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CRISE FINANCEIRA E REGULACAO (*) Pelo Mestre Dr. Paulo Camara (**) SUMARIO: 1, Inttodugdo; sequéncia; 2, Prestacio de garantias do Estado em opera- Ges de financiamento; 3. Medidas de refoigo da solidez financeire das Instituigdes de erédito ¢ as novas recomendagées prudenciais; 4. Restti- ‘gies a0 short selling: 5. AlteragGes ao regime do fundo de garantia de depésitos; 6. Plevaca0 das molduras sancionatérias; 7. Os fundos de investimento imobiliério para arrendamento habitacional; 8. Reforgo dos deveres de transparéneia na actividade financeira; 9. Continuagio: os deveres de informaco nos produtos financeiros complexos; 10, Aprova~ ‘lo de decteragio sobre a politica de remunerago dos membros dos Srgdos sociais; 11. Alterag6es ao funcionamento do Conselho Nacional de Supervisores Financeiros; 12. A nacionalizago do Banco Portugués de Negécios ¢ 0 novo regime de apropriagao priblica de pasticipagées sociais; 13, © novo regime de redugo do valor nominal accionista; 14 Balango final 1, Introduc¢ao; sequéncia 1—A prolifica discussao sobre a crise financeira internacio- nal iniciada no Veraéo de 2007, tem vindo a expandir-se gradual- () As nocmas citadas sem indicagéo de fonte pertencem ao Cédigo dos Valores Mobilifrios portugues, aprovado pelo DL n.° 486/99, de 13 de Novembro, e sucessiva- mente alterado, salvo se do contexto resultar fonte diversa, O texto encontra-se actualizado a data de 10 de Janeiro de 2009. () Docente universitério, Mestre em Direito (Faculdade de Direito da Universi- dade de Lisboa). 698 PAULO CAMARA mente da Area econdmica para a drea juridica, em atengao 20 acervo de medidas regulatérias j4 aprovadas, ou em preparagilo, em resposta & turbuléncia financeira persistente. A literatura econémica converge no diagnéstico essencial das determinantes causais do contexto. A endémica sobreutilizagao do crédito, as politicas monetérias expansionistas (') e a propagacio de técnicas de titularizagao (*) ocorreram em ambiente de falhas dos sistemas de gestdo do tisco e de gestio de conflito de interes- ses. Por seu turno, 0 processo de distribuigdo de produtos finan- ceiros complexos revelou-se identicamente deficitério, deposi- tando um excesso de confianga nas sociedades de notagao de isco, as quais muitas vezes mostraram-se impreparadas para avaliar os instrumentos financeiros de elevada sofisticagio (*). Neste cendrio, ‘0 colapso dos precos no sector imobilidrio determinou uma depre- ciagaio galopante de diversos instrumentos financeiros, perante a qual sucumbiram algumas instituiges financeiras. A este quadro ficaram rapidamente associadas, de modo generalizado, uma crise de liquidez e uma erise de confianga (4). Il —Pela sua extensio — geogréfica, sectorial e temporal — ¢ pelas suas miltiplas implicagGes, a crise constitui jé um grande tema do nosso tempo. Também assim sucede 2 luz do Direito, por- quanto numerosos factores que contribufram para a crise tém natu- reza juridica, ou reclamam uma andlise jurfdica, e porque as res- (Manat Wot, 4 Reconsirugdo do Sistema Financeiro Global, (2008, trad. de 2008), 187-200. @ A alteragio de um sistema financeiro baseado nos bancos para um sistema bbaseado no mercado, ¢ 0 (perigoso) predominio de alienantes de risco sobre assuntores de risco, sio adequadamente tratdos em EUROPEAN PARLIAMENT / POLICY DEPART: MENT ECONOMIC AND SCIENTIFIC POLICY, Financial Supervision and Crists Mana- sgement in the BU, (2007), 2, 20-27 e passim. (©) BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS, The role of ratings in struc- tured finance: issues and implications (Fan2005), AUTHORITE DES MARCHES FINAN: CIERS, Ratings in the securitization industry (Jan.- 2006); CESR, Second Report to the European Commission on the compliance of credit rating agencies with the [OSCO Code. ‘The role of credit rating agencies in structured finance, (2008), acessivel em hip://www. cesr-en org/index php page= eroupsdimac=08id=43, () Grorae Soros, 0 Novo Paradigma para os Mercados Financeiros. A Crise de Crédivo de 2008 e as suas Implicagdes, Coimbra (2008), 13-30, 189-216, RISE FINANCEIRA E REGULACAO 699 postas para a crise implicam, em larga medida, intervengGes legi lativas e regulatérias (5). B precisamente neste ultimo ponto que se detém este texto, curando das medidas normativas adoptadas em. Portugal em reacgfo & crise dos mercados financeiros. 2. Prestagao de garantias do Estado em operagies de financiamento 1—Embora determinada por uma constelaco complexa de factores, a crise determinou nomeadamente notérias dificuldades de financiamento através do mercado inter-bancétio. Neste quadro, a Comunicaco Europeia aprovou, em Outubro de 2008, um conjunto de orientacdes sobre auxilios estatais a in: tituigdes financeiras (6). Nesse documento, 2 Comissdo Europeia confirmou que o art, 87 (3) (b) do Tratado autoriza auxilios esta- tais em caso de desequilibrio sério da economia de um Estado- -Membro, 0 que serve de fundamento legal para a adopgio de medidas no contexto da crise financeira (*). No entender da Comis- sio, as medidas devem revestir cardcter transit6rio e serem limita das ao mfnimo; devem ainda revestir natureza ndo-discriminatsria ¢ evitar provocar distorgdes indevidas na concorréncia (8). Um dos exemplos invocado de medidas a adoptar é 0 da prestagio de garantias estatais a cobrir as responsabilidades de instituigdes financeiras. © Quanto aos dados de contexto, ¢ nomeadamente no tocante as debilidades da sequitectara institucional envolvente, permnito-me reenviar para o meu Regulacdo ¢ Valo- 17es Mobilidrios, em EDUARDO Paz FeRRer / Luis Sitva Morals / GoNGALO ANASTACIO (org,), Regulagdo em Portugal: Novos Tempos, Novo Modelo?, (2009), 127-186. © EUROPEAN COMMISSION, The application of Stare aid rules to measures taken in relation to financial institutions in the context of the current global financial eri= sis, JO. 270, (25-Out-2008), ©) Como itustracao: Gustavo Lutmco HeRvNDe2 bz MaDem, Regulation of Sub= sidies and State Aids én WTO and EC Lav, (2007), 353-355. (8). Sobre as detrogagées comunitésias em materia de auxiios estatas, renvia-se nomeadamente para Gran Miciete Roses, Gil Aiuti di Stato ne! Diritto Comunitério, (1997), 85-134; Bsoons Perez Berane, Ayndas de Estado en la Jurisprudencia Comu- nitaria, Concepto y Tratamento, Valencia, (2008), 82-102.

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