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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA
DISIPLINA DE ARQUEOLOGIA CLÁSSICA PROF.
PEDRO LUÍS MACHADO SANCHES
Jonas Fachini

O naufrágio de Anticítera, e as relações entre arqueologia


clássica e subaquática

O desenvolvimento da arqueologia subaquática se dá em moldes muito


semelhantes ao desenvolvimento do pensamento arqueológico em geral, começa
com um fetiche dos objetos e colecionismo aventureiro, com o diferencial da
dificuldade de chegar aos objetos submersos, afinal o mergulho profissional é uma
atividade nova. É interessante ressaltar que o desenvolvimento tecnológico das
atividades de mergulho está diretamente ligado a essa lógica
aventureira/”arqueológica”, inclusive, os primeiros equipamentos de mergulho foram
desenvolvidos para esses fins (RAMBELLI, 2008, p.61). Esse interesse pelo mar se
dá, pois por muito tempo

“(...)o mar parece ter inspirado um verdadeiro temor às populações do


ocidente europeu. Para uma civilização essencialmente terrestre
compartimentada em espaços físicos reduzidos, já que as
deslocações eram difíceis e morosas, dominada por uma mentalidade
em que o sagrado e o profano se entrelaçavam para explicar a
realidade envolvente, o oceano surgia como o território do
deslocamento, vestígio último do dilúvio bíblico, onde viviam seres
fantásticos que escapavam à ordem imposta por Deus [...]. Perante
tal imensidão o homem sentia-se frágil e ameaçado, o elemento
marítimo encarnava o que havia de mais poderoso, estando rodeado
de uma dimensão negativa que convertia em lugar de perdição e
morte” (FREITAS , 2007, p. 106).
Os primeiros trabalhos realizados em arqueologia subaquática foram
realizados na década de 1950, quando três oficiais da marinha francesa convidaram
um arqueólogo renomado, Fernand Benoît renomado para levar adiante uma
pesquisa arqueológica sobre um naufrágio romano, perto da região de Marselha .No
mesmo período, na Itália, outro grande arqueólogo assumiu a direção de uma
pesquisa arqueológica subaquática. O importante a ser ressaltado é que nos dois
casos, os arqueólogos não mergulhavam, e, portanto, coordenavam à partir da
superfície o trabalho dos mergulhadores (RAMBELLI, 2008). Os resultados não
foram muito produtivos do ponto de vista da produção do conhecimento, apenas do
ponto de vista histórico, e foram muito importantes ao evidenciar o fato de que os
arqueólogos precisavam mergulhar.

As conclusões desses trabalhos anteriores levaram a empreitada do


primeiro arqueólogo mergulhador, George Bass é convidado a aprender a mergulhar
para realizar uma pesquisa em um naufrágio (Figura 1) na Turquia. Esse projeto foi
o pontapé inicial da arqueologia subaquática propriamente dita, pois conseguiu
realizar com a mesma eficiência que a arqueologia feita em superfície. Levando em
conta esses pressupostos, é essencial defender a apresentação de que: arqueologia
subaquática não é uma ciência diferente, um olhar diferente, é pura e simplesmente
arqueologia, como todas as outras, que pode utilizar de muitos aportes teórico-
metodológicos da arqueologia em superfície (RAMBELLI, 2002; BASS, 1969), com
as adaptações necessárias para o meio submerso, ou seja, o que muda é a prática,
mas não o resultado, o conhecimento que advém das pesquisas submersas possui
a mesma validade.

O termo “clássico” remete à antiguidade greco-romana. A arqueologia


clássica deriva do interesse por esse período e o interesse pelo mesmo remonta o
renascimento (FUNARI, 2011). Cientificamente falando, a arqueologia clássica é o
berço da arqueologia, e, como dito anteriormente, arqueologia submersa é a mesma
arqueologia, portanto passou pelos mesmos processos. O meio marítimo era
extremamente presente no período clássico, e a oportunidade de passar a estudar
os materiais submersos do período clássico encantou a muitos, não à toa o
mediterrâneo é considerado também o “berço do mergulho arqueológico”
(RAMBELLI, 2008).
Figura 1 : Fotografia de arqueólogos trabalhando no local onde o primeiro sítio submerso foi
escavado. (Fonte: Institute of Nautical Archaeology, INA) [200-?]

Os naufrágios são considerados, no meio arqueológico, com uma certa


licença poética “cápsulas do tempo”, pois tendem a manter a maior parte do que
afundou em um estado de conservação muito próximo ao momento do naufrágio,
essas interrupções abruptas das navegações, que congelam a imagem e
materialidade do exato momento em que afundaram, o que nos propões vestígios
arqueológicos de uma qualidade documental excepcional.

O estado de conservação dos objetos permitiu acesso a achados incríveis e


marcantes na arqueologia. Além dos objetos abundantemente encontrados em
superfície, como as cerâmicas clássicas, e de contextos muito bem definidos, os
naufrágios apresentam certos achados extremamente particulares e valiosos (em
vários aspectos, não apenas financeiro).

ESTUDO DE CASO
O caso estudado aqui, refere-se ao “Naufrágio de Anticítera”. Um naufrágio
localizado próximo à costa da ilha grega de Anticítera, foi encontrado no início do
séc. XX, e na década de 1970 um oceanógrafo chamado Jean-Yves Cousteau
recuperou parte da carga submersa (NATIONAL ARCHAEOLOGICAL MUSEUM,
2012). A carga apresentava uma grande variedade de joias, cerâmicas, estatuas,
moedas, etc., uma carga bastante diversa e expressiva. Porém, o que mais chamou
a atenção foi um objeto bastante particular, que ficou conhecido como “O
Mecanismo de Anticítera” (Figuras 2 e 3).

"Trata-se de um dispositivo extraordinário, o único do tipo. Além da precisão


para fazer cálculos astronômicos, tinha um lindo desenho. A maneira como as partes
mecânicas foi projetada é de cair o queixo. Quem quer que o tenha construído, o fez
extremamente bem" (EDMUNDS, apud FAPESP, 2006). O mecanismo, por muito
tempo foi uma incógnita para os pesquisadores, se trata de uma estrutura de bronze,
pequena, que não deixava claro a sua função. Após muitos estudos e pesquisas,
envolvendo radiografias, foi atestado que se tratava de uma espécie de computador
analógico (considerado o “primeiro computador do mundo”) que tinha como objetivo
prever posições astronômicas e eclipses (FAPESP, 2006).
Figura 2: Mecanismo de Anticítera. (Fonte: Kuow, 2015. Disponível em:
<http://www.kuow.org/post/localprofessor-worlds-first-computer-universe-box>)

Figura 3 : Projeção da visão de frente e verso do mecanismo de Anticítera, realizada pelo Antykythera
Research Project. (Fonte: National Archaeological Museum, 2008).
Uma particularidade dos sítios submersos clássicos, é que os mesmos
fornecem materiais metálicos em ótimo estado de conservação e, se tratando de
antiguidade grega, pouco ou quase nada de metal foi conservado. Os vários objetos
metálicos, como estátuas, moedas, joias, etc. eram derretidos para variados fins,
como a comercialização de acordo com o valor atribuído ao metal, como por
exemplo peças de ouro e prata, ou a reutilização desse metal para confecção de
objetos bélicos.
O estatuário desse naufrágio apresentava várias obras em ótimo estado de
conservação, algumas em mármore e outras em bronze, das quais pelo motivo
acima mencionado, vale destacar. Entre as formas eram encontrados deuses,
atletas, fragmentos de estátuas, espadas, liras, etc., dentre as quais as que mais se
destacam são o ‘Filósofo’ e ‘Antykhitera Youth’ (Figuras 4 e 5).

Figura 4 e 5: Fotografia das estátuas em bronze do "Filósofo" e "Antykythera Youth". (Fonte: National
Archaeological Museum, 2012)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo de caso exemplificou a particularidade e necessidade dos trabalhos
em arqueologia subaquática para o desenvolvimento de uma arqueologia clássica
com um referencial material ainda mais amplo, possibilitando novas leituras e
interpretações da materialidade. E cabe aos próprios arqueólogos subaquáticos
desempenharem um papel ativo e político (GREENE, 2011), que apenas os mesmos,
e outros estudiosos do patrimônio cultural submerso são capazes de fazer,
articulações com a população e propostas de trabalho e preservação, essenciais para
a manutenção do patrimônio e a produção de conhecimento que é fundamental.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Agência FAPESP. Computador de 2 mil anos. Disponível em:


http://agencia.fapesp.br/computador-de-2-mil-anos/6408/. Acesso em: 08 de agosto
de 18

BASS, G. F. Arqueologia subaquática. Lisboa: Verbo, 1969.

FONTOLAN, Marina. A Arqueologia Subaquática sob uma Perspectiva Teórica.


Cadernos de Clio, Curitiba, nº 2, 2011

FREITAS, J. G. de.. Revista de Gestão O litoral português, percepções e


transformações na época contemporânea: de espaço natural a território
humanizado Costeira Integrada, 2007. 7 (2): 105-115 (2007).

FUNARI, P. Arqueologia Clássica: considerações epistemológicas. IN:


BRUNO, M.; CERQUEIRA, F.; FUNARI, P. (orgs.) Arqueologia do Mediterrâneo
Antigo – estudos em homenagem a Haiganuch Sarian. Campo Grande (MS): Life,
2011, p. 213-217.

GREENE, Elizabeth S. et al. “Mare Nostrum? Ethics and Archaeology in


Mediterranean Waters.” American Journal of Archaeology, vol. 115, no. 2, 2011,
pp. 311–319. JSTOR, JSTOR,
www.jstor.org/stable/10.3764/aja.115.2.0311.

NATIONAL ARCHAEOLOGICAL MUSEUM, The Antikythera Shipwreck The


technology of the ship the cargo the Mechanism, Athens: National Archaeological
Museum. 2012.

RAMBELLI, Gilson. Entre o uso social e o abuso comercial: as percepções do


patrimônio cultural subaquático no Brasil. História, Franca , v. 27, n. 2, p. 49-74,
2008 .

RAMBELLI, Gilson. Arqueologia até debaixo d’água. São Paulo: Maranta, 2002.

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