominantes foram ou serio estudados em fungao da lite- ratura? Se se trata de um texto hibrido, é possfvel pensar — mais e melhor — sobre isso, com 0 que se dispae? (a) 0 vocabulério ca sintaxe so acessfveis ao piblico-alvo? O que os leitores sabem sobre livro, leitra e literatura 6 suficiente para a aproximagao com a obra, o texto ou 0 livro proposto? F possivel pensar em um trabalho de “pavimentagao” do acesso? — nao para “facilitar”, mas para possibilitar ao leitor “encontrar” a obra, 0 texto ou 0 livro proposto (mesmo que para isso seja necessério um percurso de “errancia’). () Os valores ideolégicos: 0 texto é moralizador, preconcei- tuoso, defensor da doxa? Esse tépico é deveras significa- tivo, porque a literatura na escola, ainda hoje, encontra~ -se recheada do textos “educativos”, chegados as boas maneiras. Importa, muito, para utilizar uma expressio cara a estética da recepgio e do efeito, 0 *horizonte de expectativas” do leitor para discernir as camadas que todo texto-discurso carrega (f) A linguagem tende a apreensio mais direta da realidade ou busca um agenciamento metaférico, plural, criativo, provocative do mundo? ia (g) Ha humor, ironia, pluralidade ou vigem a seriedade, 0 pragmatismo e a objetividade? h) 0 texto esté adequado a maturidade leitora? Conforme dos de Maria Antonieta Antunes Cunha, podemos ter trés pontos de referéncia: 1) 0 mito, quando a fantasia ¢ o animismo levam a um ontemplativ hecimonto da realidad latos 2) on NCOs © OS sorta escola: Papostasdditicosmetodolgicas 3) 0 pensamento racional, quando os elementos eréti- cos, 0 dominio de nogdes abstratas, a problematiza- co do mundo e os questionamentos existenciais tm por suporte o plano reflexivo. (i) Como se relacionam texto verbal e visualidade? Devem- -se reivindicar mais imagens artisticas (e nao “ilustra- Ges"), dando preferéncia aos detalhes que despertem a sensibilidade da procura, que sejam simbélicos e nao descritivos, cuidando de garantir a diversidade de téc- nicas ¢ sensibilidades. () 0 livro como objeto: o projeto grafico e o acabamento. Como sao capa, orelhas, paginas, cores, tipos das le- tras, formatos, diagramagées? Tudo isso baliza — ou deve balizar —as escolhas, as leituras, as atividades, as discussées. (k) E possivel recuperar identidades e diferencas no conjun- to da obra do(s) autor(os) e, também, estabelecer compa- rages com obras de outros autores, brasileiros ou no? (I) Atualidade do texto: de que modo se insere na histéria da literatura (infantil, juvenil, ou “adulta’) brasileira & nao brasileira e que contribuigées traz? Para textos narrativos: quem 6 0 narrador e como ele atua? A histéria 6 contada em ordem linear, de modo ragmentario ou em flashback? (Sabe-se que, de acor- do com 0 piiblico a que se dirige o texto, a linearidad ndamental, Por outro lado, um “leitor ruminan- ym uma histéria que néo Ihe faga xig@ncias intelectuais — mas o or exigido.) Os personagens e: provisiveis, itor 4 ou simplesmente decorativo? Localizado numa deter- minada regio ou nio indicado? Pode gerar/apaziguar constrangimentos? Pode favorecer 0 auto e mtituo re- conhecimento? Pode fomentar a compreensao critica do espaco do leitor e de seus semelhantes? Pode esti- mular a (in)tolerancia com 0 estranho, 0 estrangeiro, 0 diferente? O foco narrativo 6 em 1* pessoa, 3° pessoa ou misto? Quais as implicagdes que surgem quando o ponto de vista 6 do personagem crianga, adolescente, jovem ou adulto? {n) Para textos liricos e draméaticos: ha cacoetes forma- lizantes (rimas e métrica previsiveis, falas © cendrios 6bvios) ou a linguagem e a abordagem sao mais ricas, mais imprevisiveis, com margens amplas para a acéo e a imaginagao do leitor? E possivel recuperar didlogo critico e criativo com a tradigao? Que recursos inovado- res ou inesperados o texto agencia? Que investimento é realizado em relacdo a subjetividade? Consideragées sobre a avaliagao do trabalho com a literatura na escola fa ) Exerefcio, atividade ou prova 6 uma oportunidade de aprendizado (¢, claro, de ensino): para o estudante ¢ para o professor. Deve, pois, sempre trazer informagdes ou articulagdes novas (do professor para o estudante & do estudante para o professor —¢ As vezes do estudante Jara 0 estudanto), quo so relacionem a outras jé conhe- ou esperadas, desde que isso seja tomado a favor, ra, de todos os sujeitos envolvidos no processo que 0 oxe tividade ‘Poetry er yereli: Momeni iliee sriedBiakey: ou prova pretendem de fato? (Lembremo-nos de que exerefcio, atividade ou prova so géneros do discurso © estdo, portanto, ancorados social-histérico-cultural- mente, E mais: € necessdrio perguntar-se para que se pretende isso? (©) Uma vez identificada qual 6 a pretensdo e qual é a jus- tificativa do exercicio, atividade ou prova em questio (0 qué? e para qué?), vém as outras trés perguntas: por que?, como?, quando? (@) Temos de ter em mente: em uma avaliagdo com vistas A quantificagao, questdes totalmente abertas ou subje- tivas so indesejaveis (por exemplo, “o que vocé achou do final da hist6ria?"). Ha um conhecimento enuncidvel que precisa ser apropriado pelo estudante e esse contet- do tem que estar claro para o professor e para o estu- dante — ¢ isso nao tem nada a ver com sor autoritario ou limitador em relagao a criatividade dos estudantes. Os textos literdrios nao podem ser meros pretextos para aprendizagem gramatical ou metalinguistica, porque nao se esgotam (como nenhum outro texto, de resto) na superficie textual. Por outro lado, ndo se pode desprezar a dimens&o material da lingua em prol do “contetido”: portanto, desconfia-se de quem s6 aborda a dimensao “critica” ou “subjetiva” do texto literério. No caso especifico do ensino médio, a nomenclatura ica (as figuras de linguagem, os géneros, os tipos de verso/estrofe/tonicidade/rima/narrador/personagem/ /rubrica) ¢ a “periodologia” nao podem ser o des- latentes e a aproximacao de imagens e contetidos apa- rentemente desarticulados (g) f necessario, sempre que possivel, “atualizar” o texto literério, entendendo que nao ha compreenséo original ou sentido tinico a ser atingido. Todo texto pede para ser reinventado. (h) No trabalho com criangas, é importante, sim, fazer per- guntas cujas respostas estejam na “superficie” textual; mas, a medida que o estudante avanga na escolarizagao, essas perguntas vaio progressivamente desaparecendo, dando lugar a questées que exijam um papel cada vez mais ativo ¢ interventivo do leitor. Nao faz sentido, por exemplo, uma quest&o no ensino médio que pega que o studante identifique 0 autor, 0 periodo, a métrica do poema ou coisa que o valha — a menos que tal infor- magao esteja articulada a outras que maximizem a po- téncia textual. (i) E desejavel que haja uma mescla, especialmente em ati- vidades avaliativas pontuais, de textos de baixa, média c alta complexidade (formal, estilistica, tomética) o tam- bém de questées mais “diretas” e “objetivas” a questdes de maior complexidade. Questo de alta complexidade, obviamente, n&o 6 questo impossfvel ou inadequada & série, faixa etaria, maturidéde leitora ete. () Qualquer questo que possa causar discusso (no sen- tido de divergéncia) quanto a legitimidade ou validade das diferentes respostas que comporta deve ser supri- mida ou reformulada, quando hé pontuagao ou aprova- cao em jogo: mas 6 altamente saudavel e necessaria no ano escolar. lett lg Ma eal eS | ( Sempre que possivel, o professor deve tentar alargar 0 conhecimento de mundo de seus alunos, por moio das relagdes intersemisticas e transdisciplinares, (m) As questées ou atividades devem ser contextualizadas num horizonte de expectativa e devem possuir uma “chave de resposta” (ou coisa que o valha) clara, mas suficientemente ampla para contemplar distintas pers- pectivas ou pontos de vista em relacao ao fato literario Consideragées sobre os livros didaticos e 0 trabalho com a literatura na escola Nao se pode esquecer a complexidade do “manual escolar” se trabalhar com a literatura nos espagos e tempos escolares: nstrumento iniciético da leitura para a formagio de coletivida- s; suporte privilegiado do contetido educativo; objeto de manu- ra inscrito em uma légica industrial e comercial e subjugado ‘aos contoxtos legislativo e regulamentar (Choppin, 2002); vefculo dor de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cul- a; proposto, em geral, para cimentar a uniformidade do pen- nto, para divulgar determinadas crengas, inculear normas, 's de procedimentos e valores: contudo, livro pode também as diferengas porque a leitura que se faz nele ou dele nunca nica (Bittencourt, 2008: 14-15). 0 livro didético 6 um espaco de jria para a hist6ria da educacao, jé que da a ver, simulta- ma imagem da escola que representa e uma imagem por quem 6 escrito ¢ utilizado, tanto mediante a uma desmistificagdo, mas, a0 mesmo tempo, e com ainda mais incisividade, uma decantagao do literdrio e, particularmente, do postico, como ligados a intuig&o, a individualidade e a sub- Jetividade, om desarticulagéo com o campo da vida. Contribui para isso a apresentagao didatico-conceitual da categoria de eu Iirico e a promogao do autores e “perfodos literérios” a objetos de veneragao, desentranhados de uma reflexao ampla a partir das préprias obras literdrias — 0 que atinge nfo s6 a educa- Gao estético-literdria dos estudantes (e dos professores), como também a formagio critico-ideolégico-politica dos mesmos.JA arte, assim, despede-se de sua possibilidade mais instigante — © a selecdo de textos voiculada pelo livro didatico nao passa de uma colcha de retalhos mal cerzida, palida cépia do discurso potente que se insubordina contra a categorizagao e o enqua- dramento. Essa apresentag&o, necessariamente interessada, conduz, de nossa perspectiva, a um{enquadramento ou redu- cionismo dos autores ¢ de suas obras e esvazia a produgao de textos e de leituras de sua dimensio de atividade: na plenitude mK carer de sua mareagao temporal e, portanto, histérica, | Nao desprezamos as coergies as quais a confecgao de qui quer obra didética est submetida — pois entendemos que hé a “necessidade” de uma apreseryacao fragmontéria e parcial de todo o conterido eleito (Seja pelo procedimento editorial, seja a legislagdo educacional), especialmente o literdrio; nto, 0 fato de os livros didaticos de lingua portuguesa ¢ utura raramente divergirem entre ndo ad nauseam stereotipadas, Nao querendo promover a demonizacio do livro didético — pois entendemos que, como apontou Circe Bittencourt (2008), 0 manual escolar pode ser um espago de rasura: nao se pode pre- ver ou controlar a apropriacao quo dele se faz —, entendemos defendemos que 0 livro didético pode ser apropriado ativa- nente. No entanto, o leitor, como leitor em formagao, vé-se, em xeral, constrangido pelo discurso do especialista na drea — o tutor do livro didético, que seleciona, recorta e interpreta um paideuma” literdério nacional —, legitimado, por sua vez, pelo ) editorial ¢ pela escolha do professor (como figura de auto- jade) em adotar tal ou qual manual. Se sua compreensao ou poreepgao da obra literaria em questao diverge, s6 pode ser ele, itor em formag&o, quem estd inadequadamente posto, quem jio detém ou disp3e de todas as informagdes que deveria deter ou de que deveria dispor. Toda a estrutura material ou para- loxtual do livro (em geral, ndo consumivel), bem como o movi- mento de filtragem de contetido (que restringe a proliferacao de s, selecionando a interpretagao cristalizada pertinente) ituigdo de protocolos, subsume a dialética entre forma rtura e entre obra e intérprete. Ao considerar a viabilidade ou nao da adogio de qual erial didético, 0 professor deve, pelo menos, levar em ndizentes com A8 ONEO (f) o material tem qualidade editorial (papel, impressao, ilustragées, suporte A pesquisa auténoma e & produgao de conhecimento)? (g) o material contempla 0 contetido proposto para a série/ ciclo e para os objetivos de ensino e de aprendizagem? (h) 0 material poderd ser utilizado por alguns anos segui- dos sem cair na desatualizagio? () 0s textos propostos so integrais e/ou fragmentos coerentes? (i) 08 exercicios, questées, roteiros ou atividades propostos sao diversificados, contextualizados, transdisciplinares e apresentam graus distintos de dificuldade? (k) 0 material integra as distintas dimensées dos textos e dos circuitos ¢ sistemas em que estao inseridos? Consideragées finais Encerrando este capitulo, quo se propés aproximar litera- © educagao, a partir de propostas didatico-metodolégicas 1.0 trabalho com o texto literdrio na escola, recapitulamos, mente, 0 que desenvolvemos — lembrando que nenhuma psla, por mais bem intencionada quo soja, esta livre ou inadequagées, impropriedades, conflitos internos e .€, claro, do risco (real, congreto, palpavel) de, nascen- signia da tradigao em diélogo com o que hoje nomea- ntomporaneo”, desatualizar-se velozmente. s primeiros pontos que chamam a atengao sfo, sem defesa da confluéncia de distintos matizes ¢ matri- sare dintintas do J Talvoz estos. se os mais i 3 sco metedolcicas searatra na xsl: Popoite di mas — embora muito provavelmente transitérios — sao eles também que nos permitem trazer nossas contribuigées. Outro ponto que merece destaque 6 a apropriacao (nao au- ada, mas explicita), a alteragiio e a atualizagio das teses Aguiar ¢ Silva (1998) sobre o trabalho com o texto literério a escola. Nao se trata de um “catecismo”, mas de um norte para que o professor pense e repense a aproximagao (sempre nflituosa, sempre arriscada) que aqui propomos entre lite- ratura e educac&o, Pensamos que, mais do que quantificar a presenga do texto literério (bem como do livro de literatura) na escola — e isso 6 fundamental ¢ urgente! —, é importante qualificar essa prosenga. pois, como jé dissemos no inicio, preciso aprender e en- nar, no Ambito mesmo do movimento teoria-pritica-teoria, 0 ie subjaz ao nome “literatura” ¢ & prética de “leitura literé ”, como e por que no Ambito das experiéncias sociais e cultu- s se 18 literatura, como 6 possivel se aproximar do texto e do to”, “mercado” ou “sistema” literdrio, o que esperar deles daqueles que deles se apropriam, como eles se constituem o nventam no seio das cambiantes praticas sociais, cultu- 8, hist6ricas, ético-estéticas, artisticas etc re ‘ambém vimos, a partir de Jaime Ginzburg (2012), que as instancias responsdveis pelo ensino de pés-graduacéo ¢ tido dificuldades e resisténcias em articular o » de sala de aula e a coragem das mudangas e que os \dos pela comunidade académica para es- »s de valor — n&io apenas dos textos literdirios, es nos aproximamos — s ¢ dao sup dio seria desejdvel (Leahy, 2000: 194-202), deixando que a pratica docente efetiva se encarregue de aspectos que, de nosso pon- to de vista, deveriam ter sido contemplados primeiramente na formacio inicial. Evocando Barthes e indo além dele, fizemos uma defesa do trabalho com a literatura na escola. Insistimos, como jé propés Jorge Larrosa (2004), em “literaturizar” a escola a pedago- gia ao invés de escolarizar ou pedagogizar a literatura. Ressal- tamos também que 6 necessdrio tornar constrangedoramente evidente a constatago de Cyana Leahy (2000): a educagao lite- réria requer mudangas nas macroestruturas de poder educa- cional — e, no tocante a isso, trés pontos parecem relevantes para a transformagao das praticas de educacao literaria: 1) garantir (ou se esforcar por) a apropriacao das ferra- mentas criticas para o fortalecimento do leitor; 2) democratizar as salas de aula de literatura; e 3) reconhecer o poder politico-pedagégico da literatura. Nessa ambiéncia, apresentamos uma sugestao de 10 teses sobre o trabalho com a literatura na escola: a preeminéncia da literatura na educagao; a centralidade do texto literério no en- ino de lingua; a qualidade literdria (ola mesma sempre subme- a questionamentos) como critéNo primeiro para a escolha de textos a serem lidos; a nuclearidade do texto no ensino de gua, em articulagio com diferentes linguagens, suportes ¢ circuitos; a recusa a pautar o ensino de lingua e literatura por pnitextualizagdes histéricas” ou “historiografias’, elas mes- jas descontextualizadas; a reducdo dos programas e da massa informagées em defesa de uma leitura e de uma literatura a defo Leratura na escola: Propestas ddstico-metodol6gicas Mai Ali Dai 2 da literatura na invengio de identidades ¢ a evidenciagao de sua poténcia ética o politica; a parciménia, a clareza e o rigor no uso de terminologias, mostrando sua operacionalidade na leitura de textos literdrios. Concluindo, trouxemos sugestdes tedrico-metodolégicas pontuais sobre 1) 0 trabalho com a literatura na escola; 2) a selegao de textos literdrios para leitura na escola; 3) a avaliacéo do trabalho com a literatura na escola; ¢ 4) 08 livros didaticos e o trabalho com a literatura na escola, Daqui para a frente, 6 cada professor, em cada escola, com sous estudantes, junto aos livros, aos textos e as obras que re- putamos por essenciais — aqueles que fazem nossa vida mais significativa, mais complexa, mais divertida, mais solidéria, mais bonita: mais humana. Referéncias Bantu, R. Aula. Trad: L, Perrone-Moisés. Sao Paulo: Cultrix, 1979. Beacit, R.; MARsuAtt, J. Teaching Literature in the Secondary School. Bos- ton: Harcourt Brace & Company, 1991. BENITO, A. E, La renovacién de la manualistica escolar en la Espaita do entresiglos. In: Cultura Revista de Historia e Teoria das Ideias. Actas do Coléquio A geragéo de 98 e 0 pensamento Finisecular na Peninsula Ihérica. 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