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31 JANEIRO, 2017
George Orwell
1
amplia sua ira por aquelas pessoas, aparentemente imbuídas de uma só
vontade: dificultar seu trabalho. O texto, mescla de ensaio e memória, não
deixa dúvida a respeito desses antagonismos.
A essa descrição, Orwell acrescenta, no fim do segundo parágrafo,
novo elemento: um elefante encolerizado. Enquanto se dirige à região
destruída pelo animal, ouve o depoimento dos nativos — e a própria
sucessão de informações constrói seu deslocamento pela cidade: cada
notícia serve como um passo a mais na direção do que, imaginamos, será
o núcleo do ensaio.
Quando chega ao local, bastam dois períodos para que Orwell coloque
o cenário diante do leitor: “Era um quarteirão miserável, verdadeiro
labirinto de fragilíssimas cabanas de bambu cobertas com folhas de
palmeira, coleando ao longo de uma colina escarpada. Recordo-me que foi
numa dessas manhãs abafadas, com o céu coberto de nuvens, já na
entrada da estação chuvosa”. Nossa imaginação não necessita de mais
nada para penetrar no bairro pobre e se perder na serpente de
choupanas, sentindo o mormaço opressor.
A esse cenário pouco agradável, Orwell acrescenta nova camada de
significados — a crescente profusão de informações recebidas ao longo do
caminho amplia e reforça as dúvidas, a insatisfação e a angústia do jovem
oficial: “Isso é regra geral no Oriente; um relato qualquer nos soa claro e
preciso à distância, mas quanto mais vamos nos aproximando do local dos
acontecimentos, tanto mais vago ele se torna”.
Descobrir o cadáver esmagado é um choque de realidade: “A cara
coberta de lama, os olhos arregalados, os dentes à mostra e apertados
numa expressão de insuportável agonia”. A seguir, quando encontra o
elefante, a indiferença do animal e a turba curiosa são descritas com
perfeição. Mas o importante é perceber que a divisão interior de Orwell
ganha mais uma camada: ele tem agora o rifle adequado, carrega-o com
os cartuchos, presenciou a destruição causada pela fúria do animal, sabe
que está obrigado a cumprir seu papel, a população anseia pelo
espetáculo — mas sente-se como um tolo, sem nenhuma intenção de
matar o elefante.
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Somos, ao mesmo tempo, o elefante abatido e o narrador que olha no
fundo da “goela rosa-claro” do animal.