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anterior menos violenta, © primeiro que realiza a fusio ‘entre linguagem falada e imagem nfo 6 um poeta em verso, mas em prosa: o grande Ramén Gémez de la Serna. Em 1930 surge a antologia de Gerardo Diego, que divulga © grupo de poetas mais rico ¢ singular da Espanha desde © século XVII: Jorge Guillén, Federico Garcia Lorca, Rafael Alberti, Luis Cernuda, Aleixandre. .. Detenho-me. Nao escrevo um panorama literério. E © capitulo que segue me toca demasiado de perto. ‘A poesia moderna de nossa lingua ¢ mais um exem- plo das relagdes entre prosa e verso, rifmo e metro. A descrigao poderia estender-se a0 italiano, que possui uma estrutura semelhante a0 castelhano, ou ‘a0 alemao, mina de ritmos. No que diz respeito ao'espanhol, vale a pena epetir que 0 apogeu da versificago ritmica, conseqtiéncia da reforma levada a cabo pelos poetas hispano-americanos, € na realidade uma volta ao verso espanhol tradicional Mas éste regresso no teria sido possivel sem a influéncia de correntes poéticas estrangeiras, a francesa em parti- cular, que nos mostraram a correspondéncia entre ritmo © imagem poética. Mas uma vez: ritmo © imagem sso inseparfveis. Esta longa digressio nos Teva ao ponto de Partida: sa imagem poder dizer-nos como 0 verso, que € frase ritmica, 6 também frase que possui sentido, 36 A IMAGEM fw ot i oe at Nel Mean ee ne 37 Iisias, simbolos, alegorias, mitos, fabulas, ete. Quaisquer aque sejam as diferengas que a5’ separam, {das tem ‘ova comum a preservago da pluralidade de’ signficades ‘da palavra sem quebrar a unidade sintética da frase ou do conjunto de “frases. Cada imagem — ou cada poema composto de imagens —contém: muitos signficades con trérios ou dispares, ‘aos quais abarca ow reconclia sem suprimi-os. Assim, San Juan ‘de la Cruz fala de “la misica caliada", frase na qual se aliam dois térmos_em aparéncia isreconcildveis, © heroi tragico, neste sentido, também é uma imagem. Fxemplificando: a figura de Antigona, despedagada entre a piedade divina eas leis hhumanas. “A e6lera de Aquiles tampouco 6 simples € nela se unem os contrérios: 0 amor por Pétroclo ¢ Piedade por Prismo, o fascinio’ ante uma morte. gloviosa © 0 desejo de uma vida longa, Em Sigismundo a vila ©.0 sonho se enlagam de maneira indissolvel misteriosa Em Edipo, a liberdade © 0 destino... A imagem € cifra da condigio. humana Epica, dramatica ou titiea, condensada em uma fase ou desenvolvida em mill paginas, toda imagem aproxima ‘ou conjuga redlidades opostas, indiferentes out distanciadas entre si Isto & submete a unidade 1 plara. lidade do real. ‘Conceitos e leis cientificas no. pretendem outra coisa. Gragas a uma mesma redugae’ racional, individuos e objetos —'plumas Teves e pesadss pedras -—- convertem-se em unidades homogéneas, Nao’ sem um Justficado assombro. as. criangas descobrem um ‘lia que tum quilo de. pedras pesa o° mesmo que ‘um quilo ‘de plumas. Custathes muito reduzitpedras “e. plumas. 3 abstragio quilo. Dio-se conta de que pedras © plumas abandonaram sua maneira: propria de scr e que por dma excamoteagao, ‘perderam 10das’ as suas qualidades sua autonomia. A ‘operagao unificadora da ciencia mutilaces @ empobrece-as..'O mesmo néo ocorre ‘com a poesia. O Poeta nomeia as coisas: estas” sao. plomas, aquelas” S20 pedras. E de sibito afirma: as pedras sto. plumas, isto € aquilo, “Os elementos da imagem nao perdem seu cardter concreto ¢ singular: as. pedras continua. senda pedras, dsperas, duras, impenctraveis, amarclas de sol ou verdes de musgo: pedras pesadas. Eas plumas, plumas leves. A imagem resulta escandalosa porque esafia, © principio de contradigio: pesado é 0" ligeito. Ao unciar a identidade dos contriios, atenta ‘conira os fundamentos do nosso pensar. Portanto, a realidade postica da imagem néo pode aspirar a verdade, O poema no diz o que € ¢ sim” que poderia ser Seu reino do € 0 do ser, mas o do “impossivel verossimil” de ‘Aistteles pes " 38 Apesar desta sentenga adversa os poetas se obstinam alirmar que a imagem revela o que & € ndo o que fdizem que a imagem recria idade filosdfica da par da uderia ser. E ainda mais yer, Desejosos de restaurar a digni alguns no vacilam em buscar o am Niue islica, Com efoto, murtas imagens $= ajustarn wtas tempos do processo: a pedra € um momento da utr! de, seu chogue surge Nios image para dar-se_ Spenas, para assinalar o caréter irreparavelmente absurdo 2 renee oder explicar-se algo que est aly ante 39 soi a aati ala em um dado momento: a de seus fundamentos. Tal se no me equivoco, o sentido dos paradoxos de Bertrand Russell e, em um extremo oposto, o das investigagdes de Husserl. " Assim, surgiram novos sistemas l6gicos. Alguns poctas se interessaram nas investigagdes de S. Lupasco, que se propde desenvolver séries de proposi¢des fundadas no que ée chama de principio de contradiga0 comple- mentiria. Lupasco deixa intactos os térmos_contrarios, mas sublinha sua interdependéncia. Cada térmo pode atualizar-se em seu contrério, de que depende em razio direta e contraditéria. A vive em fungio contradit6ria de B; cada alteracio em A produz, conseqiientemente uma ‘moditicagio, em sentido inverso, em B.? Negagio ¢ afirmaga0, isto € aquilo, pedras e’plumas, se dio simulta neamente € em fungio complementéria de seu oposto. © principio de contradigio complementiria absolve algumas imagens, mas ndo t6das. © mesmo, talvez, deve dizer-se de outros sistemas l6gicos. Ora, 0 poema nio 86 proclama a coexisténcia dinamica e necessiria de seus contrarios como a sua final identidade. E esta reconci Tiago, que nfo implica redugio nem transmutagio da singularidade de cada térmo, & um muro que até agora © pensamento ocidental se recusou a saltar ou a perfurar. Desde Parménides nosso mundo tem sido © da distingao nitida e incisiva entre que 6 ¢ 0 que ndo é. O ser nao € © niio-ser. ste primeiro desenraizamento — porque foi como arrancar © ser do caos primordial — constitui © fundamento de nosso pensar. Sdbre esta _concepcio construiu-se 0 edificio das “idéias claras ¢ distintas”, que se tornou possivel @ histéria do Ocidente, também conde- nou a uma espécie de ilegalidade t6das’as tentativas de render 0 ser por caminhos que nio fossem os désses rincipios. Mistica e poesia viveram assim uma vida subsididria, clandestina © diminuida. © desenraizamento tem sido indizivel e constante. As conseqiléncias désse exilio da poesia sio cada dia mais evidentes e aterradoras: ‘© homem 6 um desterrado do fluir césmico e de si mesmo. Pois ninguém ignora que a metafisica ocidental termina em um solipsismo. Para rompé-lo, Hegel regressa até Heréclito. Sua tentativa néo nos devolveu a satide. O ‘eastelo de cristal da dialética revelase a0 fim como um Iabirinto de espelhos. Husserl se coloca de novo todos es problemas © prociama a necessidade de “voltar aos fatos”. Mas o idealismo de Husserl parece desembocar também em um solipsismo. Heidegger retorna aos pré- -socréticos para fazer-se a mesma pergunta que se féz (2) Stépnane Lupaico, Le princive Wantagoniome et ta loptyue de Venere, Pati, 18% 40 ert fo‘consenes saa ime, pale eH mostrami: alguns dos seus dltimos escrito, vyolta-se para a poesia Qala, a ea hinge. do Ocidente pode ope umn dl Ta i Pet me ata © owe Upanishad. The Thirteen Principal Ureithads, tant ce ec Ne a ee ame, Orford Universo, Pres, 195! 41

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