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Todo mundo busca ligdes nos atos de grandes lideres. (OMe a Ree Mc Tmeke RGB Relea Rela ao individuos — sobretudo o modo criativo como exploram a tensao entre idéias conflitantes. Como 7 Otexe! um lider de SsuCeSSO Gt UC cetera es ‘omosarraioos por histérias deli ado. Sua determinagio nos e rentes de gestos ousados de um individuo desses, seral produzindo um desfecho favorsvel, compéem uma narrativa hipnotizante. Acima de tudo, buscamos nesses rela tos licdes a aplicar em nossa prdpria vida profissional. Livros como Jack Definitivo e Execugto: a Disciplina para Atingir eee ce eee ers Set etd Bossidy. Bastaria apenas saber imi a rent eel gees hao et eee enone etree cea RCo eee ke ee eed soe Pe ee pepe Como pense um lider de sucesso infcio da carreira na General Electric, exigiu que cada di sio da GE fosse a primeira ou a segunda em participagao de mercado no respectivo setor, anos depois, pedia que essas ‘mesmas divisdes definissem seu mercado de modo que, nele, a fatia de cada uma ndo superasse 10% — obrigando gerentes a buscar oportunidades além dos limites de um mercado es- treitamente definido. Tentar aprender com o que Jack Welch {fez gera confusdo e incoeréncia, pois Welch adotou — sa- biamente, devo dizer — rumos diametralmente opostos em ‘momentos distintos de sua carreira e da histéria da GE. ‘Onde, entio, buscar ligdes? Uma abordagem mais produtiva, ‘embora mais dificil, ¢ se concentrar no modo como lider pensa — ou seja, examinar aquilo que antecede a ago, ou a maneira ppela qual processos cognitivos do lider produzem seus atos. quem a possui, Para mim, porém, € patente que o raciocinio integrativo aumenta sobremaneira as chances de alguém. £, contudo, uma constatagao fécil de ignorar, j que 0 dis- curso administrativo nos iltimos anos se afastou do pensar se aproximou do agir (prova disso é a popularidade de ‘obras como Execuo). Além disso, muitos dos grandes adep- +08 do raciocinio integrativo desconhecem o proprio dom e, portanto, nao o exercitam de modo consciente. Peguemos Jack Welch, um de meus entrevistados. Welch € um pensa- dor integrativo consumado — mas, da leitura de seus livros, ninguém o diria. ‘Alids, meu objetivo aqui € desconstruir e descrever uma capacidade que parece vir naturalmente para muitos lideres de sucesso, Para ilustrar a tese, resolvi me ater a alguém com ¥ Em geral, nao sabemos o que fazer com modelos que se opd6em fundamentalmente. Nosso primeiro impulso é determinar qual dos dois € “certo” e,' por eliminatéria, qual é “errado”. Passei os iltimos 15 anos, primeiro como consultor admi- nistrativo, agora como diretor de uma faculdade de adminis- tracao, estudando lideres de trajet6ria exemplar. Nos iltimos sels anos entrevistei mais de 50 deles (alguns, durante até ito horas). Descobri que a maioria partilha de um trago algo atipico: a predisposicao e a capacidade de contemplar, simul- taneamente, duas idéias que se opdem —e entdo, em entrar ‘em panico ou simplesmente optar por uma ou outra alterna- tiva, resolver com criatividade a tensdo entre essas duas idéias com a geragao de uma terceira (e nova) que traz elementos das duas primeiras, mas é superior a ambas. Esse processo de considerago e sintese pode ser chamado de raciocinio integrativo. Essa disciplina —e ndo a estratégia superior ou a execugdo impecdvel — 6 0 trago caracterfstico da maioria das ‘empresas excepcionais e dos individuos em seu comando. 'N&o digo que essa é uma idéia nova. Mais de 60 anos atrés, F. Scott Fitzgerald dizia que a marca de um individuo rea ‘mente inteligente era a“capacidade de ter em mente, ao mes- ‘mo tempo, duas idéias opostas e ainda assim conseguir fun- cionar”. Naturalmente, nem todo lider que se preza tem essa capacidade, e esta tampouco é a tinica fonte de sucesso de Roger Martin (martin@rotman.utoronto.cal 6 dirstor da Rotman School of Menagement, d2 University of Toronto, @ autor de The pposeble Mind: How Successful Leaders Win Through Integrative Thinking, que @ Harvard Business School Press langa no segundo semeste. 40 Harvard Business Review | Junho 2007 ¥ ‘quem travei longas conversas: Bob Young, um executivo vi- brante que ajudou a fundar e presidiu a Red Hat, a principal distribuidora do software de cédigo aberto Linux. A premis- sa subjacente a minha andlise desse e de outros ases do racio- cinio integrativo é a seguinte: essa capacidade nao é s6 para ‘quem nasce com ela — € algo que pode ser cultivado. Polegar oponente, mente oponente ra meados da década de 1990. A Red Hat tinha diante de si ‘duas rotas distintas de crescimento, Na época, aempresa mon- tavae vendia pacotes do software de c6digo aberto Linux —so- ‘bretudo para geniozinhos dainformética—soltando aquie ali nnovas versées com os tltimos upgrades feitos por um semfim de programadores independentes. Para superar o faturamento anual de US$ 1 milho, a empresa poderia ter eleito um dos dois modelos bésicos de negscios da indiéstria de software. ‘Um deles, 0 clissico modelo do software proprietério, era adotado por nomes de peso como Microsoft, Oracle € SAP, que vendiam a clientela o programa operacional, mas nao seu cédigo. Essas empresas investiam pesado em pesquisa e desenvolvimento, guardavam a sete chaves sua propriedade intelectual, cobravam caro e tinham grande margem de lu- ‘cro — pois 0 cliente, sem acesso ao cédigo de programaao, cera basicamente obrigado a adquirir atualizagées regulares. ‘A alternativa, adotada por varias empresas pequenas, en- te elas a propria Red Hat, era 0 chamado modelo do soft- ‘ware live. Nele,a empresa vendia CD-ROMs que traziam 0 software e 0 cédigo de programacao.0 produto ndo chegava a ser gratuito, mas o preco era modesto: US$ 15 pelo pacote o sistema operacional Linux, ante 0s mais de US$ 200 que a Microsoft cobrava pelo Windows. A empresa fornecedora ganhava toda vez que criava uma nova versio com base nas inimeras atualizagSes gratuitas feitas por programadores independentes. $6 que a margem de lucro eraestreita ¢a re ceita, incerta. Clientes empresarias,interessados em padro- nizagao e previsibilidade, tinham medo ndo 36 do software, aque desconheciam, mas também dos pequenos fornecedores, cada qual com suas peculiaridades. Bob Young — um sujeito excéntrico que ride si mesmo, em um setor repleto de excéntricos,e que para demonstrar seu vinculo com a empresa vivia de meias e boné vermelhos —nio gostava de nenhum dos dois modelos. Ainda que hou- ‘esse um jeito de criar uma versdo fechada do software, 0 modelo proprietério, de altas margens, a contra toda a filo- sofia do Linux e do movimento de c6digo aberto. “Comprar _um software proprietério € como comprar um carro cujo ca Ondo abre’, disse Young, “Se houver algum problema, nem ha como tentar consertar” Jé 0 modelo do software livre significava ter um lucro minimo com a embalagem e a distr buigdo de um produto comoditizado, liemente dispontvel, em um mercado marginal — algo que poderia dar retornos razodvels a curto prazo, mas dificilmente geraria um cresci mento rentével sustentavel ‘Young costuma dizer que no & um dos grandes “cérebros do setor, que € um vendedor em um mundo de génios da tec nologia. Ainda assim, conseguiu sintetizar dois modelos de rnegécios & primeira vista irreconeiliéveis,jogando a Red Hat narota de um tremendo sucesso. Sua resposta ao dilema estra tégico foi combinar o prego baixo do modelo do software livre com um elemento rentével do modelo proprietério, 0 servigo péswvenda, No process, criou algo novo: um mercado para 6 sistema operacional Linux entre empresas. Como costuma ‘correr com o raciocinio integrativo, Young promoveu, nos dois modelos, certs ajustes que fizeram a sintese funcionar. Embora inspirado no modelo proprietario, o servigo da Red Hat era bem diferente. “Se um probleminha qualquer causasse uma pane no sistema’, disse Young, referindo-se a0 servigo contratado das grandes fabricantes de software pro- prietdrio,“a empresa ligaria para o fabricante e diria: ‘Deu pau no sistema’. E 0 fabricante diria: (Que azar!; quando na verdade queria dizer: ‘Que sorte’. Ao custo de centenas Ge délares por hora, despacharia um engenheiro para sol cionar um problema que jé existia quando o programa foi vendido — e chamaria isso de atendimento ao cliente? Jé a Red Hat ajudava a empresa a administrar 0s upgrades ¢ ‘melhoramentos que surgiam quase que diariamente através a plataforma de cédigo aberto do Linux. Young promoveu, ainda, uma mudanga crucial naquilo «que fora batizado, algo equivocadamente, de modelo do soft: ware livre: passou, realmente, a distribuir de graga o softwa 1, para o download na internet —e no como um CD-ROM que, embora barato, era um entulho a mais. Com isso, a Red. Hat sobressaiu da multidao de pequenas montadoras de pa- cotes do Linux, ganhando a escala e a lideranga de mercado de que precisava para obter a confianga de empresas, o cau teloso usuario daquilo que se tomaria 0 carro-chefe da Red Hat: 0 servigo, ndo 0 software. Em.1999, a Red Hat abriu o capital. No primeiro dia de ne- ‘gociago em bolsa, Young virou um biliondrio. Em 2000, Li nux jd detinha 25% do mercado de sistema operacional para servidores e a Red Hat controlava mais de 50% do mercado ‘mundial de sistemas Linux. Diferentemente da vasta maioria das novigas da era pontocom, a Red Hat seguiu crescendo. (© que permitiu a Young solucionar o aparente impasse entre dois modelos insatisfat6rios? O uso de uma caracteris- tica nata, porém subdesenvolvida, do ser humano. £ algo que poderfamos chamar — numa metéfora que alude a outro trago do homem — de mente oponente, Uma caracteristica fisica diferencia 0 homem de quase todas as outras criaturas do planeta: o polegar oponente. Gragas & tensdo gerada pela oposicio do polegar aos de- mais dedos, 0 ser humano € capaz. de coisas maravilhosas: escrever, manipular uma agulha, mover um cateter por uma artéria, Embora a evolugo tenha garantido a0 homem essa vantagem potencial, 0 atributo de pouco teria servido se a Junho 2007 | Harvard Business Review 41 Como pensa um lider de sucesso espécie nao tivesse feito um uso cada vez mais sofisticado dele. Ao fazer algo como escrever, por exemplo, treinamos 0s isculos envolvidos € 0 cérebro que controla tal atividade. ‘Sem explorar as possibilidades dessa oposicao, nao teriamos desenvolvido seus atributos fisicos nem a capacidade cogni tiva que a acompanha e a viabiliza. Ohomemnasceu,jgualmente, com mentes oponentes,oque permite que contemple duas iis confltantesem tensio.cons- trutiva, quase dialética, Podernos usar essa tensio para, através do raciocinio, chegar a idéias novas, superiores. Se nossa mente abrigasse apenas um pensamento ou idéia por vez, ndo teria ‘mos acesso aos insights que a mente oponente pode produzit. Infelizmente, j4 que 0 homem nao exercita muito esse re- curso, é relativamente rato encontrar um 4s do raciocinio in- tegrativo. Por que esse instrumento, de potencial tao imenso, mas em geral latente,€ usado de modo to infreqiente, sem a plena exploragao de sua forga? Porque colocé-lo em ago gera ansiedade. A maioria de nds foge da complexidade e da ambigtiidade, buscando o conforto da simplicidade e da cla reza, Paraenfrentar a desnorteante complexidade do mundo 20 redor, sempre que possivel simplificamos. Ansiamos pela certeza trazida pela escolhaentre alternativas bem definidas e pela sensacao de conclusio que uma decisio traz. por iso que,em geral, no sabemos o que fazer com mode- Jos fundamentalmente em oposig4o, aparentemente incomen- suréveis. Nosso primeiro impulso é determinar qual dos dois é “certo” e, por eliminat6ria, ual é“errado’: Podemos até pender para um lado e tentar provar que 0 modelo pelo qual optamos melhor do que o outro. Mas, a0 reeitar totalmente um deles, albrimos mao de todos 0s beneficios que poderiam surgir da consideragao simultanea dos dois modelos que se opéem € da busca, na tensdo resultante, de pstas sobre um modelo su perior. Ao forgar a escolha entre os dois, desativamos a mente ponent antes que ela possa buscar uma saida original Esse atributo pessoal, praticamente universal, € patente na maioria das organizagées. Quando um colega pede a0 outro para “nao complicar mais as coisas’, seu pedido é mais do que uma mostra de impaciéncia e desejo de que as coisas caminhem — é, também, uma stiplica para que a complexi- dade seja mantida em um nivel palatavel. Para explorar a mente oponente o individuo precisa re- sistir & inclinagdo natural rumo & simplicidade e & certeza. Young sabia, desde o inicio, que seria incapaz. de escolher um, dos dois modelos entéo dominantes no setor de software. Encarou as desagradaveis concessdes que teria de fazer se optasse por tum out outro como alerta para que repensasse © problema do zero. E ndo parou enquanto néo achou um modelo novo, nascido da tensio entre os dois anteriores. Basicamente, Young se recusou a optar por uma coisa ou outra — recusa descrita reiteradamente em minhas entre- vistas com grandes lideres. Quando perguntei a Jack Welch © que era mais importante, estratégia ou execucio, ouvi 0 seguinte: “Nao acho que uma coisa exclua a outra”, Na mes- 42 Harvard Business Review | Junho 2007 ma vela, instado a explicar como chegara a um plano de re ccuperago que apostava tanto no corte de custos como no investimento na inovagao, A.G. Lafley, presidente da Procter & Gamble, respondeu: “Nao sairiamos vitoriosos se ficdsse- ‘mos no ‘ou’. Esse ‘ou’ todos sabem fazer": Quatro estagios da tomada de decisio ‘Como &, entdo, o processo de raciocinio integrative? Como al- ‘guém que pensa dessa maneira considera opgdes dle um modo que abre novas possibilidades e nao apenas o remete de volta as mesmas (e inadequadas) alternativas? A pessoa percorre quatro estagios correlatos, mas distintos — e que nao sao ex- clusivos do raciocinio integrativo. Todo mundo passa por eles ao tentar chegar a uma decisio. O que distingue o adepto do raciocinio integrativo € 0 modo como aborda essas etapas (ve- ja o quadro“Raciocinio convencional versus integrativo”). Determinar o que 6 relevante. O primeiro passo é deter: rminar os fatores a levar em conta. No método convencional descartase 0 maior mimero possivel de fatores, sendo que alguns nem sequer so considerados em primeiro lugar. Para reduzira complexidade,que nos desnorteia, deixamos de fora aspectos relevantes, ou salientes, 0 considerar uma questdo. (© modo como a maioria das organizacées € estruturada também nos faz agir assim. Cada érea funcional tem uma visio propria (e estreita) daquilo que merece consideracao. Em geral, 0 brago de financas nao julga relevantes fatores emocionals;jé departamentos voltados ao comportamento organizacional costumam ignorar aspectos quantitativos. Gerentes pressionam subordinados a ajustar sua visdo da- quilo que é relevante & doutrina do departamento, deixando © pessoal com um mero subconjunto dos fatores aos quais, sem tal pressio, poderia ter dado uma atencao produtiva, L4 na frente, quando uma decisdo se prova equivocada, ‘muitas vezes admitimos que foi um erro no computar fato- res importantes para gente fora do alcance imediato de nos- so posto ou drea de atuagao. Pensamos, com nossos botdes “Devia ter tentado imaginar como o pessoal Id na Europa iria interpretar o texto daquele comunicado” ou “Devia ter pen- sado no programa de manuten¢do de estradas do governo antes de decidir onde instalar 0 novo centro de distribuigdo". J6 0 adepto do raciocinio integrativo faz questo de buscar, fatores menos ébvios, mas potencialmente relevantes, 1880 complica o problema, mas quem pensa de modo integrativo nao se assusta com essa confusdo. Pelo contrério, a acolhe, pois seria a garantia de que nada que possa jogar luz sobre problema como um todo foi descartado. Esse individuo aco- Ihe a complexidade, pois dela surgem as melhores respostas. Essa pessoa confia na capacidade de encontrar uma safda e emergir do outro lado com uma clara resotucao. ‘Ao pensar sobre um novo modelo de negécios para a Red Hat, Bob Young computou a seus célculos algo ignorado por fabricantes de software em geral e por fornecedoras do Linux em particular: a preocupacao didria de diretores de informé- Raciocinio convencional versus integrativo Um lider percorre quatro estagios pare encontrar uma salda para um probleme ou desatio, Quem dota um raciocinio convencional busca simplificar as coisas nesse processo @, muitss vezes, ¢ obrigado a aceitar solugoes pouco satisatbrias. J4 0 adepto do raciocinio integrativo aceita a complexidade — ainda que, por uma ou mais etapas — isso, tenha de repetir ‘assim, 6 capaz de encontrar solugoes criativas. Determinaro que Analsar Definira hogar a Srelovante causalidade arquitetura solugéo dda decisdo — —_— xcociNa ‘tong excva 2 Consider relagio ie problema em Ono ita xc CORVENCONAL aspects abviomente finer de ica, pores erate os dona escoha relevotes nie varies mais de cada ua separa a mala pro 1 podem de cu soweriimente isp ‘Busca de ftores Considra relapses Encara problema come Resolve de mado menos Sbvios, mas emvirios setidos, modo, anlisando criti a tonaéo potnciainents letnooren entre como a pogas 36 sire ties que ‘alvamies verses ocatcam «come uma se option: gore Aeciso feta us domais resatadesinovaderes tica e de administradores de sistemas de empresas. Com iss0, conseguiu vislumbrar um modelo inovador que abriu todo ‘um mercado aos produtos e servigos do Linux. O setor de software encara com descém a relutncia de dire- tores de informtica em adquirir altima palavra em tecnolo- sia. Seria sinal de timidez — ou de estrita obediéncia ao prin- cipio de que “ninguém jamais seré demitido por comprar um IBM”: Young se solidarizava com esses executives, entendia sua cautela.“Nao é (..) medo,incerteza, divida’, disse.“ sensatez.” sistema Linux era uma total novidade para o cliente empresarial, um produto que ndo seguia nenhuma das ve- thas normas. Fra gratuito. Nenhum fornecedor o controlava. Havia milhares de verses no mercado, alteradas pratica- mente todo dia. Do ponto de vista do executivo, o fato de que o Linux era melhor e mais barato do que programas no sistema Windows — discurso basico de venda das rivais da Red Hat —tinha papel relativamente pequeno na equagao. sses executivos queriam saber se estariam investindo em uma plataforma estével, uniforme, que funcionasse para to- da a organizagdo —e se 0 fornecedor ainda existiria dali a dez ou 15 anos. Administradores de sistemas temiam que a complexidade do Linux — com seus upgrades quase dirios, aleat6rios — fosse criar um pesadelo gerencial, j4 que dis- ‘tintas equipes espalhadas pela empresa teriam de fazer a manutengdo dos pacotes de software, ‘Ao encarar esses temores como relevantes, Young concluiu ‘que, no caso do Linux, 0 servigo era um aspecto mais impor: tante do que o produto para a venda e que acredibilidade do fomecedor a longo prazo era crucial. Analisar causalidade. © segundo passo do processo de- cis6rioé analisar a relagao existente entre os diversos fatores relevantes. Quem pensa de modo convencional tende a en- carar a causalidade com a mesma estreiteza com que en- cara a relevancia. A mais simples de todas € a relagdo causal direta, Nao por acaso, a regressdo linear & o instrumento preferido do mundoempresarial para se estabelecerrelagdes entre varidveis. Hé outras ferramentas, & claro, mas a maio- ra dos gerentes foge delas, pois sio mais dificeis de usar. Quantas vezes 0 leitor foi repreendido por um superior por complicar sem necessidade um problema? Sua intengao no era complicar coisa alguma, mas encarar 0 problema como ele realmente é chefe insiste para que voce se atenha a seu trabalho, a relagdo potencialmente complexa vira uma relacao linear na qual mais de A produz mais de B. Asvezes,tomamos decis6es ruins por estabelecer equivocada ‘mente o vinculo causal entre fatores relevantes, Tavez.estivés semos corretos sobre o sentido da relagdo, mas errados quantoa stia magnitude:"Achei que, medida que a escala fossecrescen- do, 0s custos cairiam muito mais depressa do que cafram’. Ta ‘vez 0 erro tena sido mesmo na diregdo da relagéo.“Achei que Junho 2007 | Harvard Business Review 43 Como pense um lider de sucesso nossa capacidade de atender aos clientes fosse crescer com a ‘chegada da nova turma de consultores, mas acabou diminuin- do, pois os consuitores mais tarimbados perderam um tempo enorme treinando 0 pessoal novo ¢ consertando seus erros” 0 adepto do raciocinio integrative nao tem medo de ques- tionar a validade de elos aparentemente ébvios ou de con- siderar relagSes ndo-lineares, multidirecionais. Em vez de ir logo pensando, por exemplo, que “O corte de pregos por aquele concorrente est ferindo nossos resultados’, a pessoa cujo raciocinio ¢ integrativo talvez conclua:“A concorréncia foi abalada por nosso novo produto, por isso esté reagindo com o corte de pregos e ferindo nossa rentabilidade”. © elo causal mais interessante que Young identificou foi jl: a relagao entre o livre acesso aos componentes basicos lagdes causais entre aspectos relevantes, é hora de voltar a atencdo para a decisao em si. Mas qual decisio? Até um ges to simples como ir ou nao ao cinema a noite exige que a pes- soa decida, no minimo, a que filme assistir, em que cinema, em qual sesso. A ordem na qual essas decis6es sao tomadas influencia o resultado final. £ possivel, por exemplo, que a pessoa ndo possa ver 0 filme que mais desejava se jé tiver decidido que precisa estar de volta atempo de liberar a babé — que justamente aquela noite nao pode ficar até mais tarde. Quando alguém tenta inventar um novo modelo de negécio, ‘0 mimero de varidveis dessa tomada de decisées dispara. E, ‘com isso, surge 0 impulso nao s6 de definir uma seqiiéncia cstrita para a consideraco de cada questo, mas também de O adepto do raciocinio integrativo nao teme um problema complexo. Pelo contrario, acolhe a complexidade, & dosoftware da Red Hate a provavel —inevitavel,na opiniéo de Young — evolugdo do setor. A relagio por ele enxerga- da entre preco, rentabilidade e canais de distribulgdo levou sua empresa a tomar um rumo distinto das fornecedoras do Linux concorrentes, que viam um mercado perfeitamente bom para seu software “livre”. sso permitiu a Young criar e controlar 0 novo mercado empresarial. Young percebeu, por exemplo, a vulnerabilidade de um produto fundado em componentes de livre disponibilida- de. Nao importa 0 preco cobrado por uma empresa pela conveniéncia de reunir todo 0 sistema operacional Linux ‘num CD-ROM, inevitavelmente “apareceria outra cobrando menos’, disse 0 executivo. “Era uma commodity no sentido ‘mais real da palavra.” Young percebeu, ainda, que mesmo ‘uma empresa que ndo fosse uma adverséria — como uma grande loja de aparelhos eletrdnicos — poderia montar um sistema Linux por conta prépria e vendé-1o em seu proprio canal de distribuigao, j4 estabelecido, deixando a Red Hat ¢€ outras fomecedoras a ver navios.“Sabia que precisava de um produto sobre o qual tivesse certo controle, para poder fazer [dessa loja] uma cliente” Ou seja, uma empresa que adquirisse 0 pacote de servigos da Red Hat — e “nao uma concorrente” com sua prépria versio em CD-ROM. Asrelagées causais identifcadas por Young no mudaram, em si,o mundo — mas, juntas, ajudaram Young a pintar um retrato do futuro do setor mais matizado do que o imagina- do por suas concorrentes. 44 Harvard Business Review | Junho 2007 pois dela surgem as melhores respostas. ¥ dividir a decisdo em partes para que varias instancias — em. geral, departamentos distintos da empresa — possam se de- Drucar separadamente sobre cada uma. (© que ocorre, em geral, é que cada uma acaba perdendo de vista a questo maior, com resultados mediocres. Digamos ‘que Bob Young tivesse delegado as chefias de cada departa- ‘mento decisdes sobre pregos, melhoramentos e distribuicao do software original da Red Hat. As respostas de cada uma delas, reunidas em um todo — a estratégia geral da Red Hat —, teriam produzido o novo modelo de negécios criado por Young, de espetacular sucesso? Parece bastante improvavel. Quem pensa de modo integrativo néo desmembra um problema em partes isoladas e trabalha em cada uma sepa- radamente, ou em certa ordem. Enxerga toda a arquitetura do problema — como as varias pegas se encaixam, como ‘uma decisio afetard a outra. Tao importante quanto,mantém, todas essas pecas suspensas em sua mente simultaneamente. [Nao distribui seus elementos para que outros individuos 0 considerem isoladamente, ou deixa um aspecto de lado tem porariamente para retomé-lo mais tarde, quando tudo o mais tiver sido decidido. Um arquiteto nao pede a gente de sua ‘equiipe que crie um banheiro perfeito, uma sala perfeita,uma cozinha perfeita —na esperanga de que cada érea da casa se ‘encaixard perfeitamente no final. Um executivo nao concebe ‘um produto antes de considerar 0 custo de produztio. - Uma série de questdes ocupava a mente de Young simulta- neamente: preocupagdes ¢ desafios de diretores de informé- tica e administradores de sistemas, a dindmica do mercado, de sistemas operacionais para individuos e para empresas, a evolugdo da I6gica econdmica do negécio de software livre a motivacio dos grandes nomes da indiistria de software proprietério. Cada fator poderia ter levado Young a uma decisio isolada sobre como enfrentar o desafio. Mas Young, evitou tomar decisées e foi considerando a relagao entre es- ses fatores & medida que lentamente avangava na criagio de ‘um novo modelo de negécios — modelo fundado na crenca, 4de que uma participacio dominante no mercado seria vital para o sucesso da Red Hat. Chegar a resolugéo. Tacos esses estigios — definir 0 que 6 relevante, analisar a relaco causal entre todos 0s fatores re- levantes, examinar a arquitetura do problema — conduzem a ‘um desfecho. E comum aceitarmos concessbesindesejadas sem ‘muita queixa, j4 que isso parece a melhor das altemnativas. £ ‘que, quando finalmente chegamos a esse estigio, o anseio por simplicidade jé nos levou a ignorar, nos trésestdgios anteriores, ‘oportunidades para descobrir sadas interessantes e inustadas para evitar concessGes. Em vez de se rebelar contra alternativas mediocres, nada apetitosas, em vez de se negar a aceitar a me- Ihor alternativa ruim disponivel, a pessoa de raciocinio convert cional dé de ombros e pergunta:“Que outra saida tinhamos? “Muitas outras”, diria quem pensa de modo integrativo. Um lider que adota uma visio holtstica, e ndo 0 raciocinio segmentado, pode resolver com originalidade as tenses que langaram o proceso de tomada de decisio. Fatos associados, & busca dessa resolugao— atrasos, exigéncia de andlise mais, profunda pela equipe, sugestdo de novas alternativas na dt ‘ma hora — podem parecer, vistos de fora, falta de resolucao, Com efeito, 0 adepto do raciocinio integrativo pode até ficar insatisfeito com a nova leva de opgdes que concebeu,e por is so retroceder e comecar tudo de novo. Quando um desfecho, satisfat6rio por fim se produz, € devido a recusa, pelo lider, de aceitar meios-termos e safdas convencionais. (0 desfecho, no caso da Red Hat, fugiu totalmente a0 con- vvencional — néo so muitas as empresas que decidem subi- tamente distribuir seu produto de graca. E foi um sucesso. 0 gradual despertar de Young para o fato de que 6 uma em- presa no setor conseguiria exercer influéncia sobre a cliente- la empresarial e obter seu respaldo — e que essa influéncia ¢ respaldo poderiam gerar uma receita polpuda de servicos a partir de um software totalmente gratuito — moldou a decisao radicalmente original por ele tomada. O raciocinio adotado intuitivamente por Young € muito distinto do raciocinio por trés da maioria das decisdes em empresas. Mas, disse ele, sua experiéncia nem de longe foi singular. “E comum as pessoas terem de tomar decisdes diff ceis—‘Quero fornecer um produto de alta qualidade e alto custo, por exemplo, ou de baixa qualidade e baixo custo?” Somos treinados para pesar os pr6s ¢ os contras dessas al teativas e, entdo, optar por uma delas. Mas um executivo realmente bom encara esse tipo de escotha e diz:‘Nao gosto de nenhuma delas’? Voltando aquela expressao que todos repetiam nas entrevistas, Young acrescentou: “Nao aceita ‘que seja ou isso, ou aquilo”. Natural e cultivado As conseqiiéncias do raciocinio integrativo e do convencio- nal nao poderiam ser mais distintas. O integrativo gera ak ternativas e novas solugGes. Cria um senso de possibilidades ilimitadas. 4 0 convencional passa ao largo de potenciais solugées ¢ promove a iluséo de que, na realidade, ndo ha so- lugGes criativas. Com o raciocinio integrativo, as aspiragdes, crescem com o tempo. Com o convencional, séo dizimadas a cada aparente confirmagao da tese de que, na vida, no ha como fugir de meios-termos insatisfatérios. Quem pensa do jeito convencional opta, basicamente, por aceitar o mundo exatamente como ele 6. J4 quem pratica 0 raciocinio integra- tivo aceita 0 desafio de mudar 0 mundo para melhor. ante das vantagens do raciocinio integrativo,o leitor de- ve se perguntar“Se nao penso dessa maneira, posso aprender a pensar?”, Para o escritor F Scott Fitzgerald, somente quem tinha um cérebro “de primeira’ era capaz de seguir funcio- nando com duas idéias opostas ocupando sua mente. N&O creio, porém, que a capacidade de usar a mente oponente seja um dom reservado a uma pequena minoria, Prefiro a opi: nido de Thomas C. Chamberlin, gedlogo americano do século 19 que presidiu a University of Wisconsin. Mais de cem anos atrés, Chamberlin publicou, na revista Science, um artigo no qual propunha o conceito de “hipsteses miiltiplas’, avanco, em relagdo & metodologia cientifica mais adotada na época —testar a validade de uma tinica hipétese por tentativa € erro. Chamberlin acreditava que seu método traria explica- 6es melhores para certos fendmenos cientficos porlevar em conta “a coordenacao de varios agentes que colaboram para o resultado final em distintas proporgdes’. Embora ciente dos desafios cognitivos gerados, a abordagem, segundo Chamber- lin,“desenvolve um habito de raciocinio andlogo ao método em si, que pode ser descrito como um habito de raciocinio paralelo ou complexo. Em vez da simples sucessio de idéias, em ordem linear (..),a mente parece tomada pelo poder da visdo simultanea a partir de distintos pontos de vista’ Acredito, igualmente, que o raciocfnio integrativo é um “‘ndbito” que todo individuo pode desenvolver, de modo cons- ciente, para chegar a solugées que, de outra maneira, nao seriam evidentes. Primeiro, € preciso uma conscientizagio gral maior sobre o conceito do raciocinio integrativo. Mais tarde, a disciplina poderia ser ensinada em cursos de admi- nistragdio — projeto no qual eu e colegas jd estamos traba- Thando. A certa altura, o raciocinio integrativo deixard de ser uma habilidade técita (cultivada voluntariamente ou nao) zna mente de uma pequena elite. 5 Reprint RO706C-P Para pedidos, veja pagine 35, Junho 2007 | Harvard Business Review 45

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