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A atividade mineradora te seu grande momento na primeira metade do século xv1ut, mas jé em 175053 crise era evidente e, quanto mais se aproximava o fim do século, mais a tuada ela se tornaria. Um dos principais indicadores foi a queda da arrec «40 fiscal da Coroa portuguesa, Logicamente a sonegacio ¢ outra varidvel g interfere na queda da arrecadagao. E fundamental entretanto entender que a crise era, principalmente atividade mineradora e nio de toda a economia. A diversificacao da ec mia desde o inicio imprimiu certa elasticidade a estrutura econdmica, pe tindo que a crise da mineragao nao se transformasse em uma decadéncia da economia mineira. A superagao posterior daquela crise se reflete no dos sobre @ populago escrava. Apés uma nitida queda a partir de 17 uit a descober fe impacto ne ineradora tev jem 1750 sua lo, mais acen la da arrecada ra varidvel que cipalmente, so da econo )omica, perm ecadéncia get rtir de 1738, a a lagio escrava volta a crescer atingindo a sua maior dimensio no século nao no século xvii, como seria de se esperar tre as atividades econémicas destaca-se logicamente a mineraca Bestora outras atividades tenham se desenvolvido desde o inicio, como a Pe caltura, a pecudria e algumas atividades de transformagio como a pro- Bo de aciicar, rapadura, aguardente, fiagdo, tecelagem etc.? A sociedade Spe sinha por base essa diversidade econdmica era, por sua vez, constituida Spe ema populacio diversificada compondo uma estrutura social bastante Beeada, em que brancos, negros, indios e mesticos designavam qualidades Be se articulavam das mais diversas maneiras (consensuais e/ou confli- Besos) is condicdes expressas nas categorias livres, forros, escravos e admi Brados, A classe escrava destaca-se por seu mimero e rebeldia desde principios Be seculo xvi, Embora os dados nao cubram todas as regides das Minas Beis, em todas as épocas, ha indicadores de que a classe escrava nunca foi Beesior a 30% da populacio total. E que, em algumas regides, a populagio Bee foi menor que a populagio escrava. Por sua vez, a classe forra, que na Be eeeira metade do século xvi equivalia a apenas 1,2% da populagao escra- Se em 1786 era 35% da populagio total e em 1808 atingiu 41%. O escravo, Beano ou crioulo, constituiu a modalidade bisica, mas nao tinica, de forga Be trabalho, tendo sido utilizado em todas as regides e atividades durante 0 Be sodo por nds abordado, ¢ também posteriormente. Onde quer que o escra Bemso se tenha implantado constatamos 0 surgimento de comunidades for- Eesdes por escravos fugidos de seus senhores: 0s quilombos. Os quilombos constituiram, nas Minas Gerais do século xvi, uma das Seis completas e complexas formas de reagio a escravidio, Para que se tenha Bes ideia de sua participagao na dindmica social, basta lembrar que para 0 Beriodo compreendido entre os anos de 1710 e 1798, 0 acervo documental Sesquisado permite afirmar a descoberta ¢ destruigio de, pelo menos, 160 Geilombos na drea das Minas Gerais.‘ Tal dado é suficiente para recusarmos Be surradas teses da escravidio suave; da relagio harménica entre senhores e Sxcravos: e da acgitacio, por parte dos escravos, de sua condicao. A existencia dos quilombos provocou desgastes nao s6 ao escravisme cuanto “stema/econdmico, mas a sociedade escravista como um todo. Tendo sido formados principalmente por escravos fugidos, os quilombos 159 PRINCIPAIS QUILOMBOS MINEIROS NO SECULO XVII expressam uma contradicao estrutural da realidade escravista, na medida em que significam: + retirada do escravo do processo produtivo e com isso a impossibilidade de extracio do lucro do proprietério escravista; + impossibilidade de reposigao do capital investido na aquisicio do es. = cravo, no caso de este ter sido pago no ato da compra; * 0 consumo improdutivo com os gastos exigidos pela montage de um sistema repressivo especializado; * Prejuizos materiais em decorréncia das atividades desenvolvidas por quilombolas (roubos, assaltos, incéndios etc.); + perda, por parte da Coroa, dos impostos que poderia receber sobre 0 _ trabalho escravo. J Além do desgaste material, a existéncia dos quilombos provocava outros tipos de desgaste tio importantes quanto os citados acima: + negagdo da eficécia do aparato juridico-ideolégico criado para prevenir fugas e punir fugitivos e quilombolas recapturados: + existéncia de um medo permanente nas autoridades e na populagio em eral, pela constante ameaca de ataques quilombolas ou até mesmo da mi conduta” dos agentes encarregados da repressio aos quilombos. Quanto ao niimero de seus integrantes, os quilombos tanto podiam ter Populagdes reduzidas (menos de uma dezena de habitantes) como podiam atingir nimeros ificativos (centenas de quilombolas). Sobre 0 quilombo do Ambrésio, destruido em 1746, existem documentos que falam em mais de seiscentos e até mais de mil habitantes.* O crescimento da populagdo dos qui- lombos dependia de dois fatores: + adesdo de novos escravos fugidos: * reproducao interna da propria populagao quilombola que dentro das possibilidades poderia constituir-se em familias, As atividades desenvolvidas pelos quilombolas para sua sobrevivéncia foram muitas: caca, coleta, agricultura, criagdo de animais, mineraco, con- trabando, assaltos a tropas e fazendas etc. Em cada uma das diferentes regides da capitania de Minas Gerais, no século xvi, essas virias atividades foram desenvolvidas pelos quilombolas. Isto nos leva a afirmar que se, por um lado, 95 quilombos sio semelhantes, por outro, sio diferentes. S20 semelhantes na medida em que, constituidos por escravos fugidos na sua maior parte, todos 161 eles configuram uma mesma modalidade de expressio da rebeldia escrava. Sio diferentes ja que cada quilombo tem sua época de existéncia, sua regio e seus mecanismos de sobrevivéncia, constituindo assim uma configuragio hist6rico-cultural especifica. Na drea de extracdo do ouro e/ou diamantes, 0 quilombolas geralmente se dedicavam 4 mineragao (logicamente clandestina) € com o produto dessa atividade obtinham de contrabandistas o que necessi tavam, como pélvora, armas e alimentos. Jé nas reas onde ndo havia ocorrén- cia mineral, como no sertdo da capitania, os quilombos tiveram de se dedicar « outras atividades, como a agricultura e a caca, O exposto toca em um ponto fundamental: os diversos tipos de ligagdes existentes entre os quilombos e a prépria sociedade escravista. Essas ligagdes manifestavam-se principalmente por + relagGes comerciais clandestinas com contrabandistas, taverneiros, ne. gras de tabuleiro, fazendeiros; + ataques a viajantes, tropeiros, fazendas, periferias de vilas e aldeias; + uma rede de informacdes que comegava dentro das senzalas e termina. va dentro dos quilombos; + relagdes afetivas estabelecidas entre escravos, forros e quilombolas, visto que estes comumente frequentavam as periferias dos centros urbanos ou as fazendas no meio rural Se 0s tipos de vinculo citados sao vantajosos para os quilombos, pois se constituem em mecanismos de sua sobrevivencia, outro tipo de vinculo, desta feita negativo, era constituido pelos constantes ataques executados pelas tro- as repressoras da sociedade escravista. Ao negarem os principios bisicos do sistema escravista, 0s quilombolas logicamente provocavam contra si uma repressio caracterizada por uma legislagao preventiva e punitiva e a formacio de tropas especializadas na tarefa de recapturar escravos fugidos e destruir quilombos. Pelas suas implicagbes, a fuga de escravos e a formagao de quilom bos constituiam uma contradigao da sociedade escravista, dando a ténica a uma parte expressiva de sua dinémica No caso das Minas Gerais, a ocorréncia de quilombos se constituiu em um problema de tal envergadura para as autoridades coloniais, e para a socie- dade em geral, que a legislacao acabou por produzir um expressiva quantidade de bandos, alvaris, regimentos e ordens régias que tinham o intuito de limitar € extinguir as suas possibilidades de sobrevivéncia, 162 unigde mmaras. ean0as et > da rebeldia escrava. xisténcia, sua regio € m uma configuragao ro e/ou diamantes, os icamente clandestina) ndistas 0 que necessi de nao havia ocorrén- tiveram de se dedicar ersos tipos de ligagdes distas, taverneiros, ne- s de vilas e aldeias; s senzalas e termina is ¢ quilombolas, visto i dos centros urbanos J os quilombos, pois se 10 de vinculo, desta g executados pelas tro- i principios bisicos de Beavam contra si uma snitiva c a formagio bs fugidos e destruir formagio de quilom Bis, dando a ténica a bos se constituiu em: miais,e para a socie- ppressiva quantidade o intuito de limitar Ao longo do século xvi hi uma sequéncia de bandos que trazem as esmas proibigdes, comprovando a sua ineficécia por um lado e a perma- ia dos quilombos por outro, Assim, de tempos em tempos um bando ateiro ou em parte) é reeditado sob a justificativa de que nao era cumprido pela populacio, como aconteceu com a proibigéo do uso de armas pelos es: Vos, a tentativa de impedir 0 deslocamento dos mesmos sem autorizacao Scrita de seus senhores ¢ a pretensdo de limitar 0 comércio realizado pelas Segras de tabuleiro e pelas vendas de forras. Os motivos das proibigées si ‘orrentes e pretendem limitar a mobilidade do cativo.* Bp capitania das Minas Gerais a repressio aos quilombos levou a criagao Ma tropa especializada cuja atuagio estava regulada pelo Regimento dos Eaplilaes do Mato. Embora nao fosse formada por militares, essa tropa era BicfAMuizada nos moldes da tropa paga regular. Os postos correspondiam as sis militares, embora o pagamento por seus servigos s6 se concretizasse Geafido apresentassem resultados positivos nas expedicdes de recaptura e des. ifA@ de quilombos: quilombolas recapturados ou cabegas destes compro- n@mortes em ataques. © pagamento do servigo dos homens do mato — a tomadia — era regu- Fedo pela distincia entre a casa do escravo fugido e o local onde havia sido Secapturado. Quanto maior a distin a maior era a tomadia. Uma prética comum foi a utilizagao de ex-escravos na profissio de homens > mato. Justificava-se tal pritica pelo conhecimento que os ex-escravos ti am do comportamento dos fugitivos Nas Minas Gerais do século xvii ase 15% dos homens do mato eram forros." Sea tomadia era um dispéndio com o qual arcava unicamente o proprie- Eirio do escravo recapturado, a destruigo de um quilombo exigia a formagao = uma tropa cujos custos eram maiores e distribuidos entre a Coroa, as cé- Searas ¢ 0s proprietérios de escravos da Area afetada pelo quilombo. Nesse 2 & Coroa (ou ao governo da capitania) cabia 0 fornecimento de armas, inigdes e profissionais especializados, além da organizacio da tropa. As GEmaras cabia 0 fornecimento de dinheiro ¢, as vezes, de equipamentos como Sanoas etc. Aos proprietérios da area afetada pelo(s) quilombo(s) cabia o for- jento de viveres para a tropa e, eventualmente, ainda estavam obrigados = fornecer animais e/ou escravos para o transporte dos alimentos. Em alguns Sss0s até mesmo escravos eram armados por seus senhores para participar 163 das tropas repressoras. Este tiltimo aspecto configura mais uma-contradigéo que a sociedade escravista produzia: escravos usados na luta contra escravos fugidos. Finalizando esta primeira parte, gostariamos de lembrar que a andli dos quilombos nos ajuda a compreender o verdadeiro caréter do escravis contribuindo para a percep¢ao de algumas das contradigées geradas na am bito da sociedade escravista. O resgate da importancia do quilombo, pelo seu cardter de resisténcia ao escravismo, nos permite aprofundar a compreensio do escravo enquanto sujeito histérico e localizé-lo como agente da luta ses no ambito da sociedade que tem por base a escravidao. A percepgav io. quilombo na dinamica social deve ser considerada sob dois aspectos: por um lado necessério levar em conta o conjunto de rela ‘sOes que se estabelecem entre os quilombos e a sociedade escravista; por outro lado, deve-se considerar 0 fato deique a sociedade escravista desenvol- ve mecanismos de modo a absorver os abalos provocados pela existéncia dos quilombos, Como foi dito, pretendemos discutir 0 exercicio do poder no interior dos quilombos e como se posicionavam classes e fragdes de classe diante da sua existéncia. Como as relagdes e os conflitos entre as classes sio de nature za politica, ¢ os quilombos configuram, de forma inequivoca, movimentos de carter politico, nosso ponto de partida sera definir, mesmo que de forma sucinta, este aspecto da questio. Em seu Diciondrio de politica, N. Bobbio levanta alguns pontos que sio fundamentais para nossa reflexéo."" Ao desenvolver a tipologia cldssica das formas de poder, Bobbio faz a primeira referencia que nos interessa, ao afir mar que “o conceito de politica, entendida como forma de atividade ou de praxis humana, esta estreitamente ligado ao de poder”. A natureza do poder diz respeito ao “dominio sobre outros homens”, o que significa dizer uma imposicéo de vontade ¢ uma determinagdo de comportamento. Essa relagio de poder pode se expressar de diferentes maneiras: como relacio entre gover- nantes e governados, soberanos ¢ stiditos, Estados e cidadaos, entre autorida- 64 mais uma contradi¢io na luta contra escravos mbrar que a anilise cariter do escravismo, dices geradas na am do quilombo, pelo sew fandar a compreensio agente da luta de clas me ser considerada sob S82 0 conjunto de rela: ade escravista; por Be escravista desenvol- Bos pela existéncia dos do poder no interior de classe diante da lasses sio de nature- oca, movimentos de smo que de forma is pontos que s4o Beologia clissica das es interessa, 20 afir de atividade ou de mureza do poder ifica dizer uma to, Essa relagio o entre gover entre autorida- de e obediéncia etc. “Ha virias formas de poder do homem sobre 0 homem; © poder politico é apenas uma delas.” ais, ‘Ainda para Bobbio, “o poder politico é, em toda sociedade de de © poder supremo”, na medida em que é a ele, enquanto poder coativo, que “recortem todos 0s grupos sociais (a classe dominante), em tiltima instancia [..] para se defenderem dos ataques externos, ou para impedirem, com a desa- gregacdo do grupo, de ser eliminados” ‘A esses aspectos definidos por Bobbio, julgamos necessdrio acrescentar outros. Na totalidade social, as varias formas de poder se articulam ou estio entrelacadas em relagdes de determinacao. A articulagdo entre as instancias da vida social se reflete na existéncia da propria estrutura de poder vigente na sociedade Assim, na sociedade escravista, 0 dominio do senhor sobre 0 escravo se constitui no eixo fundamental de exercicio de poder, tanto na esfera econd- mica quanto na politica e ideol6gica. Esse eixo vai constituir um ponto cen tral em torno do qual se articula toda a estrutura de poder, ¢ se desenvolve 0 conflito que acabaré por dar a tOnica da dindmica social. Isso nao significa dizer que ignoramos o fato de outras classes e conflitos estarem articulados nessa realidade. Vamos nos utilizar aqui do conceito de classe social da maneira como a definiu Lenin, embora reconhecendo sua limitagao pelo fato de expressar a categoria numa perspectiva fundamentalmente econdmica. Segundo Lenin, classes sto grandes grupos de pessoas que se diferenciam entre si pelo seu lugar num sistema de producio social historicamente determinado, pela sua relacio (as mais das ve 2s fixada e formulada nas leis) com os meios de produgio, pelo seu papel na or ganizagio social do trabalho e, consequentemente, pelo modo de obtengio epelas dimensdes da parte da riqueza social de que dispoem. As clases sto grupos de pessoas, um dos quais pode apropriar-se do trabalho do outro gracas 20 fato de ocupar um lugar diferente num regime determinado de economia social.”” Essa definicéo nos permite identificar 0s escravos ¢ seus proprietirios como integrantes de classes distintas. Arriscamo-nos ainda a admitir 0 forro enquanto classe cuja existéncia apresenta a peculiaridade de ser origindria da 165 classe escrava. Mas 0 que aparentemente & simples nesse esquema torna-se extremamente complicado quando nos remetemos a realidade. Se ser escravo é ter uma posigao clara na estrutura social, o ser senhor de escravos ja ndo é tdo claro, Os senhores de escravos tanto poderiam ser livres quanto poderiam ser forros ¢ até mesmo outros escravos. A medida que desdobramos cada categoria nas suas especificidades, a com: plexidade da trama social e a dificuldade de apreendé-la se tornam mais eviden: tes. O nosso ponto de partida é a constatacao de que os quilombos configuram (€ esto no centro de) uma realidade conflituosa da qual participam diferentes se ndo todas — categorias sociais. Mas esta realidade é fundamentalmente um conflito entre senhores e escravos, o que nos permite atribuir-Ihe um carter politico.” A grande questio é desvendar como cada uma das categorias sociais (escravos, senhores, forros etc.) participam deste grande conflito. Antes de en- trarmos nessa questio veremos primeiro como a documentagio pesquisada trata do exercicio do poder no interior dos quilombos. Neste ponto a questao é identificar as formas por meio das quais os quilombos sao governados. Hé evidéncias de que as comunidades quilombolas possuiam chefias (ou liderangas) as quais se subordinavam seus membros. O problema ¢ identificar © cardter dessas chefias. As informagées contidas nos documentos sio muito precérias. A primeira informago que temos esté em uma carta de 9 de no- vembro de 1730, enviada a d. Lourengo de Almeida, entdo governador das Minas Gerais. Segundo esse documento, na regio havia os que invadindo as estradas e casas chega a tanto a sua tirania que Ihe poem o fogo is mesmas casas e aos corpos depois de mortos e roubados, prometendo maior ruina a liberdade com que vivem fazendo-se poderosos em quilombos que hé de quarenta, cinquenta e mais negros com rei levantados que os governa, pitdo,* sendo os tais quilombos como aldeias de gentio escondidos entre os matos. Embora distinga 0 governo de um rei do governo de um capitio, 0 do: cumento nao esclarece essa diferenga. Da mesma maneira que nao acrescenta nenhuma informagio sobre o tipo de “reinado” * Aqui eem outras citagbes deste artigo, os grifos so do autor, 166 esquema torna-se ade, Se ser escravo e escravos ji nio é s quanto poderiam cificidades, a com- nam mais eviden. ombos configuram rticipam diferentes fundamentalmente buir-Ihe um cariter s categorias sociais nflito. Antes de e1 entacio pesquisada = ponto a questio & overnados. ssuiam chefias (ou blema ¢ identificar nentos sio muito pcarta de 9 de no So governador das frania que lhe poem ados, prometendo rosos em quilombos Eados que os governa, .gentio escondidos im capitio, 0 do- Sue ndo acrescenta Em 1736 foi destruido um quilombo nas proximidades de Baependi, Pres- tando cont ia expedicao, diz Thomé Roiz Nogueira que mandou continuar a diligencia de seguir os mais que vendo-se perseguidos e obrigados da fome foram buscar as casas de seus senhores, e 56 falta o mulato intitulado rei com uma concubina, dois filhos e quatro escravos em cuja diligéncia se anda para de todo ficar sossegado este distrito.”” Em dezembro de 1738 0 governador Gomes Freire de Andrade escrevia 40 capitio-mor Nicolau Carvalho de Azevedo a respeito de “duas negras” ilombolas capturadas. Sugere que “as tenha seguras pois poder ser que os fos queiram vir tirar a sua rainha, e entio é boa ocasiao para se Ihe fazer Nos dois documentos supracitados é clara a ideia dos quilombos wernados por rei e/ou rainha. O significado disso contudo nio ¢ claro. Em 14 de junho de 174 em carta enderegada as varias cmaras para que sontribuam para a formacio da tropa que deveria atacar os quilombos loca. Bzados na regio denominada Campo Grande, o governador das Minas argu- fmenta que se despovoam ji as partes mais contiguas ao dito quilombo e sofrem ainda as mais distantes perniciosissimos estra 0s que executam, estao barbaramente por mais de 600 negros que consta est rei e rainha em 0 quilombo a que rendem obediéncia e com fortaleza, cautelas petrechos tais que se entende pre tendem defender-se e conservar-se. Em 8 de agosto do mesmo ano Gomes Freire escreve a el rei relatando as cdidas tomadas com relago a esses quilombos. A referéncia, embora im- precisa, certamente cabe ao quilombo do Ambrésio, cuja reputagio é a de ter sido o maior que houve nas Minas Gerais no século xvi Destacavam continuamente partidas de vinte e trinta negros que executavam roubos ¢ crudelissimas mortes; algumas partidas se apanharam e posto se lhe fez justica, nao foi bastante remédio, antes se aumentou o ntimero de negros aqui Jombados e chegou a tanto que, segundo os melhores clculos, passavam jé mil negros, ¢ grande nimero de negras e crias: unido este poder elegeram rei e 167 formaram um palanque assaz forte ¢ determinando-se a aparecer 0 fazem coma insoléncia de queimar as vivendas, matarem os senhores delas, forgarem as fami- lias e levarem os escravos que entendem préprios reclutas."” © aumento de seiscentos para mil no mimero de quilombolas foi prova: velmente uma estratégia de Gomes Freire para causar maior impressio ¢ dar a ideia de que o “problema resolvido” era maior. Também nos dois documen- tos acima citados aparece a referéncia aos “reis” dos quilombos, e até a prova- vel “eleigao” de um deles, como consta do segundo documento. Certamente essa informagio deve ser considerada com cuidado extremo, ja que nenhuma outra nos chega por essas fontes. Em 1767, apés destruir um quilombo localizado na freguesia de Pitan gui, o alferes Bento Rebelo enviou peti¢ao ao governador das Minas em que descreve 0 ataque: investindo ao dito quilombo, junto com o suplicante e mais pessoas que convi dou, que fazia o conjunto de vinte e duas armas de fogo, deram sobre os ditos negros, que passaram ao mimero de trinta de que se fez presa de seis, e como estes resistiram no conflito mataram o chamado rei e capitio, destruindo-lhe quatorze ranchos de capim e plantas de roca que tinham fabricado de milho, feijao, algodao, melancias ¢ mais fruta." governador deferiu favoravelmente 0 pedido do alferes para que pu desse “apenar” pessoas, quando necessirio, para destruir quilombos.” No ano seguinte, 1768, foi atacado um quilombo localizado no sertao da Pedra Menina. © comandante Joio Duarte de Faria em carta de 16 de dezem- bro conta que se mataram dois dos principais mentores das mortes e roubos que tinham feito, dos quais vao as orelhas e amarraram-se dez.e uma cria como se vé do rol que a V. Exa, remeto junto com 0s mesmos. Do mesmo quilombo fugiram quinze en- tre os quais o rei chamado Bateeiro e outros que também estio criminosos nas mortes ¢ roubos, No caso desse quilombo parece que a lideranga era dividida entre o citado 168 las, forgarem as fam lombolas foi prova- jor impressio e dar nos dois documen: mbos, e até a prov mento. Certamente no, jé que nenhuma reguesia de Pitan: =das Minas em que deram sobre os ditos esa de seis, e como fo, destruindo-the ricado de milho, Bieres para que pu- Guilombos. tio da Bis de 16 de dezem: dizado no si Bes que tinham feito, Bee se vé do rol que a fu iram quinze en ida entre o citado eciro € outro quilombola conhecido por Beicudo” Em fevereiro de 1769 ontramos o Bateeiro preso e sendo interrogado na cadeia de Vila Rica.” Vejamos o tltimo caso. Em correspondéncia de 8 de janeiro de 1777, o juiz de fora de Mariana, dicio José de Souza Rabelo, nos coloca a par de um caso interessante. Tendo atacado um quilombo “nos matos do Forquim”, o resultado foi a prisio “nove negros ¢ cinco negras”. © quilombo era “forte, pois foi preciso muita te para a diligéncia, e ainda assim fizeram boa defesa com armas de fogo ido bastantes tiros”. Dos recapturados, varios andavam fugidos havia mui jos anos. Um deles, no interrogatério, “se diz anda fugido hd dez anos, que era capataz, que seu senhor dava 40 oitavas a quem Ihe levasse a cabeca dele por ¢ ter arruinado outros, e feito grandes danos e que ele era o rei” O caso nos parece particularmente interessante pois, a acreditarmos no documento, temos uma situacéo em que um escravo que foi capataz de fazen- a acabou por tornar-se “rei” no quilombo. Acresce-se a isso a lideranga in- contestavel desse escravo, que nao s6 fugiu mas conseguiu levar outros es- vos com ele, “arruinando” seu senhor, a ponto de este estabelecer uma tomadia que era nada menos que dobro estipulado pelo Regimento dos taes do Mato. A vinganca desse senhor tinha um pre¢o alto: quarenta oita- as de ouro, Com relagao a esse aspecto — o exercicio do poder interno nos quilom- bos — os documentos nao nos permitem avancar, mas constatar que 0s qui- lombos apresentavam uma forma de exercicio do poder que passava pela autoridade (lideranca) de um indi duo, as vezes acompanhado de sua mu- Iher. No caso do quilombo da Pedra Menina essa autoridade estava provavel: mente dividida entre dois lid. A grande questio que os documentos nao permitem resolver é quanto 20 cariter dos “reinados”. Afinal, qual era o critério utilizado na definigio daquele que seria elevado & condigdo de rei? Qual era 0 poder efetivo desses ristocraticas” da Africa? Outra davida que fica & a seguinte: até que ponto a denominagio de rei *reis”? E ainda, qual seria o vinculo com linhagen € rainha, para essas lideranca nao reflete apenas 0 fato de que a sociedade escrav sta era governada por reis e rainhas? Afinal, todos os documentos con- mesmos reis e rainhas. sultados foram feitos por siiditos dess Voltemos as classes sociais e & definigéo de Lenin. 169 Como jé foi dito, a questo € identificar como as diferentes categorias sociais se posicionam diante do conflito que se desenrola entre senhores € escravos. Se pretendemos elucidar algum aspecto da questio, o primeiro ponto levarmos em conta diz respeito & heterogeneidade das categorias coletivas principalmente no tocante & sua acdo politica. Se categorias como escravo © forro definem de forma clara grande parte da realidade econdmica vivida por esses sujeitos, isso ja ndo ocorre com os livres. Estes tanto podem ser escra vistas como podem nao ser proprietirios de escravos; podem ainda ser came poneses ou artesdos urbanos. Enfim, a condigao de livre nao é suficientemen: te clara e objetiva na definicdo da realidade dessa categoria. Por outro lado, embora tenha um peso fundamental na atuagao politi cca das categorias, a realidade economica nao chega a determinar um com portamento homogeneo para todas elas. Motivo pelo qual os esquemas analiticos podem contribuir para a compreensao da dinamica social, mas também podem levar aos reducionismos que tém sido tao frequentes na lite: ratura que trata do escravismo brasileiro. Essas observacées ficario mais claras mais adiante. Comecemos com a classe escrava: como os escravos se posicionam dian= te dos quilombos, considerando que a maior parte deles nao foge? Em 1714 0 governador d. Braz Balthazar proibiu o uso de armas nas Minas, exceto para senhores em viagem. Estes poderiam levar escravos arm dos para se defenderem nas estradas.* Uma das ameagas a que os viajantes estavam sujeitos nas estradas mineiras vinha da parte dos quilombolas. Em 1722 0 governador d. Lourengo de Almeida concedew patente d= sargento-mor de ordenanga a Jodo Roiz Cortes, que havia participado de campanhas contra quilombos utilizando como atacantes seus proprios escra vos."* Dez anos depois, em 1732, 0 capitéo dos dragées José de Morais Cabral sugeria, em carta a d. Lourengo, que a Fazenda real comprasse 24 escravos que, armados, seriam utilizados em substituigdo aos capitaes do mato na © marca de Serro Frio.” Em 1736 foi a vez de Bento Ferraz de Lima receber patente de capitio-mor das Catas Altas por ter cumprido bem a tarefa de des truir quilombos no morro do Caraga, “no que despendeu considerdvel fazen da por levar muitos escravos armados”, Em todos os casos citados temos uma situagio em que os senhores a rentes categoria entre senhores € rrimeiro ponto a gorias coletivas, como escravo e 5mica vivida por ocdem ser escra- 2 ainda ser cam- é suficientemen- 1 atuagao politi- minar um com- al os esquemas nica social, mas squentes na lite- es ficardo mais psicionam dian: foge? o de armas nas escravos arma- que os viajantes dombolas. leu patente de participado de proprios escra = Morais Cabral Sse 24 escravos do mato na co- i Lima receber tarefa de des lerdvel fazen. Bs senhores ar- SATIN ¢ 0 utifigem contra quilombolas. Sao escravos que no iiflito entre shores ¢ e4EFBvos, lutam dBllado dos senhores. f evjidente que uff explicagao para istppode ser o fat ide esses esqnavos serem dBEiga- dos p9bSeus seqhiores. Mas|hio € tao ficil éltender posMghe, estando|altia. el ainglajad 05, BeScravo$iMRo seqiGltaram contra sedisfenhores. lf possi saitir Qe cles pOMiamconstderar mais vanfAjosa a con@ieao de escra¥@ do que offguilombamento Se RERHGIPARBe tropa sob comando do senhor é uma situago que pode explicar 0 comportamento desses escravos, tal no se dé quando o escravo age sozinho, ou fora da érbita do senhor, Em 17 le janeiro de 1731, 0 “preto es avo” Amaro de Queiroz, propriedade de José de Queiroz, recebeu patente e capitio do mato para atuar no distrito de Antonio Pereira, termo da vila ndré Alva- res de Azevedo, em 5 de novembro de 1760, recebeu patente para atuar na do Carmo. Domingos Moreira de Azevedo, “crioulo escravo” de rea de Piracicaba e do raga, € em dezembro de 1779 foi confirmada paten- tea José Ferreira, “pardo escravo” do capitéo Antonio Joao Belas.” Nos trés iiltimos casos @ autonomia de cada um dos escravos é muito grande. Nao hé a presenga de seus senhores no momento em que atuam pro- fissionalmente; e no entanto eles nao fogem e ainda atuam como pecas im portantes na manutencio do sistema que os coloca na condi¢do de escravos. , literalmente, em defes Bem, se por um lado temos escravos que lut: do escravismo, e a0 que tudo indica seu ntimero foi grande, a posigao contré- ria pode ter sido a mais comum. Uma reclamagdo constante das autoridades coloniais se relacionava a rede de informagées criada pelos quilombolas e que os alertava sempre da movimentacdo das tropas repressoras. Essa rede agia a partir das proprias senzalas, E Grande, encontrou um grande quilombo despovoado pelo fato de os quilom- 1759 Bartolomeu Bueno do Prado, em sua campanha no Campo bolas terem tido conhecimento com antecedéncia da organizacao e desloca- mento da tropa.” Em 1769 0 conde de Valadares escreveu ao capitao auxiliar Manoel Rodrigues da Costa para que este fizesse averiguacées na “fazenda Azevedo como em outras das mais fazendas” onde se suspeitasse que os es: cravos passavam informagées para quilombolas ou Ihes davam guarida.”* Em 25 de fevereiro de 1773, 0 comandante Manoel Gouvea escreveu a0 capitao-mor Liberato José Cordeiro informando que por noticias certas que tinha de haverem negros fugidos no sertio do Cruma: tahy, fora a roca de Francisca Antonia e que, achando que os escravos desta fl vam e comunicavam aqueles, intentara dar buscas nas senzalas dos seus escravos os quais saindo armados com armas defesas Ihe embaragou a diligéncia, chegan= do o seu arrojo a virem nos provocando até o rancho que dista mais de meta lé gua de Domingos de tal.” Um requerimento do capitio Elias Antonio da Silva, de 1792, em que so licita portaria que o autorize a atacar quilombos, traz como argumento o fate de o requerente ter, naquele momento, cinco escravos que andavam fugidos e por mais diligéncias e tocaias ou negagas que lhes tem feito nao é possivel apreem dé-os pela razio de se refugiarem e acoutarem-se em umas poucas de fazendas que é constante servem de coito aos negros que fogem de seus senhores e que os escravos ddas mesmas fazendas thes facilitam o dito coito e o que mais é também alguns donos ddas mencionadas fazendas em gravissimo prejuizo do particular e do bem comum. No ano de 1795, o fazendeiro Marcelino da Costa Gongalves enviou cor respondéncia ao governador das Minas, contando que sendo roubado com vilipéndio de sua pessoa pelos negros calhambolas no dig 24 de janeiro, agora tem noticia que os ditos negros do mato vieram acompanhs dos com outros das fazendas vizinhas que andavam rogando para feijéo, do que persuade o suplicante pelas foices que traziam nas mios quando o assaltaram talvez com o projeto de repartirem o roubo que nao foi pequeno, e porque, sendo assim, algumas coisas ainda poderio aparecer nas senzalas dos ditos escravos, aqueles que o suplicante desconfia pela alianga que costumam ter com os do mato, com quem repartem os mantimentos dos paidis de seus senhores ou ainda em casas de suas amasias acostumadas a darem couto e favorié-los.™ GBMEABentos acima citados parecem-nos suficientes pagayenemplig- car a situagao que lescievcmos. Se uma parte dos escravos que nio fogem, defende a preservagao do sistema escravista, outra parcela se posiciona clara Mente, ¢ as ve7es acintosament@na@ado dos quilOmbolas, prestando-lhes ajuda material, informagées e até mesmo participand@MeBwassempreitadas Orvereaaee no sertio do Cruma os escravos desta fala las dos seus escravos, +a diligencia, chegan sta mais de meia lé- de 1792, em que so- jo argumento o fato andavam fugidos e nto ¢ possivel apreen- Boucas de fazendas que ores e que os escravs smibém alguns donos fecedobem comum.” mealves enviou c i calhambolas no dia am acompanha. io Eeando o assaltaram, feijio, do que Beno, e porque, sendo 0s ditos escravos, sm ter com os do ssenhores ou ainda que nao fogem B= posiciona clara prestando-Ihes empreitadas de saques. Do exposto até aqui deduzimos que 0 conflito entre senhores € eravos, no seu desenvolvimento, por um lado gera os quilombos e por outro provoca uma ruptura no interior da propria classe escrava, fazendo com que GHUPAHEEE LORE senhores e a outra lute a favor deles. No caso da atuaglo dos forros, o primeiro dado importante esté expres- so no niimero deles que ingressa na profisso de homens do mato, cujos ob- etivos so a recaptura de escravos fugidos e a destruigéo de quilombos. De tum total de 467 patentes de homens do mato, quase 15% foram concedidas a forros.” A utilizagao do forro em posigdes-chave pelo sistema escravista foi percebida em vérias circunstincias por outros estudiosos." Acrescente-se a esse dado o fato de que grande niimero de forros acabou por se tornat pro- prietério de escravos, 0 que os colocava na condigao de defenderem seus in- teresses lutando pela preservacio do sistema. Para citar apenas duas cifras, , dos 1744 proprieta sguesia das Congonhas do Sabar, segundo Francisco Vidal Luna, no Serro Frio, em 17: rigs de escravos, 387 eram foros; e na fr em 1771, de um total de 235 proprietarios de escravos, 51 eram forros.” Dando ao forro a possibilidade de se tornar senhor de escravos, 0 escra- vismo adquiria maior capacidade de resistencia as presses da classe escrava Assim, uma parte dos antigos escravos era cooptada para lutar em defesa do escravismo. Mas a outra parte caminhava na direpao oposta. O primeiro do- cumento nos remete ao conde de Assumar, que em 1719 acusava os forros de assistirem “muitas vezes com ouro, mantimentos, pélvora e chumbo aos qui- lombos de negros fugidos”. Continuando, Assumar investe contra as forras proprietérias de vendas pois, segundo ele, “nas c as destas depravadas [os qui- lombolas} fazem os seus ajuntamentos e tomam as suas resolugées para insul- tare desinquietar com o sumo perigo os brancos nas suas fazendas”.” Em 173: em carta enviada ao conde das Galveas, na época governador das Minas, el rei pediu parecer sobre determinadas medidas a serem tomadas contra as mesmas negras forras, proprietarias de vendas, sobre as quais pesa- vam as acusacdes de prostituigao e de nas suas casas virem prover-se do necessirio os negros salteadores dos quilombos, tomando noticia das pessoas a que hio de roubar eas partes onde Ihes convém entrar e sair, 0 que tudo fazem mais facilmente achando ajuda e agasalho nestas negras que assistem nas vendas.”” Em 1736 foi a vez de o governador Gomes Freire de Andrade emitir ope nido a respeito do problema. Considerou que nao devia haver deslocamenten de tropas de ordenangas em socorro & marinha (em uma circunstancia espee fica), pois elas eram necessirias contra “os inimigos internos quais se podem considerar em semelhante ocasiéo nao s6 os negros fugidos que costumaam saltear os caminhos, mas os mulatos forros, mamelucos e ainda os prdpriay escravos”.” Em julho desse mesmo ano os “moradores da freguesia de Sao Se: bastido” fizeram um pedido ao governador Martinho de Mendonca para qu! Pudessem atacar “um quilombo de negros e fazer buscas nas casas dos formal © acoitar os delinquentes”." Em janeiro do ano seguinte esse governador, ates dendo a petigao do capitéo do mato Francisco Soares, determinou que “nao me impega ao suplicante entrar nas tavernas e casas de negros e mulatos” forse quando estiverem em diligéncia a procura de fugitivos. Em 1764 0 governador Luis Diogo Lobo da Silva tentou por sob conta: le 05 escravos e forros das Minas. Em extenso bando, em que recorreu 2 lel a partir de 1719, proibiu que as negras de tabuleiro (tanto forras quanto et cravas) pudessem negociar seus produtos em areas onde fosse possivel 0 es travio de ouro gmynegécios com quilombolas AAS evideéncia sao sufigientes. Da mff@tha forma queS@escravos, Amba 0s {4s no selEonjuntg\sto afetados|pelo conflito ser versus Saehawat que BBileva a s#ipbsicionatem 2o lado dim ou de ouff®. As posicGe nae deixtB duividad§Bh se comBate o escrav@lrebelde ou se f@galianca compels Apés termos tratado dos escravos Qigfos forros, ndo poderiamos deja de menfi@nar qu@lguns homens Jivres e até proprietétios de escravos tame bém podidm ter fiferesse em faf@Fecer quilombolagBelo menos um can merece ffferénciajimuito mais p@l@| seu cardter de extegio que de tendénaiy Seral. TERito sida@fetuada uma Bada na casa do alfémes Antonio Muniz a Medeirg§ino angie 1781, constifbu-se a existénciafle “uma venda oc onde osfl@gros fugitios e garimpeigps se iam prover de frantimentos”, O a feres aleg@u que @S)produtos erafipara vender para §@Ms proprios escraveu: embora Wi regido Fodos soubesselapgue ele vendia 86 aos negros fugidos e garimpeiros, é tanto assim que nunca deixou de hava quilombos ao pé de sua casa, ¢ com tanta liberdade que até suas escravas iam da dia a0 quilombo conversar com os negros fugido: 174 rade emitir opi- deslocamentos nstncia especi- quais se podem que costumam nda os proprios uesia de Sio Se- donga para que casas dos forros wernador, aten- nou que “no se nulatos” forros, por sob contro- -recorreu a leis rras quanto es- © possivel 0 ex- rravos, também, versus escravo, s posic: anga com ele. eriamos deixar »escravos tam- nenos um caso e de tendéncia onio Muniz de a venda oculta mentos”, O al- prios escravos, deixou de haver sescravas iam de 2. Lavagem de ouro e ‘olomi, M, Rugendas, Malerische Reise in Brasilien, Pars, Engelmann & Cie, 1835. Reprod. Bauer Sé) O que é excepcional nesse caso nao é um individuo livre dar cobertura a quilombola Uma situacio semelhante pode ser percebida no documento acim mas 0 fato de ser esse individuo um proprietirio de escravos. referido, no qual se lé que alguns fazendeiros acoitavam quilombolas. £ uma contradi: $40, no limite, do sistema escravista. E evidente que esses senhores de escra- os faziam aliancas com quilombolas na medida em que seus préprios escravos nio tinham fugido para quilombos, inda poderiam auferir algum lucro, Antonio Muniz.* como no caso do alfere: ridad@¥leste comportam dip nos leva a ci@luir que, se pgnum lado as clades subdlfgrnas (como escra¥@§ ¢ forros) estan divididas dom relagao 20 coailito sefiior versus escravo,JpBr outro lado, @Bpbrevivénciald sistema exigiallimn miniimo de coesio dos piBprietirios de @Beravos. Gbmo sltimo ponto desta parte do trabalho, gostariamos de tratar da atuagab de certo niimero de escravos questixeram, a nosso ver, papel destaca- do dalxisténcia dos (@ilSRBBRRen@UantefenOiheno de natureza politica. Sd0 escravos que se projetaram como fideres e executaram uma tarefa fundamen- tal: convencer outros esdfayos a fugir, ser@inde lla para esses novos quilom- bolas e fazer a articulaga@entre varios quil@mbos. Em dezembro de 1759, 0 governador José Antonio Freire de Andrade escreveu aos juizes e oficiais da Camara de Sao Joao Del Rei sobre um qui lombola preso no Campo Grande. Para justificar 0 envio do dito quilombola para o Rio de Janeiro o governador argumentava que © capitdo Antonio Francisco Franca me tem segurado por duas ou por trés vezes que em o dito negro se soltando, nao ficar negro algum nesta capitania que ele nao torne a conduzir para os quilombos do Campo Grande." O quilombo do Cascalho, destruido em 1760 no governo de José Antonio Freire de Andrade, recebeu esse nome porque seu lider era assim denomina- do, Esse quilombola foi preso quando havia “saido dele a fazer gente para levar para dentro’.” Em 1771 0 conde de Valadares recomendava ao capitio Manoel Furtado Leite de Mendonca “para evitar terriveis danos que seguem dos ne gros fugidos para prender estes e um lote que anda convidando aos que esto quietos em casa de seus senhores Dez anos depois, em 1781, de Paracatu escrevia Antonio José Dias Coelho ao governador informando a inquietacao em que se encontravam os moradores locais com rela¢do aos quilombolas, dentre outros motivos porque estes chegavam a passear de noite pela vizinhanca do Arraial, e entrando dentro cautelosamente, para persuadir a fugida as negras da casa de seus senhores [..] é ficil de crer que, dentro do Arraial, haverd negro que tenha inteligéncia com os calhambolas, para avisar as espias do projeto dos capitaes do mato e, por isso, quando estes vio fica frustrada a diligencia.” No mesmo ano de 1781 os moradores do distrito da Ressaca, termo da vila de Sio José, reclamavam dos “negros fugidos que no somente desencaminhavam, 08 seus escravos como tio bem Ihes furtam as suas criages e mantimentos”.” 176 amos de tratar da ver, papel destaca- nureza politica. Si tarefa fundamen- ses novos quilom Preire de Andrade Rei sobre um qui lo dito quilombola ou por trés vezes sta capitania que ele no de José Antonio g assim denomina ter gente para levar 20 capitio Manoel se seguem dos ne- do aos que esto 781, de Paracatu sido a inquietacio 205 quilombolas, Biro cautelosamente, b) éficil decrer que, Bscalhambolas, para Jo estes vio fica <2, termo da vila ncaminhavam iimentos”.” Finalmente, digno de nota é 0 caso citado em requerimento do capitio Elias Antonio da Silva, também morador no termo da vila de Sio José. Re- fere-sea uum dos escravos das ditas fazendas [que] € costumado e atualmente di asilo a escravos errones, socorrendo os de todo necessério com tanto escindalo e ani mosidade que nao falta quem diga que ele € cientee noticiado de qualquer qui Jombo ainda existente na distancia de 30 ou 40 léguas.* Sem ditvida alguma o trabalho de convencimento executado por esses escravos deve ser visto enquanto atividade voltada para um objetivo especil co: viabilizar a instalagdo e crescimento dos quilombos. Se entendemos os quilombos como manifestagao de carter politico, é evidente o cardter polit: co também dessas atividades. Por outro lado, é necessirio considerar que esses escravos tinham uma nncia aguda de sua realidade e da maneira como deveriam enfrenté-la E nessa medida que nos parece possivel a percep¢o do quilombo enquanto a Viabilizacdo de um projeto politico. Dos pontos abordados nesta parte podemos tirar algumas conclusoes. Em primeiro lugar, a necessidade de superacdo da tese da incapacidade politica do escravo, jé que nao apresenta elementos que a sustentem. Em segundo lugar, a ne ssidade de percepcdo dos quilombos ndosséana sua dimensio econdmica (visio mais imediata), (988 EamnbéMm ma sua diniens?0 pOTEAEOMo ‘agente coletivo no jogo das contradicées que dao a tinea a dinamica social Em terceiro lugar, 0 fato de o quilombo, enquanto expressio da luta de clas: ses entre senhores e escravos, ser uma realidade em torno da qual estavam divididos escravos e forros. €illlguarto lugar, a inegdvel coesdo da classe pro: Prietéria de escravos no seu posiCORMMEMD diante do referido conflito. Fi do quilombo mas principalmente como projeto polltieoqueevidencia estratégias de auto: io <6 como manifestacao de rebeldia, nalmente, a percep. nomia por parte de seus 45S Enfim, pensar o quilombo nas suas varias nuances pode nos permitir compreender melhor sua dinamica e sua insergdo na sociedade escravista

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