Você está na página 1de 203
BIBLIOTECA ALFA OMEGA DE CULTURA UNIVERSAL. rene oy Antonio Carlos Wolkmer PLURALISMO JURIDICO Fundamentos de uma nova cultura no Direito 3 edigto Revista eatualizada EDITORA ALFA OMEGA ‘So Paulo 2001 tones Pee seem Conpesste i Alt Ome (i) 5026400 et ei Snr aed ite Vogt {30 na in sn valscenp cmt ‘Miteepsatboney ome Tébua geral da matéria Sobre 0 Auto. a ‘Agradecimentos x Nota do Autor @ 3° Edigdo. a Introducao. av ‘Questbespreliminares XM ‘Quesides metodoligicas 30 Capitulo 1 ‘Ontcts, EVOLLCKO& OECLIMO DA CULTURA JURIOICAESTATAL..25 |L1Omonmocomo prt damodemida bus canialisa...25 1.1.1 Captalismo, Sociedade burguesa e Estado modemo, 27 1.1.2 Direto Estat: formagio, ciclo histricos © caracterizag. 46 1.2Crisedehegemoniae dishing do paradigms jurdic. 65 Capitato IT (0 FsPAc0 4 CIsE CONTEMPORANEA~ ALJUSTICA NO CCARTALISo Penureaico BeASLEINO, ” Inteoduso. n 21 Tretia da cultura jridica no Brasil 84 2.2 Necessidades, direitos a questio doscontios 0 233.0 Poder luicrioe su needa instrumental 96 vw Taga de mati 2.4 Confltoscoletivos no Brasil: riticassociis como ‘marco histoico-politic, Capituto 1 ASFONTES DE PRODUGAO NA NOVA CLLTURA JURIDIC, Introdugo 3.1 Os movimento: Socais como novos sueitos coletivos, 3.2 Represenagio, Estado eidentidade dos stores coletivos, 3.3 Os movimento socais como fonte de prodgio jtdica 3.4 Necessidades como fator de validade de “novos direitos" Capicato 1V PLURALISWO sURiDICO: PROUECKO BE UM MARCO DE Introduto. 4 Nae pec © pluralismo em 4422harlin juicy ei cad pbc ‘42.1. Pluralism jurdico ma tradigao europea 42.2 Pluralismo juridioo na America Latina, 43 Pluralsmojuriico: possbilidades limites. 44 Fundanenion do phraliso jardin como novo paradigma..... . 44.1 Os novos stjitos coletives de Jurdicidade 442 Sistema das necesidades humanas fandamentis ou 443. Reordenagio politica do espago pubiico: democracia, descentralizagaoe partcipaio, 4.44 fica concreta da alteridade 44.5 Racionalidade enquanto necestidade © ‘emancipagio, ho 119 12 39 ist 158 169 169 m 183 183 203, 216 232 23s 241 248 261 273 Capitulo V PLLRALIKO ALRIDICO NAS PRATICAS DH USTICAPARTICPATIV, Introd. 5.1 Plualidade alterativa no interior do Diteito oficial 5.141 Convengiescoletivas do trabalho. 5.12. AgBes proposta pr sujeitoscoetves. 5.13. Coneiiagd, mediago, arbitragem e juizados expec 5.1.4 “Pratica”¢ “iso” altematives do Direio 5.2 Plualiade altemativa no espago do Direto lo-oficial 5.2.1. Resolugio dos confit por via ioinsltucionalizada, 5.22 Fontes de produgio legislativa ‘o-instiucionalizadas, 5.22.1 Convengieseoetivas de nov ip. 52.2.2 Acordosstoriais de interes, 5.3 Cultura juridica informal: formas perifericas de legitimacdo. ‘5.4 Pluralsmo, movimentos sociais¢ 0s horizontes da Justigaparicipativ... ani Conctssio.. Bibliografia. Indice onomistco. Indice anatico, vu 285 285 202 20 302 306 309 314 315, 317 321 335 349 363 395 “401 Sobre o autor O autor professor ntular de "Histiria do Diveto"¢ “Hist ‘ria das InstiugesJuridicas” no curso de Direito da Univers- dade Federal de Santa Catarina, onde leciona também no Pro- ‘grama de Pés-Graduagdo em Direito (“Teoria Politica”, "Fun- ‘damentos de Direto Politico”, "Estados Contemporineos” ‘Puralismo Juridica") “Adquiriu, em seus estas de pos-graduagio, otto de Espe- cialista em Metodologia do Ensino Superior (1979), Mestre em (Ciencia Politica pela UPRGS (1983) e de Doutor em Filosofia do Direito eda Politica pela UFSC (1992) Foi pesquisador e lecionow na faculdade de Direito da UNISINOS:RS, de 1978 a 1991, onde exerceu, ainda de 1984 a 1991, as fungées de Coordenador do Curso de Pés.Graduacao ‘em Diveito Politico. Iqualmente foi professor visitante de “HHermenéutica Juridica” na Escola Superior do Ministerio Pi ico do RS, no perio 1984-1987. E pesquisador do CNPa, bem como sécio efetvo do Instituto dos Advogados Brasileiros (Rio de Janeiro), do Instituto dos Advo- ‘gados do RGS, memo do Instiawo Brasileiro de Direto Const. ‘ional eda Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciénca. ‘Professor vsitante dos cursos: Mestrado e Doutorado em His- ‘ria Tbero- Americana (UNISINOS-RS); Pés-Graduagdo em Di- ‘ito cdo Centro de Ciencias Jridicas da UNISINOS:RS: Mestrado em Criminologia, Direto e Processo Penal da Universidade x Steeo aur Candido Mendes (Rio de Janeiro): Mestrado em Direito da LUNISUL-SC: Mestrado em Direto do Convénio UPSCHESA (San- to Angelo-RS) e UFSC/Universidade de Mila Velha (Espirito San- to): Pis-Graduagtio em DireitoPiblica da UNLJUI-RS: Pis-Gra- duacao em Direito Processual do IBES (Curitiba-PR): Professor Convidado, em 1995, do Mestrado em "Derecho y Democracia cexTberoamérica” na Universidad Internacional de Andalucia (La ‘Raida) do atual Programa de Doutorado em Derechos Huma: nos y Desarrollo da Universidad PABLO DE OLAVIDE de Sev ha (Espanka). Colaborador de revistasespecializadas do pals e do exterior com mais de meia centena de artigos publicadas. Autor das i= ras: "Consatucionalismo e Direitos Sociais no Brasil” (So Paulo: Académica, 1989); “Elemenios para uma Critica do Est 140" (Porto Alegre: Sérgio . Fabris, 1990); "O Tercero Mundo a Nova Ondem Internacional” (2* ed, Sao Paulo: ica, 1999) “introduc ao PensamentoJuridico Critica” (3" ed, So Paw- (lo: Saraiva, 2001): "Fundamentos de Historia do Direita”. Org © co-autor (Belo Horizonte: Del Rey, 1996): "Diretoe Jusica na América Indigena: Da Conguisa d Colontzagao". Org co- ‘awor (Porto Alegre: Livrara dos Advogados, 1998): “Historia {do Direto no Brasil” (2* ed, Rio de Janeiro: Forense, 1999) “Ideologi, Estado e Direito.” (3 ed, Sdo Paulo: Revista dos Triburais, 2000) Agradecimentos dar ee gp Egerton error fe a ee revenge at St pani ec cocci a0 professor Herbert E. Wetzel, pré-reitor de Péis-Graduagiio XI Apsements _professores Antonio P.Cachapus de Medeirase Brano. Hammes, ‘pelo apoio académico, ‘a uma dezena de outros pesguisadorese colegas-professores, com as quais mantivemas contato, entre 1990 e 1991, recebendo idéias e indicagées bibliograficas sobre alguns dos tipicas de- senvolvidos no trabalho, devendo ser lembrados, dente tantos Celso F: Campilongo, Eduardo K. Carrion, Joaquim de A. Fal- edo, Jacques Tavora Alfonsin, Paulo J. Krischke, Selvina ‘Assmann, Claudio Sout, José M. Gomes, José Geraldo de Souza “Ie, Antonio Sidekun e Edmundo de Arruda Jr ‘a0 professor Lauro Dick (UNISINOS-R8), pela atone, aus lio e orientacdo nas correcées:€ enfin, a Fatima Wolkmer, companheira de todas as horas, pe las reteradas leitras, oportunas sugestdes,imensurdvel com ‘preensio © que, apesar do tempo e da atengdo que the foram subtraides, premiow-nas, quando estamos na redagdo final da ‘obra, com 0 pequeno Stefan Gabriele. Nota do autor a 3* edicao Ae ottane a prsone edie manera esruhra og dase stole gua chra poco ano Sine ia fna cna precast deena cnelts euros, Ips decode gas tna date do eto Ia ive manos so me gp iegohro. ipelvootr Cape Yon ero teavas no inci dos anos 90, a efetvagdo do juts arbitrate dos sie deoequenas cuss Cam oben da Lt 9 9099) 1553 eatdabes hasan Bpctas Clerc Crna ¢ det 307996 gen ebiragem pa morte ob Fate peace element Sean orcad mecanimes ee fas dees incl ecogtice rs elma ann asin nope Lo oe rc hogiocpeciiog asa dh empreenenoderdobramano deem 43 (Pama st. Be Renstethadrce se Bebong) tn "Phatons force wr ir tet phen jaa nate Ltt peje raerntt eee neeenpe tye tone dare Piglet ron nos Bt tem cnprom caste «ingore St mmo bere ieee re mypunnepoi i loebiediouemerprememnmnaiuriy Pose melanins ane xv sed ter ee Ao vir a lume esta 3 edigdo, importa expressar o reconheci- ‘mento do autor ao meio académico (alunos e mestres) pela ace ‘agdo da obra, bem como as corregdes lingiisticasrealizadas ‘por Lia Rosa Leal e as sugstées sobre temas tratados no Capit ‘To V, dadas pela prfessores Paula de Tarso Brandi (UFSC) ¢ Clerilei Bier (UDESC), Floriandpolis (SC), 20 de nko de 2000 Introdugio A temética do pluralism atravessa diferentes momentos dda histéria ovidental ~ mundos medieval, moderno e conten ‘porineo ~, inserindo-se numa rica e complexa multiplicidade ‘de interpretagoes, possiblitando enfoques marcados pela exis- tencia de mais de uma realidade, de amplas formas de apo ¢ dda diversidade de campos socials com particularidade pri ria. Se inimeras doutrinas podem ser identificadas no pluralismo de teor filossfica, socidlogo ou politico, 0 pluralism juriico no deixa por menos, pois compreende ‘nuitas tendéncias com origens diferenciadas e caracteriza- Bes singulares, envolvendo 0 conjunto de fendmenos auténo- mos e elementos heterogéneos que ndo se reduzem entre si Nao ¢ fact! consignar uma certa uniformidade de principios essenciais, em razio da diversidade de modelos de autores, ‘aglutinando em sua defesa desde matizes conservadores, libe- vais, moderados e vadicais até espiriualista, sindicalistas, corporativsias, insttucionalistas, socalistas ete. ‘Esa stuagdo de complesidade no impossiblita admitr que ‘principal nicleo para o qual converge pluralismojuridico éa Inegacao de que o Estado seja a conto tinico do poder politico ea ont exclusiva de toda produgio do Direito. Na verdade,trata-se ‘de uma perspectiva descentralizadora e antidogmética gue plet- ‘eia a supremacia de fundamentoséico-politico-sociologicosso- bre eritérios tcno formals postvstas. xv a Tadavia, ainda que se descortine um amplo horizone, cujo espaco abriga wa gama de controvérsias teéricas que sero ‘muitas vezesexclidas ou minimizadas, ha que opt obrigator- ‘amente, por uma varianteinerpretativa de pluralism, fxando tum recorteespecifico, capaz de imprimir denro de ceri limi ‘es, um minimo de objetividade, comprovagéo e justficagdo “4ssim, aretomada do pluralismo como referencial de estudo © furdamentagao implica, de um lado, superar as modalidades de ‘cultura sécto-poltica identificadas ao convencionalismo dos pluralismos “orgénico-corporativita” « "nealiberal-capitalis: 1a”, de outro, em avancar na determinagao de um novo ppluralismo, gerado pelas contradigies de um modelo de prod ‘¢do da riquesae pelo processodialético de necessdades ineren- tes aos agentes histéricos recenes. Escas consideragées permi- tem designar a expressio “pluralismo juridico” como a ‘multiplicidade de manifestacBes ou priticas normativas num mesmo espaco sécio-poliic, interagidas por conftos ow con- ‘sensos, podendo ser ou nda ofciaise tendo sua razdo de ser nas necessidades exstencais, materiaiseeultras, ‘Questdes Preliminares Princirament, importa mencionar a formulagho do prole- ‘ma quefollevanadoe examinado, Parte 3e da percep deci See de esporamento do modelo juridico libera-ndvduaist, {que ndo oferece respostas satisftérias (fcass) aos reclame Politico soca de egurancaecertesa no atua estigio de eve ‘io das socedades compleras econfltivas de masta. Impde se, Some condi bisica, ademarcapdo de um nove findamento de Valldade para o mundo urdico, um paradigma que Inca Inexoravelmente, no reconhecineno de rovas formas de ade: artcpatas, rzio porque aproblematizagao do tema central do lv assim se oloea: como se exrutura, se insrumentaliza, Se operacionaiza ese efeia continua recrigio do processo das priticasjurdicas tnformas/ifereniadas mum amp expa- 0 pblico de democratzagao. descentalzacdoe parteipagdo? ‘Ad que pono, em que medida, uma nova formula prac cs Praia xv teérica do Direito, em sociedades instiveise conflituosas do Capizalisme periferico, perpassa, presentemente, pela legiiml- dade especifica de um pluralismo juridco ealeado nas priva- (es cotudianas de novos sujetos coletivos? Certamente, 0 de- envolvimento do conteido contemplard a especificidade desta resposta. ‘En termos de idenificagio no tempo eno espaco, a temitica problematizada, ainda que possa ser captada difusamente na ‘maioria dos sistemas jurdicosestatas do Ocidente, levard em ‘onsideragio a particularidade da estrutura sécio-politica do Capitalismo perferico lainoramericano eos indicos da crise da cultura legal tradicional no Brasil (na legislagdo positva e no “Juditério),retratada nas idtimas décadas do século XX. Tgualmente oportuno, éassinalar a relevincia eas razdes da escolha do pluralism juridico como o principal marco terico desta obra. A importancia da discussdo sobre o pluralismo juri- dico enguanto expressdo de um “nova” Direito & plenamente Justiicaa, porguanto modelo de cienfcidade que sustenta 0 ‘aparato de regulamentacdo staal libera-postivista ea cultura Inormaivstaligico-formal jndo desempenha a sua fungdo pri- ‘mondial, qual saa de recuperar instincionalmente os confltos do sistema, dando-lhesrespostas que resiaurem a establidade da ‘rdem estabelecida. Na medida em que 0 aparato de modelos insitucionais desta ordem apresenta-seinufitente para dar conta de suas funodes,tornando as relagdes socials previsivese rege lares, a série de sintomas disfuncionais deflagra a crise desse ‘parato, dai emergindo formas alternativas que fodaviacarecem dde um conhecimenio adequado. As atuais exigencias éico-poli ‘as colocam a obrigatoriedade da busca de novos padres !normativos, que possam melhor solucionar as demandes especi {fleas advindas da produgdoe concentragao do capital plobalizado, ‘das profundas contradigdes soctais, das permanentes crises Insiucionaise das inelcazes modalidedes de controle ede apli- ‘ago tradicional da justca. Dafa relevincia do tema abordado, tendo em vista a priovidade, hoe, de se questiona,repensar € reconhecer as mais diversas ¢ crescentes manifestagies ‘normatvas ndo-esatals/informals,reflexos de um fentmeno mai (or que 60 pluralsmo jurdico xvill neato (Ora, enquanto 0 plralismo clissico da moderidad naceu ol, Po Alepr Meca Nba 9859 93-121, 28 msec nour seatman crn tac ten mente. Enrctano, 0 comporativismo sociale a descentrlizagbo politica nio eram apenas os tragos gerais do espectro Institucional, pois deve-se recomhecer a presenga e a pratca de um sistema jriico miliplo e consuetudiniro, embasado na bi- cerarqua de privilégiose nas regalas nobilirquicas, ida que se conecha o Direito Medieval como uma estrutura difusa, assistematicae pluralist, pois cada reino e cada feudo regia-se por um “Dirsito préprio, bseado nos usos locas, nos preceden- tes dos juizes da tera, nas cartas de prvilegio concedidas pelo senhor™, ndo se pode minimizar o carter supetivo e doutindrio| do Direito Candnico, do Direito Visigticoe,essencialmente, do Direito Romano, Trata-se de um Direito que, por reconhecerade- sigualdade eos ineressesestamentas, define-e como esttuoju- ridico nao abrangente, pois € produzido para legitimar a ‘spocificidade de uma hierarquia social cl fcidanas disting@es entre cero, nobrezae campesinat, vida de que se deve reconhocer, quanto & produsioj primeiro ‘momento, a existéaca do pluralismo nomatvo das corporages ‘em eujos marcas ocorre uma justia administada em tibunais i= ados pelo senhor feudal e peo popritiio nominal datera. Poste riormente,em face das exigéncias de regulamentacio ¢ controle da ‘nova ordem econémica mercantilsta e de proteqdo 208 intentos imediatos da nascents burguesia comercial antiga estrutura des- ‘entalizada de predudo jurdica€ sucedid pea consolidacto mais penéricasitemstica¢unitria de um Direito Merent Sem a pretensio de oferecer aqui uma sintese exaustiva do modelo feudal, dr-si, to somente, que entre os séculos XI ¢ XV comega na Europa Ocidental a lena desagregagio do Fouds- lismo, motvada por sucessvas crises naesfera da Formagao soci- , do modo de produpia da riqueza e da organizagio politicn- institucional. Tals manifestagdes slo predominantes na ransiglo dda economia agririo-senhoral para uma economia mercanti-as- ‘slariada, A crise da economia agrrio-senhorial implica o despo- voamento dos campos, « queda da produsio agricola, a desin- dana Coo Aine 1 9 WORDEN Cae mas rs ‘incite do Bad Pvo Nee Seg A Fabs 1390p. 2 fr 1A Cpe sae meno sate wade 29 ‘rag das comunidades de pequenos produtores autipomos ¢ a temergéncia de um setor social organizado que sobrepse a nobre- 2a decadente, através dos crs ¢ do enriquecimento mediante 9 ‘comeércio mercant. Neste periodo de transformayo, como ensi- ‘na Maurice Dobb, slo decsivos, na passagem parao novo modo de producto, o processo da crise © ‘do feudalism, © fesfacelamento social da comunidade des pequenos produtores Tocais, desenvolvimento de uma economia de meread urbano, &acumulagio de um pequeno capital eo eresimento das tocas de mereadorias em base monetiria. Uma das consoquénciasre- fere-se aos pequenos produtores,subordinados parcial e/outotal- mente a0 senhorio, ue nfo s6 conseguem a emancipaglo dessa obrigagdes feudais, mas também e sobretudo acabam, tnidativamente, por depender, para sua subsistncia, de uma ov tra forma de subordinagdo, qual seja do trabalho assalariado. ‘A medida gue se espota 0 Feudalism, instaura-se 0 Capitais- smo come nove modelo de desenvolvimento eeondmioo e sceal em {ue o capital 0 instrumento fundamental da produgao material. 0 vanco dessistransformagSes ise, principalmente, nos horizon tes de modifcagieserginadas poo grande impulo das atividades ‘omecias de algumsseidades europias com 0 Oriente (principal- ‘mente apés as grandes Cruzadas, pela substtuigdo das relagBes Socais servis eda produgoartzsanal dos pequenos trabalhadores independentes (donos de sus feramenias, matena-prima ¢ ofc a), pela forga do trabalho assalriada, pela pasagem das poguc- nas ofcinas auténomas para as manufaura,e, finalments, pela constante busca do cr, pela implementagdo da produtvidade ‘scoaémica de mercado live e pea sstsmatizagio do comircio ara- ‘6 das trocas monetirias. Assim, © Captalismo ir constitu” paulatinamente, durante o fal da Idade Média e aleancaré quase {oda a Europe depois dos sécilos XVI ¢ XVIL ‘Em face desses novos fatoresfundantesrepresentades peo modo 4e produgio capitalist, pela sociedade burguesa, pela ideologia TC DORR Man Aen cpt 6. Ro J nes: Ze, en, tp Oar ade MACPARLANE Na aco 30 On, eon an Aa liberal indvidualista e pelo modemno Estado Soberano, qual & 0 ado de juriicidade a ser produzide c que atingri a hegeronia? ‘Ora, aresposta ess indagacdo sea dada gradativamente median tea racionalidade ligico-formal centalizadora do Direito produz ‘do unicamente pelo Estado e seus Orgies (doutrina do monismo Juridico, enguantorefeencial nomatvo da modema sociedad ‘cident, «partir dos séeulos XVI e XVIL. Mas, como se dew tessa rego equal é a raz3o de a legalidade estaal se tomar 0 projto da medemidad capitalista burguesa? Para responder sso, lmpée-se consgnar, primeiramente,o significado do Capitalism, 4 Tegtimagdo dos iteresses burgueses e a necessidade de um po- der centalzadoe buroeritco. Porno se tratar, aqui, de uma andlisesistematicamente igo rosa ¢ acabada sob 0 prisma econdmico, mas tlo-somente da ‘canstatagdo de alguns gos genéricos que sio importantes para ‘compreender a ordem jurdice, nio se contemplara a evolusio, 2 ‘caractrizagdoe a classficagio dos diversos niveiseestigios do Capitalismo, Descaria-se, assim, a peiodizapio que ora consagra ‘ lnearidade de um Capitalism comercial, industrial efinancel To, ora define a dinimica que atravessa o Capitalismo mercantl, ‘concorrencal eo monopolist, cima desua compreensio, quer ‘como mado de produsdo, quer como especificdade de uma for. ma histrica de ago econdmice, o Capitalismo enquanto “.) Conjunto de comportaments indviduaise coletivos,ainentes 4 produelo,distribuicio «consumo de bens”, deve sr diferencia- {Gp de outros modcls hstricos de produslo da niqueza. Alguns ‘desses pressupostos so, no entender de Gian R. Rusconi, essen- ‘iis, como: "s) propriedade privada dos meios de produgio, para ja ativapio &necessiria a presenca do trabalho assalariadofor- ‘malmente live; ) sistema de mercado, baseado na iniciatva ena empresa privada, ndo necessariamente pessoal; c)procestos de ‘acionalizagdo dot meios e métodosdiretoseindiretos para a va> Torizasa0 do capital ea explorago das oportunidades de mereado para cfeito de lucro™. [RSSRLT RE pal enon, nie det 1.1 Canin, sina gu ea mane 3 Ainda raga espocticn do primero periodo do sistema eco- némico capitalist predominants entre os séeulos XVILe XVII, io também apoatas por Erich Fromm: “I) a existéncia de ho- ‘mens politiose juridicamente livres; 2) 0 fato de os homens li- ‘res (.) verderem o seu trabalho 30 proprietirio de capital no mercado de trabalho, mediante um contrat; 3) a enstencia do ‘mercado de bens como mecanismo determinante dos pregosere- _glador da alteragio na produgo socal e 4) o principio de que ‘eda individuo atus com o objetivo de conseguir uma wilde para si mesmo, supendo-se,contudo, que, por aus da a¢80.com- petitva de muitos resulte maior vantagem possvel para todos". "Ni se pode, no entanto, desprezar 0 fato de que ndo cist, nas discussbesclissias, uma uniformidade do que soja 0 Cepita- lism Assim, toma-se relevant destacarduas interpretagSes que marearam, indiseutivelmente, a maior parte dos trabalhos esci- tos sobre o tema: a de Karl Marx ea de Max Weber. ‘A anise eitica de tor histrico-econdmico do Capitalism, ‘ita por Karl Marx na sua obra O Capital, tem presente o estigio & ascondigies em que se encontavao Capitalism em fins do século YXIX. Para Marg, 0 Capitalismo & coacebido como deteminado ‘modo de produgio de mercadoias, constituido no principio da Era “Modema echegando & plenitude com 0 advento da Revolucio In- dustrial, principalmente na Inglaterra Como explicita Maurice Dobb, o modo de produgio implica, para Marx, um conjunto de fatores que abrangem tatoo estado das forgas produivas eas for- ‘mas de apropiagio dos meios de produ quanto as elas soci ais que se estabelecem entre os homens, resultant de suas media- ‘es com o process de produ. Nesta linha deraciocinio, 0 Ca- pitalismo no corporiica somente um sistema de prodiugdo demer- * doris, mas engloba um sistema social no qual afrga de traba- Tho se transforma em mercadoria esc toma objeto de troca como qualquer outro que se vende ese compra no mercado’ THOR Pc ele pri 9 Ri en rare op. tp. 18. CATAN AHNOML pp 892 948. MANDEL Ema ft smart ra Ne ovine, 9p Po at ARO ip anc anc 32 Oma woucio senha cin ACA AL A visio dialticae histrico-econdmica de Marx, centralizada, na relagdo “capital-trabalho", contrapse-se a interprotagio “fustica e empresarial”, "psico“eligiosa”e “culturalista de au {ores como Werner Sombart e Max Weber. A esséncia do Capita: lismo, para Wemer Sombart, transcends os merosfitores econ 1micos, pois suas raizes se prendem 20 “estado de espinito", 20 “comportamento humnano”,enfim, a0 conjunto de “atitudes psi coldpieas ¢ cultura” que Subsistem na sociedade moderna. Na estira idealist de Sombart, mas com enfoques proprios, Max Weber, tratando desta questo em A Erica Protestante eo Espii- 10 do Capitalismo, vem acentuae que 0 Capitalismo produto histérico do modo racional de pensar as relagdessociis no con- texto do mundo moderno ocidental, forma particular ‘determinante de acionalidade que no se faz presente nas demais civilizagdes. Conferindo relevancia aos ftores cults, Weber bbuscou priorizar a “racionalidade” como express fundamental do mundo modemo europeu. Todo esse processo de racionaliza- ‘oda vida ocidental tei, no Capitalism, o momento esondmi- 0 por excelénca. Esta racionalizcio seria fio condutor de um rnexointerativo etre a crenca reigiosa (salvaeio pela criagdo da riquezs), a coeténea ica da existéncia(valrieagdo individual 4o wabalio) ea atividade econsmica dsciplinada. Para Weber, ‘0s fandamentos deste tipo racional de “mentalidade”, ou sa, esse «thos do Capitalism modemo, provinham ée certs conviegées, ‘tengas e valores, propiciados pela Reforma Protestante(século XVD, mais especificamente das condigdes histérico-cultuais ‘advindas da éicaealvinista. Ao contririo da concepedo catéica medieval, que condenava toda espécie de luro eapelava para 0 ‘desprendimento dos bens materais mundanos, os principios ti co-teoldgieos do Protestantismo ascético atribuiu todo mito & natural voeaso urana para o trabalho e para um esforgo isco capaz de levar& rqueza e d conguista da salvacio individual. CE WEBER, Max 4 fee Pen Epi dy Capainn io a Poni 185 p15 62906 I FREUND, i, Sc Mar icc oe pai RSC an op ‘rn SOMBARE ene ao tn ac rs lo 58 LL Casi scl gn eco moderne 33 ‘is confguages ponitem asinalar que Weber buscou com- reenderoCapiaigno tno come clmingncie de um proceso Ue acionalidade da vide organiaads, quanto como ethor ‘Sula di modern scedae cede europe" co send ingots camplumente rene a cont- buigdes de Kal Marte Max Weber ao Capitaine, noo deve conti algunascbervages cies. Em mei um amo deb te eabe ro Gian Re Rusconi, quando asia que aimee fo crt ftvaa por Mars ten.) um alrexempr pele icici som que so annelads ox lemenosconstatvos ao mes tempo, conte Jo Capatiamo consades ‘cera dob, read ibe), Todi es pe Cie iano taza tn ogre ea Sinamica da eologo do Capalismo™. Anda que sbi" isto er fnga da snd ero a incapatdde predia™ dos avancos do Captaisino, no se pode minimizar as ‘stings que Mars reaizou sobre un mle centric ‘fice mexplorago alco homer ebaladoe Nos Manacrtos economics fiesccon, Marx sponta, som mtige” nos at condgoes em qe, 0 sea esonbmic eapitalita, trabalho humana & direlonao prs creunsncas senate © Coveney, como amb aguas cm que tide ero doomem acu ransfommandos num rocesso de sstoraysoe Se dsmanizagio™ Por out lao, lem de desea aspects Sia da economia raconal cepts, Weber fem o mento de snl gue oapetopeimordal ese nema 2 apis ‘nono conssteem una pesumiacontadtoiad eves c= ‘eos, ata valeting esa india por obra de nde barrio, Weber lo mea abulig do mere, qe iam ear teten raat Beanie Abate became ote ws Sh ge fus etree ic CTI ftir ae 34 mcr wauchoreea ne actus CAL para cle & garantia de cilculoracional ede autonomia dos sujei- tos: extingio do mereadosucoderia somenteo despostisno puro ‘esimples do poder bureritico™?. Ceramente assist rzio an Tistas, como Harold Laski, para os quais o triunfo da filosofia ‘econmica capitalistas pode realmente ser explicado quando se percebe que a erescentes potencialidades de produgdo realmente ‘io podiam continua sendoexploradas dentro dos esteitoslimi- tes da velha cultura medieval (0 florescimento do Capitalismo, como pice de toda estrutura ecootimica da Sociedade moderna ~ resultant, como j fei visto, 4a perda de autonomia por parte dos pequenos produtores © da Separago de seus instrumentos de produgioe de subsistncia, © 4a tansformagio da forga de trabalho em mercaderia - cia possibilidades para a concomitanteformaco de uma nova classe Social propietria que monopolizara os meios de producto. Es- tes novos agentes, edificadores da chamada sociedade burpvesa, ‘io forjar seus direitos com uma plena partcipagio no controle das novas formas de organizacio do poder. A conseqincia desse

Você também pode gostar