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Nilson Aratijo de Souza Economia Brasileira Contemporanea De Gettilio a Lula 2# Edigéo Ampliada SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. - 2008 O Nacional-desenvolvimentismo e a Industrializagao Brasil nasceu como um projeto colonial da metropole portuguesa — portanto, sob o signo da dependéncia externa, Com a subordinacéo econdmica de Portugal ‘ao nascente capitalismo inglés, a partir do comeco do século XVII, com base no Tratado de Methuen, a nova colénia passou a servir a dois senhores: 0 ouro que era aqui extraido servia para Portugal pagar suas dividas com a Inglaterra, ao mes- mo tempo em que o Brasil passou a ser um importante escoadouro dos produtos industriais que, através de Portugal, vinham da Inglaterra. © economista Celso Furtado chegou a propugnar que esse duplo mecanismo _ transferéncia do ouro brasileiro para a Inglaterra e aquisigdo de seus produtos industriais ~ foi um dos principais propulsores da industrializagao inglesa.? ‘A independéncia politica do Brasil no comeco do século XIX nao resolveu esse problema, pois a Inglaterra foi crescentemente assumindo o lugar de Portugal no Hominio econémico sobre o Brasil, situago que se consolidou durante 0 periodo y qrata-se de um tratado comercial firmaco em 1703 entre Portugal ¢ Inglaterra, através do qual Portugal dawa preferéncia aos produrtos industriais ingleses, enquanto a tnglaterta favorecia os vinhos cazeies portugueses, Segundo Celso Furtado, “esse acordo significou para Portugal renunciar a todo desenvolvimento manufatureiro ¢ implicou transferir para a Inglaterra o impulso dinfmico eriado pela produgao aucifera no Brasil" (Furtado, Celso, Formagao econdmica do Brasit. 11. ed. $80 Paulo: Nacional, 1971, p. 34). Ver também: “Em suas memérias, ¢ Marqués de Pombal afirma categon- camente que a Inglaterra havia teduzido Portugal a uma situacio de dependéncia, conquistando reino sem os inconvenientes de uma conquista militar” (bid., p. 35, nota 38). 2 Ibid., p. 35. 2 eonomia Brasileira Contempordnea + Souza da Reptiblica Velha, nas trés primeiras décadas do século XX. Nessa época, 0 eixo da economia brasileira passou a ser a produgao e a exportagéio do café. Repro- duzia-se com a Reptblica a economia agroexportadora que caracterizara 0 Brasil desde sua origem colonial.? E, nessa economia, cabia aos bancos ingleses aportar os recursos financeiros para a produgdo, transporte e comercializagao do café’ e aos industriais ingleses fornecer produtos manufaturados para 0 Brasil. No entanto, como conseqiiéncia da Grande Depressao de 1929-30,5 a econo- mia agroexportadora fundada no café ¢ atrelada aos interesses ingleses entrou em colapso a partir de 1930. Em meio & crise, ocorreu uma importante mudanga politica no pais, que conduziu ao poder forcas politicas que, durante a década de 1920, haviam realizado varios enfrentamentos com os governos da Republica Velha. Lideradas por Gettilio Vargas, aproveitaram-se da crise econémica para retomar 6 projeto industrializante ensaiado nos primeiros anos da Reptiblica. Ao mesmo tempo, implementou-se uma legislagaéo de protecao ao trabalho que ainda hoje, hos seus tracos fundamentais, vigora no pais. A transigéo definitiva de uma eco- nomia agroexportadora para uma economia urbano-industrial moderna tornou-se a caracteristica principal desse novo periodo.® Designado como industrializagao por substituicéio de importacées,’ esse periodo, do ponto de vista ideolégico, pas- sou a ser conhecido como nacional-desenvolvimentista.* 2 Registre-se que, na fase inicial da Reptblica, durante os mandatos dos marechais Deodoro da Fonseca ¢ Floriano Peixoto, seus ministros da Fazenda, Rui Barbosa e Serzedello Correia, ensaiavam um programa de industrializagéo, que, no entanto, foi abandonado 2 partir de 1894, quando os cafeicultores paulistas, através de Prudente de Moraes e Campos Salles, assumiram 0 comando do poder politico no pais e passaram a adotar um programa econdmico inteiramente voltado para 0 fortalecimento da cafeicultura, 4 Qacordo de Taubaté, firmado entre os cafeicultores ¢ Estados produrores de café em 1906 para a defesa e a valorizacdo do produto, implicava na tomada de empréstimos junto aos bancos ingleses para viabilizar a aquisicao dos excedentes (Furtado, Celso. Formagdo econdmica do Brasil. 11. ed. Sao Paulo: Nacional, 1977, p. 179-185). 5 Referimo-nos & maior crise econémica que assolou a economia capitalista; deflagrada pelo colapso Ga Bolsa de Valores de Nova lorque, em 1929, generalizou-se para o conjunto do mundo capitalista ao longo da primeira metade dos anos 1930. © até entdo, o Brasil jf experimentara varios surios de industrializacéo, como na época da mineragio (século XVIM), quando da adocao das tarifas protecionistes implantadas pelo ministro Alves Branco (1844), na fase inicial da Reptiblice (1889-1894) e durante a Primeira Guerra Mundial, mas, em nenhum desses momentos, a industrializagio se consolidow. 7 Porque, em sua fase inicial, passou a produzir internamente produtos industviais antes impor- tados, 8 Porque as forces politicas que o vanguardearam defendiam um desenvolvimento nacional autd- nomo para a economia do pais. Ver a esse respeito Bielschowsky, Ricardo. O pensamento econdmico brasileiro: 0 ciclo ideolégico do desenvolvimentismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995. p. 77-179. © Nacional-desenvolvimentisma e a Industrializacto 3 O esgotamento do modelo agroexportador baseado no café O deslocamento do eixo dindmico da economia brasileira para o café a partir de meados do século XIX* provocou um forte impulso ao crescimento econémico do pais: da década de 1840 4 de 1890, a renda real gerada pelo setor exportador brasileiro cresceu 396%."° Ao mesmo tempo, contribuiu for- temente para a transigao do trabalho escravo para o assalariado e transferiu para o Centro-Sul o niicleo central do desenvolvimento econémico do pais. Mas o modelo agroexportador baseado no café se esgotou ao longo dos anos 1920.1! A crise desse modelo, que culminou com seu colapso em 1930, resultou do conjunto das suas contradigées. A primeira contradicdo decorre da vulnerabilidade caracteristica de um modelo que, além de depender da exportacao de praticamente um tinico pro- duto primério, ainda se subordina a légica do financiamento externo e do abas- tecimento do mercado interno por produtos industriais importados. Diante de qualquer crise mundial, wna economia com essas caracteristicas tende a ser fortemente impactada. Essa contradigao principal se manifestava numa outra: 0 violent processo de urbanizacao resultante da intensificacéo do comércio exterior n&o se fazia acom- panhar por um avango correspondente da industrializagéo, resultando em desem- prego e inflacao. Até entiio, havia ocorrido apenas alguns surtos industrializantes, sem que 0 processo de industrializac¢aéo enquanto tal se consolidasse. Exam varias as razdes que bloqueavam a industrializacao: 1. a pratica do livre comércio com a Inglaterra abria nossas fronteiras para os produtos industriais ingleses, inviabilizando a implantacdo da induis- tria infante no pais; 2. a politica de valorizagao do café garantia enorme rentabilidade para esse setor, deslocando para ele quase todos os capitais e recursos governa- mentais; 5 Na década de 1840, a exportacdo de café jd representava 40% das exportagses brasileiras, pas- sando a ser 0 primeiro produto de exportagéo (Furtado, op. cit., p. 113). 20 qbid., p. 142. 11 Na verdade, para sermos mais precisos, a economia agroexportadora do café jd se esgotara no comeco do século, Sua continuidade, a partir de entao, decorreu do artificio da compra do excedente estabelecida no Acordo de Taubaté, em 1906, o qual engendrou um forte endividamento externo Go pais, 4+ eonomia Brasileira Contemporinea + Souza 3. a preponderancia da concentracao fundidria limitava o desenvolvimento do mercado interno para produtos industriais; 4. a politica estatal, hegemonizada pelos cafeicultores paulistas, era tot mente hostil a industria, salvo nos momentos iniciais da Republica. Essas contradicées se manifestaram de maneira mais evidente a partir da se- gunda metade dos anos de 1920. JA a partir de 1924, a industria, que ainda nao lo- grara um desenvolvimento auto-sustentado, entrou em decadéncia. Por outro lado, ao mesmo tempo que a producio de café, alavancada pela garantia de compra dos excedentes,'? dobrava de 1925 a 1929, as exportacées do produto se estabilizavam. Segundo Furtado, “em 1927-29 as exportacées apenas conseguiam absorver as duas tercas partes da quantidade produzida”.'* Nesse tiltimo ano, “o valor dos estoques acumulados sobrepassou dez por cento do produto territorial bruto do ano”.!4 Com a indtistria em declinio e as exportagdes do café estacionadas, crescia o desemprego nas grandes cidades. Simultaneamente, a inflacao recrudescia. Crescia, em conseqiiéncia, o descontentamento entre os varios setores urba- nos. 0 nascente empresariado industrial, impedido de desenvolver seus negocios, clamava por melhores condigées para viabilizar um programa industrializante; as camadas médias urbanas, representadas sobretudo por intelectuais e militares, mostravam sua insatisfacao através de movimentos culturais*> ou levantes m: tares;!© os trabalhadores urbanos, que haviam realizado uma ampla paralisagao em 1917, também participaram ativamente das mobilizagées dos anos de 1920, particularmente a partir de 1927-28, culminando com a criagdo, em 1929, da Confederagéio Geral dos Trabalhadores. A Grande Depressdo e 0 estrangulamento externo Quando deflagrou a Grande Depress4o na economia mundial, a partir de 28 de outubro de 1929,!7 a economia brasileira j4 se encontrava em situagao bas- tante fragilizada. 12 Em. 1906, os cafeicultores ¢ os governos dos Estados cafeeiros, sobretudo Sao Paulo, haviam firmado 6 Acordo de Taubaté, 0 qual, para garantir a valorizacdo do produto, estabelecia a forma- cdo de um fundo financeiro para a compra do excedente; as recursos para abastecer o fundo provi- ham de empréstimos fornecidos pelos bancos ingleses (Furtado, op. cit, p. 179-185). 18 Ybidem, p. 181. Ibid,, p. 184. 25 © principal deles foi a Semana de Arte Moderna, realizada em 1922, que deu origem a um movimento cultural que buscava a identidade nacional. 16 Qs principais deles foram a revolta do Forte de Copacabana, em 1922; 0 levante de 1924 em Sao Paulo; e a Coluna Miguel Costa-Prestes, iniciada em 1926. 1? Bssa foi a data da quebra da Bolsa de Nova forque, que desencadeou a Grande Depressio. © Nacional-desenvolvimentismo e a Industriahzagio 5 Fundada num modelo agroexportador — que dependia praticamente de um. tinico produto de exportacao!® para viabilizar a aquisi¢do externa de produtos industriais e o pagamento dos encargos da crescente dfvida externa —, nossa eco- nomia j4 amargava as conseqiiéncias do estancamento das exportacdes de café desde meados dos anos 1920.!° Com isso, ao mesmo tempo em que parara de crescer a obtengao de divisas externas, aumentavam os encargos de uma divida externa que crescia acelerada- mente para financiar os estoques do produto. Além disso, 0 mercado brasileiro era inundado por produtos industriais importados.”” Portanto, jd se anunciava no horizonte a possibilidade de haver um colapso nas contas externas do pats,?! que foi muito bem definido por Maria da Conceicao Tavares como “estrangulamento externo”.2? A crise mundial provocou dois efeitos imediatos sobre a economia brasi- leira: a) cairam violentamente os precos internacionais dos produtos prima- | tios, acarretando uma forte queda das exportagées de paises, como. © Brasil, que baseavam suas economias na producdo e exportacdo desses produtos; b) tornaram-se escassos os créditos externos que vinham contribuindo para financiar a retenc4o dos estoques do café, com base no Acordo. de Taubaté.* Examinemos essa situagao. O preco internacional do café pago ao produtor caiu de 22,5 centavos de délar por libra-peso em setembro de 1929 para 8 cen- tavos em setembro de 1931, isto é, cerca de 60%.** O resultado foi a queda do 18 “Com o inicio da Depressio, o café era responsavel por 71% do total das exportacées" (Baer, Werner. A economia brasileira. Tradugao de Edite Sciulli. 2. ed. Sao Paulo: Nobel, 2002. p. 54). 19 Segundo Furtado, o quantum das exportagdes cresceu apenas 10% de 1920 a 1929 Furtado, op. cit., p. 184, nota 156). 2 O quantum das importagdes cresceu 100% de 1920 a 1929 (Ibid.). 21 As contas externas so registradas no balango de pagamentos, que se define como a contabilidade do conjunto das transagdes econémicas entre residentes ¢ nao-residentes de um pais, ou entre o pais 0 resto do mundo, por um determinado periodo, geralmente de um ano. 22 ‘Tavares, Maria da Conceig4o. Da substituigdo de importagdes ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 63-67. 22 Furtado, op. cit., p. 186-187. 24 Ihid., p. 187. A saca de café, por sua vez, caiu de 4,71 libras em 1929 para 1,80 libra em 1932- 34, representando uma baixa de 62% (Ibid., p. 187, nota 160). 6 Eeonomis Brasileira Contemportinea * Souza valor das exportagdes totais de US$ 445,9 milhdes em 1929 para US$ 180,6 mi- Thées em 1932, ou seja, 59,5%. Se medido pelo seu poder de compra,” a queda foi de 43,6%.7” Produziu-se, ent&o, uma forte crise cambial. Enquanto as exportagdes despen- cavam, havia, como vimos anteriormente, uma intensa press’o pelo aumento da importacio de produtos industriais para abastecer o mercado interno, engendrando um importante déficit comercial. Ao mesmo tempo, na balanca de servicos,”* se incrementavam rapidamente as remessas para servir aos encargos da divida exter- na? ao passo que, na balanca de capitais,*° nao entravam os novos empréstimos para fazer face a essas necessidades. Em suma, cafa drasticamente a entrada de divisas estrangeiras, enquanto cresciam os compromissos internacionais do pais. Deu-se o estrangulamento externo de que nos fala Conceic&o Tavares. Para fazer face a esses compromissos, 0 governo recorreu de imediato as re- servas cambiais,?" mas elas se evaporaram rapidamente,*” deixando o pais em estado de insolvéncia externa. Veremos adiante que os problemas de balanco de pagamentos s6 seriam resolvidos depois que 0 governo adotou um conjunto de medidas, visando conter as importacoes € substitui-las por produgiio interna. As economias primario-exportadoras, integradas, de forma subordinada, a dindmica da economia mundial, recebem os impactos das crises mundiais através de suas contas externas, mas seus efeitos rapidamente se espalham para o resto da economia. Com o Brasil, nao era diferente. Segundo Furtado, “a redug’o da renda monetaria, no Brasil, entre 1929 e 0 ponto mais baixo da crise, se situa en- tre 25 e 30 por cento”.*3 2 Baer, Werner. A economia brasileira. Traducao de Edite Sciulli, 2. ed. S40 Paulo: Nobel, 2002, p. 54. 2 © poder de compra das exportagées expressa 2 multiplicagio da quantidade exportada pela relagio de troca ou termo de interedimbio, que, por sua vez, indica a relagdo de prego entre os pro- dutos exportados e os importados. 27 Tavares, op. cit., p. 64, tabela. 28 &a conta do balanco de pagamentos que registra as remuneracdes de fatores estrangeiros, como remessa de lucros, de juros e dividendos; fretes internacionais, turismo, royalties. 2° Qs compromissos com a divida externa, sem contar as remessas dos luctos de entidades privadas, ascendiam a US$ 1,3 bilhdo em 1931 Baer, op. cit,, p. 54) 38 Ea conta do balango de pagamentos que registra o movimento internacional de capitais, como empréstimos externos (e sua amortizagio), investimento direto estrangeiro e aplicagdes em cartel- ra. 21 Reservas em ouro, moeda estrangeita e obrigacées de outros paises. * Burtado, op. cit., p. 187. 38 Furtado, op. cit., p. 192. A queda da renda sé nfo foi maior porque a redugéo da quantidade exportada de café foi menor do que a queda de seus precos. Enquanto os pregos cairam cerca de 60%, a quantidade exportada o fez em apenas 16,41% (de 859 mil toneladas inglesas em 1929 para 718 mil em 1932) (Baer, op. cit,, p. 64). 0 Nacio: simentismo e a Industrializagio 7 O mecanismo era 0 seguinte: ao cair a renda proveniente da exportacéo do café, o setor cafeeiro reduzia os pagamentos de saldrios ¢ as compras no mercado interno. Com isso, 0 comércio local reduzia seus negécios e a industria nascente, com menos consumidores, reduzia a producdo e o emprego. E assim a economia foi-se encolhendo. Era 0 esgotamento definitivo do modelo agroexportador ba- seado no café. O programa econémico-social da Revolucao de 1930 Coincidiu com a crise econémica que assolou pais o processo sucessorio pre- sidencial. Sob a lideranca de Gettlio Vargas, que fora ministro da Fazenda e era presidente do Rio Grande do Sul,4 constituiu-se a Alianca Liberal, de oposicao, para enfrentar o candidato oficial, Jilio Prestes, presidente de Sio Paulo e repre- sentante do Partido Republicano Paulista (PRP). A plataforma de Vargas galvanizou o descontentamento das varias camadas urbanas que, como vimos, havia se acumulado na década de 1920 e que recrudes- cera durante a crise econémica. Mas na época o voto nem era secreto nem univer- sal, deixando o eleitor & mercé do poder econémico e politico local. Além disso, como nao havia Justica Eleitoral e quem comandava o proceso eleitoral eram as autoridades governamentais locais, nao havia como garantir a lisura do pleito. Em meio a muitas dentincias de fraude, foi anunciada a vitéria de Julio Prestes.** Mas 0 assassinato do candidato a vice de Gettlio Vargas, 0 presidente da Pa- raiba, Joao Pessoa,?’ terminou provocando um movimento revolucionario que Jevou a rentincia do presidente Washington Luiz e a constituigéo de um Governo 34 Na época, chamavam-se de presidentes os gavernadores dos Estados. 26 © entiio presidente interino do Rio Grande do Sul, Oswaldo *: ma do presidente da Repiibliea, Washington Luiz, que Ihe «: de Julio Prestes, 1cicerar resultados, poiciais, arrebatar aceizar votacdo em car- a conseiancia, sao fatos rentadas em relagéo a ca. Rio Grande do Norte, Vargas ~ Biografia. S40 Paulo: afugentar eleitores, comprar votos, falsear alistamento. invad! livros eleitorais e procuragdes de candidatos, fazer eleicko ante coro, soneger, enfim, ao cidadao o direito de votar ou foreé-lo cox degradantes [...]. Tenho, infelizmente, de fatos similares, dem muitos Estados, especialmente $0 Paulo, Maranhio, Ceara, Pez: Santa Catarina, Parand e Sergipe” (cit. in Frischauer, Paul. Presider Nacional, 1943, p. 250-251). 0 episédio tinha conotacéio marcadamente local, mas terminou assumindo dimenstio nacio- nal em face do papel nacional que cumprira Pessoa (candidato a vice-presidente) e do quadro de crise em que se encontrava o pais. 8 Economia Brasileira Contemporénea + Souzs Provisério, sob a chefia de Gettilio Vargas, que assumiu a 3 de novembro de 1930 para cumprir 0 mandato até 1934.%* Era o fim da “Republica Velha”. O programa getulista comegara a ser esbocado durante sua campanha eleito- ral. No lancamento de sua candidatura, a 2 de janeiro de 1930, na entdo capital da Republica, Rio de Janeiro, diante de 100 mil pessoas, propusera, dentre outras coisas, instituir o voto universal e secreto, o ensino ptiblico geral, apoio a producio industrial nacional e garantia de saldrio e repouso remunerado.”” A3 de outubro de 1930, Gettilio deflagrou o movimento revolucionario que 0 levaria ao poder, e no dia seguinte publicaria nos jornais seu manifesto programati- co, © objetivo de seu movimento, conforme declarou, seria “readquirir a liberdade, para restaurar a pureza do regime republicano, para a reconstrucao nacional”. No discurso de posse, a 3 de novembro de 1930. apresentou um programa de 17 pontos, dos quais se destacam os seguintes: + “difusdo intensiva do ensino publico, principalmente técnico-profissio- nal”; * “reforma do sistema eleitoral, tendo em vista principalmente a garantia do voto”; * “feita a reforma eleitoral, consultar a Nagao sobre a escolha dos seus representantes, com poderes amplos de constituintes”; + “rever o sistema tributdrio, de modo a amparar a produgio nacional”; “instituir o Ministério do Trabalho, destinado a superintender a questa social, 0 amparo e a defesa do operariado urbano e rural”.4° Esse programa inicial pode ser resumido em quatro pontos basicos: ga- rantia do direito do voto, protegao 4 economia nacional, protecao ao trabalho e ensino ptiblico. Esses pontos foram sendo melhor definidos ao longo do go- verno e novos elementos programaticos foram sendo acrescentados. Enfrentamento da crise cambial As primeiras medidas econémicas adotadas pelo novo governo visaram ao equacionamento da crise cambial e & manutengio da demanda agregada e do ni- vel de emprego. 28 Silva, Hélio. Genilio Vargas: 15° Presidente do Brasil. S40 Paulo: Grupo de Comunicacao Trés, 1983, 18 parte: 1930-1937, p. 31, (Colectio Os Presidentes.) 88 Brischauer, op. cit., p. 244-245. 40 Silva, op. cit., p. 32. © Necional-descnvolvimentismo € a Industrializagio 9 Para enfrentar os problemas do balanco de pagamentos, 0 governo de Gettilio Vargas adotou as seguintes medidas: 1. em agosto de 1931, “suspendeu parte dos pagamentos da divida exter- na e iniciou negociagées para chegar a um acordo sobre sua consolida- caio”;4! 2. “o Brasil também foi o primeiro pais da América Latina a introduzir 0 controle de cambio e outros controles diretos”;42 3. 0 governo sustentou a desvalorizacéo da moeda nacional, que tinha como fundamento a escassez de moeda estrangeira provocada pela queda das exportacées e dos créditos externos;*? 4. por fim, o governo elevou as tarifas de importagao."4 A escassez da moeda estrangeira, determinada pela queda das exportacées e dos créditos externos e pelo fim das reservas, provocou o seu encarecimento ou, dito de outra forma, a desvalorizacéo da moeda nacional.*> Além desse mecanis- mo natural, o governo sustentou essa desvalorizacao. | Com a moeda estrangeira mais cara, também encareceram, em moeda nacional, os produtos importados.** Esse encarecimento se deu também pela imposico de tarifas de importacdo. As importacées foram igualmente dificul- tadas através do controle cambial e de outros controles diretos sobre a pauta de compras externas. O resultado foi a violenta queda no valor das importagdes: de USS 416,6 milhées em 1929 para US$ 108,1 milhées em 1932.47 Segundo Celso Furtado, 0 quantum das importagées experimentou uma queda “superior a 60 por cento” entre 1929 e o ponto mais baixo da depressao. “Conseqiientemente, o valor das importag6es baixou de 14 para 8 por cento da renda territorial bruta.”48 * Baer, Wemer, A economia brasileira, Traducao de Edite Sciulli. 2. ed. Sao Paulo: Nobel, 2002, p.54, ® Ibid,, p. 54. Tavares, op, cit,, p. 67. +4 Ibid, p. 67. * A depreciacgdo da nossa moeda chegou a alcancar 40% (Furtado, op. cit., p. 187). ** Segundo Celso Furtado, de 1929 ao ponto mais baixo da depresstio, “o indice de precos dos produtos importados subiu em 33 por cento” (Furtado, op. cit., p. 197). Baer, op. cit,, p. 54. Furtado, op. cit., p. 197. 10 Economia Brasileiva Contemporsnea * Souza Como as importagées cafram mais que as exportagdes, 0 déficit comercial po- tencial se transformou em superavit de USS 72,5 milhdes em 1932. Mesmo assim, os encargos da divida externa e as remessas de lucros para 0 exterior seguiam comprometendo as contas externas, impedindo que elas se equili- brassem. Foi por isso que, em agosto de 1931, antes que a situacao se deteriorasse mais, 0 governo brasileiro suspendeu parte dos pagamentos da divida externa e congelou a remessa de lucros para o exterior. Defesa da demanda agregada e do emprego A defesa da demanda agregada e do nivel do emprego teve como sustentacao a nova politica de defesa do café. Houve varias mudaneas em relacdo a politica anterior, que fora consagrada em 1906 no Acordo de Taubaté. Vejamos as prin- cipais delas: 1. 0 governo federal passou a assumir diretamente o comando da politica de defesa do café que antes era controlada pelos governos estaduais do Sudeste, sobretudo 0 de Sao Paulo; para isso, criou em maio de 1931 © Conselho Nacional do Café, subordinando-o em setembro do mesmo ano ao Ministério da Fazenda;>° 2. em lugar de promover o aumento do prego do café, como queriam os ca- feicultores,5' o governo decidiu trabalhar para impedir que ele seguisse caindo; 3. os recursos para a compra do excedente do café, em lugar de provirem de créditos externos (que levavam ao endividamento externo do pais), passaram a ser proporcionados pelo governo através de emissées mone- tarias que alavancavam o crédito;>? 4. para que os estoques de café nao pressionassem para baixo seus precos,** o governo passou a destruir os estoques acumulados, obtendo-se, “des- sa forma, 0 equilibrio entre a oferta e a procura a nivel mais elevado de 59 Baer, op. cit,, p. 54-55, 51 Bles queriam aumentar em 50% o preco do produto, de 8 centavos de délar por libra-peso para 12 centavos. £2 Furtado, op. cit., p. 188 e p. 192-194, 53 Segundo Furtado, “a produgdo prevista para os dez. anos seguintes excedia, com sobras, a ca- pacidade previsivel de absorcio das mercados compradores” (Ibid., p. 189) © Nacional-desenvolvimentisme ¢ a Induserializagao 11 precos”;*! de 1931 a 1944, destruiram-se 26,96% do café produzido no periodo, sendo que a média do biénio 1932-33 atingiu 41,33%:55 5. a politica anterior de valorizacdo e, portanto, de aumento da rentabilida- de do setor cafeeiro - que proporcionava 0 aumento da producdo e dos estoques invendaveis — foi substituida por uma politica que promovia a progressiva substituicao dessa atividade por outras atividades econémi- cas, sobretudo a industrial.° Essa politica produziu os resultados esperados. Ao mesmo tempo em que a politica de compra e destruicéo dos estoques contribuiu para a defesa ime- diata do nivel da demanda agregada e do emprego, a atividade cafeeira foi progressivamente perdendo peso na economia nacional, A produgao cafeeira ainda cresceu até 1933 devido aos plantios realizados em 1927-28, ainda no contexto da politica de valorizagao anterior. Assim, a produ- cdo, que fora de 1.301.670 toneladas em 1931, chegou a 1.776.600 toneladas em 1933.57 No entanto, jd como efeito da nova politica, comecou a diminuir a partir de entao. Salvo no ano de 1936, quando teve um repique, a producao continuou caindo até 1944, quando atingiu apenas 686.686 toneladas.>® O efeito da politica de defesa do café sobre a demanda agregada e o emprego foi bem analisado por Celso Furtado. Demonstrou ele que, dessa forma, a politica de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande de- pressdo concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda na- cional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma politica anticiclica da maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos paises industrializados.°? Isto ocorria, conforme Furtado demonstrou, porque Ibid., p. 189. 35 Gremaud, Amaury Patrick et al. Economia brasileira contempordnea. 6. ed. $40 Paulo: Atlas, 2006, p. 366, tabela 14.1. #5 Para isso, além da politica de erradicagéo de cafezais, praticou-se 0 que ficou conhecido como ~eonfisco cambial”, que, além de reduzir a rentabilidade do setor, transferia renda para a induis- ria Gremaud et al, op. cit., p. 366, tabela 14.1, * Tid. Furtado, op. cit., p. 192. 12. Sconomia Brasileira Contemporinea * Souza o valor do produto que se destrufa era muito inferior ao montante da ren- da que se criava. Estévamos, em verdade, construindo as famosas pirdmi- des que anos depois preconizaria Keynes. O mecanismo era o seguinte: a compra e a destruigéio dos excedentes do café mantinham a renda e o emprego no setor cafeeiro, viabilizando sua demanda junto aos demais setores da economia. Gracas a esse mecanismo, segundo Furtado, a producdo industrial, que se destinava em sua totalidade ao mercado in- terno, sofre durante a depressdo uma queda de menos de 10 por cento, e jdem 1933 recupera o nivel de 1929. A producio agricola para o mercado interno supera com igual rapidez os efeitos da crise. Dados compilados mais recentemente por Villela e outros, com base no Anudrio Estatistico e no Recenseamento Geral, do IBGE, mostram que, em 1931, a produgao industrial j4 era 3,1% superior & de 1929, sendo que a da industria de transfor- macdo alcancara 3,5%, conforme se pode ver pela Tabela 1.1. Tabela 1.1 Brasil: indice de produgdo industrial, 1929-39. ~ 1929 | 1930 | 1931 | 1932 | 1933 | 1934 | 1935 | 1936 | 1937 | 1938 | 1939 ser Fonte: Villela, Anibal; Silva, Sérgio R. da; Suzigan, Wilson; Santos, Mario J. Aspectos do crescimento da economia brasileira. Rio de Janeiro: Fundac&o Getulio Vargas, 1971. A producdo de meios cle produgao (se medida por ferro, aco e cimento) pou- co sofreu com a crise e também voltou a crescer jé a partir de 1931. O conjunto da renda nacional brasileira voltou a crescer desde 1933, quando nos EUA e de- mais paises desenvolvidos “os ptimeiros sinais de recuperacéio sé se manifestam em 1934”. 0 Ibid., p. 192. 6l Did., p. 198. 62 Furtado, op. cit., p. 189, 193. 0 Nacional-desenvoivimentismo ¢ a Industrislizacio 13 Deslocamento do eixo dindmico As medidas de defesa da demanda agregada, ancoradas na politica de defesa do café, somadas as medidas de combate a crise cambial, nao se limitaram a rea- Uvar a economia existente, isto é, nos moldes do modelo agroexportador. Tiveram um decisivo papel no sentido de promover o que Celso Furtado designou “desloca- mento do eixo dindmico”. Isso se traduziu na reorientacdo da economia nacional, a qual transitou de um modelo agroexportador para um urbano-industrial. Antes, j4 haviam ocorrido alguns surtos industriais,®? mas nenhum se consoli- dara. Assim, pode-se dizer que a industrializaco brasileira propriamente dita, isto é, a industrializagéio enquanto processo, é um fendmeno tipico do pés-1930. A industrializacao brasileira é conhecida como industrializagao por subs- tituicéo de importagées porque passou a produzir internamente os produtos que antes 0 pais importava.5+ Havia na época a premissa dé que a economia brasileira s6 poderia emergir da crise depois que os paises centrais se levantassem. Nesse caso, os precos do café e de outros produtos agricolas exportados pelo Brasil voltariam a subir, garantindo os lucros dos exportadores e mais recursos para o Estado. E, assim, o pais retomaria sua “vocagao natural”, que seria a manutengio do modelo primério-exportador. 0 governo de Gerilio mudou essa atitude. Sua concepedo era a de que a eco- nomia brasileira poderia e deveria retomar o crescimento independentemente da dinamica da economia mundial, e de que, para isso, seria necessdrio mudar o modelo econémico. Foi essa conclusdo a que chegaram os debates dentro do Conselho Federal de Comércio Exterior, criado ¢ presidido pelo préprio Presiden- te da Reptiblica.®> ineragao; 2) a década de sbosa e Serzedelo dial, gracas ao Os surtos industriais foram os seguintes: 1) no século XVII, durante 0 = na década de 1840, depois da instituigdo das tarifas alfandegarias Al 1890, depois que, na primeira fase da Republica, os ministros da Faze- Correia, adotaram um programa industrializante; 4) durante a P= protecionismo natural ensejado pelo conflito bélico. ‘Tavares, op. cit., p. 67-72. Bielschowsky, Ricardo. Pensamento econdmico brasiie! 2. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1995, p. 252. Lezico do desenvolvimento. OO 14 fconomia Brasileira Contemporines + Souze O debate central travou-se entre o principal lider empresarial da época, 0 engenheiro-economista Roberto Simonsen,®° e 0 engenheiro-economista Eu- génio Gudin. Enquanto este tiltimo defendia uma suposta vocacao agricola da economia brasileira,°” o primeixo pregava que “a industrializaco de um pais como 0 Brasil é indispensdvel para que ele possa atingir um estégio de alta civilizagao”.8 Na época, triunfaram as teses de Simonsen. Ele propunha que, para viabilizar a industrializagao, deveriam ser praticados o protecionismo € a agdo do Estado na economia. Esse caminho foi perseguido pelo governo Vargas desde 0 inicio. Além da agao estatal no sentido de defender a demanda agregada ¢ proteger a industria nas- cente, como ja vimos, foi adotado um mecanismo que viabilizou a transferéncia de excedentes econdmicos da agricultura cafeeira para a industria. Era a forma de aportar a poupanga necessdria aos investimentos industriais. O mecanismo era engenhoso: os exportadores de café recebiam, em moeda nacional, um valor inferior & taxa de cambio estabelecida; por outro lado, os industriais que queriam adquirir no exterior maquinas e equipamentos para viabilizar seus investimentos tinham o beneplacito de comprar a moeda es- trangeira por um valor inferior 4 taxa de cambio. Era uma transferéncia via cambio de renda do café para a industria. Apelidou- se esse mecanismo de “confisco cambial”. Na verdade, essa é uma meia-verdade. De um lado, porque parte da renda agricola era garantida pelo proprio Estado através da aquisicdo dos excedentes cafeeiros; de outro, porque, além de outras medidas destinadas a ajudar financeiramente os produtores de café, 0 governo reduziu, em 1933, suas dividas bancdrias em 50%.7° Os resultados foram imediatos. Vimos antes que, j4 em 1931, iniciou-se a re- cuperagio industrial (ver ‘Tabela 1.1), quando esse processo s6 ocorreu em 1934 6 foi presidente da Federacio da Indiistria do Estado de Sao Paulo (Fiesp) e fundador e presidente da Confederacéio Nacional da Indtistria (CNI). 97 Bielschowsky, op. cit., p. 37-76. 6% Simonsen, Roberto. Evolugdo industrial de Brasil e outros estudos. $40 Paulo: Nacional, 1973, p. 288. © Bielschowsky, op. cit., p. 37-76. 7 Surtado, op. cit., p. 201, nota 166. © Nacione!-¢ =o ea Industrializnctio 15 nos paises desenvolvidos.”” Em 1933, a producdo industrial ja superava em cerca de 20% o nivel de 1929 (ver Tabela 1.1) e, em 1937, jd cresceta mais 68%, repre- sentando o dobro de 1929 (Tabela 1.1). Estimulada pelo crescimento da demanda industrial, a producdo primaria para o mercado interno cresceu em mais de 40% sno mesmo perfodo e a renda nacional cresceu 20%.”" Industria de base e mercado interno: pilares da industrializacdo Foi a industrializacao que alavancou o crescimento da economia: na déca- da de 1930, enquanto a produc4o industrial crescia a 7,2% ao ano, a agricola sé avancava a 2,8%; nos primeiros cinco anos da década seguinte, o crescimento foi, respectivamente, de 9,2% e 2,4%.73 A nossa industrializacdo contou com dois pilares fundamentais: a imple- mentacdo da industria de base” e a dinamizacao do mercado interno. A consciéncia da importancia da industria de base consolidou-se a partir de 1937. Na Mensagem de novembro de 1937, que instituiu o Estado Novo, o gover- no de Gettilio anunciou que a industrializacio, a infra-estrutura de transportes ¢ comunicagées e a defesa nacional exigiam a instalacdo da grande siderirgica ¢ a fundaco, de maneira definitiva, das “nossas industrias de base” Em junho de 1939, langou o Plano Especial de Obras Publicas e Aparelhamen- to da Defesa Nacional, que tinha como primeira medida a “inscalagao da industria de base, sobretudo a siderirgica”. Foi com essa consciéncia que se comecou a construir, a partir de 1942, a pri- meira sidertirgica estatal brasileira, a Usina de Volta Redonda, da Companhia Si- dertirgica Nacional (CSN). O Brasil havia decidido participa da Segunda Guerra ao lado dos aliados contra o Fixo nazi-fascista. Depois disso, o governo dos EUA’ pleiteou a cessiio de um territdrio em Natal (RN) a fim de construir uma base ae- ronaval que pudesse facilitar o deslocamento de tropas para o norte da Africa. O Registre-se que, depois de uma reanimacao inicial, a economia dos paises desenvolvidos voltou z declinar novamente: nos EUA, por exemplo, a renda per capita caiu sensivelmente de 1929 a 1937 Thid., p. 201) Ibid., p. 200. * Grande Enciclopédia Larousse Cultural, verbete “Brasil”. Industria que produz meios de producdo: méquinas, equipamentos, insumos bdsicos, bens =medidrios. Na época, presidido por Franklyn D. Roosevelt. 16 Economia Brasileira Contemporénea * Souza governo brasileiro negociou, em troca, 0 apoio financeiro e técnico para construir a usina sidertirgica. Na mesma época, com o objetivo de garantir os minérios necessarios A si- derurgia e & industrializagéo, o governo criou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). A dinamizac’o do mercado interno foi outro pilar importante da industriali- zacdo brasileira. A industria nascente destinou-se, inicialmente, a substituir im- portagées, ou seja, a produzir para o mercado interno os produtos que antes eram importados. Mas a continuidade e a consolidacao do processo de industrializagao demandavam que esse mercado fosse ampliado. O instrumento utilizado para esse fim foi a legislacdo trabalhista. E evidente o cardter social da legislacdo trabalhista, mas, ao proteger e valorizar o trabalho, haveria de provocar um efeito econdmico: a melhoria do poder de compra dos trabalhadores passou a dinamizar 0 mercado interno. Essa legislagio foi sendo instituida ao longo do tempo. JA no més em que Ge- tlio chegou ao poder, em novembro de 1930, criava 0 Ministério do Trabalho, Industria e Comércio; em marco de 1931, foram decretadas a lei dos 2/376 e a lei da sindicalizac4o7’ e, em setembro do mesmo ano, foi instituida a Previdéncia Social; em marco do ano seguinte, foi decretada a jornada de 8 horas;7* em maio de 1938, foi criado o saldrio minimo, que passaria a vigorar a partir de 1941. Toda essa legislacao de protecao ao trabalho, adicionada a outras conquistas, como 0 descanso semanal, as férias e a licenga-gestante remunerados, protegdo ao trabalho do menor, instituicéo da seguranca do trabalho, jornada de 6 horas para bancarios, telefonistas, mineiros e outras categorias profissionais, foi conso- lidada, em 1° de maio de 1943, num tinico texto legal: a Consolidagio das Leis do Trabalho (CLT), documento que ainda hoje, em seus aspectos fundamentais, regula as relacdes de trabalho no pais. Os resultados dessas medidas podem ser medidos em termos quantitativos. Enquanto a producdo nacional, medida em termos fisicos, aumentou em pouco mais de 100% de 1939 a 1954, o volume real dos gastos de consumo da popula- cao - indicativo do crescimento do mercado interno — cresceu em mais de 130%. 7 Hssa lei obrigava as empresas a empregarem 2/3 de brasileitos. 27 Antes, a questo social era tida como um “caso de policia”. 78 A jornada era de 12, 14, 16 horas de trabalho. © Nacional industrializacio 17 “Apesar disso, a taxa de investimento”’ néo baixou: ao contrario. subiu de 12,9% para 14,3%.5° Mudangas enfrentam obstdculos Essas transformagées econdmico-sociais enfrentaram importantes obstacu- tos. O primeiro deles originou-se dos setores sociais beneficidrios da economia agroexportadora que perdia peso para a industrializacdo, sobretudo os cafeicul- tores paulistas. Estavam, portanto, contra as mudancas em curso, Promoveram um levante armado em S4o Paulo, a partir de 9 de julho de 1932. O objetivo declarado era garantir a convocacio de uma Assembléia Nacional Constituinte para dotar o pais de uma nova Constituigao. Por isso, chamaram seu movimento de “Revolugao Constitucionalista”. No entanto, 0 governo de Geriilio Vargas jd havia convocado, em maio daquele ano, as eleigdes para a ANC a rea- lizar-se em 1934, e ja havia, inclusive, editado as normas eleitorais, incluindo o voto universal e secreto, 0 voto feminino*! e a Justia Eleitoral.§? Em seu Diario, Getiilio anotou na época: Revolucao Constitucionalista? Nao, porque a data das eleicdes estava marcada e os tribunais eleitorais ja constituidos! As reivindicagées da auto- nomia paulista? Tampouco. Tudo ja fora atendido, até mesmo a mudanca do comando da Regifio. Tio satisfeitos estavam eles com 0 seu governo que 0 mantiveram. A Revolucdo de Sao Paulo foi um movimento reaciondrio para se apoderar do governo, falsamente rotulado de constitucionalista.®? Malogrado o levante de Sao Paulo, 0 governo de Getuilio enfrentaria trés anos depois, em 1935, um outro levante, dessa vez promovido por setores que queriam fazer as mudancas, mas estavam insatisfeitos com seu ritmo. Esses setores se organizaram na Alianca Nacional Libertadora (ANL), liderada por Luiz Carlos Prestes, que se tornara célebre durante a Coluna Miguel Costa-Pres- tes nos anos de 1920. Em sua carta de adesaio ao movimento, Prestes declarou: Medida pela relagdo entre os investimentos brutos ¢ o total do dispéndio naciov2!. * Furtado, op. cit., p. 221-222. Até entio, as mulheres néo votavam no Brasil. Antes, quem comandava ¢ fiscalizava as eleigdes eram os represe=zeates do govemo na loca- Ldade. = Vargas, Gettilio. Didrio. Apresentagiio de Celina Vargas do Amarai Psixo:o. S20 Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundacio Getulio Vargas, 1995. 18 eonomia Brasileira Contemporinea + Souza Quero combater, lado a lado, com todos os que [...] desejam lutar pela libertacdo nacional do Brasil, com todos os que queiram acabar com o regi- me feudal em que vegetamos e defender os direitos democraticos que vo sendo sufocados pela barbarie fascista ou fascistizante.** Mas, no momento marcado para a realizagao de insurreigdes populares, 0 movimento reduziu-se a trés levantes militares® que nao conseguiram galvanizar sequer a parcela da populacdo que apoiara a ANL no perfodo de sua mobilizacao pacffica. © mandato de Gettilio encerraria em 1934, mas a Constituinte eleita naque- Je ano concedeu-lhe mais quatro anos de mandato, sem direito a nova reeleigao. Deveria, portanto, haver eleicGes presidenciais em 1938. Mas, a 10 de novembro de 1937, Getilio suspendeu as eleigdes e comegou a implantar o que ele desig- nou “Estado Novo”. Na Mensagem que leu naquela data, exp6s os motivos da sua decisao. Segun- do ele, “os preparativos eleitorais foram substituidos, em alguns Estados, pelos preparativos militares, agravando os prejuizos que ja vinham sofrendo a Nagao”. Ainda segundo a mensagem, o principal candidato de oposicao, Armando Salles de Oliveira, interventor de Sao Paulo e vinculado aos cafeicultores, teria mandado ler na tribuna da Camara dos Deputados um documento conclamando os milita- res a insubordinaciio. Parecia estar sendo preparada uma nova agao militar contra 0 governo. Isso num quadro em que a retomada da crise mundial voltara a repercutir na econo- mia brasileira e em que a Camara dos Deputados paralisara a votagio das leis complementares que condensavam 0 projeto do governo. Para Gettlio, isso sig- nificava que, “quando os meios de governo nao correspondem mais as condi¢des de existéncia de um povo, nao hé outra solugdo senao muda-los, estabelecendo outros moldes de aco”. Logo depois, em 1938, como a revelar que estaria de fato havendo preparativos militares, a Acdo Integralista Brasileira (AIB), liderada por Plinio Salgado —e que fora um dos candidatos presidenciais nas eleicées marcadas para 1938 -, tentou invadir 0 Palacio do Catete a fim de assassinar 0 Presidente e tomar o poder. A tentativa frustrada de golpe contou com 0 apoio do outro candidato de oposicio, Armando Salles de Oliveira. O objetivo da AIB era Jevar o Brasil a aproximar-se do Bixo nazi-fascista da Alemanha e Italia. ‘Ao mesmo tempo em que tomava as medidas destinadas a implantar o Estado Novo, Gettilio adotou um conjunto de medidas de cardter econémico e social: 3 Silva, Hélio, op. « 1p. 98. 55 Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, em Recife e n0 Rio de Janeiro. © Nacional-dese= 1. suspendeu o pagamento dos juros ¢ amortizacées ¢a divida externa, cujos pagamentos haviam sido retomados em 1934 e = segundo ele, em face da crise mundial, debilitando a economia nacio: 2. suspendeu o “sistema de valorizacées artificiais de compra é a” do café que vinha sendo adotado; 3. comegou a implantar a indtistria de base, a comecar pela construcdo da Usina de Volta Redonda; 4, ampliou as atribuic6es do Conselho Federal de Comércio Exterior de for- ma que passasse a exercer provisoriamente as fungdes do futuro Conselho de Economia Nacional, o qual passaria a operar como érgao central de planificagio; logo depois, comecaria a ser elaborado o Plano Qiingiie- nal; 5. acelerou a adocdo de medidas trabalhistas, consolidando-as na CLT. O Estado Novo duraria até 1945. Naquele ano, Getilio convocou, para o ano seguinte, eleicdes gerais e para uma Assembléia Nacional Constituinte. E, para dis- purd-las, formaram-se os partidos politicos. A Unidio Democratica Nacional (UDN) passa a abrigar os opositores ao getulismo. Em apoio ao getulismo, constituiu-se, 2 partir de suas bases sindicais, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Criou-se, zambém, o Partido Social Democrata (PSD), que oscilava entre os dois pélos. Por Fm. legalizou-se o Partido Comunista (PCB), que fora fundado em 1922. Convocadas as eleigées, abriu-se uma forte disputa politica. De um lado, a LDN pressionava pela saida de Getulio antes das eleig6es. Por outro lado. o PTB. com apoio do PCB e de parcelas do PSD, defendia que as eleicdes, sobretudo as constituintes, ocorressem com Gettilio no poder. Para mobilizar a sociedade. o PTB e seus alia- os criaram o “Movimento Queremista”.®> O pretexto usado pela UDN para pressionar pela saida de Genilio era seu suposto interesse em continuar no poder. Mas as eleig6es jd estavam marcadas, ‘9 prazo para inscrigéo dos candidatos jé havia vencido, os principais candidatos Suscritos eram dois chefes militares, o brigadeiro Eduardo Gomes e 0 marechal Eurico Gaspar Dutra, sendo que este tiltimo fora ministro da Guerra do governo. Além disso, Getiilio havia declarado varias vezes que nio seria candidato. Depois de muita pressao, que contou, inclusive, com um pronunciamento do embaixador estadunidense, Adolf Berle Jr.,®” a ctipula militar unificou-se em tor- =o da saida de Gettilio, assumindo em seu lugar, para presidir as eleigées, 0 pre- ‘ente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. * éev‘a seu nome 2 bandeira das bases getulistas que pregava: “Queremos a Cons- r & 0 embaixador: Geuilio Vargas, Adolf Berle Jr, € a queda do Estado 20 Economix Brasileira Contemporinea * Souza O interregno Dutra e as oscilagées na politica econdmica Nas eleigdes de 1946, foi eleito Presidente da Reptiblica o candidato apoia- do por Gettilio Vargas, 0 marechal Eurico Gaspar Dutra, que se candidatara pelo PSD. Ao mesmo tempo, inscrito como candidato a senador e a deputado federal, Gettilio elegeu-se senador por S40 Paulo e Rio Grande do Sul e a deputado fede- ral por nove Estados.5% Mesmo havendo integrado a corrente getulista, tendo, inclusive, sido seu ministro da Guerra, Dutra alterou, na fase inicial. aspectos fundamentais do programa que vinha sendo implementado. Na 4rea social, apesar de manter intocada a legistacdo trabalhista, nao concedeu um tinico reajuste do saldrio minimo em todo o seu governo.®? Na area econémica, a despeito de haver mantido decis6es importantes, como a da construgao da Usina de Volta Redonda e a do controle nacional so- bre o petrdleo e sobre a Fabrica Nacional de Motores, malbaratou as reservas cambiais acumuladas durante a guerra. Além de haver usado as reservas para resgatar antecipadamente dividas externas futuras, comprometeu-as com a liberalizagao de importagées industriais que autorizara, A rapida pulverizacao das reservas e 0 intenso aumento do coeficiente de importagao” geraram, nas palavras de Furtado, um forte desequilfbrio externo, que ele caracterizou como uma situa¢ao “incompativel com a capacidade para importar”.®! Ao mesmo tempo, a nova inundagdo do mercado interno com pro- dutos industriais importados comegou a comprometer o esforco industrializante que vinha desde a década anterior. Diante desse quadro, o governo resolveu agir, a partir de 1947, para conter as importagées e corrigir o desequilibrio externo. Segundo Furtado, ante a solugéo de desvalorizar fortemente a moeda ou a de introduzir uma série de controles seleti- vos de importacio,*” o governo optou pela segunda alternativa, Essa opcao teria 88 Naquela época, os apoiadores de um candidato poderiam inscrevé-lo a varios mandatos; de- pois de eleito, ele deveria escolher o mandato de seu interesse ou preferéncia. Genilio escolheu a vaga de senador do Rio Grande do Sul. ®5 A legislacio da época determinava que os reajustes deveriam ser trianuais. Como 0 Ultimo rea- juste de Geuilio fora em 1943, deveria ter ocorrido um em 1946 ¢ outro em 1949, Coeficiente de impartacao é a relagio entre o valor das impartacées ¢ o valor do Produto Interno Bruto. Este havia baixado de 14% em 1929 para 8% em 1933 € voltou a subir para 15% em 1947 (cf. Furtado, op. cit., p. 197 € 217). ‘1 Tbid., p. 217. %2 © autor deixou de assinalar uma terceira alternativa: elevar as tarifas de importacilo. © Nacionat 4 Industeiatizagio 21 scorrido devido ao receio de que a desvalorizagao da moeda pudesse pressionara inflagdo para cima, mas tratou-se “de uma resoluco que teve importancia bdsica na intensificagao do proceso de industrializacéo do pais” Independentemente da consciéncia dos executores do novo programa, o con- tole seletivo de importagées significou basicamente duas coisas: 1. a redugao relativa das importagées de manufaturas acabadas de consu- mo; 2. o aumento das importacées de bens de capital e matérias-primas. Segundo Celso Furtado, © setor industrial era assim favorecido duplamente: por um lado, porque a possibilidade de concorréncia externa se reduzia ao minimo através do controle das importacées; por outro, porque as matérias-primas e os equi- Pamentos podiam ser adquiridos a precos relativamente baixos.* E, assim, enquanto a importagio de bens industriais consumidos pelas ca- madas de altas rendas cafa, no total das importagdes, de mais de 13% em 1947 para 7% em 1950, as importagdes de equipamentos industriais subiram 338% de 1945 a 1951.9 Essas medidas néo apenas ajudaram a manter o esforco de industrializacdo, como também o aceleraram, trazendo como conseqiiéncia a intensificacdo do cres- cimento econdmico: 0 produto real per capita, que crescera a 1.9°: ao ano entre 1940 e 1946, passou a crescer 3% de 1947 a 1949.75 0 retorno de Gettilio ¢ a industrializacdo pesada Através das eleigées de outubro de 1950, Gettilio Vargas retornou ao poder, Obteve no pleito 48,7% dos votos contra 29.7% do candidato da UDN e 21,5% do candidato do PSD.” A oposicdo udenista ainda tentou impedir sua posse, alegando que nao obtivera maioria absoluta dos votos, mas, sem respaldo na Constituicdo, aa sociedade e nas Forcas Armadas, nado atingiu seu intento. Furtado, op. cit., p. 217. ibid., p. 218. Fertado, op. cit., p, 219-220. Ibid. p. 218, note 179. O-candidavo de UDN mais uma vez foi o brigadeiro Eduardo Gomes; quanto ao do PSD, Cristiano ado. no meio de cortenda parte de seu partido decidiu apoiar Getilio, passando esse gesto a °e politica brasileira como “cristianizacdo”. 22. Economia Brasileira Contemporines * Souza Em entrevista dada trés meses antes das eleicées, ao jornal Folha da Noite, Gettilio definiu a concepcao que nortearia seu governo: “Empenhar-me-ei a fundo em fazer um governo eminentemente nacionalista. O Brasil ainda néo conquistou a sua independéncia econémica e, nesse sentido, farei tudo para consegui-lo."%8 A independéncia econémica seria obtida, em grande medida, através da im- plantacdo da industria de base, consciéncia que jé se esbogara no perfodo ante- rior. A industrializacao iniciou-se, fundamentalmente, pela produgdo de bens de consumo necessario (setor Ia). Essa industrializacao comecou a exigir progres- sivamente mais e mais meios de producao (setor 1), dos quais nao havia producao interna adequada. Entretanto, a eclosiio da Segunda Guerra Mundial, agravada pela crise cambial que enfrentou a economia brasileira no imediato pés-guerra, dificultou 0 abaste- cimento de meios de produgao pela via da importagao. Tal fato abriu as brechas para um embrionario desenvolvimento interno do setor I,1°° que, na fase inicial, se concentrou principalmente na producdo de insumos basicos ¢ bens interme- didrios.!°t Mas Gettilio Vargas, consciente da necessidade do desenvolvimento interno do setor de meios de producio dentro de uma estratégia de independéncia nacional, adotou, em seu segundo governo (1951-1954), uma série de medidas visando 4 sua promocaéo. Diz Oliveira: £ deste ponto de vista que se entende o bloco de atividades produtivas, que se materializaram sob a forma de empreendimentos estatais, consubs- %8 Silva, Hélio. Getilio Vargas: 172 Presidente do Brasit (1946-1954). S40 Paulo: Grupo de Comu- nicac&o Trés, 1983. (Colecdo Os Presidentes.) 5° Em 1949, 55% do valor da produgao industrial correspondia aos ramos de téxtil, vestudrio € produtos alimenticios (cf. Pignaton, A. G. Alvaro. Capital estrangeiro e expansdo industrial no Brasil. Brasilia: UnB, Departamento de Economia, set. 1973, p. 50). 10° Cf, Oliveira, Francisco de; Mazzuchelli, Frederico. Padrées de acumulacio, oligopélios ¢ Esta- do no Brasil (1950-1976). In: Oliveira, Francisco de. A economia da dependéncia imperfeita. Rio de Janeiro: Graal, 1977, p. 76. 101 Em 1949, a producdo dos ramos de minerais nao metalicos, metalurgia, papel e papelao, fer- 10 € quimica correspondia a 24,27% do valor da produgao industrial. A parte do setor I voltada & produgiio ce maquinas e equipamentos (bens de capital) praticamente inexistia: a participagiio do ramo de mecdnica no valor da produgdo industrial era de apenas 1,60% e a participacto do ramo de material de transporte (ento no dominada ainda pela produgio de bens de consumo duréveis) se limitava @ 2,31%, Quanto a um setor especificamente suntudrio, ainda nao dava sinal de vida importave-se praticamente tudo 0 que se consumia (cf. Pignaton, op. cit., p. 50). 0 Naciunai-desenvolvimeniisme ¢ a Incustrlatizecae 28 tanciados na criago da Petrobras, na entrada em operacio da Companhia Siderirgica Nacional, na tentativa de por em funcionamento a Companhia Nacional de Alcalis, na j4 modesta performance da Companhia Vale do Rio Doce ¢ no projeto da Eletrobrés, enviado ao Gongresso nacional ¢ apenas aprovado dez anos apés.'? Trata-se, como se vé, de iniciativas destinadas basicamente a produgao de jnsumos basicos e bens intermediarios, mas, através da Instrucéo 70 da Supe- | rintendéncia da Moeda e do Crédito (Sumoc) e da reforma cambial de 1953, 9 governo buscou encarecer os bens de capital importados a fim de estimular sua producao interna./°° Para fomentar 0 desenvolvimento do setor I, Getulio criou o Fundo de Reaparelhamento Econdmico ¢ 0 Banco Nacional de Desen- volvimento Econémico (BNDE). Escas medidas propiciaram a aceleragio do crescimento £coxe yinha desde 0 comeco dos anos de 1930. O produto real z : que ja 1949 a 1954.1 Além disso, aumentou sen: de base na estrutura industrial brasileira. no de Vargas, em 1954, mas a comparacéo entre 1945 ¢ 1958 ca tina indicagéo desce movimento: as indistrias mecanices. metalsrgicas, Ge material eletrico, de material de transporte e quimica aumencaram sua participacao de 22% em 1949 para 38% em 1958, enquanto as de minerals nao metalicos, papel, papelao e bor- racha subiram de 8% para 10%.1° © desenvolvimento do setor Ila se dava basicamente sob o controle de um empresariado nacional nascente, que se desenvolvia no proprio processo de in- dustrializagao. Por outro lado, o Estado assumiu, no fundamental, o encargo de implementar o setor 1.1°° “=” Oliveira, op. cit., p. 77. Cf. Bandeiza, Moniz. © governo Jodo Goulart: as lutas socials no Brasil (1961-1964). 2. ed, Rio deJancito: Civilizagao Brasileira, 1977, p. 16 e nota 3. Ver também Magalhes, Sérgio. Problemas do desenvolvimento econdmico. Rio de Janeito: Civilizacio Brasileira, 1960, p. 14. Furtado, op. cit., p. 218, nota 179. ‘Tavares, Maria da Conceigio, Da substituigdo de importagdes ao capiraiisrie financeiro: ensaios cobre economia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 92 ¢ quedro 6 Para uma andlise do desenvolvimento da empresa estatal no perioco 1930-1954, assim come 2e suns causas, vela-se Breitman, Doris. Consideraciones criticas sobre «! papel de [a empresa estatitl = Brasil. México, FCP & S-UNAM, 1978 (tese de mestrado}. As prine:pe's empresas estatats criadas Zo periodo foram: Companhia Sidertrgica Nacional, Companhia Vale do Rie Doce, Petrobras € Companhia Nacional de Alcalis, todas produtoras de bens intermectarios 24 Economia Brasileira Contemportinea * Souze Essa industrializagao deu-se sob controle nacional porque o governo de Getti- lio tinha como objetivo aumentar a autonomia econémica do pais, mas tornou-se possivel, em grande medida, em face da situacéio em que se encontrava a econo- mia mundial na época. Dada a Grande Depressio de 1929-30, seguida pela Segunda Guerra Mundial, © capital dos paises centrais encontrou dificuldades para participar do processo de industrializagao dos paises da periferia. Além disso, no pés-guerra, esse capi- tal, entdo sob a hegemonia dos EUA, se dirigia preferencialmente para a Europa Canada, sendo também em grande medida deslocado para a indtstria bélica nos proprios EUA, como conseqiiéncia do clima de “guerra fria” e da guerra contra a Coréia. Por outro lado, a parcela desse capital que seguiu sendo exportada para a América Latina no periodo se destinava basicamente a outros ramos que nao a inddstria.1°” Por tudo isso, 0 desenvolvimento industrial no Brasil até a primeira metade dos anos 1950 péde dar-se sob controle de um empresariado nacional nascente em associagéo com o Estado nacional. Este, além de promover o desenvolvimento do setor I interno, atuava no sentido de regular transferéncias de capitais e exce- dentes econémicos do setor agroexportador para o setor industrial.!°° Tal forma de desenvolvimento econdmico havia propiciado 0 avango de uma ideologia nacionalista, que influenciava importantes parcelas da sociedade e che- gara ao poder de Estado com Gettilio Vargas. Entre as medidas de cardter nacionalista adotadas por Gettlio, estavam, além da criagiio da Petrobras, do envio de projeto ao Congresso com vistas acriagao da Bletrobras e da tentativa de desenvolver internamente o setor I, 0 envio, em ja- neiro de 1952, ao Congresso Nacional, de projeto de lei visando limitar em 10% do capital investido a remessa de lucros para 0 exterior.'°? 107 taxa média anual de crescimento dos investimentos de empresas estachunidenses na América Latina foi de 6,2% para o periodo 1950-60 (contra 14,2% para a Europa e 12% para o Canada) (cf. Fajnzylber, Fernando, Estratégia industrial e empresas internacionais: posigao relativa da América Latina e do Brasil. Rio de Janeiro: IPEA/INPES, 1971, p. 29), Por outro lado, em. 1950 s6 17% do capital estadunidense que se investia na América Latina se destinava & produgéo de manufaturas (cf, Salama, Pierre, Especificidades de la intemacionalizacién de! capital en América Latina. Critica de la Economia Politica, El Caballito, n® 7, p. 132, abr/jun. 1978) 108 Oliveira, Francisco. Critica d razdo duatista. Porto Alegre, UFRGS-FCE-DAECA, 1974-75 (Debates Econémicos 19), esp. Cap. 2. 169 Cf, Machado, Luiz Toledo. Brasil 2002: coldnia, império e reptiblica; politica, sociedade ¢ eco- nomia, Lisboa: Universitaria Editora, 2003, p. 239-240. 0 Nacional-desenvolvimentismo ¢ a Industrializacto 25 Situacao internacional adversa No entanto, o aprofundamento das medidas nacionalistas teria que enfrentar, a partir da década de 1950, uma situacdo internacional adversa, em face de impor- rantes modificacdes ocorridas nos paises centrais no pds-guerra € que passaram a operar principalmente a partir daquele momento. Consolidara-se a hegemonia dos EUA no campo capitalista, haviam-se formado as grandes corporagées transnacio- nais, estavam-se realizando importantes avancos tecnolégicos e generalizara-se nos paises desenvolvidos a chamada sociedade de consumo de massas. Os importantes avancos tecnoldgicos, ao lado da sociedade de consumo. le- vavam a raépida obsolescéncia dos equipamento: induszriai: prin: palmente mos ramos ligados aos bens de consumo @ Epace, 0 Japiio e a Alemanha, que haviam tido seu apare_ho proc’ a guerra, 0 estavam reconstruindo com tecnologias 1% durante o perfodo bélico. A eventual manutenc4o nos EU om tecnologia do comeco do século — portanto, obsoleta - pederia eliminer de com- petic&o as empresas que os possufam. A atualizac&o tecnolégica nos EUA exigia, portanto, ou o abandono de fabricas inteiras — 0 que seria desvantajoso para as empresas — ou sua expor- taciio para paises ou regides de menor grau de desenvolvimento. Acabara-se também a fase mais pesada da “reconstrucéo européia”, liberando enormes massas de capitais estadunidenses. As transnacionais que se criavam comeca- ram a buscar novos campos de inversao rentavel, particularmente nos paises com capacidade de absorver tecnologia intermediaria, j4 tornada obsoleta em seus paises de origem. Entre os paises com essa capacidade de absor¢ao, estava precisamente 0 Bra- sil. Ocorreu, entao, importante ofensiva do capital estrangeiro em direcao a esses paises, tendo as grandes corporacées estadunidenses como ponta-de-lanca.~ Entre nds, essa ofensiva esbarrou na resist@ncia de um governo de carétez na- cionalista, entdo presidido por Gettlio Vargas, respaldado em intens social e politica em defesa dessas teses. = Ver a esse respeito nosso livro Ascensdio ¢ queda do impés Mandacaru, 2001, esp. Caps. 2 ¢ 3, =lo: CPC-UMES/ 26 Feonomia Brasileira Contemaporanca * Souza Destacou-se na época a campanha de “O petréleo é nosso”, que defendia a nacionalizacao e o dominio estatal sobre a prospecgio e extracio do petrd- leo. A mobilizacdo popular, deflagrada pelo Clube Militar, terminou fazendo com que a lei aprovada no Congresso (Lei n® 2004), com base no substitutivo elaborado pelo deputado petebista Euzébio Rocha, tivesse nao apenas criado a Petrobras, como propunha Getulio, mas também estabelecido o dominio ptt- blico da Uniao sobre o petréleo.!"! © governo de Gerilio passara, pois, a representar um forte obstaculo 4 expan- sao do capital estrangeiro no pais. Pressionado de fora pelo governo dos EUA e de dentro por parcelas da UDN,"" Gettilio passou a combinar a continuidade de seu projeto nacional (como a criagao da Petrobras e do BNDE, além do envio do projeto de criacdo da Eletrobr4s) com determinadas concessées aos EUA (como a formacao da Comissio Mista Brasil-EUA e a prorrogacdo do Acordo Militar Bra- sil-EUA). Foi nesse quadro que, em 1954, aproveitando-se de um incidente que provo- cou a morte de um dos guardas-costa de Carlos Lacerda, a oposi¢Ao pressionou pela rentincia de Gettilio Vargas. Em lugar de renunciar, Getiilio deu um tito no préprio peito. A mobilizacéio nacional que se seguiria, além de impedir o golpe que se arquitetara, garantiu a vitéria, nas urnas, do candidato a Presidéncia que ele havia langado para sucedé- lo e que era respaldado pelas mesmas forgas sociais ¢ politicas que apoiavam seu governo: Juscelino Kubitschek. JK, como se tornow conhecido, elegeu-se a 3 de outubro de 1955 com 3 milhdes de votos, pelo PSD, tendo como vice Jodo Gou- lart, presidente do PTB e herdeiro politico de Getilio. EXERCICIOS 1. Mostre as causas do estrangulamento externo e do esgotamento do modelo agroexportador baseado no café em 1929-30. 2, Indique as principais medidas do programa econémico-social do primeiro go- verno de Getiilio Vargas, apontando quais suas conseqiiéncias. mt 0 principal mentor da campanha foi o general Horta Barbosa, que vencew o debate no Clube contra 0 marechal Juarez Tavora ¢ 0 brigadeiro Eduardo Gomes (cf. entrevista de Fernando Siquei- ra, presidente da Associagiio dos Engenheiros da Petrobras, ao jornal Tribune da Imprensa, 2 jan. 2004). 2 Ligeradas pelo jornalista e deputado Carlos Lacerda wi © Nacional-desenvolvimeatiso ¢ Qual o mecanismo adotado pelo governo de Vargas para garantir a demanda 2aregada eo nivel de emprego durante a crise deflagrada em 1929-30? indique as medidas adotadas para viabilizar 0 deslocamento do eixo dinamico da economia brasileira para a industria. Mostre por que a indtistria de base e o mercado interno foram os pilares da industrializacdo por substituicdo de importagées. Demonstre quais os problemas gerados na economia brasileira na primeira fase do governo Dutra e como ele enfrentou esses problemas. Detalhe as medidas adotadas no segundo governo Vargas para. viabilizar a industrializacao pesada. Por que, durante 0 segundo governo Vargas, a situagao internacional era ad- versa ao seu programa de governo?

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