Você está na página 1de 26
Tonho o sentimento de que a linguagem sb pode realmente avanar ao se torcer e enrolar, ao se contomnar de modo que, no final das contas, niio posso dizer que nao dou o exemplo aqui. Retirar a luva para a linguagem, [..] nao se deve acreditar que en o faca de bom grado. Proferiria que fosse menos tortuoso. Jacques Lacan. “A terceira” Muthos/logos: os pré-socraticos € 0 “longo desvio aristotélico” Freud habituou a “psicandlise”, palavra das mais gregas, aumacerta Grécia: a do muthos, mito e narrativa, ficcdo-fixao, a Grécia dos Tragicos — Edipo, Electra, Antigona — e de sua interpretacdo, com a Pottica de Aristoteles e sua catharsis. Por suas leituras prOprias, suas referéncias de auténtica cultura alema do final do século XIX e come¢o do século XX, ele encontra ai © que precisa no momento certo: Eros e Tanatos, o Amor e 0 Odio de Empédocles. Ele conhece e se apropria. Mas, uma vez mais, seu mundo é o muthos, onde filogénese e Cabala podem avangar, em vez do logos: ele dispensa bastante soberanamente © compus platénico-aristotélico, como, de maneira geral, o dos flosofos, Se ele conhece o cinismo, a sofistica, 0 estoicismo, 0 “Picurismo, o ceticismo, é como titulos para 0 saber, enquanto letrado, Em, suma, ele possui os seus classicos, finamente ¢ de data, mas nao mede forcas diretamente com a filosofia. 47 tal como uma faca de dois guy, ts, ic, d ‘al redir essencialme, i Nenite ng Lacan faz seu diagndst! 2 ae ‘inde da ciéne! a ese, a ¢ nio-saber, liga-se, na BH Hea Jaa definigdo aristorelicn. ae ct jor su le Freud, P , -socriticas, sido lado. muthos, dialética pré-aristor), A seu estado ANteriog - Do mesme as referencias platén mesmo pré né-socraticos, ma! toteles, do lado logos. nio Arist 4 a ortante em relacao a Lacan, que ni, £ uma diferenga imp mas taml tio longa quanto imediata. A época de da a fazer a filosofia: estrutura| ém ii ém apenas se interessa, bem intervém na filosofia com, Jogos € na sua historia, Lacan € filos6fica, ¢ ele aju i6qica, Hinguageira, discursiva e linguistico-virada."* Nio que Lacan nao incite 4 mais vasta cultura e no comente Aniigong ou o Banquete a nao ser enquanto analista e para a anilise. Mas, de toda maneira, € o logos, na amplitude do termo revisitada pela andlise, que passa para o primeiro plano. Aristoteles, “o longo desvio aristotélico”, representa uma reviravolta: Freud retorna, diz ainda Lacan, “‘Aqueles de antes de Socrates, a seu ver os tinicos capazes de atestar aquilo que ele descobria”.” Lacan nao “retorna” a ninguém, ele estoca ° i Bays J. Variantes de la cure-type [1953]. In: Ecrits. Paris: Seuil, 4366 26), [Ed. bras. LACAN, J. Variantes do tratamento-pastio + Exitos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 363,] # No oiigin iasnae pita neo mia, Provavelmente em referéncia a0 lit cterizaria a fi sofia contemporanea e, em especih révéle ni ne cache, semaine! n'est pas responsable qui! fotéicien, Dot Feud," grees esa de tors os recursos, inclusive daqueles de antes Arist de Sdcrates- tne os de Freud. Lacan e 0s pré-socriticos? Por um lado, Lacan entende ‘Mas nao exatamente os mesmos pré-socriticos “cocriticos de Freud ainda mais “pré-socraticamente” os pré % i ¢ xe Freud atraves de sua escuta heideggeriana; com isso, q Heidegger © Jeva nao ao muthos, mas ao logos pré-socratico, uma relagao estreita com o “desvelamento” da alétheia a aurora da diferen¢a ontoldgica. Por outro lado, ¢ isso faz parte, ameu ver, de sua maneira decidida de tornar a filo- sofia menos ingénua, Lacan concebe certos pré-socraticos de modo totalmente diferente de Heidegger. Por exemplo, Herdclito: as tradug6es-reinterpretacdes do fragmento 93, heideggerianamente celebérrimo, ilustram perfeitamente 2750 0 deslocamento lacaniano — Apolo “produz significante”. Simultaneamente, Lacan introduz outros no circuito, par- ticularmente Demécrito, de quem Heidegger nunca soube o que fazer € que é, a meu ver, o pré-socritico lacania~ no por exceléncia. Trata-se, tanto com Herdclito como com Demécrito, desses que eu chamo de “de outro modo longo desvio aristotélico. Donde Freud, por escutar os socriticos de que falei, voltou aos de antes de Sécrates, os ‘inicos, a seu ver, capazes de atestar o que ele descobriu” (LACAN, J. Introdugio 4 edigao alema de um primeiro volume dos Escritos. In: Outros Escritos, p. 555).] * Ho anax, hou tou manteion esti to en Delphois, oute legei oute kruptei alla sémainei (22.B 93 DK), A seguir, duas traducdes que diferem significa~ tivamente dada na nota precedente: “Parménides estava ertado inha tazao. E mesmo o que se assinala no que, no frag ito enuncia— ele nao confessa nem esconde, ele significa sprio discurso do manche ~ o principe, (LACAN. Encore, p. 103 [ed. bra e eu aprecio que Hericlito tenharazi0 cidegger os quer parmenidianos, s-originarios. Ea mais antiga, que ‘Do principe, daquele a , aquele que esti em Delfos, ele ante” (LACAN, J. Problémes de 1965, grifo meu).

Você também pode gostar