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AUTORIDADE E VIOLENCIA ‘Associagao Psicanalitica de Porto Alegre — APPOA (org.) aid Pee mal appontagscom brs: www sppes.com.r © 201: AssocingSo Paconattia de Porte Alegre oneultora Linguistic: ao Piro del Ping ‘Aide Deconte ethoragio: ‘lara Marla Von Hohendor (ardenia Medeiros / coz Mires Coiaich Givi Borba Maria de Lourdes Seaparo Marorie Lab Avior olaboradores Simone Goulart Ka Noss isos = Rosél Mara Olabaraga Cabistani Tasane Reis Vanna vatera Rho Dados Internaclonais de Catalogacdo na Publicaso (IP) (assoclaedo Picanalties de Port Alegre) m= ‘utoridade « oléncla / Comisto de Aperiles de AssocacdoPsleanalica de Porto Alege (org) ~ Porto Acre: PFOA, 204 Is8W 978-85-96027-06-1 1 Pscanlse.2.Comportamento sci. 2. Adooscén 4 Miténen Tule ‘cou s50.0642 sibiotecsra: Lucie Alves Santi CHB 10/1837 SUMARIO [APRESENTACAO... | FIUAGAOE LAGO SOCIAL, Qual lastro da autoridade? Mara Cestina Po «Simone Moschen Ricker Se Familia Estado: oadolescente eas insttulgbes de autoridade Carmen Backes Autoridadee violéncia nas relagGes de trabalho contemporaineas ————___ ‘Um futuro sem origem: ‘transmissio, autoridade e voléncla Paulo Endo AGRESSIVIDADE, VIOLENCIA ERESPONSABILIDADE Violencta e agressividade na inféncia. ‘Aredo Jerzy Vergonha, culpa eresponsabilidade. nal Aras Sujeito,responsabilidade e culpa ‘ljandro Agia ‘Bullying: uma violencia em busca de sentido. uardo Mendes Adero 30 O sujeito do bullying Gerson Smiech Pinho! ‘A nogio de bullying tem ganhado cada ver mais destaque nas piginas dos jornais e nas manchetes de noticias como referéncia para interpretar diversos acontecimentos, Um ‘exemplo claro disso foi o assassinato em massa de doze adolescentes, cometido por um ex-aluino de uma escola do Realengo, no Rio de Janeiro, em margo de 201, Entre as suposigdes levantadas para a motivacio de tal evento, fol apontado que oatirador tera sido vitima de bullying quando fra estudante. Apesar de nao ter sido considerada pela matoria das pessoas como uma hipétese suficiente para produgao de tal ato, a associagio com a pratica do bullying foi bastante explorada quando esse evento foi veiculado pela midia, ‘ termo parece ter entrado de forma definitiva para © ‘vocabulirio cotidiano e passou a ser empregado de forma cada ‘yer mais abrangentee habitual. Artistas, jogadores de ftebol ¢ ‘modelos divulgam como foram vitimas de bullying no passado ‘como fizeram para superar a situacdo. ‘Pacooga Soe mcr (OPNS) eat geronepnon “Raoridade eval 241 2 0 sujet do bulging A discuss sobre tema é extensa e tem atravessado diferentes smbiton, desde o espago das escolas até o debate politico. Em 2010, no Rio Grande do Sul, fo aprovada ali que breve poitcaspublicas contra o bullying, a partir da qual as tscolas passam a ter que adotar medidas de prevencio © combate ao problema. Além disso, o Senado Federal Fecentemente aprovou o projeto que inclu o combate 20 Bullying na Le de Diretizes de Bases da Educago. “Apesar da prtica do bullying ser considerada to antiga «quan a propria escola, 0 uso e a disseminacio do temo para Signs ho bastante recente © emprego de um nove Signicanteconvoca a interrogar sobre os deslocamentos do discurso social que conduziram a seu surpimento, Que recorte [J ‘da real ele recabre, fazendo com que se imponka em nossa ‘cultura, de modo to abrangente, e scja tio largamente ‘iclado pelos meios de comtnicagio? Que contrbuigtes Dricanlise pode trazer pata interpretar esse fenbmeno® Neste fexto,prociro trabalhar esas questes, bem como os elementos relacionados 3 consiuigo psiguica da crianga edo adolescente {ese associam ao bullying e propiciam sua produto. (0 sermo bullying ver ding ingles e deriva da plava bully, que, em mua forma verbal, significa "tirana, oprimi, metrontar, stimidar, maltratar”Originalmence, tem sido “mpregado para designar um modo espciico de viléncia entre pares no ambient exoar. Difere de tras formas de agressio Dor firar um sujet ou grupo como agressore outro como Witima, estabelecendo lugares que se repetem ese perpetuam om o pasar do tempo. Contudo, pr te se tomado uma plavra ‘leuso coidiano, no aro que oj empregada deforma mas Gerson Smiseh Pinho abrangente no senso comum, designando modos de agress30 asristematicose de menores proporgSes ou mesmo situagbes fora do espago escola. Com ins, o leque de acontecimentos aque so signficadose interpretados tomando esse sigifeante como referencia se toma cada vez mais extenso, {As primeiras pesquisas que tomaram 0 bullying como objeto de estudo datam da déeada de 70, Porém, o comego da mobilizagi coletiva em torne do assunto se deu no ano de 1982, na Noruega, quando o sucidio de tésjovens fia ele relacionado. Esse evento, que marca o ini da difuso do tema, ino € sem importancia. Ao longo das tes tltimas décadas, a0 ‘mesmo tempo em que observamos os crescentesextudos © ‘Pesquisas em como da questo, asstimos também 8 ocoméncia Ale uma série de seuagSes rgicas no ambiente escola, as qual, 20 serem divulgadas, sho rapidamente assimiladas prviea do bulying. Entre as mais conheeidas, esto a do Instituto Columbine 1nos Estados Unides, em 99, em que 3 pessoas foram mortas por dos estudantes que depois se suicidaram; o massacre na Universidade de Virginia Tech, em 2007, também nos Estados Unidos, em que um extudante matou 32 pessoas ferindo outras 2g cometendo suicidio logo a seguir e, no Brasil a matanga em uma Escola no Rio de Janeiro, mencionada no inicio deste texto, Ao serem noticiados, todos esses eventos foram, em alguma medida, relacionados ao bullying. Quais caminhos ‘sociativossio percorides para produit tal ligasa0? Agressividade e constituigéo do eu ara dar prosseguimento a esta reflexSo e pensar como se organizam os vetores que propiciam 0 bullying, é funda- srrogar o lugar da agressividade na organizagio do ‘Ratoriadee violinca “Ratoridade evoke 243 244 0 ej do bulying psiquismo, j4 que o fendmeno em questio implica 0 uso ‘istematico da violencia dirigida aos pares. Desde a psicanilise, principalmente a partir das contribuigdes de Lacan, sabemos ‘que as manifestagGes agressivas encontram uma ligagio central ‘com a constituigio do eu e sua relaglo a0 semelhante. ‘Ocundo é uma instancia que esteja dada desde 0 comego dda existéncia, Sua consttuigdo acontece no periodo que Lacan? denominou de estédio do espelho, quando surge a matriz, ‘dentificatéria que Ihe dé origem e que possibilitara todas as identificagSes posteriores, que iréo compor sua estrutura ‘0 ponto de partida dessa ideia é um fato recorrente na ‘observacio de bebés entre seis e dezoito meses de dade: bilo ‘expresso no encontro com a propria imagem refletida no espelho, manifestacdo do reconhecimento de um eu diferenciado em relaglo ao meio circundante. Esse fendmeno 6 resultante de uma primeira identificagdo com a imagem que ‘0 Outro primordial oferece a0 sujeito, permitindo a este antecipar uma unidade de si numa época em que a imaturidade ‘¢a ineficicia motora séo ainda muito significativas. F com base ‘nessa imagem, que o Outro Ihe apresenta, que o pequeno filhote hhumano iré fabricar a estrutura originaria do seu eu. ‘Outro fendmeno ligado a esse tempo de estruturacio € 0 transitivismo. Segundo Berges e Balbo, este foi descrito {nicialmente por Wallon como tipico do desenvolvimento entre dois etrés anos e implica a dficuldade da erianga em distinguir ‘os estados eatos percebidos entre ela eo outro. Como conse ‘quéncia, observamos que 0 sujeito reage confundindo sua ‘soa ‘Kevoridade evcibncla Gerson Smicch Pinko propria experéncia com aqullo ue observa em seu semelhante Por exemplo, quando urna pequena cianga eae € seu compe: nheiro quem chora. Ou, ainda, quando uma crianea bate € ‘depois diz que apanhou. Essa indiferenciagao, que va da 2630 | reagdo entre os pares, em que oeu toma paras aguilo que o ‘outro Ihe apresenta, &testemunho do suporte que a imago do semelhante representa para aconstituigao do eu “Mas, para que nfo percamos de vita o tema que aqui nos interes: que lgartém as reas agressvas entre pares nesse 0 fendmeno do bullying &0 exato avesso dessa condigio, ‘Sua estrutura organiza lugares em que um elemento faz uso da violéncia para se colocar em uma posicao de poder que uusurpa o lugar da alteridade que poderia regular o lago entre (0s pares. Retira de cena a castragSo, a0 propor a postivaco do falo no despotismo eno abuso dirigido ao semelhante. Trata- se de uma formacio sintomatica na qual o eu o outro s30 aprisionados em uma tensio agressiva, aniquiladora e sem sada, j que a fungéo da palavra ¢ abolida da cena. € efeito do fracasso da funcdo simbélica para movimentar as posicdes organizadas dessa forma e situar pontos de referencia que ‘iabilizem algum tipo de elaboracio pela via do discurso, ‘O bullying representa uma montagem perversa, que red ‘0 outro a condigio de objeto de goz0, a ser desprezado & ‘aniquilado, em um ciclo recorrente, que se perpetua ao longo ido tempo. A estrutura sadomasoquista que ai se constréi nao tem resolugio possivel, pela falta de um elemento terceiro que faa. palavra circular e colocar fim ao circuito assim construido, 0 quado perverso do bullying congela os personagens em um ‘cenirio sem narrativa, em que a palavra perde a eficicia © 0 valor. ‘Tateriade viola stordade «wien 249 30 0 sujtto do bullying A fcider dente a qual o outro ¢stuado como objeto de vioknca no buying pe ser melhor eslareeda a par de igs elementos tabulbads por Frud em seu tex sobre ‘negara Ease artigo ard tena daconsitugo dou 3 Parra dating de dune formas de lgamento uo de Etrbuigdo, que permite definirs posse ou nao de um determinado srbuo, eo juzo de eifenc, qu contata ou Contests exsténcin de uma epresenagto na ealidade, Pa aborda o tema em questo interes tomar a primeira las Segundo Freud, osurgimentedojulzo de srbuilo ox ligado a uma primeira delmitagho de um fora de um denro no palgulsmo, a partir de um eu-praze. Tudo aqullo que ¢ Conslderado bom ¢Introjetado, colocado para dentro e Conterado como petencene 0 eu, De modo conten, tao tue julia ruin expe, cuspid para for, consiferade tatranko e exterior a0 eu, Nessa polerizagdo, movida ‘xcluvamente plo princi do prose cont din tne on arin pertencentes to eu aqucesconsiderados Conmo extrtabosa cle O bullying organic uma igi simiar descr por Freud (J nese escrito, Apart dl, oe toa oouto como depostare dor anpectos desprazeroror no reconhectdes come Dertencentes a propria, 6 que permite manter dlsdnea da Esstragho, com & manutengao.da Cocalo cinvestiments Aarcsicos, O outro funciona como uma réplica ou dupl, Portadordaguiloqueo sujeito necesita mante fastado¢ Slminar, Pore, eonegem sare en vile digas so semehante Tate de tna eat de sirname Glanve da pouca conitencia do reistre sibel. Gerson Smigch Pinho Essa estrutura explica 0 cardter persecutério que © parceiro imagindrio adquire no bullying, em uma permanente Sposicdo em relagSo ao eu jd que carrega os atibutos deste “timo, que ndo io reconhecidos como pertencente ace. ‘Outta questio importante diz respeito a época da vida fem que o bullying surge com maior frequencia, Segundo ‘Abreu, 8 mator incidéneiaacontece entre alunos do 6* a0 9° fan, com agressores predominantemente na fla ear entre tye 1g anos esujeitos agredidos com u anos. E interessante ‘bservar que as Ida feferidascoineidem com inicio da puiberdade eda adolescéncia. Nessa época, 0 sujeto se depara ‘com tuma série de modifcagdes em seu corpo, bem como com mudaneas ao modo como ¢ interpelado desde 0 Outro. Por ‘esse motivo, os processos de dentiiacio da primeira infincia ‘entram novamente em Jogo ~ 580 repetidos, prem agora em tima nova pogo. O corpo do adolescente excedea imagem de seu eu. AS identificagdes ligadas & infancia ja nlo fancionam como ‘oupagem’ possvel para o sujeito. Iso faz com que a rede ‘denifeatdriaconstrulda anteriormente precise se reposiconat, com o trabalho de apropriagio de uma posicho sexuada e, a0 mesmo tempo, na constituigzo dos outros como objetos possieis de investimento libidinal. Se, como mencionamos acima, 0 bullying pode ser compreendido como um fenémeno de afirmacio narcisica, {orna-se possivel entender 9 motivo pelo qual vai ter maior prevalénia ness periodo, em que osueto precisa colocar em ‘questao todo o processo identificatorio que estabeleceu no ‘Stdiosdoespeho eno complexo de Edie, Ratordadeewoienca ‘Ratoridade = vioincia 281 252 0 suelo do butting © bullying no contexto cultural contemporaneo Como foi apontado no inicio deste trabalho, o bullying ‘tem ganho cada ver mais extensao e amplitude no contexto cultural atual. Apés termos percorrido as questdes que ligam esse fendmeno & constituigao psiquica da crianga e do adolescente, passaremos a interrogar os elementos da cultura ‘contemporsinea que entram em jogo na produgio do mesmo. —> O individualismo tem sido apontado como caracteristica fundamental do contexto cultural contemporaineo por diversos autores. Isso significa que a nogio de individuo ocupa o ponto de referéncia central desde o qual o sujeito atual organiza e orienta sua vida £o valor maximo da sociedade, em detrimento de outros, igados is tradigbes eas referencias transmitidas plas ‘geragdes anteriores Se, como mencionamos anteriormente, 0 bullying éefeto da ancoragem do sujeito no narcisismo, com a ‘consequenteretirada de cena das referéncias simbilicas, uma cultura individualista como a nossa é um terreno extremamente fértl para sua produgao e proliferacSo. Para situarmos de modo mais preciso essa questio, vejamos como alguns autores concebem o surgimento do individualismo e seu estabele Segundo Halls, é com a modernidade que nasce a concepcio do "sujeito individual”, no centro de uma nova e Na educagao, por sua vez, podemos encontrar a mesma estrutura em jogo. Nao é necessario recorrer a exemplos extremos, como o do pa citado acima, para flagrarmos 0 gosto dde nossa época pela ideia da autonomia, E muito comum ouvirmos, hoje em dia, cremos tratar-se mesmo de um ponto de vista dominante, pais dizerem: meu filho escolhers o que ele quiser! A frase obviamente & simpsitica leressoa como legitimo combate a uma época, autortaria, na qual os pais decidiam o destino dos filhos, profissional e amorosamente, por exemplo. A ideia implicita, entretanto, de que é possivel néo influenciar 0s flhos nas escolhas, ou seja, de que essa escolha ppoderia ser autOnoma, eflete bem a crenga louca de uma época {que parece condenar como pernicioso qualquer lastro que condicione, a partir do passado, o futuro. Que os pais néo ddecidam deliberadamente o destino dos filhos néo significa ‘que no o influenciem de nenhum modo, Um jovem de 22 anos, levado por seus pais & anise porque, segundo eles, no se interessava por nada, nfo escolhia enhusoa cater, ampouco desejavatrabalhar,ouve desea Pai: "Ndo sei o que acontece, eu nunca Ihe exigi nada, sempre deixei que ele escolhesse o que quisesse.” O analista lhe marca, entio: “Pois bem, talver seja esse nada que ele estd te oferecendo!" "Na escola, por sua vez, o tema da autonomia ¢ abundante ‘Autores que dominaram e dominam a discussio pedagégica ‘mais atual, tis como Dewey e Piaget, discutem ¢ defendem amplamente aideia de autonomia. Essa discussio sobre autonomia, como um ideal pedagogico, aparece sempre ligada a da atoridade da professor, Rinaldo Votoins ‘numa equagdo simples: a maior autonomia do aluno esté intrinsecamente ligada a diminuigdo da autoridade do professor. ‘A critica a uma educacdo centrada no professor, tipicamente autoritiria, dizem, levou a defesa de uma educagio ‘centrada na erianea. -Apedagoga tradicional éuma proposta de educario centred no profesor, cua fungi se define coma = ‘dvigiaeaconcehar os alunos, orig eensinar materia. A metodologla decorrante da tal conceprio basela-se na exposigto ora dos conteddost ‘Contra tal concepsio, defende-se o que se conhece pelo] Jnome de escola ativa, que se funda sobre as premissas do| [centrado na crianga e na supervalorizacdo de sua agdo em| [detrimento da palavra do professor. ‘Os estudos de Piaget vio se tornar extremamente

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