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10/08/2018 “Sempre que vejo um polícia na rua penso que devia ter trazido a minha escova de dentes porque

s porque se calhar vou acabar outra vez …

um polícia na rua
penso que devia
ter trazido a
minha escova de
dentes porque se
calhar vou
acabar outra vez
na prisão”
Aos 28 anos, Nadya Tolokonnikova já tem uma greve de
fome marcada no corpo e um historial de torturas
psicológicas que lhe tiram o sono “duas a três vezes por
semana”. É impossível esquecer aqueles 21 meses em
que esteve presa por causa do mais impactante
protesto das Pussy Riot, a “oração punk” de 2012.
Apesar de tudo, apesar do medo, a porta-voz do
colectivo não vai parar de lutar contra o regime de
Putin. Os próximos capítulos acontecem em Paredes de
Coura no dia 17, na estreia das Pussy Riot em Portugal.
MARIANA DUARTE 10 de Agosto de 2018, 8:33

WILLIAM WEBSTER/REUTERS

Nadezhda Tolokonnikova é intensa. Fala


rápido, mas sem descarrilar. Ri-se muito, com
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10/08/2018 “Sempre que vejo um polícia na rua penso que devia ter trazido a minha escova de dentes porque se calhar vou acabar outra vez …

maneira, depois de ter sofrido “tortura


psicológica” na colónia penal de mulheres IK-
14, na Mordóvia, onde esteve vários meses a
coser uniformes durante 16 horas por dia e a
ver prisioneiras a serem castigadas por causa
dela, porque “falava com advogados” (“dividir
para reinar”, sintetiza). Talvez não pudesse ser
de outra maneira, depois de ter visto reclusas a
levarem porrada, depois de ter feito uma greve
de fome para denunciar as condições sub-
humanas da prisão, depois de lhe terem dito
que “era uma péssima mãe porque tinha sido
presa”.

Pussy Riot
As Pussy Riot estreiam-se em Portugal em Paredes de Coura, dia 17 no palco After Hours, pelas 2h

Nadya, co-fundadora e porta-voz das Pussy


Riot, não pára de nos dizer coisas que
preferíamos que não fossem verdade – como os
pesadelos que tem “duas a três vezes por
semana” por causa dos 21 meses em que esteve
presa, tudo porque no dia 21 de Fevereiro de
2012 ela e as amigas Pussy Riot decidiram
ocupar o altar da Catedral de Cristo Salvador,
em Moscovo, munidas de balaclavas coloridas,
danças frenéticas de punho esquerdo bem
erguido e uma canção de protesto contra o
regime autocrático de Vladimir Putin e a sua
problemática aliança com a Igreja Ortodoxa
russa. Freiras em pânico, crentes perplexos,
funcionários da catedral a tentar controlar a
situação, e aquelas mulheres a não ficarem
caladas – o punk desceu à terra, aleluia.

Punk Prayer – a canção, a performance, a


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ergueram esta “oração punk”, Nadya, Maria


Alyokhina (Masha) e Yekaterina Samutsevich
(Katya), foram condenadas a dois anos de
prisão por “hooliganismo e incitamento ao ódio
religioso”. Durante o mediático julgamento,
estavam dentro de jaulas de vidro, mas
sorriam. Ocasionalmente, praticavam essa
coisa muito millennial chamada resting bitch
face quando ouviam algum absurdo sobre o
caso (e ouviram muitos). Eram desafiadoras.
Falavam sobre o sabor da liberdade. Sobre
feminismo, sobre os direitos LGBTQ. Tinham
20 e poucos anos e pareciam inabaláveis.

A internet perdeu-se de amores por elas, o caso


explodiu nos media internacionais. Vários
grupos de direitos humanos tentaram fazer
pressão junto do Kremlin. A Rússia dividiu-se.
Cirilo I, Patriarca da Igreja Ortodoxa russa,
disse que as Pussy Riot “faziam o trabalho do
demónio” e que o feminismo “podia destruir a
pátria”. Alguns fiéis ortodoxos, os que
perceberam que o alvo das críticas do colectivo
era a estrutura política do país e não a religião
per se, pediram clemência. No meio disto tudo,
Putin provavelmente perdeu umas boas horas
de sono. E aproveitou para apertar com
algumas leis altamente conservadoras.

Entretanto, a iconografia Pussy Riot começava


a ganhar terreno. As balaclavas coloridas
multiplicavam-se nos protestos de
solidariedade, online e offline. Peaches fez a
canção Free Pussy Riot, palavras que Madonna
exaltou em cima do palco, escritas nos seus
próprios braços. A t-shirt que Nadya usou
durante o julgamento, onde tinha estampado o
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Em Dezembro de 2013, Nadya e Masha foram


libertadas mais cedo do que o previsto (Katya
já tinha saído da prisão em 2012), na sequência
da aprovação de uma amnistia pelo Parlamento
Russo, vista como uma manobra de charme
pré-Jogos Olímpicos de Sochi destinada a
estancar a torrente de críticas internacionais
sobre a violação dos direitos humanos e da
liberdade de expressão na Rússia.

Quatro anos e meio e mais umas quantas


detenções arbitrárias depois, as Pussy Riot
estreiam-se em Portugal no festival Paredes de
Coura, dia 17 no palco After Hours, pelas 2h.
Do elenco rotativo de músicos e artistas que
compõem o colectivo, em palco estarão três ou
quatro representantes, incluindo Nadya – a
única cujo nome pode ser revelado
publicamente por motivos de segurança. Aos
28 anos, já tem um longo e recheado currículo
de activismo. Continua na lista negra de Putin.
Continua a ser vigiada pelas autoridades (ao
telefone, de um número privado, diz-nos que
“afinal não é seguro falarmos por Skype”, como
estava combinado).

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WILLIAM WEBSTER/REUTERS

“Será que mudámos alguma coisa?”, interroga Nadya numa


espécie de exercício de auto-avaliação. “Não sei. Não temos
instrumentos para medir isso, mas pessoas mais novas do q
eu vieram ter comigo depois de eu ter saído da prisão e
disseram-me que nós tínhamos sido fundamentais para
despertar o interesse deles em política”

“Será que mudámos alguma coisa?”, interroga


Nadya durante a conversa, numa espécie de
exercício de auto-avaliação. Suspira. “Não sei.
Não temos instrumentos para medir isso
verdadeiramente, mas pessoas mais novas do
que eu vieram ter comigo depois de eu ter
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interesse deles em política.” Para Nadya, o


latejante activismo político das novas gerações
foi o que mudou para melhor na Rússia. E a
FSB, agência sucessora do KGB, não os larga.
“Neste momento há um processo judicial
terrível, chamado New Greatness. Um grupo
de jovens falou sobre política e criticou o
governo num chat, e também quando estavam
juntos no McDonald’s. Foram parar à prisão
simplesmente por falarem”, conta a artista.
Uma dessas jovens é Anya Pavlikova, presa uns
dias antes de fazer 18 anos e a quem as Pussy
Riot dedicaram uma das suas últimas canções,
Unicorn Freedom, lançada juntamente com
uma carta aberta publicada no Facebook onde
exigem a libertação de Anya, dos outros
adolescentes e do cineasta e preso político
ucraniano Oleg Sentsov, há quase 90 dias em
greve de fome numa colónia penal russa.

“Acho que a razão pela qual eles prenderam a


Anya é bastante clara: querem intimidar os
jovens desde muito cedo. Mas eles não se
deixam intimidar. Acredito que o Putin está a
ser muito insensato ao tentar controlá-los,
porque eles vão arranjar novas formas de o
confrontar”, declara Nadya, que considera esta
nova geração “mais madura e mais corajosa”
do que a dela. “A minha filha, por exemplo: eu
não vejo medo nela. Ela tem dez anos, mas de
certeza que vai ser politicamente activa. Ouve-
nos a falar sobre política a toda a hora cá em
casa e diz mal do Putin o tempo todo!”

Pugilista das ideias


As Pussy Riot nasceram em 2011 como um
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We Trust saiu no ano passado –, vão lançando


canções soltas entre o punk, a electrónica, o
hip-hop e a pop, mas a verdade é que nunca se
assumiram apenas como uma banda. A música
é só mais um veículo de intervenção e
insubordinação. Não é isso que as distingue.
Nas entrevistas, Nadya prefere falar sobre
política. O momento impõe-se, há demasiadas
perguntas a fazer. Numa altura em que surgem
cada vez mais líderes políticos
antidemocráticos, dentro da Europa e fora
dela, Nadya confessa-se “preocupada” com essa
“tendência perigosa”. Uma tendência tantas
vezes apoiada pelo governo russo.

“Sei exactamente o que é viver num regime


autocrático há 18 anos. Sei exactamente como é
que a paisagem política de um país vai ficar se
não há meios de comunicação independentes.
Sei exactamente o quão esmagador é ter os
dissidentes políticos no underground, na
prisão, agredidos ou mortos”, assinala a
activista, que depois de ter saído da prisão
criou, com a colega Masha, o site de notícias
MediaZona e a Zona Prava, uma organização
de defesa dos direitos dos encarcerados em
prisões russas.

Já não são apenas anti-Putin, são também anti-


Trump – e pegando num dos assuntos quentes
da actualidade, Nadya acredita que a Rússia
interferiu de facto nas eleições americanas,
ajudando Donald Trump a vencer. “Acho
altamente provável que tenha sido algo
coordenado entre os dois. São o tipo de bad
guys que gostam de decidir tudo por debaixo
da mesa, que não acreditam no direito de voto
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Nadya tem resposta para tudo na ponta da


língua. Parece divertir-se genuinamente a falar
sobre política. Há aqui qualquer coisa de
inteligência selvagem, um radicalismo na
recusa. Mas também há o medo. “Tenho medo
de muitas coisas. Estive em negação em relação
aos meus medos durante algum tempo depois
da prisão, mas percebi que tenho de enfrentá-
los”, confessa Nadya. “Sempre que vejo um
polícia na rua penso que devia ter trazido a
minha escova de dentes porque se calhar vou
acabar outra vez na prisão.”

A política russa, diz, “é neste momento muito


baseada no medo”. Provavelmente é essa a
explicação para o facto de a invasão de campo
protagonizada por elementos das Pussy Riot na
final do Mundial de Futebol ter sido o único
statement significativo contra o regime feito
durante toda a competição. “O governo russo
tomou medidas sérias de vigilância. A polícia
segue literalmente todos os teus passos. Há
uma coisa a que chamam de ‘detenção
preventiva’: sais de casa e podes ser preso
porque eles acham que poderás ir a um
protesto, sem nunca teres feito nada”, explica a
activista, que em Outubro irá lançar o livro
Read & Riot: A Pussy Riot Guide to Activism.

Ao contrário do que imaginávamos, os


advogados das Pussy Riot, ligados ao Agora
International Human Rights Group,
dificilmente conseguem prever todas
ramificações e consequências legais dos
protestos do colectivo. “Nós discutimos essas
coisas constantemente, mas estamos
conscientes de que é muito complicado prever
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uma questão legal”, aponta Nadya. “O Putin vai


decidir o que quer. Vai inventar leis, se for
preciso.”

Apesar dos riscos, elas continuam de punho


erguido. Apesar de ver a vida a andar para trás
sempre que encontra um polícia na rua, Nadya
Tolokonnikova não quer trocar a Rússia por
outro país. “É a minha cultura. Apesar de todos
os problemas, é um país que produz arte
incrível, literatura incrível, e eu não quero dar
tudo de mão beijada ao Putin e aos amigos
dele. Quero mudar alguma coisa.”

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