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COMEÇANDO DO ZERO - 2016

Direito Civil – Aulas 01 , 02, 03 e 04


Cristiano Sobral

DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES sendo, o respeito às limitações dos direitos de vizi-


nhança são obrigações propter rem, pois consistem
em obrigações de não fazer do proprietário para
1. INTRODUÇÃO respeito a direito de vizinhos.

O direito das obrigações é o ramo do Direito Civil 2. MODALIDADE DAS OBRIGAÇÕES


que se ocupa em estudar a relação jurídica que
existe entre devedor e credor, onde este pode exigir As modalidades de obrigações decorrem de dois
daquele o cumprimento de uma prestação, que po- tipos de classificações: básica e especial. Em uma
de consistir em um dar, um fazer ou um não fazer. classificação básica, a depender da natureza da
prestação, a obrigação pode ser de três tipos: obri-
A obrigação tem, portanto, três elementos: devedor, gação de dar, obrigação de fazer e obrigação de
credor e vínculo jurídico. O vínculo jurídico é a liga- não fazer. Em uma classificação especial, o CC
ção que existe entre o devedor e o credor, que é trata de mais três tipos de modalidades: obrigação
composta por dois elementos: débito e responsabili- alternativa, obrigação divisível ou indivisível e obri-
dade. Significa que há duas questões ligando deve- gação solidária.
dor e credor: a existência de uma dívida (débito) e a
possibilidade de cobrança judicial em caso de ina- 2.1. Obrigação de dar
dimplemento (responsabilidade).
A obrigação de dar é aquela em que a prestação do
Tema importante diz respeito à obrigação natural. devedor consiste na entrega de um bem. A obriga-
É a obrigação em que o vínculo jurídico é formado ção de dar pode ser de dois tipos: dar coisa certa ou
apenas pelo débito, não existindo responsabilidade. dar coisa incerta. Na obrigação de dar coisa certa, o
Existe uma dívida, mas, se não for cumprida a pres- devedor tem a prestação de entregar um bem espe-
tação, o credor não tem o poder de exigi-la judicial- cífico. Por exemplo, quando alguém vende o cavalo
mente. No entanto, se adimplida espontaneamente campeão de sua fazenda. Já a obrigação de dar
ou até mesmo por engano, não se pode exigir devo- coisa incerta é aquela em que o devedor assume a
lução, pois o débito existe (art. 882 do CC). É o que obrigação de dar um gênero em certa quantidade -
chamamos de soluti retentio (retenção de pagamen- por exemplo, quando alguém vende três cavalos de
to). Exemplo de obrigação natural: dívida de jogo ou sua fazenda.
aposta.
2.1.1. Obrigação de dar coisa certa
A obrigação propter rem (em razão da coisa),
como o nome sinaliza, é direito obrigacional (con- É a obrigação de dar um bem específico, não ser-
frontando devedor e credor) e não direito real. To- vindo outro de mesma espécie, como quando uma
davia, tem uma especificidade: é a obrigação que pessoa vende o cavalo campeão de sua fazenda.
surge em razão da aquisição de um direito real. Ao Na verdade, há dois tipos de obrigação de dar coisa
se adquirir um direito real, seu titular adquire algu- certa: dar e restituir. A razão é que quando tenho a
mas obrigações de devedor perante credor. Exem- obrigação de devolver um bem que recebi, não pos-
plos: obrigação de pagar condomínio quando se so impor a entrega de outro de mesma espécie.
adquire o direito de propriedade de um apartamento Portanto, tenho obrigação de dar coisa certa tanto
ou o dever que o proprietário tem de indenizar o quando tenho que entregar um cavalo que vendi
possuidor que realiza benfeitorias em seu imóvel, quanto quando tenho que devolver um cavalo que
nos termos destacados em direitos reais neste livro. me foi emprestado.

Como a obrigação propter rem surge por força da O tema vem previsto entre os arts. 233 e 242 do
titularidade de um direito real, acompanha o bem se CC, onde um único tema é tratado: perda ou dete-
houver transferência dele, ou seja, o novo titular do rioração do bem depois que assumo a obrigação de
direito real a assume. Exemplo: quem compra um dar, mas antes da efetiva entrega. Como é obriga-
apartamento assume as obrigações de pagar con- ção de dar coisa certa, não sendo possível a entre-
domínio, até mesmo aquelas que estejam em atra- ga de outro bem equivalente, qual é a consequên-
so. cia? Quem suporta o prejuízo? É isso que a prova
exigirá de você saber e as possibilidades são mui-
Cuidado: a obrigação propter rem não se consubs- tas, pois pode ser com culpa ou sem culpa do deve-
tancia apenas no pagamento de valor pecuniário. dor, pode ser um dar ou um restituir, pode ser perda
Deve ser uma obrigação devedor/credor, mas esta ou deterioração ou até mesmo uma melhora no
pode ser consubstanciada em um dar (dinheiro ou bem.
qualquer bem), um fazer ou um não fazer. Assim

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Questão recorrente em certames, apresento um c) Prestação de dar, deterioração do bem, com


macete para que você, caro leitor, conheça todos os culpa do devedor (art. 236): Devedor de um carro
casos previstos nos citados artigos. Basta conhecer por tê-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o
uma regra básica, à qual somamos duas regras amassa ao bater por dirigir embriagado. O credor
acessórias lógicas: poderá escolher entre receber o equivalente mais
perdas e danos ou aceitar o bem no estado em que
REGRA BÁSICA: Se o devedor teve culpa na perda se acha acrescido de perdas e danos, incluindo o
do bem, a regra sempre será a mesma: deverá abatimento do valor em razão da deterioração.
pagar ao credor o equivalente acrescido de perdas
e danos. Se o devedor não teve culpa na perda do d) Prestação de dar, deterioração do bem, sem
bem, a regra será sempre a mesma: res perit domi- culpa do devedor (art. 235): Devedor de um carro
no (a coisa perece para o dono), será dele o prejuí- por tê-lo vendido ao credor, mas antes da entrega o
zo. E quem é o dono? Depende se a obrigação é de carro é amassado por bater em um poste ao ser
dar ou de restituir. Na obrigação de dar, antes da levado pela correnteza da inundação provocada por
entrega o dono é o devedor, pois a aquisição da violenta tempestade. Consequência: credor poderá
propriedade só se dá com a entrega do bem. Na optar em resolver a obrigação (desfazer o negócio)
obrigação de restituir, o dono é o credor, pois ele ou aceitar o carro amassado, abatendo do seu pre-
sempre foi o dono, uma vez só ter emprestado para ço o valor perdido pela deterioração. Note que é o
o devedor. dono (devedor do carro) que sofre a perda, pois
ficou sem dinheiro e com o carro amassado ou sem
REGRA ACESSÓRIA 1: Se ao invés de perda, o carro pagando pela deterioração.
houver apenas deterioração do bem, a solução é a
mesma, mas com uma diferença: ele poderá optar e) Prestação de dar, melhora do bem (art. 237):
entre a solução da perda supramencionada ou re- Devedor de uma fazenda por tê-la vendido ao cre-
ceber o bem deteriorado, abatendo-se o valor da dor, mas antes da entrega o bem se valoriza em
deterioração. razão do acréscimo de terra trazido pela correnteza
das águas (fenômeno chamado de avulsão). O ven-
REGRA ACESSÓRIA 2: Se a coisa perece para o dedor poderá pedir aumento de preço, pois é o dono
dono, a coisa também melhora para o dono, ou e ele se beneficia com a vantagem. Se o comprador
seja, se, ao invés da perda ou deterioração, houver não aceitar pagar o acréscimo, poderá o vendedor
uma melhora no bem antes da entrega, quem dela resolver a obrigação, ou seja, desfazer a venda. E
se beneficiará será o dono. se, ao invés de melhoramento ou acrescido, o bem
deu frutos? Os frutos percebidos ou colhidos antes
Vamos analisar, com base no macete apresentado, da tradição são do devedor, pois ele ainda é dono
as regras dos arts. 234 a 242 do CC. Qual a con- do bem, mas se pendente quando da tradição, será
sequência da perda, deterioração ou melhora do do credor, pois o bem acessório segue a sorte do
bem antes da tradição, no caso da prestação de dar bem principal. Assim, se o devedor vende uma ca-
e no caso da prestação de restituir? dela para entregar tempo depois e antes da entrega
fica prenha, se na época da entrega o filhote já nas-
a) Prestação de dar, perda do bem, com culpa do ceu será do vendedor, mas se estiver na barriga da
devedor (art. 234): Devedor de um carro por tê-lo cadela na época da entrega, será do comprador.
vendido ao credor, mas antes da entrega o destrói
porque provoca um acidente com perda total do f) Prestação de restituir, perda do bem, com cul-
carro por dirigir embriagado. Será devedor no equi- pa do devedor (art. 239): Devedor de um carro por
valente (devolve o valor recebido ou não o recebe) tê-lo recebido emprestado do credor, mas antes da
acrescido de perdas e danos. entrega o destrói porque provoca um acidente de
perda total do carro por dirigir embriagado. Será
b) Prestação de dar, perda do bem, sem culpa do devedor no equivalente (indeniza o valor do carro)
devedor (art. 234): Devedor de um carro por tê-lo acrescido de perdas e danos.
vendido ao credor, mas antes da entrega o carro cai
em uma ribanceira por ser levado pela correnteza g) Prestação de restituir, perda do bem, sem
da inundação provocada por violenta tempestade. culpa do devedor (art. 238): Devedor de um carro
Consequência: resolve-se a obrigação, o que signi- por tê-lo em empréstimo do credor, mas antes da
fica desfazer o negócio. Veja que o dono (devedor entrega o carro cai em ribanceira levado pela cor-
do carro) sofreu a perda, pois ficou sem o carro e renteza da inundação provocada por tempestade. O
sem o dinheiro. dono é o credor e ele sofre a perda, ou seja, o de-
vedor não terá que indenizá-lo da perda do carro.

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h) Prestação de restituir, deterioração do bem, 2.2. Obrigação de fazer


com culpa do devedor (art. 240): Devedor de um
carro por tê-lo recebido emprestado do credor, mas A obrigação de fazer é aquela em que a prestação
antes da entrega o amassa ao bater por dirigir em- do devedor consiste na realização de uma ativida-
briagado. O credor poderá escolher entre receber o de, como na contratação da prestação de um servi-
equivalente mais perdas e danos ou aceitar o bem ço. A obrigação de fazer pode ser de dois tipos:
no estado em que se acha acrescido de perdas e personalíssima (infungível) ou não personalíssima
danos, incluindo o abatimento do valor em razão da (fungível). Será personalíssima quando só o deve-
deterioração. dor puder cumprir a prestação, como na contratação
de um pintor famoso para pintura do retrato do cre-
i) Prestação de restituir, deterioração do bem, dor em um quadro. Será não personalíssima quan-
sem culpa do devedor (art. 240): Devedor de um do não só o devedor, mas outra pessoa também
carro por tê-lo recebido emprestado do credor, mas puder cumprir a prestação, como a contratação de
antes da entrega o carro é amassado por bater em um pintor para pintura das paredes de uma casa.
um poste ao ser levado pela correnteza da inunda-
ção provocada por violenta tempestade. O dono é o Por que diferenciar? Se for obrigação personalíssi-
credor, que sofrerá a perda, pois a lei diz que ele ma e o devedor se recusa a cumpri-la ou por sua
receberá o bem deteriorado sem direito de indeni- culpa se tornou impossível, responde por perdas e
zação. danos. Se for obrigação não personalíssima, poderá
o credor optar em reclamar indenização por perdas
j) Prestação de restituir, melhora do bem (art. e danos ou mandar executar às custas do devedor.
241 e 242): Devedor de uma fazenda por tê-la rece- Como isso é feito? Ajuizamento de ação com orça-
bida emprestada do credor, mas antes da entrega o mento do serviço, pedindo condenação do devedor
bem se valoriza em razão do acréscimo de terra do fazer a pagar. Todavia, se for urgente, poderá o
trazido pela correnteza das águas (fenômeno cha- credor mandar executar o fato independente de
mado de avulsão). Por evidente, será do credor o prévia autorização judicial, buscando em juízo de-
ganho, pois ele é o dono do bem, recebendo-o de pois o ressarcimento do que foi gasto.
volta valorizado, desobrigado de indenizar. Se para
o melhoramento ou acréscimo houve trabalho do As obrigações de fazer podem ser classificadas em
devedor, é benfeitoria, razão pela qual o art. 242 do obrigação de meio e de resultado ou de fim. Nas
CC determina aplicar as regras do direito de indeni- obrigações de resultado, o devedor se vincula a
zação que o possuidor de boa-fé e de má-fé tem em atingir determinado resultado, sob pena de inadim-
razão das benfeitorias que faz no bem (sobre isso, plemento e, consequentemente, dever de indenizar
ver o capítulo próprio na parte de direitos reais nes- perdas e danos. Já na obrigação de meio, o deve-
te livro, quando da abordagem dos efeitos da pos- dor não se vincula a atingir determinado resultado,
se). mas sim a corresponder no meio para atingi-lo, ou
seja, a empregar a diligência na busca do resultado.
2.1.2. Obrigação de dar coisa incerta Não responde se o resultado não for atingido, ape-
nas se não empregou a diligência necessária. Um
É a obrigação de dar um gênero em certa quantida- advogado ou um médico tem obrigação de meio,
de, como na venda de três cavalos de uma fazen- enquanto que, segundo a jurisprudência do STJ, o
da. Em dado momento, os bens a serem entregues cirurgião plástico, embora seja um médico, tem
deverão ser escolhidos, o que chamamos de con- obrigação de resultado, quando se tratar de inter-
centração da prestação. A quem cabe a escolha? A venção meramente estética ou embelezadora.
quem definido no contrato. Se nada for dito, a esco-
lha caberá ao devedor, que não poderá escolher o 2.3. Obrigação de não fazer
pior nem ser obrigado a escolher o melhor.
A obrigação de não fazer é uma obrigação a uma
Feita a escolha, a obrigação de dar coisa incerta se abstenção, por exemplo, não levantar um muro
transforma em obrigação de dar coisa certa, apli- divisório. Se o devedor descumprir a obrigação,
cando-se as regras que lhe são próprias. No entan- fazendo o que se obrigou a não fazer, deverá inde-
to, se antes da escolha o bem se perder ou se dete- nizar o credor em perdas e danos? Nem sempre,
riorar, mesmo que por caso fortuito ou motivo de pois às vezes se tornou impossível, sem culpa do
força maior, o devedor não se exime de cumprir a devedor, abster-se do ato. Nesse caso, apenas se
prestação, pois o gênero não perece, podendo o resolve a obrigação (volta ao estado anterior do
bem ser substituído por outro da mesma espécie negócio), não tendo que indenizar perdas e danos.
para ser entregue ao credor. Exemplo: a pessoa se viu obrigada a levantar o
muro para impedir que a água invadisse sua casa.

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Se, porém, simplesmente decidiu fazer o que se


obrigara a não fazer, será condenado a indenizar Obrigação divisível é aquela em que pode ser fraci-
perdas e danos e, se o fizer, consistir em uma obra, onado o objeto da prestação, o que não é possível
poderá o credor pedir judicialmente para desfazê-la. na obrigação indivisível. Como exemplo, a obriga-
Se for urgente, poderá mandar desfazer indepen- ção de dar dinheiro é obrigação divisível e a obriga-
dente de autorização judicial, buscando em juízo o ção de dar um cavalo é obrigação indivisível.
ressarcimento.
Só há importância em determinar o tipo de obriga-
2.4. Obrigações alternativas ção quando houver pluralidade de devedores e/ou
credores. Sendo obrigação divisível, não há proble-
A obrigação alternativa é aquela que compreende ma, pois cada um cobra ou é cobrado em sua parte
duas ou mais prestações, mas se extingue com a (se não for determinada a parte que cabe a cada
realização de apenas uma delas. Exemplo: obriga- um, presume-se dividida em partes iguais). Entre-
ção de dar um carro ou uma moto. A quem cabe a tanto, sendo obrigação indivisível, como cada um
escolha de que prestação cumprir? Em regra ao cobrará ou será cobrado em sua parte, já que o
devedor, pois a obrigação se extingue com ele objeto não pode ser dividido?
cumprindo uma ou outra prestação. Todavia, o con-
trato pode prever que a escolha cabe ao credor. É o Havendo mais de um devedor em obrigação indivi-
que diz o art. 252 do CC, que completa: não pode o sível, cada um responde por toda a dívida, pois não
devedor obrigar o credor a receber parte em uma há como fracionar a cobrança. Agora, aquele que
prestação e parte em outra. pagar a dívida, sub-roga-se nos direitos do credor
perante os demais coobrigados (art. 259 do CC).
Importante: o que ocorre quando uma ou todas as Exemplo: se duas pessoas devem um cavalo, qual-
prestações não puderem ser cumpridas? A respos- quer um deles pode ser cobrado, mas quem pagar
ta irá variar se a escolha cabia ao devedor ou ao poderá cobrar do outro, em dinheiro, metade do
credor. valor do animal.

a) Impossibilidade de uma das prestações: Se a Havendo mais de um credor em obrigação indivisí-


escolha couber ao devedor, subsiste a obrigação vel, qualquer um deles poderá cobrar a dívida por
com a outra prestação (art. 253 do CC). Mesma inteiro, tornando-se devedor perante os demais
solução, se a escolha couber ao credor e a impossi- credores nas suas respectivas partes em dinheiro
bilidade se deu sem culpa do devedor. Todavia, se (art. 261 do CC).
por culpa dele, o credor poderá exigir a prestação
subsistente ou o valor em dinheiro da prestação 2.6. Obrigações solidárias
impossibilitada, acrescido de perdas e danos (art.
255 do CC). Exemplo: devedor de um carro ou uma Na pluralidade de credores ou devedores em obri-
moto destrói a moto ao dirigir embriagado. Conse- gação indivisível, todos são obrigados ou têm direito
quência: se a escolha cabe ao devedor, obrigação a toda dívida por ser fisicamente impossível dividir o
simples de dar o carro; se cabe ao credor, pode objeto da prestação. Todavia, é possível haver obri-
cobrar o carro ou o valor em dinheiro da moto mais gação divisível em que todos são obrigados ou têm
perdas e danos. Se a moto foi destruída acidental- direito a toda a dívida por determinação da lei ou da
mente, mesmo cabendo a escolha ao credor, obri- vontade das partes: é a obrigação solidária.
gação simples de dar o carro.
Imagine dois amigos devendo vinte mil reais a um
b) Impossibilidade de ambas as prestações: Se a credor. Em tese, cada um deve dez mil reais, mas,
escolha couber ao devedor e este tiver culpa, ficará se for obrigação solidária, o credor pode cobrar toda
obrigado a pagar o valor da prestação que se im- a dívida de qualquer deles (quem paga se sub-roga
possibilitou por último, acrescido de perdas e danos nos direitos do credor perante os demais devedo-
(art. 254 do CC). Se a escolha couber ao credor e o res). Por outro lado, se um devedor deve vinte mil
devedor culpado, poderá reclamar o valor de qual- reais a dois amigos, em tese, deve dez mil reais
quer uma delas acrescido de perdas e danos (art. para cada um deles, mas, se for obrigação solidária,
255 do CC, in fine). No entanto, se ambas as pres- qualquer dos credores pode cobrar toda a dívida
tações tornaram-se impossível sem culpa do deve- (quem recebe se torna devedor perante os demais
dor, independe de quem cabe a escolha: extinta credores).
estará a obrigação, ou seja, desfeito o negócio jurí- Portanto, haverá solidariedade quando houver mais
dico (art. 256 do CC). de um devedor ou mais de um credor obrigados ou
com direito à totalidade da dívida. A solidariedade
2.5. Obrigações divisíveis e indivisíveis não se presume, resultando apenas da lei ou da

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vontade das partes. A solidariedade pode ser ativa


ou passiva, a depender se a pluralidade está no É a obrigação em que há mais de um devedor, cada
pólo ativo ou passivo da obrigação. um deles obrigados a toda a dívida. Significa que o
credor tem direito de exigir de qualquer deles o valor
2.6.1. Solidariedade ativa total da dívida, mas quem pagar se tornará credor
dos demais devedores nas suas respectivas partes
É a obrigação em que há mais de um credor, cada (internamente não há solidariedade). Se o credor
um deles com direito a toda a dívida. No vencimen- optar cobrar apenas parcialmente de um dos deve-
to, qualquer credor pode se antecipar e cobrar toda dores solidários, os demais continuam obrigados
a dívida ou, enquanto nenhum deles a cobrar, o solidariamente pelo resto.
devedor se libera pagando a qualquer deles. Quem
receber, responde perante os demais credores, Se um dos devedores solidários falecer, a solidarie-
tornando-se devedor nas partes que lhes cabe. dade é transferida aos seus herdeiros? Não, pois,
como visto, a solidariedade é personalíssima. Signi-
O mesmo ocorre se um dos credores remitir (perdo- fica que os herdeiros só podem ser cobrados na
ar) a dívida. Devedor deve trinta mil reais a três quota que corresponde ao seu quinhão hereditário.
credores solidários e um deles perdoa toda a dívida. Todavia, há duas exceções: se a obrigação for indi-
Este se tornará devedor de dez mil reais a cada um visível (ex: devedores solidários devem um cavalo)
dos demais credores, como se ele tivesse se ante- ou se os herdeiros forem cobrados juntos através do
cipado e cobrado o devedor (art. 272 do CC). Cui- espólio, pois o direito das sucessões preceitua que
dado: é diferente quando credor solidário perdoa o espólio se sub-roga nos deveres do de cujos.
sua parte. Nesse caso, subsiste a solidariedade
para os demais credores depois de sua parte ser Atenção: a lei dá tratamento diferente quanto à
descontada. No exemplo citado, o devedor continua manutenção da solidariedade no que se refere ao
a dever vinte mil reais a dois credores solidários. pagamento de perdas e danos e de juros que po-
dem ser irradiados da obrigação, pois nas perdas e
A solidariedade é personalíssima, ou seja, se um danos não subsiste a solidariedade. Mas nos juros,
dos credores falecer e deixar herdeiros, estes não sim.
se tornarão credores solidários. Significa que cada
um de seus herdeiros só poderá exigir e receber a Se devedores solidários têm obrigação de dar um
quota que corresponder ao seu quinhão hereditário. carro e, por culpa de um deles, este é destruído, a
Imagine um devedor devendo trinta mil reais a três obrigação se converte no pagamento do valor equi-
credores solidários, sendo que um deles morre dei- valente acrescido de perdas e danos. No valor equi-
xando dois filhos. Os filhos não poderão cobrar os valente, todos continuam devedores solidários, mas
trinta mil, pois não se tornam credores solidários. pelas perdas e danos só responde o culpado (art.
Cada um só poderá cobrar a parte que lhe cabe na 279 do CC). Todavia, se um dos devedores solidá-
herança, ou seja, cada um só pode cobrar cinco mil rios dá causa a acréscimo de juros ao valor devido,
reais. todos respondem solidariamente pelo valor dos
juros, pois o pagamento de juros é uma obrigação
Todavia, em dois casos, os herdeiros poderão co- acessória e o acessório segue a sorte do principal
brar a dívida toda: se a obrigação for indivisível (art. 280 do CC).
(exemplo: o devedor deve um cavalo aos três credo-
res solidários) ou, segundo jurisprudência do STJ, Importante (art. 285 do CC): Conforme vimos, o
se os herdeiros cobrarem juntos através do espólio, devedor solidário que paga a dívida pode cobrar
pois no direito das sucessões aprendemos que o dos demais devedores a parte que lhes cabe (se
espólio se sub-roga nos direitos do de cujos. nada for dito, presume-se dividida em partes iguais).
Todavia, se a dívida solidária interessar exclusiva-
Nos termos do art. 271 do CC, convertendo-se a mente a um dos devedores solidários, responderá
prestação em perdas e danos, nelas subsistem a este por toda a dívida quando da ação regressiva
solidariedade. Imagine um devedor de um carro a aos demais credores. O exemplo típico é o contrato
três credores solidários, mas o destrói ao dirigir de fiança. Quando há renúncia ao benefício de or-
embriagado. Trata-se de obrigação de dar coisa dem, devedor principal e fiador são devedores soli-
certa com perda do bem por culpa do devedor. Con- dários. Se o fiador for cobrado, poderá cobrar em
forme visto, torna-se devedor no equivalente acres- regresso do devedor principal não só a metade da
cido em perdas e danos, no que permanecerá ha- dívida, mas sim sua totalidade, pois é uma dívida
vendo a solidariedade. contraída no seu exclusivo interesse. Da mesma
forma, sendo caso de mais de um fiador e um deles
2.6.2. Solidariedade passiva sendo cobrado pela dívida, só terá ação regressiva

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contra o devedor principal na totalidade da dívida, ponderá se tiver procedido de má-fé, ou seja, se
não tendo ação contra os demais co-fiadores. sabia da inexistência do credito que cedeu.

3. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Por fim, na cessão de crédito vigora o princípio da


oponibilidade das exceções pessoais contra tercei-
Haverá transmissão da obrigação quando houver ros. O que significa isso? Quando o cessionário
uma substituição subjetiva em seus polos, ou seja, cobrar a dívida do devedor, este poderá se defender
uma troca de devedor ou de credor. São dois os alegando as defesas pessoais que cabiam contra o
tipos de transmissão das obrigações: cessão de cedente (art. 294 do CC). Exemplo: o devedor com-
crédito e assunção de dívida. Na cessão de crédito prou um carro usado do credor, mas não vai pagar
há uma substituição no polo ativo, ou seja, há uma porque apresentou vício redibitório. Só que o credor
troca de credores, pois o credor cede a um terceiro cedeu o crédito a um terceiro, que é quem cobra a
o seu crédito. Na assunção de dívida há uma substi- dívida. O devedor poderá se defender contra o ces-
tuição no polo passivo, ou seja, uma troca de deve- sionário alegando o vício redibitório, mesmo sendo
dores, pois um terceiro assume a obrigação do de- uma defesa pessoal contra o cedente.
vedor.
3.2. Assunção de dívida
3.1. Cessão de crédito
A assunção de dívida se caracteriza pela substitui-
A cessão de crédito se caracteriza pela substituição ção no polo passivo da obrigação, havendo uma
no polo ativo da obrigação, havendo uma troca de troca de devedores. A lei permite que terceiro as-
credores em razão da alienação, gratuita ou onero- suma a dívida do devedor, mas exige a concordân-
sa, de um crédito a um terceiro, que se tornará o cia expressa do credor. No entanto, independe de
novo credor da obrigação. A lei permite a cessão do consentimento do devedor, podendo a assunção de
crédito quando a isso não se opuser a natureza da dívida ser por delegação (com consentimento do
obrigação, a lei ou o acordo das partes. Quem cede devedor) ou por expromissão (sem consentimento
o crédito é chamado de cedente e quem o recebe é do devedor).
chamado de cessionário.
O terceiro que assume a obrigação é chamado de
A cessão do crédito independe da concordância do assuntor. Quando ele assume a obrigação, o deve-
devedor. A lei exige apenas a notificação da ces- dor primitivo está exonerado, pois deixou de ser o
são, para que ele não pague à pessoa errada. Caso devedor. Todavia, há um caso em que o devedor
o devedor não seja notificado e pague de boa-fé ao primitivo não estará exonerado, podendo ser cobra-
antigo credor, ele estará desobrigado, só restando do pelo credor: se a cessão foi feita a quem insol-
ao verdadeiro credor cobrar do cedente, que indevi- vente e o credor a aceitou por não saber do fato.
damente recebeu o pagamento.
Com a assunção de dívida, salvo consentimento
Em regra, o cedente não responde pela solvência expresso do devedor primitivo, estarão extintas as
do devedor, ou seja, caso o cessionário não consi- garantias dadas por ele, afinal ele não é mais o
ga receber o crédito em razão da insolvência do devedor. Se a substituição vier a ser anulada, res-
devedor, não poderá cobrar a dívida do cedente. No taura-se o débito do devedor primitivo, com todas as
entanto, ele responderá se vier expresso no contra- garantias que existiam. Exceção: não retornarão as
to. Quando o cedente não responde pela solvência garantias dadas por terceiros, por exemplo, hipoteca
do devedor, a cessão é chamada de cessão de de um bem de terceiro. Exceção da exceção: a ga-
crédito pro soluto; quando o cedente responde pela rantia dada por terceiro poderá retornar, caso ele
solvência do devedor, é chamada de cessão de soubesse da causa que gerou anulação da substi-
crédito pro solvendo. tuição.

Embora o cedente, em regra, não responda pela O assuntor, como novo devedor, poderá alegar que
solvência do devedor, ele responde pela existência tipo de defesa ao ser cobrado pelo credor? Com
do crédito, ou seja, se ceder um crédito que não efeito, a defesa pode ser de dois tipos: comum ou
existe, aí sim poderá ser cobrado pelo cessionário. pessoal. Será comum quando for defesa de qual-
O cedente responderá pela existência do crédito quer pessoa que venha a ser cobrado pelo credor
tendo o cedido gratuita ou onerosamente. Se ceder (ex. prescrição da dívida). Por outro lado, será defe-
de forma onerosa, responderá tendo agido de má-fé sa pessoal quando for exclusiva de uma pessoa (ex.
ou até mesmo de boa-fé, pois recebeu pela cessão, compensação de dívida). O assuntor, ao ser cobra-
devolvendo o valor auferido. No entanto, na ces- do, poderá se valer das defesas comuns ou das
são gratuita, como nada recebeu em troca, só res- suas pessoais, não podendo se valer das defesas

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pessoais que cabiam ao devedor primitivo (art. 302 os casos, o terceiro cobra do devedor o que pagou
do CC). por ele, mas diferem porque, ao se sub-rogar nos
direitos do credor, terá as garantias especiais dadas
4. ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGA- a ele, o que não ocorre no mero direito de reembol-
ÇÕES so. Detalhe: isso ocorrerá se o terceiro pagar em
seu nome, pois se pagar em nome do devedor, é
O meio normal de extinção da obrigação é o deve- considerado uma mera ajuda, não tendo direito de
dor cumprir a prestação, o que chamamos de pa- reaver o que pagou.
gamento. Note que o sentido técnico de pagamento
difere do seu sentido leigo, pois pagamento é colo- A quem se deve pagar? O pagamento deve ser feito
quialmente usado no sentido de dar dinheiro. Pa- ao credor ou a quem de direito o represente. Se o
gamento em sentido técnico é cumprir a prestação, pagamento foi feito à pessoa errada, pagou-se mal
seja um dar (dinheiro ou qualquer outro bem), um e quem paga mal, paga duas vezes, pois o verda-
fazer ou até um não fazer. deiro credor poderá cobrá-lo. No entanto, em dois
casos, o pagamento feito a um terceiro libera o de-
No entanto, a obrigação pode ser extinta por meios vedor: se o credor confirmar o pagamento ou tanto
anormais, havendo extinção da obrigação de uma quanto provar ter se revertido ao credor.
forma alternativa, de uma forma diferente do que o
cumprimento da prestação. São as formas anormais Há um caso em que o pagamento é feito a um ter-
de extinção da obrigação: pagamento em consigna- ceiro e o devedor está liberado, mesmo que o cre-
ção, pagamento com sub-rogação, imputação de dor não confirme nem se prove a reversão em seu
pagamento, dação em pagamento, novação, com- benefício. É o caso do pagamento feito ao chamado
pensação, confusão e remissão. credor putativo. Putativo vem de putare, que signifi-
ca crer, acreditar. Haverá credor putativo quando se
4.1. Pagamento paga de boa-fé a quem não é o credor, ou seja, se
pagou à pessoa errada, mas havia motivos para
Pagamento é o meio normal de extinção da obriga- acreditar ser ele o credor. Um exemplo já foi visto
ção, ou seja, o cumprimento da prestação (dar, quando da abordagem do tema cessão de crédito.
fazer ou não fazer). O CC inicia o tema abordando Vimos que o devedor não precisa concordar, mas
quem deve pagar (chamado de solvens) e a quem deve ser notificado da cessão de crédito para saber
se deve pagar (chamado de accipiens). que o credor mudou. Vimos que se não for notifica-
do e de boa-fé pagar ao cedente, ele está exonera-
O CC trata de quem deve pagar, mas, na verdade, o do e a razão é simples: pagou a credor putativo.
que se estabelece são regras sobre quem pode
pagar. A obrigação pode ser paga por qualquer No que se refere ao objeto do pagamento, este será
pessoa que tenha algum tipo de interesse, ou seja, o cumprimento da prestação. O credor não é obri-
pelo devedor ou por um terceiro. A lei, no entanto, gado a aceitar prestação diversa da que lhe é devi-
estabelece consequências diferentes para o paga- da, ainda que mais valiosa, afirma o art. 313 do CC.
mento sendo feito pelo devedor, por terceiro inte- Ainda que a obrigação seja divisível, como dever
ressado ou por terceiro não interessado. Quando se dinheiro, não pode o credor ser obrigado a receber
fala em terceiro interessado ou não interessado, nem o devedor ser obrigado a pagar por partes, se
fala-se em interesse jurídico, pois, se o terceiro pa- assim não se ajustou.
ga, algum tipo de interesse ele tem. O terceiro será
interessado quando puder ser cobrado pela dívida. Quem paga tem direito de receber uma prova de
Assim, um fiador que paga a dívida do afiançado é que pagou. É o que chamamos de quitação. O ins-
um terceiro interessado, mas o pai que paga a dívi- trumento da quitação é o recibo, que sempre pode
da de um filho maior de idade, embora tenha um ser por instrumento particular. Se o credor se recu-
interesse sentimental, é considerado um terceiro sar a dar quitação, o devedor pode legitimamente
não interessado. reter o pagamento enquanto não lhe for dada.

Se o devedor efetuar o pagamento, extinta estará a Assim sendo, em regra, quem prova o pagamento é
obrigação e ele estará exonerado. Se um terceiro o devedor, apresentando o recibo recebido como
pagar, também estará extinta, mas ele poderá rea- instrumento da quitação. No entanto, em três casos
ver o valor pago, embora de forma diferente a de- haverá presunção de pagamento, dispensando o
pender de quem pagou: se terceiro interessado, devedor de provar que pagou. Ocorre que é uma
sub-roga-se nos direitos do credor; se terceiro não presunção relativa, ou seja, aquela que admite pro-
interessado, apenas tem direito de reembolso, não va em contrário. Desta forma, sendo um dos casos
se sub-rogando nos direitos do credor. Em ambos de presunção de pagamento, não se fixa uma ver-

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dade absoluta de que existiu pagamento, mas sim cabimento da consignação em pagamento: se o
uma inversão do ônus da prova, pois o devedor não credor se recusar sem justa causa a receber o pa-
precisa provar que pagou, mas o credor pode provar gamento ou não puder recebê-lo, se o devedor tiver
que o devedor não pagou. dúvida sobre quem é o verdadeiro credor ou se o
credor for desconhecido, entre outros.
São os três casos de presunção de pagamento:
Feito o depósito, a princípio, suspende a incidência
a) Art. 322 do CC: quando o pagamento for em dos encargos moratórios, mas o devedor deverá
quotas periódicas, a quitação da última estabelece, propor ação judicial para discussão da matéria, po-
até em prova em contrário, a presunção de estarem dendo o credor impugnar o pagamento, pois só
solvidas as anteriores; exonera o devedor se observados os mesmos re-
quisitos exigidos para validade do pagamento. Se
b) Art. 323 do CC: sendo a quitação do capital sem julgado improcedente, o depósito não terá efeito. O
fazer reserva que os juros não foram pagos, estes processo tem procedimento especial previsto no
se presumem pagos; e CPC.

c) Art. 324 do CC: a entrega do título firma presun- 4.3. Pagamento com sub-rogação
ção do pagamento, presunção que pode ser elidida
no prazo de sessenta dias. Pagamento com sub-rogação é a operação pela
qual o crédito se transfere com todos os seus aces-
Para se efetuar o pagamento, importa saber o lugar sórios a um terceiro que paga dívida alheia. Sub-
do cumprimento da obrigação. É nesse lugar que rogar é substituir, o que significa que haverá aqui
se devem reunir credor e devedor na data marcada, uma substituição de credor, extinguindo a obrigação
não podendo o devedor oferecer nem o credor exigir com relação ao credor originário. A ideia é: A deve a
o cumprimento em lugar diverso. B e um terceiro C paga essa dívida e agora A deve
a C, pois este se sub-rogou nos direitos de B.
No direito comparado, há dois tipos de obrigação:
quérable ou portable. A obrigação quérable (cha- Como é uma simples substituição no polo ativo, o
mada no Brasil de quesível) é aquela que deve ser vínculo se mantém e o novo credor tem todos os
cumprida no domicílio do devedor e obrigação por- privilégios e garantias que tinha o credor originário
table (chamada no Brasil de portável) é aquela que (art. 349 do CC). No entanto, é possível que um
deve ser cumprida no domicílio do credor. No Brasil, terceiro pague dívida alheia e não se sub-rogue nos
conforme previsão do art. 327 do CC, em regra as direitos do credor, caso em que terá mero direito de
obrigações devem ser cumpridas no domicílio do reembolso contra o devedor, por não ser um dos
devedor, ou seja, são quesíveis ou quérable. Pode- casos de pagamento com sub-rogação. A diferença
rá ser portável ou até em outro local a depender da é que poderá cobrar dele o que pagou, mas sem ter
vontade das partes, da lei, da natureza da obrigação os privilégios e garantias do credor originário, pois
ou das circunstâncias. Como exemplo, o art. 328 do surge um novo vínculo, uma nova obrigação (de
CC determina que se o pagamento consistir na en- reembolso), extinguindo a obrigação primitiva.
trega de um imóvel ou de prestações relativas a ele
deverá ser cumprido onde situado o bem. A sub-rogação pode ser de dois tipos: legal ou con-
vencional, a depender se decorre de lei ou da von-
4.2. Pagamento em consignação tade das partes. O CC prevê, em art. 346, os casos
em que a sub-rogação se opera de pleno direito, ou
Consignação de pagamento significa o depósito seja, se um terceiro paga a dívida, ele se sub-roga
judicial ou em estabelecimento bancário da coisa automaticamente nos direitos do credor primitivo,
devida, o que a lei equipara a pagamento, extin- independente da vontade das partes. Se a lei não
guindo a obrigação. O devedor tem não só o dever prevê como caso de sub-rogação, teria o terceiro
de pagar, mas também o direito de fazê-lo para mero direito de reembolso, mas as partes poderão
evitar as consequências de sua mora. A consigna- prever a sub-rogação, passando o terceiro a ter os
ção em pagamento é, portanto, um valioso instru- privilégios e garantias do credor primitivo, o que não
mento para o devedor não suportar os encargos existiria no mero direito de reembolso.
moratórios.
Como exemplo, trago um caso visto no estudo do
Poderá o devedor consignar pagamento basicamen- pagamento. Se terceiro interessado paga a dívida
te quando houver mora do credor ou algum risco do devedor, sub-roga-se automaticamente nos direi-
para o devedor na realização do pagamento direto. tos do credor, mantendo-se os privilégios e as ga-
Nesse sentido, o art. 335 do CC arrola casos de rantias (art. 346, III, do CC). Se terceiro não interes-

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sado paga a dívida do devedor, apenas terá direito Se um devedor tem várias dívidas diferentes com
de reembolso, não se sub-rogando nos direitos do um credor, mas não lhe entrega valor suficiente
credor (sem os privilégios e garantias do credor para pagamento de todas, é preciso identificar quais
originário). No entanto, se o terceiro não interessado as dívidas foram extintas.
pagar a dívida do devedor condicionado a sub-
rogar-se nos direitos do credor, haverá pagamento Imputação ao pagamento é a indicação da dívida a
com sub-rogação convencional e terá o novo credor ser paga quando uma pessoa se encontra obrigada
os privilégios e garantias do credor primitivo por dois ou mais débitos com o mesmo credor, sem
(art.347, II, do CC). poder pagar todos eles. Note que imputação ao
pagamento não é bem um meio de extinção da
4.4. Novação obrigação, mas sim a determinação de que obriga-
ção está extinta quando nem todas forem pagas.
Novação é o meio de extinção da obrigação pelo
surgimento de uma nova obrigação. A novação Antes de a lei definir quais obrigações estão extintas
pode ser de dois tipos: objetiva ou subjetiva. A no- (imputação legal), as partes têm o direto de definir
vação é objetiva quando a nova obrigação difere da (imputação convencional). Assim, em primeiro lugar,
obrigação anterior pela substituição da prestação quem define é o devedor. No seu silêncio, o credor
(ex. obrigação de dar dinheiro transformada em define em quais dá quitação. Se nenhum deles defi-
obrigação de fazer ou obrigação veiculada em che- nir, a lei definirá, estabelecendo a seguinte ordem:
que substituída por obrigação veiculada em nota (i) primeiro se pagam os juros vencidos e só depois
promissória). A novação será subjetiva quando a o capital; (ii) pagamento imputado às dívidas venci-
nova obrigação difere da obrigação anterior pela das há mais tempo; (iii) se todas vencidas no mes-
substituição do credor (novação subjetiva ativa) ou mo tempo, a imputação será na mais onerosa (mai-
do devedor (novação subjetiva passiva). ores juros ou multas); (iv) se todas no mesmo tempo
e mesmos ônus, a lei não dá solução, mas jurispru-
Importante: qual a diferença entre pagamento com dência diz ser de forma proporcional em cada uma
sub-rogação e novação subjetiva ativa? Em ambos das obrigações.
os casos, há troca do credor, mas diferem porque
no pagamento com sub-rogação o vínculo se man- 4.6. Dação em pagamento
tém, havendo apenas a troca de credor, enquanto
que na novação, extingue-se o vínculo anterior, Dação em pagamento é a forma de extinção da
surgindo uma nova obrigação com um novo vínculo. obrigação através da qual o credor aceita receber
Consequência: no pagamento com sub-rogação se prestação diversa da que lhe é devida. Conforme
mantém para o novo credor os privilégios e garanti- visto, nos termos do art. 313 do CC, o credor não é
as do credor primitivo, enquanto que na novação, obrigado a aceitar prestação diversa da contratada,
extinguem-se os privilégios e garantias do credor ainda que mais valiosa. Porém, nada impede que o
primitivo, não as tendo o novo credor. credor aceite prestação diversa, caso em que have-
rá extinção da obrigação de uma forma anormal,
Do exposto acerca da sub-rogação e novação, po- que não pelo pagamento, chamada de dação em
demos chegar a uma conclusão: quando o paga- pagamento.
mento é efetuado por um terceiro, seja interessado
ou não interessado, ele poderá reaver do devedor Conforme será visto em contratos neste livro, evic-
primitivo o que por ele pagou. A diferença é que ção é a perda judicial ou até administrativa de um
quando o pagamento é feito por terceiro interessa- bem em razão de vício jurídico anterior à alienação.
do, há pagamento com sub-rogação, enquanto que Quem vende não poderia ter vendido e quem com-
no pagamento feito por terceiro não interessado, há pra perde para um terceiro, buscando do alienante
novação, pois se extingue o vínculo anterior, surgin- uma indenização. Se o devedor dá coisa diversa em
do uma nova obrigação com um novo vínculo (a pagamento e o credor a perde pela evicção, resta-
obrigação de reembolso). Por isso, o terceiro inte- belece-se a obrigação primitiva, ficando sem efeito a
ressado terá os privilégios e garantias do credor quitação dada, ressalvados os direitos de terceiro
primitivo, mas o terceiro não interessado não, a não (art. 359 do CC).
ser que se valha do pagamento com sub-rogação
convencional, ou seja, condicionando o pagamento 4.7. Compensação
a sub-rogar-se nos direitos do credor.
Compensação é a forma de extinção das obriga-
4.5. Imputação ao pagamento ções entre duas pessoas que são, ao mesmo tem-
po, credora e devedora uma da outra. O meio nor-
mal de extinção da obrigação é o pagamento, ou

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seja, o cumprimento da prestação. Todavia, quando significa perdão, perdoar. Remição ou ato de remir
duas pessoas são devedoras e credoras uma da não é causa de extinção da obrigação, pois significa
outra, não há sentido que os pagamentos sejam resgate, resgatar.
feitos para extinção das obrigações. Compensam-se
as dívidas e extintas estão as obrigações até onde Tanto na confusão quanto na remissão há um as-
se compensarem. pecto importante para você saber sobre obrigações
solidárias. Confusão ou remissão entre credor e um
A compensação pode ser de dois tipos: legal ou dos devedores solidários ou entre o devedor e um
convencional, a depender se decorre da lei ou da dos credores solidários: mantém-se a solidariedade
vontade das partes. A compensação legal se dará entre os demais, descontada a parte remitida ou da
automaticamente, bastando presentes os requisitos confusão parcial.
legais, quais sejam: reciprocidade das obrigações
(um deve ao outro e vice versa), liquidez e venci- Exemplo: Imagine três devedores solidários em
mento das prestações e envolverem bens fungíveis trinta mil reais ao pai de um deles (solidariedade
entre si (não basta serem bens fungíveis, devem ser passiva). Com a morte do pai ou do filho ou se o pai
substituíveis entre si, ou seja, homogêneos, por perdoar só a dívida do filho, os outros dois devedo-
exemplo, dinheiro por dinheiro ou saca de café por res serão solidários em vinte mil reais. Da mesma
saca de café, não podendo ser dinheiro por saca de forma, imagine que um devedor deve trinta mil reais
café). Mesmo ausentes tais requisitos, ainda sim a três credores solidários, sendo um deles o pai do
poderá haver compensação, mas será convencio- devedor (solidariedade ativa). Com a morte do pai
nal, por depender da vontade das partes. Nada im- ou do filho ou se o pai perdoar só a dívida do filho,
pede, portanto, haver compensação de uma dívida os outros dois credores serão solidários em vinte mil
vencida com outra a termo, com bens infungíveis ou reais.
de natureza diferente (dinheiro por saca de café),
mas será compensação convencional, onde o que 5. INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
importa é a vontade das partes.
5.1. Diferença entre inadimplemento e mora
A reciprocidade é um requisito para a compensação
legal, ou seja, devedor deve ao credor e vice-versa, Quando o devedor não cumpre a prestação, esta-
mas há uma exceção: quando envolver o fiador. O mos diante do inadimplemento, que pode ser de
devedor somente compensa sua dívida para o cre- dois os tipos: absoluto ou relativo. O inadimplemen-
dor com a dívida do credor contra ele, mas o fiador to é absoluto quando a prestação não é cumprida e
pode compensar sua dívida para o credor (é dele não é mais útil ao credor que o devedor a cumpra -
devedor porque é fiador) com a dívida que o credor por exemplo, contratação de cantor para cantar em
tem com o afiançado, ou seja, não com ele, pois o um casamento que não comparece à cerimônia. O
fiador não é devedor em causa própria, mas mero inadimplemento é relativo quando a prestação não é
garantidor de uma dívida do afiançado (art. 371 do cumprida, mas ainda é útil ao credor que o devedor
CC). a cumpra, por exemplo, não pagamento de uma
dívida em dinheiro no dia do vencimento. O inadim-
4.8. Confusão e Remissão plemento absoluto é chamado simplesmente de
inadimplemento e o inadimplemento relativo é cha-
Confusão é a forma de extinção das obrigações por mado de mora.
reunirem na mesma pessoa a qualidade de credor
e devedor. Imagine um pai que deve uma quantia Note que a diferença entre inadimplemento e mora
em dinheiro a seu filho, que é seu único herdeiro. reside no critério de utilidade para o credor. Em
Com a morte do pai, o filho assume o débito, mas ambos os casos, a prestação não é cumprida, sen-
ele próprio é o credor, gerando extinção da obriga- do inadimplemento se a prestação não é mais útil
ção pela confusão. A confusão pode se verificar a ao credor e mora se a prestação ainda é útil ao cre-
respeito de toda a dívida (total) ou só de parte dela dor.
(parcial). No exemplo citado, se são dois filhos, ten-
do o credor um irmão, só haverá extinção da obri- Por que diferenciar mora e inadimplemento? Se o
gação relativa à metade da dívida (espólio é deve- caso é de inadimplemento, como a prestação não é
dor de metade do valor para o filho credor). mais útil ao credor, a única solução é o pagamento
de indenização por perdas e danos (ar. 389 do CC).
Remissão é a forma de extinção da obrigação com Por outro lado, se o caso é de mora, cabe o que
o perdão da dívida pelo credor. Cuidado: não con- chamamos de purgação ou emenda da mora. O que
funda remissão com remição. A causa de extinção é isso? É cumprir a obrigação, porque ainda útil
da obrigação é a remissão, é o ato de remitir, que para o credor, acrescido dos encargos moratórios.

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Purga-se a mora pagando-se com retardo, acresci- mora. Quando a mora é ex re e quando é ex perso-
do de: correção monetária, juros de mora, perdas e na?
danos decorrentes da mora e eventual honorários
de advogado (art. 395 do CC). Há dois tipos de obrigações: com dia certo de ven-
cimento e sem dia certo de vencimento. Quando a
5.2. Mora obrigação tem um dia certo de vencimento, o deve-
dor não precisa ser constituído em mora por ato do
O art. 394 do CC diz que se considera em mora o credor, pois o simples não pagamento no vencimen-
devedor que não efetuar o pagamento e o credor to o constitui em mora (dies interpellat pro homine,
que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma ou seja, o próprio dia interpela o devedor). Por outro
que a lei ou a convenção estabelecer. Note haver lado, quando a obrigação não tem dia certo de ven-
mora não apenas quando não se paga no tempo cimento, o devedor só estará em mora se for consti-
devido, mas também se não se paga no lugar e na tuído por ato do credor. Assim, quando a obrigação
forma devida. Note ainda não haver mora só do é com dia certo de vencimento, a mora é ex re e
devedor, mas também do credor, que ocorre quan- quando a obrigação é sem dia certo de vencimento,
do este não quiser injustificadamente receber o a mora é ex persona.
pagamento, sendo o pagamento em consignação a
solução para o devedor se livrar dos encargos da O art. 398 do CC demonstra que a mora é ex re
mora. quando a obrigação não cumprida decorre de ato
ilícito. Com efeito, ato ilícito civil é causar dano a
Segundo art. 395 do CC, configurada a mora, o alguém, gerando ao causador o dever de indenizá-
devedor pode purgá-la, cumprindo a prestação lo. Poderíamos pensar ser caso de mora ex perso-
acrescida dos encargos moratórios. Todavia, se a na, pois o devedor deve ser constituído em mora
prestação tornar-se inútil ao credor, este poderá por um ato do credor, propondo ação judicial (cita-
enjeitá-la e pedir perdas e danos. A razão é simples: ção válida constitui o devedor em mora). No entan-
se inútil ao credor, deixou de ser mora e se trans- to, tal entendimento é equivocado, pois a lei diz que
formou em inadimplemento absoluto. essa mora é automática, independendo de qualquer
ato do credor. O art. neste momento em análise diz
Como exemplo, imagine uma costureira que deixa que nas obrigações provenientes de ato ilícito, con-
de entregar o vestido de noiva no prazo estipulado. sidera-se o devedor em mora desde que o praticou
É caso de mora ou inadimplemento? Depende. Se (a responsabilidade de reparar o dano fixada na
ainda não houve a cerimônia, em razão de a data sentença judicial retroage à data do ato para aplicar
marcada lhe ser bastante anterior, o caso é de mo- os efeitos da mora).
ra; se já houve a cerimônia, em razão da data mar-
cada ter sido na véspera do casamento, o caso é de Os arts. 399 e 400 do CC trazem dois efeitos da
inadimplemento, caso em que o credor poderá rejei- mora, um para mora do devedor e outro para a
tar a coisa e pedir perdas e danos, pois ao se tornar mora do credor:
inútil a ela, a mora se transformou em inadimple-
mento absoluto. a) Efeito da mora do devedor (art. 399 do CC): O
devedor em mora responde pela impossibilidade da
Completa a ideia de mora o art. 396 do CC, que prestação, ainda que esta se dê por caso fortuito ou
preceitua não incorrer em mora o devedor quando força maior. Se a prestação do devedor se torna
não haja fato ou omissão imposta a ele. Significa impossível sem culpa do devedor, simplesmente se
que a mora é o não cumprimento culposo da obri- resolve a obrigação sem qualquer ônus a lhe ser
gação. Se não há culpa, não há mora. Se uma con- imposto. Todavia, se a impossibilidade ocorrer du-
ta do devedor só pode ser paga no banco e o ven- rante seu atraso, o devedor ficará obrigado a inde-
cimento cai em um domingo, ao se pagar no dia nizar o credor pela impossibilidade da prestação,
seguinte, não há de se falar em mora, tanto que se mesmo que esta tenha se dado por caso fortuito ou
paga sem encargos moratórios. por força maior. Apenas em dois casos, estará de-
sobrigado de indenização: quando provar isenção
O art. 397 do CC nos faz perceber haver dois tipos de culpa no seu atraso (evidente, pois nesse caso
de mora: ex re e ex persona. A mora ex re é auto- não há mora, pois a mora é o não cumprimento
mática, ou seja, é aquela que independe de ato do culposo da obrigação) e se provar que o dano ocor-
credor para o devedor ser constituído em mora (in- reria mesmo se a prestação tivesse sido cumprida
terpelação judicial ou extrajudicial, notificação, pro- no tempo, lugar ou forma devida, ou seja, mesmo se
testo ou citação do devedor). Por sua vez, a mora não houvesse mora.
ex persona é aquela que precisa de um dos citados
atos do credor para o devedor ser constituído em

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b) Efeito da mora do credor (art. 400 do CC): A obrigação de indenizar se o devedor teve culpa no
mora do credor, ou seja, se o credor se recusar inadimplemento. Se um cantor é contratado para
injustificadamente a receber o pagamento, gera três cantar no casamento e propositalmente não apare-
efeitos: (i) retira do devedor isento de dolo a res- ce na cerimônia, será responsabilizado em perdas e
ponsabilidade pela conservação da coisa (só inde- danos, mas se não cumpriu o contrato porque foi
niza perda ou deterioração do bem se teve dolo, sequestrado na véspera, não há de se falar em de-
não respondendo se teve culpa stricto sensu, ou ver indenizatório.
seja, imprudência, negligência ou imperícia); (ii)
obriga o credor a ressarcir o devedor das despesas Importante: O art. 393 do CC dispõe que “o deve-
que teve para conservar o bem; e (iii) sujeita o cre- dor não responde pelos prejuízos resultantes do
dor a receber o bem pela estimação mais favorável caso fortuito ou de força maior, se expressamente
ao devedor se o seu valor oscilar entre o dia estabe- não se houver por eles responsabilizado” Note que,
lecido para o pagamento e o da sua efetivação. conforme visto, a responsabilidade civil contratual é
subjetiva, mas as partes podem expressamente
5.3. Responsabilidade Civil Contratual prever no contrato que o inadimplente responderá
mesmo que não tenha cumprido o contrato por caso
Responsabilidade civil é o dever de indenizar um fortuito ou motivo de força maior, ou seja, sem ter
prejuízo causado. Há dois tipos de responsabilida- tido culpa, pois caso fortuito ou motivo de força mai-
de civil: contratual e extracontratual. A responsabili- or são situações inevitáveis, que o inadimplente não
dade civil contratual é aquela em que há um contra- podia impedir, como no caso do cantor contratado
to entre as partes, ou seja, um contratante não para cantar em um casamento que não cumpre a
cumpre o contrato, causando prejuízo ao outro con- obrigação por ter sido sequestrado na véspera.
tratante, gerando dever de indenização. A respon-
sabilidade civil extracontratual, também chamada de Qual a diferença, então, entre responsabilidade civil
aquiliana, é aquela em que não existe um contrato contratual e responsabilidade civil extracontratual
entre quem causa e quem sofre o dano, como no subjetiva? Em ambos os casos só há responsabili-
caso de alguém bater no carro de outrem, tendo que dade civil diante da existência de culpa do devedor,
indenizá-lo. Responsabilidade civil extracontratual é mas na responsabilidade civil contratual, a culpa é
tema do capítulo responsabilidade civil. Responsabi- presumida. Todavia, é uma presunção relativa, ou
lidade civil contratual é estudada aqui em obriga- seja, aquela que admite prova em contrário, repre-
ções, pois ocorre diante de mora e inadimplemento. sentando, assim, a inversão do ônus da prova. Na
responsabilidade civil contratual, basta ao contratan-
O contratante que não cumpre o contrato será civil- te provar que o outro não cumpriu o contrato. Se
mente responsabilizado, mas apenas se isso gerar este não teve culpa no inadimplemento, ele que
um dano ao outro contratante, pois responsabilidade prove. Por outro lado, se é responsabilidade civil
civil é o dever de indenizar um dano causado. Con- extracontratual subjetiva, a vítima do dano, ao co-
forme o art. 402 do CC, o inadimplente deverá inde- brar perdas e danos, deverá provar que o agressor
nizar não só o dano emergente, mas também os teve culpa ao causar o dano, pois esta não é pre-
lucros cessantes, que são os dois tipos de dano sumida.
material. Dano emergente: prejuízo efetivamente
experimentado; lucro cessante: o que se legitima- Quando se diz que a responsabilidade subjetiva
mente se deixou de ganhar. A eles se acrescenta exige a culpa, usa-se o termo culpa em sentido
dano moral. amplo, ou seja, é o dolo ou a culpa em sentido res-
trito (imprudência, negligência ou imperícia). A prin-
Diante de inadimplemento, seja absoluto ou relativo, cípio, não há diferença na responsabilidade civil
quem não cumpre o contrato causando dano ao contratual se o inadimplemento foi por dolo ou por
outro contratante deverá indenizá-lo. A questão é: a culpa. O art. 404 do CC diz que não interfere no
responsabilidade civil contratual é subjetiva (depen- valor da indenização se por dolo ou culpa, pois o
de de culpa) ou objetiva (independe de culpa)? valor da indenização será o valor do dano sofrido.
No entanto, a lei consagrou uma diferença entre
A responsabilidade civil contratual é subjetiva, pois inadimplemento doloso ou culposo no negócio jurí-
só há mora se o não cumprimento da prestação for dico benéfico, ou seja, no contrato gratuito.
culposo. Significa que não há mora e, portanto, não
há responsabilidade civil contratual, se não houver Nos termos do art. 392 do CC, se o contrato é one-
culpa do contratante em não cumprir a prestação. O roso, o contratante inadimplente responde por não
mesmo ocorre com o inadimplemento absoluto, que ter cumprido o contrato por dolo ou por culpa, mas,
pode ser culposo (com culpa do devedor) ou fortuito se for um contrato benéfico ou gratuito, a parte que
(sem culpa do devedor), mas, em regra, só haverá não é favorecida (aquela que não recebe nada em

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troca) só responde pelo inadimplemento se agiu antes do fim do contrato, será uma cláusula penal
com dolo, ou seja, não será responsabilizado civil- compensatória, pois o locatário pagará uma multa
mente pelo não cumprimento do contrato por culpa por não ter cumprido sua prestação, pelo menos em
em sentido estrito. parte. Por outro lado, se houver no contrato uma
multa em razão do locatário atrasar o pagamento do
Assim sendo, ao doar um bem, o doador só respon- aluguel por não pagar no dia do vencimento, será
de pela impossibilidade de entregar a coisa doada, uma cláusula penal moratória, pois o pagamento da
caso tenha agido dolosamente, por exemplo, se multa é para o retardamento no cumprimento da
destruiu intencionalmente esse bem. Não responde- prestação.
rá o doador, se o bem se quebrou porque foi negli-
gente ao usá-lo, caso em que simplesmente se re- Note que há dois tipos de cláusula penal, cada uma
solverá a obrigação, desfazendo a doação sem com uma finalidade específica. A cláusula penal
qualquer dever indenizatório ao doador. Se o con- compensatória tem a função de compensar o con-
trato for de compra e venda e a coisa se perde com tratante por não ter o outro contratante cumprido
culpa do devedor, vimos que a solução é dar o sua prestação. Já a cláusula penal moratória tem a
equivalente acrescido de perdas e danos, que será função de intimidar, pois o contratante pagará uma
devido tanto no caso de dolo quanto de culpa, ou multa se retardar o cumprimento da prestação.
seja, se quebrou propositalmente ou se por negli-
gência, pois compra e venda é contrato oneroso. O art. 408 do CC demonstra que a cláusula penal é
uma prefixação de perdas e danos e que a respon-
5.4. Cláusula Penal sabilidade civil contratual é subjetiva, pois diz que
incorre de pleno direito na cláusula penal o devedor
Conforme vimos, tanto o inadimplemento quanto a que culposamente deixe de cumprir a obrigação ou
mora podem gerar responsabilidade civil contratual. que se constitua em mora. Significa que, em caso
Em caso de inadimplemento, o contratante deverá de inadimplemento, o outro contratante pode execu-
indenizar o outro em perdas e danos causados pelo tar a multa, independente de provar a extensão do
não cumprimento do contrato e, em caso de mora, o dano em ação de conhecimento. E a lei vai mais
devedor poderá purgá-la, cumprindo a prestação longe ainda com o art. 416 do CC, prevendo que
com retardado, acrescida de perdas e danos causa- sequer é necessário provar que houve dano, se este
dos pela mora, correção monetária, juros de mora e foi prefixado no contrato.
honorários advocatícios.
Uma questão pode ser levantada: se o prejuízo do
O grande problema na responsabilidade civil contra- contratante for maior do que o valor da multa, pode-
tual é provar o valor da indenização, ou seja, a rá ele cobrar a diferença? A princípio não, pois o
extensão do prejuízo causado pelo não cumprimen- parágrafo único do art. 416 do CC diz que só poderá
to do contrato. Para resolver esse problema, a lei cobrar eventual valor a mais, se esta possibilidade
traz como solução a cláusula penal, que é uma mul- estiver expressa no contrato. Se assim for, o valor
ta prefixando o valor das perdas e danos em razão da multa já é objeto de execução e o valor a mais
da mora ou do inadimplemento. deverá ser provado em ação de conhecimento para
seguir a execução por título executivo judicial. Se
Cláusula penal, portanto, é um pacto inserido no não houver permissivo contratual, limita-se a execu-
contrato, impondo multa ao devedor que não cum- tar a multa.
pre ou que retarda o cumprimento da prestação.
Há importante diferença na cobrança da cláusula
Note que há multa tanto para o caso de mora quan- penal a depender se compensatória ou se morató-
to de inadimplemento. Assim, há dois tipos de cláu- ria (arts. 410 e 411 do CC): no inadimplemento o
sula penal: moratória e compensatória. A cláusula credor cobra cláusula penal compensatória ou o
penal moratória é para prefixar perdas e danos em cumprimento da prestação enquanto que na mora o
razão da mora, ou seja, pelo retardamento no cum- credor cobra cumprimento da prestação e cláusula
primento da obrigação, e a cláusula penal compen- penal moratória.
satória é para prefixar perdas e danos em caso de
inadimplemento absoluto, ou seja, pelo não cum- No caso da cláusula penal compensatória, havendo
primento da prestação. inadimplemento, esta se converterá em alternativa
Como exemplo, imaginemos um contrato de loca- a benefício do credor, ou seja, este poderá escolher
ção, cuja prestação do locatário é pagar, durante entre cobrar do contratante inadimplente a multa ou
três anos, mil reais por mês ao locador. Se no con- o cumprimento da prestação. No exemplo do cantor
trato houver uma multa no valor de três meses de contratado para cantar no casamento, diante do não
aluguel para o caso do locatário devolver as chaves comparecimento à cerimônia, o contratante poderá

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cobrar a multa ou pedir para cantar depois, por dado, mas se quem desistir foi quem recebeu o
exemplo, no aniversário dele que será na semana sinal, devolverá o dobro do valor.
seguinte. Sendo cláusula penal moratória, sobrevin-
do mora, o credor pode exigir o cumprimento da b) Arras penitenciais: As arras serão penitenciais
prestação acrescido da multa, pois, se não pagou a quando houver previsão no contrato de direito de
dívida no dia, o credor a cobrará acrescido da multa arrependimento. Qualquer das partes terá direito de
com os demais encargos moratórios. se arrepender, mas tem um preço para isso, ou
seja, o valor das arras. Se quem desiste deu arras,
Para fechar o tema, é preciso saber que o juiz pode perderá o sinal dado, mas se quem desistir foi quem
reduzir o valor da cláusula penal compensatória em recebeu o sinal, devolverá o dobro do valor.
dois casos previsto no art. 413 do CC:
Ora, tanto nas arras confirmatórias como peniten-
a) Se o valor é manifestamente excessivo: O art. ciais, a consequência é a mesma: se quem desiste
412 do CC estipula um valor máximo da cláusula deu arras, perderá o sinal dado, mas se quem de-
penal compensatória ao afirmar que ela não pode siste foi quem recebeu o sinal, devolverá o dobro do
exceder o valor da obrigação principal. No entanto, valor. Então, pergunto: para que diferenciar uma da
mesmo dentro desse limite, o juiz poderá reduzi-la a outra?
pedido da parte se manifestamente excessivo se-
gundo as circunstâncias do caso. Para o caso do prejuízo com a desistência ser maior
que o valor fixado a título de arras. Se forem arras
b) Se a prestação tiver sido cumprida em parte: confirmatórias, não há previsão de direito de arre-
a função da cláusula penal compensatória é com- pendimento e posso cobrar o prejuízo que a desis-
pensar o contratante pelo fato do outro não ter cum- tência me acarretar. Como já me beneficiei do valor
prido a prestação. Assim, se este cumpre parte da das arras, cobro apenas o prejuízo que tive a mais.
prestação, a compensação deve ser apenas da No entanto, se forem arras penitenciais, há no con-
parte não cumprida. Exemplo: se o contrato de lo- trato previsão de direito de arrependimento, sendo
cação diz que o locatário deve pagar multa de três fixado um preço para isso, ou seja, o valor de arras,
meses de aluguel se devolver as chaves antes do não podendo o prejudicado cobrar eventual valor a
fim do contrato, caso ele devolva tendo cumprido mais que tenha tido de prejuízo com a desistência
metade do contrato, não deverá arcar com toda a do outro contratante.
multa, mas apenas metade dela.
Diferença: nas arras confirmatórias (quando não há
5.5. Arras direito de arrependimento), o contratante pode co-
brar indenização suplementar, enquanto que não
Arras significam sinal, ou seja, é aquilo que é entre- poderá fazê-lo nas arras penitenciais (quando há
gue por um dos contratantes ao outro como princí- direito de arrependimento), pois se fixou um preço
pio de pagamento quando da celebração do contra- para isso.
to para confirmação do acordo. A vantagem do adi-
antamento de um sinal é confirmar o negócio, pois QUESTÕES DE CONCURSOS
se houver desistência, aquele que desistiu perderá
o valor das arras para compensar os prejuízos. Se 1. (CESPE - 2012 - AGU - Advogado da União) A
quem deu o sinal desistir, não poderá cobrá-lo de respeito da prescrição, julgue os itens seguin-
volta; se quem o recebeu desistir, devolverá o valor tes.
em dobro (como recebeu arras, a perda efetiva será
no valor das arras) O devedor capaz que pagar dívida prescrita pode
reaver o valor pago se alegar, na justiça, a ocorrên-
São dois os tipos de arras: confirmatória e peniten- cia de pagamento indevido ao credor, estando o
ciais. A diferença decorre se no contrato existe ou direito de reaver esse valor fundado no argumento
não cláusula de arrependimento. de que o credor que receba o que lhe não seja de-
vido enriquece às custas do devedor.
a) Arras confirmatórias: As arras serão confirma- ( ) Certo ( ) Errado
tórias quando não houver previsão no contrato de
direito de arrependimento. É o normal, pois as par-
COMENTÁRIOS
tes celebram um contrato não esperando que a
outra parte desista. Assim, estipulam um valor de A afirmativa está ERRADA e tem por base legal o
sinal a ser pago imediatamente para confirmar o art. 882, CC/02: “Não se pode repetir o que se pa-
gou para solver dívida prescrita, ou cumprir obriga-
negócio. Se quem deu arras desistir, perderá o sinal
ção judicialmente inexigível.”

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2. (CESPE - 2013 - AGU - Procurador Federal) A mencionados, salvo se o contrário resultar do título
respeito do negócio jurídico, das obrigações, dos ou das circunstâncias do caso.”
contratos e da responsabilidade civil, julgue os itens
a seguir. DIREITO DOS CONTRATOS
Os contratos são passíveis de revisão judicial, ainda
que tenham sido objeto de novação, quitação ou I. TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
extinção, haja vista não ser possível a validação de
obrigações nulas. 1. CONCEITO
( ) Certo ( ) Errado
Contrato é o negócio jurídico bilateral formado pela
COMENTÁRIOS convergência de duas ou mais vontades, que cria,
A afirmativa está CERTA e baseia-se no verbete da modifica ou extingue relações jurídicas de natureza
Súmula n. 286 do STJ: “A renegociação de contrato patrimonial.
bancário ou a confissão da dívida não impede a
possibilidade de discussão sobre eventuais ilegali- É um negócio jurídico, pois é uma atuação humana
dades dos contratos anteriores.” em que as partes escolhem os efeitos que serão
produzidos ao praticarem o ato. É bilateral, pois é
3. (CESPE - 2009 - AGU - Advogado da União) No formado pelo acordo de vontades, ou seja, são ne-
item a seguir, é apresentada uma situação hipotéti- cessárias pelo menos duas vontades. O testamento
ca seguida de uma assertiva a ser julgada, com é um negócio jurídico, pois é atuação humana em
relação ao direito obrigacional. que se escolhem os efeitos que dele serão produzi-
Carla cedeu a Sílvia crédito que possuía com Luíza. dos, mas não é um contrato, pois é um negócio
Na data avençada para pagamento do débito, Sílvia jurídico unilateral.
procurou Luíza, ocasião em que ficou sabendo da
condição de insolvência da devedora. Nessa situa- 2. CLASSIFICAÇÕES DOS CONTRATOS
ção, Carla será obrigada a pagar a Sílvia o valor
correspondente ao crédito, haja vista a regra geral 2.1. Contrato unilateral, bilateral e plurilateral
de que o cedente responde pela solvência do deve-
dor. Não se fala aqui no número de vontades envolvidas,
pois vimos que não existe contrato com uma vonta-
de apenas. Fala-se aqui em número de prestações.
( ) Certo ( ) Errado
a) Contrato unilateral: é aquele em que há presta-
COMENTÁRIOS
ção apenas para uma das partes. Doação é contra-
A afirmação está ERRADA e a incorreção justifica-
to, pois há duas vontades, em razão da necessida-
se na redação do art. 296, CC/02: “Salvo estipula-
de do donatário aceitá-la. Todavia, é contrato unila-
ção em contrário, o cedente não responde pela sol-
teral, pois só tem prestação para o doador (entregar
vênia do devedor.” o bem).
4. (CESPE - 2007 - AGU - Procurador Federal -
b) Contrato bilateral: é aquele que, além de duas
Prova 1) No Código Civil de 2002, no capítulo da
vontades, tem prestação para ambas as partes, por
parte geral dedicado aos
exemplo, contrato de compra e venda, pois o ven-
bens reciprocamente considerados, introduziu-se a dedor tem a prestação de entregar o bem e o com-
figura das prador tem a prestação de dar o preço.
pertenças, verdadeira novidade legislativa no âmbito
do direito c) Contrato plurilateral: é aquele em que há pelo
privado brasileiro. A respeito dos bens reciproca-
menos três vontades envolvidas. Exemplo: contrato
mente
de sociedade, em que são partes os sócios e a pró-
considerados, julgue os itens a seguir. pria sociedade, como parte credora das prestações
De acordo com o direito das obrigações, em regra, a dos sócios (contribuição para o capital social).
obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios
dessa coisa, ainda que não mencionados. 2.2. Contrato oneroso e gratuito
( ) Certo ( ) Errado
a) Contrato oneroso: é aquele em que as partes
COMENTÁRIOS
ganham algo equivalente à sua prestação, ou seja,
A afirmativa está CERTA e está em conformidade há equilíbrio econômico entre as partes porque am-
com a redação do art. 233, CC: “A obrigação de dar
bos perdem e ganham na mesma proporção eco-
coisa certa abrange os acessórios dela embora não
nômica, por exemplo, contrato de compra e venda.

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b) Contrato gratuito: é aquele em que a parte não que nenhum peixe seja pescado (emptio spei) ou se
ganha algo equivalente à sua prestação, ou seja, há vier em qualquer quantidade, só não pagando se
desequilíbrio econômico, pois uma das partes só nenhum vier (emptio rei speratae). Em nenhum dos
ganha e uma das partes só perde, por exemplo, dois casos pagará, se o insucesso total ou parcial
contrato de doação. decorreu de dolo ou culpa do pescador.

2.3. Contrato comutativo e aleatório b) Compra e venda de coisa exposta a risco: O


contrato de compra e venda de coisa exposta a
a) Contrato comutativo: é aquele em que as par- risco é de coisa que já existe, mas é atipicamente
tes podem antever os seus efeitos, ou seja, ao cele- aleatório, pois o comprador assume o risco exposto.
brar o contrato, já sabem os efeitos que serão pro- Exemplo: compra de cerâmica a ser transportada
duzidos. Exemplo: contrato de compra e venda, pois em navio, cujo risco de vir a se quebrar o comprador
já se sabe que um entrega o bem e que outro entre- assuma. Deverá pagar todo o preço, mesmo que
ga o preço. alguns venham quebrados, a menos que dolosa-
mente o vendedor se aproveite, colocando alguns já
b) Contrato aleatório: é aquele em que as partes quebrados.
não podem antever os seus efeitos, ou seja, ao
celebrar o contrato não há como saber os efeitos 2.4. Contrato consensual e real
que serão produzidos. A razão é simples: contrato
aleatório é o contrato de risco (álea significa risco). O contrato se forma, em regra, quando a uma pro-
Exemplo: contrato de seguro, pois o segurado pode posta se seguir uma aceitação, ou seja, com o
ou não receber a indenização, a depender se ocorre acordo de vontade das partes. Essa regra é que-
ou não o sinistro, o que não se sabe quando o con- brada em alguns casos, quando o acordo de vonta-
trato é celebrado. des não é suficiente para a formação do contrato, o
que só ocorre com a prática de um ato posterior: a
O contrato aleatório pode ser naturalmente aleatório entrega do bem objeto da prestação.
(aleatório típico) ou acidentalmente aleatório (alea-
tório atípico). O contrato é naturalmente aleatório a) Contrato consensual: é aquele que se forma
quando for da sua essência ser aleatório, por exem- com o acordo de vontades das partes. É a regra em
plo, contrato de seguro. O contrato é acidentalmente matéria de contratos, por exemplo, o contrato de
aleatório quando for da sua essência ser comutati- compra e venda.
vo, mas é aleatório em razão de uma circunstância b) Contrato real: é aquele que se forma com a
que lhe é específica. Exemplo: contrato de compra e tradição, ou seja, com a entrega do bem, que se
venda é comutativo, mas o contrato de compra e segue ao acordo de vontade das partes. São três os
venda de uma safra que está sendo plantada é contratos reais: mútuo, comodato e depósito.
aleatório, pois não se sabe qual será a quantidade
da produção. 2.5. Contrato de execução instantânea, continu-
ada e diferida
Os arts. 458 a 461 do CC trazem dois tipos de con-
tratos de compra e venda atipicamente aleatórios: a) Contrato de execução instantânea: é aquele
compra e venda de coisa futura e de coisa exposta que é cumprido em uma só vez, no momento da
a risco. celebração do contrato (exemplo: compra e venda
com pagamento à vista).
a) Compra e venda de coisa futura: O contrato de
compra e venda de coisa futura é aleatório, pois não b) Contrato de execução continuada: é aquele em
se sabe se a coisa virá a existir e em que quantida- que a prestação é cumprida em cotas periódicas
de. Pode o contratante assumir o risco da coisa não (exemplo: compra e venda com pagamento parce-
vir a existir, pagando mesmo assim o preço (cha- lado).
mado de contrato de compra e venda emptio spei)
ou assumir o risco de vir a existir em qualquer quan- c) Contrato de execução diferida: é aquele em
tidade, pagando o preço se vier a existir em quanti- que a prestação é cumprida em uma só vez, mas no
dade inferior à esperada, mas não pagando se nada futuro (exemplo: compra e venda com pagamento a
do avençado vier a existir (chamado contrato de prazo).
compra e venda emptio rei speratae). Em ambos os
casos, não pagará o preço se menos do esperado 2.6. Contrato entre presentes e entre ausentes
vier a existir por culpa ou dolo do contratante. Como
exemplo, pense na compra de peixes que ainda É uma classificação que se refere à formação do
serão pescados, em que se paga o preço mesmo contrato. Pelos nomes, parece que depende se as

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partes estão ou não na presença física um do outro. “coisa assim ficar”, ou seja, o contratante é obrigado
Não é bem assim, pois há tecnologias que fazem a cumprir o contrato, mas apenas se a coisa assim
com que uma conversa entre pessoas distantes seja ficar.
como se estivessem fisicamente presentes, pois
proposta e aceitação se dão em tempo real. A inovação do atual CC foi tornar a cláusula rebus
sic stantibus implícita aos contratos, quando pas-
a) Contrato entre presentes: é aquele em que sou a prever a teoria da imprevisão ou da onerosi-
proposta e aceitação se dão em tempo real, sendo dade excessiva. Se um contrato for assinado e so-
firmado não só entre pessoas fisicamente presen- brevier fato imprevisível que o desequilibre, tornan-
tes, mas também por telefone ou meio de comuni- do-o excessivamente oneroso para uma das partes
cação semelhante (vídeo conferência, chats, entre e com extrema vantagem para a outra, poderá
outros). aquela pedir a resolução do contrato (art. 478 do
CC). O exemplo típico é o contrato de leasing de um
b) Contrato entre ausentes: é aquele em que pro- carro, com valor atrelado ao dólar (locação com
posta e aceitação não se dão em tempo real, cujos opção de compra ao fim do contrato mediante pa-
principais exemplos são aqueles formados por carta gamento de valor residual). O dólar vale um real e
ou por e-mail. passa do dia para noite para dois reais, dobrando o
valor a ser pago. Poderá ser pedida a resolução do
3. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS contrato com base na teoria da imprevisão ou da
onerosidade excessiva.
3.1. Princípio da autonomia da vontade
São os elementos necessários para incidência da
As partes são livres para contratar, ou seja, contra- teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva:
tam se quiserem, com quem quiserem e sobre o
que quiserem. Isso decorre de simples razão: con- a) Contrato de execução continuada ou diferida:
trato é um acordo de vontades. O limite para suas A teoria da imprevisão se aplica a contratos cuja
atuações é a lei e, como veremos mais à frente, o execução se prolongue no tempo, ou seja, quando a
interesse social e a boa-fé. execução é continuada ou diferida no tempo. Como
o contrato de execução instantânea tem prestações
3.2. Princípio da obrigatoriedade e a teoria da cumpridas quando da celebração do contrato, estas
imprevisão (pacta sunt servanda x cláusula re- não serão atingidas pelo fato imprevisível superve-
bus sic stantibus) niente.

As partes contratam se quiserem, mas, se contrata- b) Prestação excessivamente onerosa para uma
rem, são obrigadas a cumprir o contrato. O contrato das partes: É a ideia da teoria, a excessiva onero-
faz lei entre as partes, o que traduz o conhecido sidade para uma das partes, desequilibrando o con-
pacta sunt servanda, ou seja, os pactos devem ser trato.
cumpridos.
c) Extrema vantagem para a outra parte: Para a
Essa é a noção básica do princípio, mas o seu es- resolução dos contratos, não basta este ter ficado
tudo pode e deve ser aprofundado. O atual CC muito oneroso para uma das partes. É preciso que,
adotou o princípio do pacta sunt servanda, mas não concomitantemente, tenha havido extrema vanta-
de forma absoluta, pois foi mitigado pela previsão gem para a outra parte. Assim sendo, se o contra-
da chamada cláusula rebus sic stantibus. tante perde seu emprego e consegue outro rece-
bendo metade do salário anterior, o contrato fica
Para entender essa cláusula, é necessária uma excessivamente oneroso para ele, mas não poderá
breve análise histórica. Desde a origem dos contra- pedir a resolução pela onerosidade excessiva por-
tos, vigora o princípio do pacta sunt servanda, ou que não houve extrema vantagem para a outra par-
seja, o contrato sempre fez lei entre as partes. No te.
entanto, a Idade Média foi uma época que ameaçou
a sobrevivência desse princípio, pois foi um período c) Fato superveniente e imprevisível: A resolução
marcado por constantes guerras e conflitos feudais, do contrato só terá lugar se o desequilíbrio das
o que inviabilizava o cumprimento de um contrato. prestações decorrerem de um fato superveniente
Por isso, naquela época, tornou-se comum vir nos que as partes não podiam prever quando da cele-
contratos com prestação que se prolongava no tem- bração do contrato.
po uma cláusula liberando o contratante em caso de
ocorrer uma guerra ou conflito feudal, permitindo-lhe Atenção: não confunda teoria da onerosidade ex-
pedir o fim do contrato. Rebus sic stantibus significa cessiva com lesão e estado de perigo. Nesses de-

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feitos do negócio jurídico, o ato já nasce viciado, do contrato, poderá intervir nessa relação entre
enquanto que na aplicação da teoria ora em estudo, particulares, trazendo os juros para valor de merca-
o contrato nasce conforme a lei, mas se vicia por do.
fato superveniente. A consequência disso é que na
lesão e no estado de perigo o contrato é anulado, O CC, em várias oportunidades, tem regras que
enquanto que na teoria da imprevisão ele é objeto refletem essa tendência da sociabilidade do direito.
de resolução. Nos citados vícios da vontade, como É o caso, por exemplo, da teoria da imprevisão,
o ato é invalidado, a sentença anulatória retroage à podendo o juiz pôr fim ao contrato em razão do seu
data da prática do ato, desfazendo todos os efeitos desequilíbrio econômico pela superveniência de um
produzidos, inclusive os anteriores à anulação. Na fato imprevisível. O mesmo ocorre no caso de lesão
resolução do contrato pela onerosidade excessiva, a e estado de perigo, podendo o juiz invalidar o con-
sentença não deveria retroagir, só aniquilando os trato, por uma das partes ter assumido obrigação
efeitos a partir da resolução. Todavia, por expressa excessivamente onerosa em razão de determinadas
previsão legal, efeitos anteriores à resolução serão circunstâncias que forçam a contratação. Isso de-
desfeitos, pois a lei determina que a sentença retro- monstra a preocupação socializante do atual CC,
aja à data da citação, ou seja, só são preservados pois, mesmo preenchidos os requisitos formais de
os efeitos anteriores à citação. validade do negócio jurídico, a lei pretende amparar
um dos contratantes da esperteza ou ganância do
Importante lembrar que o contrato atingido pela outro ou do prejuízo econômico imprevisível com
teoria da imprevisão ou onerosidade excessiva extrema vantagem para o outro contratante. Qual a
pode se manter, sem ser objeto de resolução, o que razão disso? O Poder Judiciário só pode chancelar
ocorrerá se o contratante beneficiado concordar contratos que respeitem não só regras formais de
com a redução do seu ganho, reequilibrando as validade jurídica, mas, sobretudo, normas superio-
prestações. res de cunho moral e social.

3.3. Princípio da relatividade dos efeitos dos Essa concepção social do contrato chega ao seu
contratos ápice quando o CC, já em seu primeiro artigo sobre
contratos, diz que a função social do contrato repre-
O contrato só produz efeitos em relação às partes. senta uma limitação na liberdade de contratar (art.
É por isso que dizemos que o direito contratual é 421 do CC). As partes são livres para, dentro dos
inter parte (entre as partes), diferente dos direitos limites legais, colocarem no contrato as cláusulas
reais, que são direitos oponíveis erga omnes (contra que quiserem, mas a limitação à autonomia da von-
todos). Significa que o contratante só pode opor seu tade não se dá apenas pela lei, mas também pelo
direito contratual ao outro contratante e não a pes- interesse social.
soas estranhas à relação contratual, pois só as par-
tes podem ter direitos e deveres frutos do contrato Imagine um contrato para a construção de uma obra
que celebraram. de vulto ou de uma indústria. Não obstante estejam
observados os requisitos legais de validade (agente
3.4. Princípio da função social do contrato capaz, objeto possível, determinado ou determinado
e forma prescrita ou não defesa em lei), alguns
O contrato não interessa apenas às partes contra- questionamentos podem ser feitos: e os reflexos
tantes, mas sim a toda sociedade, porque ele re- ambientais? E os reflexos trabalhistas? E os refle-
percute no meio social. Essa é a ideia do princípio xos sociais? E os reflexos morais, ou seja, no âmbi-
da função social do contrato, que reflete a atual to dos direitos da personalidade? Por melhor que
tendência de sociabilidade do direito, ou seja, de seja o contrato do ponto de vista econômico para os
subordinação da liberdade individual em função do contratantes, não se pode chancelar como válido
interesse social. Assim sendo, se o contrato reper- um negócio negativo para a sociedade em razão do
cute negativamente para a sociedade, o juiz pode desrespeito de leis ambientais, que pretenda fraudar
nele intervir para preservação do interesse coletivo. leis trabalhistas ou que viole a livre concorrência, as
leis do mercado ou postulados de defesa do con-
Como exemplo, podemos pensar em um contrato sumidor, mesmo sob o pretexto da livre iniciativa.
com juros excessivamente elevados. Não é ruim
apenas para a parte devedora, mas para toda a Analisando os exemplos supramencionados, pode-
sociedade, pois aumenta o risco de inadimplemento, mos verificar que um contrato que não cumpre a
o que aumenta ainda mais os juros, o que dificulta a sua função social pode ser bom apenas para uma
circulação do crédito, diminuindo os investimentos das partes, como ocorre com o contrato com juros
produtivos e fazendo com que o Estado não se de- excessivos. Neste caso, caberá ao contratante pre-
senvolva. O juiz, sob o fundamento da função social judicado pedir a tutela jurisdicional com base na

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função social do contrato. No entanto, até mesmo sa a toda a sociedade, pois a lei diz que o contrato
quando o contrato for bom do ponto de vista eco- tem uma função social.
nômico para ambas as partes, poderá ser alvo de
intervenção do juiz, caso contrarie o interesse soci- 3.5. Princípio da boa-fé objetiva
al, como é o caso de um contrato muito lucrativo,
mas que gera danos ambientais ou que fraude leis Este princípio vem consagrado no art. 422 do CC,
trabalhistas. A questão é: nesse caso de mútuo que obriga as partes contratantes a agirem de boa-
benefício, a quem caberá pedir a intervenção judici- fé quando da celebração de um contrato. A palavra
al? chave do princípio é confiança, que significa parce-
ria contratual. A ideia é que os contratantes não são
O papel de guardião do princípio da função social lutadores, um querendo prejudicar o seu adversário,
do contrato deve recair sobre os ombros do Minis- mas sim parceiros, porque um confia no outro, uma
tério Público. A princípio, o parquet não teria legiti- vez que são obrigados a agir conforme os ditames
midade ativa para pedir a intervenção do juiz no da boa-fé.
contrato, por tratar-se de interesse privado. Todavia,
como o contrato tem uma função social, não poden- Imagine um casal de noivos que compra suas alian-
do prejudicar a sociedade como um todo, o interes- ças em uma joalheria, optando por um modelo que
se passa a ser coletivo, legitimando a atuação mi- é feito com ouro amarelo e ouro branco. Satisfeitos
nisterial. com a bela aliança, no dia da festa do noivado, um
casal de amigos informa que toda aliança com ouro
Com efeito, o princípio da função social do contrato branco fica amarelada com o decorrer do tempo.
possibilita uma nova tendência de controle dos Revoltados, reclamam junto à joalheria, que diz
contratos inaugurada pelo atual CC: o dirigismo nada poder fazer. Os noivos poderão pedir a resolu-
judicial dos contratos. O que significa isso? O con- ção do contrato de compra e venda, devolvendo as
trato sempre sofreu controle externo, limitando a alianças e recebendo seu dinheiro de volta, em fun-
atuação dos contratantes. Até então, prevalecia o ção da quebra da boa-fé do vendedor, que não in-
controle feito pela lei, razão pela qual esse controle formou um relevante aspecto do contrato, que inter-
é chamado de dirigismo legal dos contratos. Pense, feriria na escolha do modelo da aliança ou na pró-
como exemplo, no contrato de locação, onde a lei pria realização do negócio.
do inquilinato limita a atuação do locador. Hoje, com
o CC vigente, prevalece o dirigismo judicial dos O princípio que rege os contratos é o princípio da
contratos, ou seja, não é a lei que controla o contra- boa-fé objetiva, mas, em realidade, existem dois
to, mas sim o juiz, na análise do caso concreto. tipos: a objetiva ou a subjetiva. A subjetiva, como o
nome sinaliza, é a boa-fé interior, psicológica, ou
O que torna isso possível é a utilização das chama- seja, o que o contratante acredita ser correto. Já a
das cláusulas gerais ou conceitos jurídicos inde- objetiva lhe é exterior, ou seja, é agir de forma cor-
terminados, que tem como exemplo a função social reta, segundo um padrão normal de conduta. A boa-
dos contratos. São expressões vagas em seu con- fé que rege os contratos é a objetiva, pois é mais
teúdo, exigindo do aplicador do direito uma análise segura, uma vez que não depende do que pensa o
do caso concreto para suprir a vacância. A lei diz outro contratante, mas sim em verificar se o contra-
que o contrato deve atender a função social, ou tante agiu seguindo um comportamento normal das
seja, não pode ir contra o interesse social. O que é pessoas.
atender ou ir contra o interesse social? A lei não
enumera casos, preferindo usar uma expressão O que é um comportamento normal? Como saber
vaga, permitindo ao juiz dizer, analisando o contra- se o contratante agiu seguindo um padrão normal
to, se ele atende ou não o interesse social. de conduta? É o juiz que dirá na análise do caso
concreto. Com efeito, vimos que a tendência atual
Em conclusão, não se pretende aniquilar o princípio em matéria de controle contratual é o chamado diri-
da autonomia da vontade ou o pacta sunt servanda, gismo judicial dos contratos, em substituição da
mas temperá-lo, tornando-os mais vocacionados ao antiga prevalência do dirigismo legal. Cabe ao juiz
bem-estar comum, sem prejuízo do interesse eco- controlar os contratos, o que lhe é permitido a partir
nômico pretendido pelas partes contratantes. A lei do uso de cláusulas gerais ou de conceitos jurídicos
relativiza o princípio do pacta sunt servanda com indeterminados, que são expressões vagas, recla-
regras específicas, como a cláusula rebus sic stan- mando suprimento da vacância pelo aplicador do
tibus ou com a previsão da lesão ou do estado de direito na análise do caso concreto. É o caso não só
perigo, mas também relativiza permitindo interven- da função social dos contratos, mas também da
ção judicial em uma relação que deveria interessar boa-fé objetiva. A lei obriga as partes a agirem de
unicamente às partes do contrato, mas que interes- boa-fé, sem, no entanto, enumerar as condutas

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permitidas e proibidas sob esse aspecto. Esse papel


caberá ao juiz, que poderá intervir em um contrato, a) Art. 423: quando houver no contrato de adesão
podendo até resolvê-lo, mesmo tendo sido observa- cláusulas ambíguas ou contraditórias, deve ser ado-
dos os requisitos formais de validade em uma livre tada uma interpretação mais favorável ao aderente.
negociação entre particulares.
b) Art. 424: são nulas as cláusulas em um contrato
Atenção: Conforme o art. 422 do CC, a boa-fé deve de adesão que estipulem a renúncia do aderente de
nortear o comportamento dos contratantes não só um direito seu resultante da própria natureza do
no momento da conclusão do contrato, mas também negócio. Exemplo: contrato de depósito é aquele em
durante a sua execução. É o fundamento da cha- que o depositante entrega temporariamente ao de-
mada responsabilidade civil pós-contratual. Às ve- positário a guarda e conservação de um bem, que
zes, um contrato produz efeitos após a sua celebra- tem o dever de devolver o bem tal como recebido.
ção, devendo a boa-fé perdurar enquanto durarem Note que é um direito do depositário receber o bem
esses efeitos. Imagine que uma pessoa compre um tal como entregou ao depositário. Sendo o estacio-
carro junto a uma concessionária. O carro quebra, namento em estabelecimentos comerciais um con-
mas não existe peça para reposição e o comprador trato de depósito e de adesão, é nula a cláusula que
não poderá mais utilizá-lo. Ele poderá pedir a reso- diz não haver responsabilidade pelos objetos deixa-
lução do contrato alegando quebra da boa-fé objeti- dos no interior do veículo.
va em razão de não ter informado fato que poderia
ocorrer após a execução do contrato. 4.2. Contratos atípicos

Importante: embora não mencionado expressa- O CC, nos arts. 481/853, trata da regulamentação
mente no art. 422 do CC, a boa- fé deve nortear o das várias espécies de contrato. Não há como a lei
comportamento dos contratantes até mesmo antes prever todo tipo de contrato, pois este resulta do
da proposta. É o fundamento da chamada respon- acordo de vontade das partes, que são livres para
sabilidade civil pré-contratual, que será analisada a negociar de acordo com suas necessidades. Ade-
seguir nas considerações sobre a formação dos mais, as alterações da lei não conseguem acompa-
contratos. Exemplo típico é a proibição da propa- nhar o surgimento de novos contratos em razão da
ganda enganosa. O contrato celebrado a partir de dinâmica social.
uma propaganda enganosa poderá ser resolvido a
requerimento da parte prejudicada, pois a boa-fé já Contratos típicos são aqueles previstos e regula-
deve fazer-se presente mesmo durante as negocia- mentados em lei, enquanto que os contratos atípi-
ções preliminares para uma futura contratação. cos não os são. São lícitos os contratos atípicos em
razão do princípio da autonomia da vontade. Que
4. PRELIMINARES normas são aplicadas a eles, já que não há regula-
mentação específica em lei? Nos termos do seu art.
O CC trata da teoria geral dos contratos a partir do 425, as normas gerais do CC, tanto da sua parte
seu art. 421, iniciando com questões preliminares. geral quanto da teoria geral dos contratos, ora em
De todos os princípios vistos, trata do princípio da estudo.
função social dos contratos e da boa-fé objetiva. A
seguir, trata de três temas: contrato de adesão, 4.3. Pacto Sucessório
contratos atípicos e pacto sucessório, o que passa-
mos a abordar. Pacto sucessório é o contrato que tem por objeto
herança de pessoa viva, sendo também chamado
4.1. Contratos de adesão de pacta corvina ou pacto de abutres. Nos termos
do art. 426 do CC, é um contrato proibido por lei,
Contrato de adesão é o contrato elaborado unilate- sendo inválido se praticado. A questão é: será nulo
ralmente por uma das partes contratantes, opondo- ou anulável? A lei proíbe a prática sem dizer, no
se ao contrato paritário, em que elas elaboram con- entanto, se nulo ou anulável, razão pela qual é con-
juntamente as cláusulas do contrato. Não é um ne- siderado nulo pela lei, conforme prevê o art. 166,
gócio jurídico unilateral, pois o aderente, embora VII, do CC.
não tenha o poder de negociar as cláusulas do con-
trato, tem que aceitar a proposta, não perdendo, Note não poder ser objeto de contrato herança de
portanto, sua natureza contratual de bilateralidade. pessoa viva, ou seja, após morte do de cujos, após
a abertura da sucessão, os herdeiros podem nego-
O aderente é parte mais fraca nessa relação contra- ciar seus quinhões hereditários, mesmo antes da
tual. Para garantir a isonomia material ou real, o CC individualização obtida ao fim do inventário com o
lhe confere duas proteções:

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formal de partilha, sendo considerado por lei um Sobrevindo uma proposta à fase de puntuação, esta
contrato de bem imóvel (art. 80, II, do CC). vincula o proponente, pois, se a outra parte a acei-
tar, o contrato estará formado e ambos estarão
5. FORMAÇÃO DOS CONTRATOS obrigados em seus termos. A questão é: podemos
falar em responsabilidade civil nesta fase de nego-
O contrato se forma, em regra, quando a uma pro- ciações preliminares pela não conclusão do contra-
posta se seguir uma aceitação, seja com o acordo to? Em regra não, pois não há qualquer problema
de vontades das partes. Como exceção, temos os em se iniciarem negociações e se perceber a invia-
contratos reais, em que este acordo não é suficiente bilidade ou inconveniência da contratação. Todavia,
para a formação do contrato, o que só ocorre com em alguns casos, pode haver responsabilidade civil
um ato posterior: a tradição, ou seja, a entrega do extracontratual ou aquiliana, pois não há ainda um
bem. É o caso de três tipos contratuais: mútuo, co- contrato, sendo chamada de responsabilidade civil
modato e depósito. pré-contratual.

Não confunda a formação do contrato com a sua Quando isso ocorre? Quando, nas negociações
validade. O contrato se formar significa passar a preliminares, uma das partes cria na outra a justa
existir no mundo jurídico, obrigando as partes ao expectativa de contratação e, sem qualquer justifica-
seu cumprimento, enquanto que ser válido é estar tiva, por mero capricho, não formaliza a proposta. O
de acordo com a lei e, portanto, apto a produzir fundamento é a quebra da boa-fé objetiva na fase
seus regulares efeitos. O art. 107 do CC prevê que das negociações preliminares. Há um abuso de
a validade dos contratos não exige forma especial, direito, que é considerado pela lei ato ilícito a ense-
senão quando a lei exigir, ou seja, o contrato se jar responsabilidade civil (art. 187 c/c art. 927, am-
forma com o simples acordo de vontades, mas, em bos do CC). Ora, ao criar a justa expectativa de
alguns casos, sua validade reclama uma forma es- contratação, legitima a outra parte a contrair gastos
pecial para produzir efeitos. Assim, destacando que e até a recusar outras propostas, e não concluir o
em alguns casos deve haver uma forma especial do contrato sem qualquer justificativa é causar o que
contrato, o que tratamos aqui é do momento da sua chamamos de “dano de confiança”, em razão da
formação, pois passando a existir no mundo jurídi- quebra da boa fé objetiva, que deve nortear o com-
co, obriga as partes ao seu cumprimento, sob pena portamento dos contratantes até mesmo antes da
de responsabilidade civil contratual, ou seja, indeni- proposta.
zação de perdas e danos em razão da mora ou do
inadimplemento (tema tratado em obrigações, para Como exemplo, cito um caso cobrado em prova.
onde remetemos sua leitura). Imagine que durante anos um fabricante de extrato
de tomate distribui gratuitamente sementes de to-
O CC trata do tema formação dos contratos nos mate entre agricultores de uma região, procurando-
arts. 427/435, mencionando a proposta e a aceita- os na época da colheita para celebrar com eles
ção. Todavia, a formação do contrato não é com- contrato de compra e venda de toda a produção de
posta apenas por esses dois atos. Normalmente tomate. No décimo ano distribuiu as sementes, mas
existe uma fase prévia, de negociações prelimina- não apareceu para compra da safra. Procurada
res, chamada de fase de puntuação, que poderá pelos agricultores, recusou-se, sem qualquer justifi-
culminar na formulação de uma proposta, que, se cativa, a celebrar o contrato. Nesse caso, há res-
aceita, formará o contrato. São as fases que pas- ponsabilidade civil pré-contratual aquiliana do fabri-
samos a estudar. cante de extrato de tomate, tendo que indenizar os
agricultores em razão dos prejuízos que resultaram
5.1. Fase de puntuação e a responsabilidade pré- da não contratação, como os custos da produção e
contratual eventual recusa de venda para outros compradores.
O fundamento da responsabilidade pré-contratual é
Fase de puntuação é a fase de negociações preli- a violação do princípio da boa-fé objetiva nessa fase
minares que antecedem a proposta, marcada por de negociações preliminares anterior à proposta,
conversações prévias, ponderações, reflexões, son- pois o fabricante criou nos agricultores a justa ex-
dagens, cálculos e estudos de viabilidade de nego- pectativa de contratação e, sem qualquer justificati-
ciação futura. Pode resultar, inclusive, em uma mi- va, por mero capricho, não formalizou a proposta de
nuta contratual se alguns pontos acordados forem compra e venda.
reduzidos a termo, ou seja, a escrito (difere da pro-
posta, pois esta é completa, uma vez bastar um sim 5.2. Pré-contrato ou contrato preliminar
para o contrato se formar).
O pré-contrato, também chamado de contrato preli-
minar ou pacto de contrahendo, é um contrato em

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que as partes assumem a obrigação de celebrar um No supramencionado exemplo da compra dos toma-
contrato definitivo no futuro, por não ser possível a tes, o fabricante, por ser fase anterior à proposta,
contratação agora ou por não ser o melhor momen- tem responsabilidade civil extracontratual, somente
to. sendo responsabilizado civilmente se os agricultores
provarem a justa expectativa de contratação e a
Exemplo: Um time de futebol quer contratar um recusa sem qualquer justificativa, mas também a
jogador. Não pode celebrar um contrato definitivo sua culpa na não celebração do contrato. No entan-
agora, pois ele tem contrato em vigor com outro to, se na fase de negociações preliminares, as par-
clube. No entanto, poderão celebrar um pré- tes reduzirem as bases do contrato a escrito em um
contrato, em que se obrigam a contratar ao término pré-contrato, bastarão provar que o fabricante assi-
do contrato em vigor. Caso o jogador negocie seu nou um pré-contrato e que houve inadimplemento,
passe com outro clube ou este não queira mais além de sequer precisar provar o dano e a sua ex-
contratá-lo, haverá descumprimento do contrato, tensão, pois poderão executar direto a cláusula
devendo arcar com perdas e danos, que provavel- penal.
mente virá pré-fixada em uma cláusula penal.
O mesmo ocorre no exemplo da contratação do
Importante: O pré-contrato deve ter os mesmos jogador de futebol. Se o clube apenas conversa em
elementos do contrato definitivo, à exceção de um negociações preliminares, acertando as bases de
deles: a forma. As partes e o objeto são os mesmos, um futuro contrato, pode ser que, ao final do contra-
mas a forma não precisa ser a mesma. Se o contra- to em vigor, o atleta quebre a confiança e resolva
to definitivo tem que ser por escritura pública, nada permanecer no clube que está ou contratar com
impede que o pré-contrato seja por instrumento outro. Para responsabilizá-lo civilmente, deverá
particular. provar que o atleta não contratou culposamente,
mas, se assinar um pré-contrato, bastará comprovar
Qual a importância do pré-contrato? Em princí- o inadimplemento, sem sequer precisar provar o
pio, a responsabilidade civil na fase de negociações dano e a sua extensão.
preliminares é extracontratual, pois ainda não há um
contrato. No entanto, se celebrarem um pré- 5.3. A proposta
contrato, as partes transformarão essa responsabili- O contrato se forma quando a uma proposta se
dade pré-contratual em contratual antes mesmo da seguir uma aceitação. É raro uma pessoa fazer
celebração do contrato definitivo, pois o pré-contrato uma proposta e a outra simplesmente a aceitar, pois
é um contrato. Qual a vantagem? A parte prejudica- é normal se sucederem sucessivas contrapropostas
da não precisará provar a culpa do inadimplente no até culminar em uma aceitação final. Essa fase de
descumprimento do contrato nem tampouco o dano, sucessivas contrapropostas a partir de uma propos-
seja sua própria existência, seja a sua extensão. ta é chamada de fase de policitação ou fase de
Você lembra o que vimos a respeito do tema? oblação. Isso dá nome aos atores envolvidos: quem
faz a proposta é chamado de proponente ou de
Lembrando: tanto a responsabilidade civil extracon- policitante e quem a aceita é chamado de aceitante
tratual (em regra) como a contratual são subjetivas, ou de oblato.
mas esta tem culpa presumida. Assim, se o caso é
de responsabilidade contratual, basta ao contratante Na fase de policitação, não deixa de haver uma
prejudicado provar o inadimplemento, sem precisar negociação entre as partes, o que já acontece na
provar que o outro teve culpa no descumprimento fase de puntuação. Ora, qual a diferença entre a
do contrato (este poderá elidir sua responsabilidade fase de puntuação e a fase de policitação na forma-
provando não ter tido culpa, pois a presunção de ção dos contratos? É a existência de uma proposta.
culpa é relativa, admitindo prova em contrário, o que A fase de puntuação é a fase de negociações preli-
representa inversão do ônus da prova). Por outro minares, ou seja, anterior à proposta. Já a fase de
lado, se é caso de responsabilidade civil extracon- policitação se dá após a proposta, sucedendo-se
tratual subjetiva, a vítima do dano, ao cobrar perdas sucessivas contrapropostas. A pergunta se mantém:
e danos, deverá provar que o agressor teve culpa como saber se uma conversa entre as partes já
em causá-lo. Assim sendo, a responsabilidade civil configura uma proposta ou apenas negociações
contratual é mais vantajosa para quem sofre o dano, preliminares, que até pode resultar em uma minuta,
pois não precisará provar o difícil elemento subjetivo se reduzido a termo? É a seriedade da proposta.
da culpa. Além disso, como há um contrato, pode- Significa que a proposta é pronta e acabada, abor-
mos pré-fixar as perdas e danos em uma cláusula dando todos os elementos do contrato, pois basta
penal, dispensando a parte prejudicada de provar um sim para a formação do contrato. Se isso já exis-
não só o dano, mas, sobretudo, a sua extensão. te, é fase de policitação; se ainda não existe, sendo

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conversados apenas alguns pontos do contrato, a Se a proposta obriga apenas o proponente, a acei-
fase é de puntuação. tação vincula também o aceitante, pois ela faz o
contrato se formar, passando a existir no mundo
O aspecto mais importante da proposta é o seu jurídico, estando ambas as partes obrigadas ao seu
aspecto vinculatório, ou seja, a proposta obriga o cumprimento nos termos da responsabilidade civil
proponente. Se eu faço uma proposta, crio na outra contratual.
parte a justa expectativa de contratação, que pode
levá-la a contrair gastos e até a recusar outras pro- A aceitação pode ser expressa ou tácita. Expressa é
postas. Feita a proposta, o proponente a ela se a aceitação inequívoca, podendo ser escrita, verbal
obriga, ou seja, se houver aceitação, não poderá ou até gestual (ex. leilão). Tácita é a aceitação pre-
alegar desistência ou arrependimento, podendo o sumida pela prática de um ato incompatível com a
aceitante pedir em juízo a execução forçada do não aceitação. Exemplo: doação de vaso não aceita
contrato ou indenização por perdas e danos. Já é de forma expressa, mas o donatário manda buscá-
responsabilidade civil contratual, pois com a aceita- lo na casa do doador e o coloca exposto em sua
ção o contrato se formou, passando a existir no sala. É por isso que o art. 111 do CC prevê que o
mundo jurídico. A proposta só obriga o proponente e silêncio, embora não seja a regra, até pode valer
a aceitação passa a obrigar ambas as partes. como aceitação, mas apenas quando as circunstân-
cias indicarem que a pessoa aceitou tacitamente e,
A questão é: a proposta sempre obriga o proponen- evidente, a lei não exija aceitação expressa.
te? Não, pois nos termos do art. 427 do CC a pro-
posta não obriga o proponente em três casos: Conforme visto, a proposta obriga o proponente. No
entanto, essa obrigatoriedade não é eterna, mas
a) Se isso resultar dos termos da proposta: se no sim pelo prazo dado. Se houver aceitação fora do
próprio corpo da proposta vier expressa a não obri- prazo ou até mesmo com modificações, o proponen-
gatoriedade, não cria justa expectativa de contrata- te não é obrigado a concordar, mas se quiser pode-
ção na outra parte. rá aceitá-la. Por isso, dizemos que a aceitação fora
do prazo ou com modificações tem natureza de
b) A depender da natureza do negócio: há certos nova proposta.
negócios jurídicos que, por sua natureza, não obri-
gam o proponente, como proposta de venda de O contrato se forma quando a uma proposta se
produto com quantidade limitada em estoque, a seguir uma aceitação. Se o contrato é entre presen-
partir do fim do estoque. tes, fácil será determinar o momento, pois proposta
e aceitação se dão em tempo real. E se o contrato
c) A depender de determinadas circunstâncias: for entre ausentes, quando se dá sua formação? Em
existem certas circunstâncias que fazem com que a regra, quando a aceitação é expedida, pois é quan-
proposta deixe de ser obrigatória, estando elas do o aceitante perde o controle de sua vontade.
elencadas no art. 428 do CC - a primeira delas para Como exceção, o contrato entre ausentes se forma
contrato entre presentes e as três restantes para quando a resposta chegar ao proponente, se assim
contrato entre ausentes, a saber: convencionado entre as partes.

(i) se feita proposta sem prazo à pessoa presente e 6. CONTRATOS QUE PRODUZEM EFEITOS A
esta não foi imediatamente aceita; TERCEIROS
(ii) se feita proposta sem prazo a pessoa ausente e
tiver decorrido tempo suficiente para chegar a res- Em razão do princípio da relatividade de seus efei-
posta ao conhecimento do proponente; tos, o contrato só atinge as partes, ou seja, só
(iii) se feita proposta com prazo à pessoa ausente e quem é parte pode ter direito e deveres que dele
esta não expedir a resposta no prazo; decorrem. Todavia, há três contratos em que um
(iv) se feita uma proposta entre ausentes e antes terceiro é por ele atingido, pois terão direitos e deve-
dela ou simultaneamente chegar ao conhecimento res decorrentes de um contrato em que não celebra-
da outra parte a sua retratação. ram originariamente:

A proposta fixa o local de formação do contrato (art. 6.1. Estipulação em favor de terceiro: É o contra-
435 do CC). A importância em saber o local de sua to em que um dos contratantes estipula um terceiro
formação é determinar qual lei será aplicada ao para quem o outro contratante deverá cumprir a
contrato. prestação. É um terceiro ao contrato tendo um direi-
to dele decorrente. Exemplo: contrato de compra e
5.4. A aceitação venda em que o estipulante determina a entrega do
bem para um beneficiário. Se a prestação não for

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cumprida, o estipulante poderá exigi-la em juízo. O


beneficiário também tem esse poder, desde que não O alienante, responder por defeito material é res-
haja essa restrição no contrato. Caso tenha sido ponder por vício redibitório, ou seja, o bem apre-
retirado do beneficiário esse poder, poderá o estipu- senta um defeito físico que o torna inútil ao seu uso
lante exonerar o devedor de cumprir a prestação. E ou que lhe diminui o valor. Por sua vez, responder
a substituição do beneficiário é possível? Sim, inde- por defeito jurídico é responder pela evicção, ou
pendente da anuência dele e do outro contratante, seja, quem alienou o bem não poderia tê-lo feito e o
se reservar esta faculdade no contrato. adquirente o perdeu para um terceiro, podendo bus-
car uma indenização do alienante.
6.2. Promessa de fato de terceiro: É o contrato em
que um dos contratantes promete que um terceiro Procederemos aqui ao estudo em separado do vício
cumprirá a prestação para o outro contratante. É redibitório e da evicção. No entanto, de plano, me-
terceiro ao contrato com um dever dele decorrente. recem destaque três observações comuns a ambos
Exemplo: contrato por meio do qual uma das partes os institutos, pois são questões muito recorrentes
promete que seu irmão, um cantor famoso, conce- em prova e que merecem sua especial atenção:
derá uma entrevista exclusiva a um programa de
rádio. Se o terceiro não cumprir a prestação, o pro- a) O alienante responde por eles mesmo que não
mitente responde por perdas e danos, mesmo que haja previsão expressa em contrato, pois são garan-
tenha feito todos os esforços para o cumprimento da tias implícitas, que decorrem de lei e não da vonta-
prestação. O promitente não responderá, mas sim o de das partes.
terceiro, se este aceitar a prestação e depois não
cumpri-la. Ademais, o promitente não responde pelo b) O alienante responde por eles apenas diante de
descumprimento da prestação do terceiro se, pen- alienações onerosas. Atenção: a doação é uma
dendo sua aceitação, forem casados e, a depender alienação gratuita, mas o alienante responderá por
do regime de bens do casamento, a cobrança sobre eles quando a doação for com encargo, o que a lei
o promitente recair de alguma forma sobre o tercei- chama de doação onerosa.
ro.
c) O alienante responde por eles mesmo que a
6.3. Contrato com pessoa a declarar: É o contrato aquisição do bem tenha se dado em hasta pública,
em que um dos contratantes pode indicar uma pes- ou seja, através da venda pública de bem penhora-
soa que irá assumir a sua posição no contrato. É um do em processo de execução.
terceiro ao contrato tendo direitos e deveres que
dele decorrem. Exemplo: uma pessoa quer comprar 7.1. Vícios Redibitórios
uma casa, cujo dono jamais lhe venderá por pro-
blemas pessoais, podendo se valer de uma pessoa Aqui a responsabilidade é diante da existência de
para contratar com o proprietário, inserindo no con- defeitos materiais, ou seja, o bem está quebrado.
trato cláusula que lhe permite indicá-lo a assumir Importante você não confundir a disciplina civil dos
sua posição no contrato. Essa indicação deve ser vícios redibitórios com a disciplina consumerista.
feita em quinze dias, se outro prazo não for estipu- Sendo o CDC uma lei especial em relação ao CC,
lado, mas tem efeito retroativo à data da celebração só aplicamos suas regras quando inaplicáveis as
do contrato, pois o indicado assume os direitos e regras do CDC. Quando, então, aplicamos as regras
deveres do contrato desde a sua celebração e não dos vícios redibitórios previstas no CC? Quando não
apenas a partir da sua nomeação. Esse contrato houver relação de consumo, o que ocorre em dois
exige muita confiança entre quem indicará e quem casos: (i) quando o alienante não é fornecedor, co-
será indicado, pois se não houver nomeação ou se mo ocorre na venda ocasional de um bem usado,
esta não for aceita pelo indicado, o contrato produz pois ser fornecedor exige habitualidade da negocia-
efeitos entre os contratantes originários. ção; e (ii) quando o adquirente não for consumidor,
como ocorre no caso de alguém adquirir um bem
7. GARANTIAS IMPLÍCITAS IMPOSTAS AO ALI- para renegociação, pois o CDC afirma que só é
ENANTE consumidor quem adquire um bem como destinatá-
rio final. Aqui nos concentraremos na disciplina civil
Quando uma pessoa aliena um bem, deve garantir do tema, deixando as regras da relação de consumo
ao adquirente, em nome da boa-fé objetiva, o seu para um estudo específico do tema.
normal uso e fruição, bem como a garantia de que
não o perderá para terceiros por razões de direito. Por definição, vícios redibitórios são defeitos ocultos
Assim sendo, o alienante responde perante o adqui- que tornam o bem impróprio para o uso a que se
rente do bem tanto por defeitos materiais como por destina ou que lhe diminuem o valor. Note que na
defeitos jurídicos. disciplina civil, diferente da relação de consumo, o

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alienante só responde por defeitos ocultos, ou seja, Além disso, se for um defeito oculto que por sua
que não poderia ter sido facilmente detectado pelos natureza seja de difícil percepção, o prazo só se
órgãos dos sentidos, pois se o vício era aparente, inicia quando o adquirente dele tiver ciência. Toda-
presume-se que o adquirente o admitiu, pois dele via, a lei confere um prazo máximo para ciência do
ciente. defeito a se somar ao prazo de reclamação: cento e
oitenta dias para bem móvel e um ano para bem
Note que o vício redibitório é um defeito material imóvel. Por fim, não se esqueça que eventual prazo
que pode tornar o bem impróprio para o seu uso ou de garantia convencional oferecida pelo alienante
que pode apenas lhe diminuir o valor. Portanto, não substitui o prazo de garantia legal, mas sim a
haverá vício redibitório tanto no defeito oculto em ele se soma, pois, se houver garantia convencional,
um motor de um carro que o faz não mais funcionar, o prazo de garantia legal só se inicia quando este
como também no defeito oculto de uma máquina for encerrado.
que produz determinado produto, diminuindo a sua
produção, embora ela ainda funcione. Assim sendo, 7.2. Evicção
o adquirente pode reclamar do vício redibitório em
juízo optando por uma de duas ações judiciais: Evicção é a perda ou desapossamento judicial, ou
excepcionalmente administrativo, de um bem, em
a) Ação Redibitória: ação judicial em que se pede razão de um defeito jurídico anterior à alienação.
para redibir o contrato, ou seja, desfazer o negócio Quem alienou o bem não poderia tê-lo feito, e o
jurídico. Trata-se de anulação e não de declaração adquirente o perdeu, tendo ação de indenização
de nulidade, pois a lei impõe prazo para reclamá-lo, contra o alienante. O adquirente que perde o bem é
sob pena de convalescimento. o evicto, e o terceiro que dele o toma é o evictor.

b) Ação Quanti Minoris ou Ação Estimatória: Exemplo: estelionatário invade terreno e, falsifican-
ação judicial em que se pede abatimento do preço, do a escritura pública, vende-o. O verdadeiro dono
ou seja, o adquirente quer permanecer com o bem, ajuíza ação reivindicatória reclamando seu terreno.
mas quer devolução do valor da desvalorização em Ao se constatar a falsidade da escritura pública, o
razão do defeito oculto ou, se ainda não pagou, comprador perderá judicialmente o imóvel, o que
descontá-lo quando do pagamento. Nessa ação se chamamos de evicção, tendo apenas direito indeni-
apura o valor a ser abatido do preço, o que justifica zatório contra o alienante.
o seu nomem iuris: “estimar” “quanto menos” vale o
bem. Note que a evicção pode se dar excepcionalmente
através de uma perda administrativa do bem, pois,
Detalhe importante: o alienante responde por ví- em alguns casos, a jurisprudência do STJ tem admi-
cios redibitórios estando ele de má-fé ou até mes- tido a evicção independente de decisão judicial.
mo de boa-fé, ou seja, sabendo ou não do defeito Destaque para o caso em que há apreensão policial
oculto. A diferença é que apenas diante da má-fé da coisa em razão de furto ou roubo anterior à alie-
será obrigado a indenizar perdas e danos. Nos ter- nação, podendo o caso ser resolvido no próprio
mos do art. 443 do CC, se o alienante agiu de boa- âmbito da delegacia. Exemplo: ladrão que vende
fé, apenas ressarcirá o adquirente dos gastos que carro roubado, sendo o evicto parado em uma blitz
teve com o negócio em si, ou seja, devolução do e o carro levado à delegacia e devolvido ao seu real
valor recebido e ressarcimento das despesas do dono.
contrato. Se o alienante procedeu de má-fé, não só
devolverá o valor recebido, mas também indenizará Informação importante: Nos termos do art. 448 do
o adquirente de todas as perdas e danos decorren- CC, as partes podem por cláusula expressa refor-
tes do vício redibitório. çar, diminuir ou até excluir a responsabilidade do
alienante pela evicção. Cuidado, pois a exclusão só
Qual o prazo que tem o adquirente para reclamar valerá se o evicto foi informado do risco da evicção
vício redibitório em juízo? Depende do bem adqui- e o tenha assumido (art. 449 do CC).
rido: trinta dias para bem móvel e um ano para bem
imóvel. A princípio, o prazo se inicia quando da en- Ao perder o bem, o evicto poderá cobrar indeniza-
trega efetiva do bem e não quando da alienação, ção do alienante. A regra é o ressarcimento da
pois só com o seu uso é que ele consegue perceber integralidade do dano do evicto, o que lhe permite
o defeito oculto. No entanto, se o adquirente já tinha cobrar do alienante não só a devolução do que pa-
a posse do bem, o prazo se iniciará quando da prá- gou pelo bem, como também as perdas e danos em
tica do ato, pois é quando adquire legitimidade para razão da evicção, os frutos que eventualmente te-
reclamação em juízo, mas os prazos serão reduzi- nha sido obrigado a restituir ao evictor e o que gas-
dos à metade, por já ter tido contato com o bem.

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tou com custas judiciais e honorários advocatícios de gado e perde vinte ou trinta delas pela evicção.
(art. 450 do CC). Qual a consequência? Depende se a evicção é con-
siderável ou irrisória, pois uma coisa é perder uma
Ainda dentro da regra da indenização da integrali- ou duas cabeças de gado, outra é perder noventa
dade do dano, o alienante responderá perante o delas. Se a perda for considerável, o evicto pode
evicto por eventual valorização do bem entre a épo- pedir a rescisão do contrato ou restituição da parte
ca da alienação e da evicção. Se o bem se desvalo- do preço correspondente ao desfalque sofrido, ou
rizou, o evicto cobrará do alienante o preço que lhe seja, devolver o que sobrou e cobrar devolução do
pagou, mas se houver valorização, cobrará o valor que pagou ou ficar com o que sobrou e cobrar ape-
do bem da época em que se evenceu, ou seja, da nas o equivalente à sua perda. Se, no entanto, a
época em que perdeu o bem pela evicção. perda for irrisória, só poderá o evicto cobrar a inde-
nização pela perda sofrida, permanecendo com o
Mais uma vez, ainda dentro da regra da indenização que sobrou.
da integralidade do dano, ainda que o bem esteja
deteriorado, o evicto poderá cobrar do alienante o 8. EXTINÇÃO DO CONTRATO
valor total do bem, a menos que tenha sido causado
dolosamente por ele, quando só poderá cobrar do Extinção do contrato é o fim de sua existência, é a
alienante o valor que passou a valer o bem. Note sua morte, é o seu desaparecimento do mundo
que, se a título de culpa em sentido estrito a deterio- jurídico. Extinção é o gênero, que contempla várias
ração, ainda assim o evicto cobrará do alienante o espécies, pois é a expressão mais ampla para o fim
valor integral do bem. do contrato, seja pela causa que for.

Conforme será visto no estudo da posse no capítulo Quando falamos em extinção do contrato, esta pode
de direitos reais deste livro, para onde remetemos a se dar, em princípio, por duas formas diferentes:
sua leitura, o possuidor que realiza benfeitorias no por causa anterior ou superveniente à formação do
bem e vem a perdê-lo, tem direito de ser indenizado contrato.
quando as benfeitorias forem necessárias e úteis. É
o caso que ocorre aqui, pois o evicto tem a posse Se a causa de extinção do contrato é anterior ou até
do bem e a perde para o evictor. concomitante à sua formação, temos um caso de
imperfeição do contrato, pois ele já nasceu viciado.
Assim, se ele realizou benfeitorias necessárias ou Nesse caso, o contrato é inválido, podendo ele ser
úteis no bem antes da perda, poderá reclamar in- nulo ou anulável, a depender do vício. Não é tema
denização do evictor. O art. 453 do CC diz que o para aqui ser visto, pois é assunto da parte geral do
evicto pode cobrar do alienante o que gastou com direito civil, para onde remetemos sua leitura.
benfeitorias necessárias e úteis, se não foram abo-
nadas, ou seja, se não foram pagas pelo evictor. No Se a causa de extinção do contrato é superveniente
entanto, completa o art. 454 do CC, se as benfeito- à sua formação, estamos tratando de um contrato
rias foram feitas pelo alienante e abonadas, ou seja, perfeito, ou seja, que se formou de forma válida,
pagas ao evicto pelo evictor, o valor será deduzido não sendo caso de nulidade nem de anulabilidade.
quando o evicto cobrar a indenização do alienante. O contrato perfeito pode ser extinto de duas formas
diferentes: por execução ou por inexecução do con-
Para cobrar o direito que da evicção lhe resulta, o trato.
evicto poderá denunciar ao alienante da lide, para,
em caso de sentença decretando a perda do bem, Execução do contrato é quando ele é cumprido, o
já determine o juiz na sentença a indenização por que pode ocorrer pelo pagamento ou até pelas
ele devida ao evicto. Em havendo sucessivas ven- formas anormais de extinção das obrigações, quais
das antes de o dono reclamar o bem, poderá o evic- sejam: pagamento em consignação, pagamento
to cobrar indenização não só do alienante imediato, com sub-rogação, novação, imputação ao paga-
mas também qualquer dos anteriores (art. 456 do mento, dação em pagamento, compensação, confu-
CC, observe que de acordo com a Lei n. 13.105/15, são ou remissão. Também não é tema para aqui ser
que institui o NCPC, em seu art. 1.072, inc. II, revo- tratado, pois é assunto de obrigações, para onde
ga o dispositivo citado). remetemos a sua leitura.

Por fim, fechando o tema evicção, precisamos en- O caso é de inexecução quando não há cumprimen-
tender o que é evicção parcial, tema que é tratado to de um contrato perfeito, que é o tema que aqui
no art. 455 do CC. Haverá evicção parcial quando o estudamos. Perceba a impropriedade do CC ao
evicto perder apenas parte do que adquiriu na alie- tratar do tema sob o título “da extinção dos contra-
nação, por exemplo, quando compra cem cabeças tos”, quando, na verdade, deveria tê-lo intitulado de

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“inexecução dos contratos” ou até mesmo “da extin- a) Resilição unilateral: ocorre quando apenas uma
ção dos contratos pela inexecução”. das partes não quer mais manter o contrato, sem
precisar externar qualquer razão para isso. O art.
A inexecução pode causar três tipos de extinção do 473 do CC diz que se opera mediante denúncia
contrato: resilição, resolução e rescisão. Vamos notificada à outra parte, ou seja, o contratante deve
definir cada um dos institutos, para em seguida notificá-la formalmente. A resilição unilateral do
aprofundar o estudo. contrato pode se dar quando a lei permitir ou quan-
do houver expressa previsão no contrato. Há casos
a) Resilição: extinção do contrato por vontade de em que a lei permite a resilição unilateral do contra-
um ou de ambos os contratantes, ou seja, é quando to, razão pela qual não será devedor em perdas e
eu termino o contrato porque quero ou quando ter- danos à outra parte. Por exemplo: o direito de re-
minamos porque queremos, sem ter qualquer razão vogação de contrato de mandato. Pode a lei não
jurídica para isso. Exemplo: celebrei contrato de permiti-la, mas a vontade das partes sim, quando
aluguel pelo prazo de três anos e decido resili-lo inserem no contrato cláusula permissiva, podendo
com dois anos por questão pessoal. ou não ser fixada uma multa a ser paga ao outro
contratante se esta ocorrer. Se não houver previsão
b) Resolução: extinção do contrato em razão do legal nem contratual, a parte não poderá unilateral-
inadimplemento da outra parte, ou seja, um dos mente resilir o contrato, podendo ser o caso de re-
contratantes não cumpre o contrato, legitimando a clamação judicial para sua execução forçada.
outra parte pedir sua resolução. Exemplo: mesmo Exemplo: contrato de locação em que há previsão
contrato de aluguel de três anos, resolvido pelo apenas para o locatário o resilir, tendo o locador que
locador em razão do inquilino não pagar o aluguel. esperar o fim do contrato pela total execução.

c) Rescisão: não há consenso na doutrina sobre o b) Resilição bilateral: ocorre quando a extinção do
significado de rescisão do contrato. Muitos usam o contrato se dá unicamente por vontade, mas de
termo rescisão como sinônimo de extinção do con- ambas as partes, sendo chamado de distrato. É um
trato, até mesmo por causa antecedente, sendo, acordo das partes, pondo vim à avença contratual,
inclusive, o sentido que caiu no gosto popular, que sem se externar qualquer causa para isso, razão
só fala em rescisão do contrato quando este chega pela qual, em princípio, nenhuma das partes deve
ao fim. Autores clássicos, como Orlando Gomes e qualquer indenização ao outro contratante. Impor-
Caio Mário, no entanto, com base na doutrina italia- tante sobre o tema é o art. 472 do CC, que diz que o
na, ensinam que rescisão em sentido técnico só distrato deverá ser feito na mesma forma exigida
ocorre quando um contrato é extinto em caso de para ser feito o contrato. Como exemplo, se o con-
lesão ou de estado de perigo. Modernamente, esse trato de compra e venda de um imóvel de valor su-
não é o entendimento, até porque são defeitos do perior a trinta salários mínimos deve ser por escritu-
negócio jurídico, portanto, causas antecedentes ou ra pública, o distrato assim também deve ser.
concomitantes à formação do contrato, caso de
invalidade e não de inexecução, quando pressupo- 8.2. Resolução do contrato
mos um contrato perfeito. Outros autores mencio-
nam rescisão como uma espécie de resolução do Resolução do contrato é a sua extinção em razão
contrato, significando a resolução culposa ou volun- do inadimplemento ou da mora da outra parte. Aqui
tária, ou seja, quando o contrato é extinto por ina- o contrato não termina apenas em razão da vontade
dimplemento culposo do outro contratante. O conse- das partes, pois há uma causa que autoriza uma
lho é evitar o uso do termo rescisão, pois, como não delas a pedir sua extinção: o não cumprimento do
há consenso, é um risco desnecessário em prova. contrato.

8.1. Resilição do contrato Esse descumprimento pode ser com culpa ou sem
culpa do contratante inadimplente, o que faz com
Conforme visto, resilição do contrato ocorre quando que existam dois tipos de resolução do contrato:
há extinção do contrato unicamente em razão da com culpa (voluntária) ou sem culpa (involuntária). A
vontade das partes. A resilição pode ser unilateral grande diferença é que no caso de resolução culpo-
ou bilateral, a depender se a vontade é de apenas sa, o inadimplente será devedor de perdas e danos
um dos contratantes ou de ambos. Não se discute junto com a resolução, o que não será devido quan-
aqui culpa da parte fazendo surgir uma causa de do a resolução não for culposa. Perceba que aqui
extinção do contrato, pois não há causa jurídica que falamos de mora e de inadimplemento, tema que
motive o seu fim, simplesmente não quero ou não abordamos no estudo das obrigações neste livro,
queremos mais. valendo lembrar que só há mora e inadimplemento
indenizáveis em perdas e danos quando com culpa

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do devedor, pois, se sem culpa, apenas haverá consegue. Isso ocorre em dois casos: caso fortuito
resolução do contrato. ou motivo de força maior e no caso de aplicação da
teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva.
Cláusula resolutória é a cláusula que permite ao
contratante resolver o contrato diante do inadim- a) Caso fortuito ou motivo de força maior: são
plemento da outra parte. O contrato pode trazer situações inevitáveis, insuperáveis, que impedem o
uma cláusula resolutória expressa, mas esta tam- contratante de cumprir sua prestação. Imagine con-
bém pode ser implícita aos contratos. Quando isso trato de compra e venda de produto agrícola, que
ocorre? não pôde ser entregue em razão de violenta tem-
pestade que destruiu toda a plantação. Não há cul-
Todo contrato bilateral tem implícita a cláusula reso- pa no inadimplemento, havendo simples resolução
lutória. A razão é que todo contrato bilateral é sina- do contrato, retornando as partes ao estado em que
lagmático, o que significa que a prestação de uma se encontravam antes de sua celebração, sem direi-
das partes é causa da prestação da outra parte. to de indenização da parte prejudicada.
Como uma das partes só cumpre a sua prestação
porque a outra cumpre a sua, o descumprimento Cuidado: há dois casos em que haverá resolução
autoriza a outra parte pedir a resolução do contrato, sem culpa do contratante inadimplente, por decor-
mesmo que não tenha nele cláusula permissiva rer de caso fortuito ou motivo de força maior, mas
expressa. Sendo contrato unilateral ou plurilateral, que haverá dever indenizar o outro contratante em
necessária a cláusula resolutiva expressa no contra- perdas e danos, o que já foi visto neste livro, em
to, para que uma das partes possa pedir a resolu- obrigações, para onde remetemos sua leitura:
ção em razão do inadimplemento ou mora da outra
parte. (i) quando houver previsão expressa no contrato
impondo o dever de indenizar perdas e danos pelo
Há vantagem da cláusula resolutória expressa em seu descumprimento, mesmo em razão de caso
relação à implícita, o que justifica sua inserção in- fortuito ou motivo de força maior (art. 393 do CC); e
clusive no contrato bilateral. Vindo expressa no con-
trato, haverá extinção automática do contrato em (ii) quando a impossibilidade da prestação se dá por
caso de inadimplemento, enquanto que, se implícita, caso fortuito ou motivo de força maior que ocorre
depende de interpelação judicial (art. 474 do CC). durante a mora do contratante (art. 399 do CC).
Além disso, vindo expressa no contrato, já se insere
cláusula penal prefixando o valor da indenização por b) Teoria da imprevisão ou da onerosidade ex-
perdas e danos. cessiva: o tema já foi visto neste livro, neste capítu-
lo dos contratos, quando do estudo do princípio da
8.2.1. Exceção de contrato não cumprido (excep- obrigatoriedade mitigado pela cláusula rebus sic
tio non adimplenti contractus) stantibus, para onde remetemos a sua leitura. É
resolução do contrato sem culpa, pois acontece fato
Se uma das partes é inadimplente, legitima a outra superveniente e imprevisível que desequilibra eco-
a pedir a resolução do contrato. Agora, imagine que nomicamente o contrato, legitimando o pedido de
antes disso o inadimplente ajuíze uma ação cobran- resolução do contrato pelo fato da lei não exigir
do o cumprimento da prestação da outra parte. O mais o seu cumprimento.
que ela poderá fazer? Sendo um contrato bilateral,
poderá alegar a exceção de contrato não cumprido, 8.2.3. Resolução com culpa ou voluntária (que,
ou seja, que não cumprirá sua prestação em razão para alguns autores, é a rescisão)
do autor da ação não ter cumprido a sua. A razão já
foi exposta: como o contrato bilateral é sinalagmáti- A extinção do contrato se dá pelo inadimplemento
co, a prestação de uma das partes é causa da pres- da outra parte, tendo ela culpa no descumprimento
tação da outra parte, razão pela qual quem não do contrato. Exemplo: contrato de aluguel resolvido
cumpre a sua prestação não pode exigir o cumpri- em razão do inquilino não ter pago o aluguel porque
mento da prestação da outra parte (art. 476 do CC). não quis ou porque foi negligente. A diferença para
a resolução não culposa é que aqui o inadimplente,
8.2.2. Resolução sem culpa ou involuntária além de suportar a resolução do contrato, deve pa-
gar indenização por perdas e danos ao outro contra-
A extinção do contrato se dá pelo inadimplemento tante (embora isso possa ocorrer na resolução sem
da outra parte, sem ela ter tido culpa no descum- culpa, mas por exceção nos casos supramenciona-
primento contratual. Aqui não há indenização por dos).
perdas e danos, mas apenas resolução do contrato,
pois o contratante quer cumprir o contrato, mas não

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A resolução com culpa não pode ser bilateral, ape- cução continuada ou diferida, o efeito será, por ex-
nas podendo ser unilateral. Se ambas as partes pressa previsão legal, retroativa, mas até à data da
tiverem culpa no inadimplemento, a culpa será da- citação do processo em que o contratante pede a
quele que primeiro tinha a obrigação de cumprir sua sua resolução (a teoria não se aplica aos contratos
prestação. A razão disso é o princípio da exceção de execução instantânea).
de contrato não cumprido, pois, se houver presta-
ções simultâneas e um dos contratantes não cum- E se o caso for de resilição do contrato, a decisão
pre sua prestação, o outro está legitimado a não tem efeito retroativo ou não retroativo? Quando
cumprir a sua prestação. falamos em resilição, estamos falando de contrato
de execução continuada, pois na resilição o contra-
8.3. Efeitos no tempo da resolução e da resilição tante quer interromper o cumprimento da sua pres-
dos contratos tação prolongada no tempo. Por isso, a resilição do
contrato tem efeito não retroativo ou ex nunc, não
Havendo resolução do contrato, essa decisão tem se desfazendo os efeitos produzidos até então, mas
efeito retroativo ou não retroativo? Depende se o apenas afastando a produção de efeitos daí para
contrato for de execução instantânea, diferida ou frente, até porque não há qualquer causa jurídica a
continuada. gerar o seu término, apenas o acordo de vontades
em acabar com um contrato que produziu efeitos
Se o contrato é de execução única, ou seja, de exe- normalmente até então.
cução instantânea ou até diferida, a decisão produz
efeitos retroativos ou ex tunc, desfazendo-se o que QUESTÕES DE CONCURSOS
foi feito até então, pois resolver o contrato é fazer
retornar ao estado em que as partes se encontra- 1. (CESPE - 2012 - AGU - Advogado da União)
vam antes da sua celebração. Assim, se estamos Com base nas regras relativas à extinção e à reso-
diante da resolução de um contrato de compra e lução dos contratos, julgue os itens subsequentes.
venda, o comprador devolve o bem e o vendedor
devolve o dinheiro recebido, buscando-se eventual De acordo com o STJ, contratada a venda de safra
indenização diante da perda ou deterioração do para entrega futura com preço certo, a incidência de
bem ou até em razão de algum melhoramento por pragas na lavoura não dará causa à resolução por
que passou. onerosidade excessiva, ficando o contratante obri-
gado ao cumprimento da avença.
Se, no entanto, o contrato for de execução prolon- ( ) Certo ( ) Errado
gada no tempo, ou seja, de execução continuada,
os efeitos serão não retroativos ou ex nunc, man- COMENTÁRIOS
tendo-se os efeitos até então produzidos. A razão A afirmativa está correta, pragas em lavoura não
disso é evitar um enriquecimento sem causa de um são consideradas como fatos imprevisíveis, não se
dos contratantes. Imagine um contrato de locação: dando a resolução do contrato por onerosidade
se a resolução tivesse efeito retroativo, faria com excessiva, conforme podemos observar na ementa
que o locador devolvesse o valor recebido durante o do seguinte julgado:
contrato, não tendo como o inquilino devolver o
tempo que usou o bem, o que lhe geraria um enri- DIREITO CIVIL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA
quecimento sem causa por ter alugado o imóvel por "FERRUGEM ASIÁTICA" COMO FATO EXTRA-
um tempo sem por isso pagar. ORDINÁRIO E IMPREVISÍVEL PARA FINS DE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
O efeito retroativo (ex tunc) da resolução dos con- A ocorrência de “ferrugem asiática” na lavoura de
tratos de execução instantânea ou diferida e o efei- soja não enseja, por si só, a resolução de contrato
to não retroativo (ex nunc) da resolução dos contra- de compra e venda de safra futura em razão
tos de execução continuada valem tanto para a de onerosidade excessiva. Isso porque o advento
resolução com culpa quanto para a resolução sem dessa doença em lavoura de soja não constitui o
culpa. A única diferença entre eles é que na resolu- fato extraordinário e imprevisível exigido pelo art.
ção culposa o inadimplente será devedor de indeni- 478 do CC/2002, que dispõe sobre a resolução do
zação por perdas e danos, o que não ocorre, em contrato por onerosidade excessiva. Precedente
regra, na resolução sem culpa. citado: REsp 977.007-GO, Terceira Turma, DJe
2/12/2009. REsp 866.414-GO, Rel. Min. Nancy An-
Cuidado com um detalhe: no caso da resolução sem drighi, julgado em 20/6/2013. (Informativo n. 526)
culpa decorrente da aplicação da teoria da imprevi-
são ou da onerosidade excessiva, para cuja abor- 2. (CESPE - 2009 - AGU - Advogado da União) No
dagem remetemos sua leitura, seja contrato de exe- que tange à responsabilidade civil, julgue o item

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seguinte. COMENTÁRIOS
Embora o CC somente tenha feito referência à boa- A assertiva está CERTA, o princípio da função soci-
fé na conclusão e na execução do contrato, a dou- al do contrato consta do Código Civil e pode ser
trina entende haver lugar para a responsabilidade vislumbrado no art. 421 do referido diploma: “A
pré-contratual, a qual não se aplica aos chamados liberdade de contratar será exercida em razão e nos
contratos preliminares, mas aos contatos anteriores limites da função social do contrato.”
à formalização do pacto contratual.
( ) Certo ( ) Errado

COMENTÁRIOS
A afirmativa está CERTA e tem por fundamento o
disposto no art. 422 do Código Civil: “Os contratan-
tes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de
probidade e boa-fé.” Insta mencionar também o
Enunciado n. 25 da I Jornada do CJF cujo verbete
dita que: “Art. 422: O art. 422 do Código Civil não
inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da
boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual.”

3. (CESPE - 2009 - AGU - Advogado da União)


Com base na disciplina relativa à extinção dos con-
tratos, julgue os itens a seguir.
Para que o juiz resolva contrato entre particulares,
com base na aplicação da teoria da imprevisão,
basta a parte interessada provar que o aconteci-
mento ensejador da resolução é extraordinário, im-
previsível e excessivamente oneroso para ela.
( ) Certo ( ) Errado

COMENTÁRIOS:
A alternativa está ERRADA. De acordo com o art.
478 do Código Civil , para ser aplicada a teoria da
imprevisão além do acontecimento ensejador da
resolução ter de ser extraordinário, imprevisível e
excessivamente oneroso para ela, são requisitos
que o contrato seja de execução continuada ou
diferida e com extrema vantagem para outra parte.
Importante mencionar o Enunciado n. 365 da IV
Jornada do CJF cujo teor dispõe que: “Art. 478. A
extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada
como elemento acidental da alteração das circuns-
tâncias, que comporta a incidência da resolução ou
revisão do negócio por onerosidade excessiva,
independentemente de sua demonstração plena.”

4. (CESPE - 2007 - AGU - Procurador Federal -


Prova 1) No campo das obrigações e dos contratos,
várias novas teorias
têm sido delineadas pela doutrina e pela jurispru-
dência. A esse
respeito, julgue os itens que se seguem.
A partir do princípio da função social, tem-se estu-
dado aquilo que se convencionou chamar de efeitos
externos do contrato, que constituem uma releitura
da relatividade dos efeitos dos contratos.
( ) Certo ( ) Errado

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