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6 si ‘EMPO, DISCIPLINA DE TRABALHO E CAPITALISMO INDUSTRIAL Mantinhamos wn vetho eviada, cuje nome era Wright, traba~ ihando todos os dias, embore fosse page por semana, mas ele Javia radas por officio [| Certa manhd acontecett que, tendo uma carroga qucbrado na estrada |...].0 velho fot ehamade para conserté-lane lugar em que 0 velculo se encontrava: en quanto ele estava ocupade fazenda 0 sew trabatho, passou wn camponés que o conhecia, €o seudou come cumprimento de costume: Bom dia, velho Wright, que Deus oajude a terminar logo.o scu trabalho. O velha levantaw os alhas para ele |...) e com uma grosseria divertida, respondew: Pouco me importa se ele ajudar ou no, trabalho por dia. Danie! Defoe, The great law of subordination considered; or the insolence and insufferable behaviour of SERVANTS in England duly enuired into (1724) Paraacamada superior da humanidade, 0 tempo é um inieni- go, ¢ |...) asi principal atividade é maté-lo; ao passe que, para os outros, tempo e dinkeira sie quase sindnimos Henry Fielding, An enquiry into the eauses of the late increase of robbers (1751) Tess |.) comegou a subir aalameda ou rua esetirae tortaque ndo fora jeite para um caminhar apressade; wna rua tragada antes que pequenos pedagos de errativessem valor, e quando as reldgios de ums6 ponteiro bastavam para subdividir a dia. Thomas Hardy 267 i E lugar-comum que 0s anos entre 13000 1650presenciaram mudaneas in) porkinies na percepgfia do tempo no ambito da cultura intelectual da Europa Ocidental.' Nos Comtas de Canterbury, 0 galo ainda aparece no seu papel imemorialde reldgio da natureza: Chantecler : Levauiouo alher pra o sof brithante Que na signo de Touro percarrera Vinte e rantos graus, e tm portco mais, le sabier pele nacarezn, ¢ por nenhuuae oudra ciéneia, Que amanhecia, eantou com vor alegre |...! Mas, embora “Pela natureza ele conhecesse cada ascensio/ Do equindein na: quela cidade”, o contraste entre 0 tempo da “natureza” e © tempo do teldgio € apontado na imagem — Bom mais canfidvel era o seu canto no poteire Do que wn reidgio, ow 0 reldgiv det abracia.® Esse é um religio muito primitivo: Chaucer (ao contraério de Chantecler) era londrino, ciente dos horarios da Corte, da organizagao urbana e do “tempo: do mereador” que Jacques le Goff, num artigo sugestivo em Aunales, conteapés ao tempo da Ipreja medieval.’ Nao desejo diseutir até que ponto a mudanga foi causada pela difustio de reldgios a partir do séeulo x1V em diante, até que ponto foi ela propria osimtoma de uma nove disciplina puritana ¢ exatidao burguesa. Seja qual for o modo de 1 considerarmos, a mudanga certamente existe. O relégio sobe no paleo elisa- betano, transformando otiltimo soliléquio de Fausto num dilogo com o tempo: “as estrelas se mevem silenciosas, o tempo corre, o reldgia vai bater as horas”, Otempo sideral, presente desde o inicioda literatura, com um tinico passe aban- donou o céu para entrar nos lares, A mortalidade eo amor sdo sentidos de modo s pungente quando © “progresso vagaroso do ponteira em movimento” cruza o mostrador. Quando se usa © relégio ao redor do pesvoro, ele fica praxi- batidas menos regulares do coragiio. Sao bastante Antigas as imagens eli- sabetanas do tempo como devorador, desfigurador, tirano sangrento, ceifeiro, mas hd um novo senso de imediatismo-e insisténci A medida que o século xvii avanga, a imagem do mecanismo do relégio se {) Caste up his eyen to the brighte sonney That in the signe of Taurus hadde yronne/ ‘Twenty degrees and oon, and somwhat moore! He knew by kynde, and by naon eother looret ‘That it was pryme, and crew with blisful stevene [...). (1) Wel sikerer- was his crowyng in his logged Than is a elokke, ar an abbey orlogee, 268 expande, até que, com Newton, toma conta do universo. E pela metade do sécu- Jo xvi tse confiarmos em Sterne) 0 relégio ja alcangara niveis mais intimos Pois o pai de Tristram Shandy — "um dos homens mais regrados em tudo @ que fazia [...| que jd existiram” — “eriara um habito durante muitos anos de sus vi- da —na noite do primeico domingo de-cada més [...|.ele davacordaaum grande relégio que tinhames no topo da eseada dos fundos”, “Aes poueos também transferiraalguns outros pequenos interesses familiares para mesmo periodo™, que tornou Tristram cupaz-de precisitr a data de sua concepgio. Provocou tum- bém The clockmaker's ourery against the anthay [OQ protesto dos relojaciros contra 0 autor]: As minhasencomendas de varios relégins para ointerior foram canceladas; porque agora nenhuina dama recatada ousa falar em dar corda a. um relégie sem se expor aos olhares maliciosos e as piadas da familia |...]. Sim, agora a expresso comum *Mcu senhor, niio quer dareorda: das prostiLutas €: pseu reldgio?” ‘As matronas virtuosas (reclamaya 0 “relojoeiro”) estioenfiandoos reldgios nos quartos de tras is." tretanto, é improvdvel que esse impressionismo grossciro faga avangar a presente investigagao: até que ponto, ¢ de que maneira, essa. mudanga no senso de tempo afetou a disciplina de trabalho, ¢ até que ponto influenciou a percepgao interna de tempo dos trabalhadores? Se a transigaio pata a sociedade industrial madura acarretou uma reestruturacio rigorosa dos habitos de trabalho — novas disciplinas, novos estimulos, ¢ uma nova natureza humana em que esses estimu- las atuassem efetivamente —, até que ponto tudo isso se relaciona commudangas na notagdo interna do tempo? es velhos, parque eles “provoeam alos dE E-bem conhecide que, entre os poves primitivos, a medigio do tempo est comumente relacionadacom as processos familiares no ciclo de trabalho ou das tarefas domésticas. Evans-Pritchard analisou o sense de tempo dos nuer: “O relégio didrio é0 do gado, arotina das tarefas pastorais, ¢ para um nuer as horas do dia @.a passage do tempo sao basicamente a sucessfio dessas tarefas ¢ asua relagio muitua”. Entre os nandi, a defini¢o ocupacional do tempo evolu abrangendo nao apenas cada hora, mas cada meia hora do dia—as 5h30da ma- nhi os bois jé foram para © pasto, as 6 h as ovelhas foram soltas, As 6h30 0 sol nasceu, as 7 h tornou-se quente, 4s 7h30-0s bodes j4 foram para o pasto etc. — uma economia inusitadamente bem regulada. De modo scmelhante, os termos evoluem para a medigao de intervalos de tempo. Em Madagascar, o tempo po- dia ser medido pelo “eozimente dearrez” (cerca de meia hora) ou pelo “fritarde 269

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