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Artigo de revisão de literatura

O Microscópio de Força Atômica (AFM): importante ferramenta no


estudo da morfologia de superfícies na escala nanométrica

Erveton Pinheiro Pinto1, Glenda Quaresma Ramos2 e Henrique Duarte da


Fonseca Filho3
1 Graduado em Licenciatura em Física pela Universidade Federal do Amapá (2013). E-mail: pinheiro.everton@yahoo.com.br
2 Graduada em Ciências biológicas pela Universidade Federal do Amapá, Brasil. E-mail: gq.ramos@hotmail.com
3 Graduado em Física pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2001), mestrado em Física pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro (2004) e doutorado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008). Atual-
mente é professor Adjunto II da Universidade Federal do Amapá. E-mail: hdf_filho@unifap.br

RESUMO: O surgimento do Microscópio de Força Atômica (AFM)


promoveu um grande impacto na Ciência, de uma forma geral, devi-
do a sua capacidade de gerar imagens com resolução atômica, pro-
porcionando o estudo da morfologia de superfícies, condutoras ou
não, em escala nanométrica. Além disso, o AFM não exige uma pre-
paração prévia das amostras a serem estudadas, possuindo apenas
uma limitação no tamanho das mesmas devido ao porta-amostras.
Um breve histórico, desde o surgimento deste microscópio até os di-
as atuais, e uma abordagem mais aprofundada sobre o seu funcio-
namento serão apresentados, explicitando, dessa forma, a importân-
cia deste poderoso equipamento para a Ciência e Engenharia dos
Materiais.
Palavras-chave: AFM, força, átomos, morfologia de superfícies, escala
nanométrica.
The Atomic Force Microscope (AFM):an important tool in the study
of surfaces morphology in the nano-scale.
ABSTRACT: The emergence of the Atomic Force Microscope (AFM)
has promoted a big impact on the science, in general, due to its abil-
ity to generate images with atomic resolution, providing the study of
the morphology of surfaces, conductive or not, at the nanoscale. Fur-
thermore, AFM does not require a prior preparation of the samples
to be studied, having only one limitation on the size of the same due
to the sample holder. A brief history from the arising of this micro-
scope until now and a more thorough approach to its operation will
be presented, explaining thus the importance of this powerful
equipment for Materials Science and Engineering.
Keywords: AFM, force, atoms, morphology of surfaces, nano-scale.

1 Introdução de superfícies, possuem a limitação do


comprimento de onda da luz visível
Os instrumentos óticos, utilizados dada pelo critério de difração de Ra-
para observação de detalhes ampliados
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yleigh1. Assim, para estudar superfícies detectadas e processadas através de


em uma escala menor, tornou-se ne- um sistema de retroalimentação da
cessário buscar novos mecanismos, eletrônica que compõem o equipa-
como por exemplo, através da micros- mento e enviadas para um computador
copia de varredura por sonda ou ponta onde a topografia (imagem digital) da
de prova. superfície da amostra é construída (Za-
Atualmente existe uma família de nette, 2010).
microscópios de varredura por sonda Por outro lado, o princípio de fun-
ou SPM (do inglês Scanning Probe Mi- cionamento do AFM está baseado na
croscope) entre os quais é possível citar interação que ocorre, ao longo da var-
o Microscópio de Tunelamento ou STM redura, entre os átomos que compõem
(do inglês Scanning Tunneling Micros- a sua ponta e os átomos que compõem
cope) e o Microscópio de Força Atômi- a superfície da amostra (Garcia e Pérez,
ca ou AFM (do inglês Atomic Force Mi- 2002). Por isso, ao comparar o STM
croscope). Essa classe de microscópios com o AFM é fácil perceber que o se-
tem como componente essencial uma gundo possui a vantagem de fazer ima-
ponta ou sonda que varre a superfície gens tanto de superfícies condutoras
da amostra detectando mudanças em quanto isolantes, já que todos os mate-
seu relevo através de variações de riais são compostos por átomos.
grandezas físicas que dependem da Os instrumentos citados acima estão
variante do SPM escolhida. presentes no Laboratório de Ciências
O princípio de funcionamento do dos Materiais (LabMat) do Departa-
STM, por exemplo, é baseado em um mento de Física da Universidade Fede-
fenômeno quântico chamado de efeito ral do Amapá (UNIFAP) e são ambos
túnel ou tunelamento (Cohen, 2002). ferramentas importantes na caracteri-
Quando a distância ponta-amostra é de zação de superfícies, pois são capazes
aproximadamente 10 angstroms (que de gerar imagens com resolução atô-
equivale a 1nm), os elétrons da amos- mica e com o principal diferencial de
tra (que deve ser condutora ou semi- produzir imagens em três dimensões.
condutora) começam a tunelar na dire- Neste artigo é dada ênfase à micros-
ção da ponta, que é em geral um fio de copia de força atômica que, além de
tungstênio, ou vice-versa dependendo ajudar na descrição da estrutura super-
da polaridade da voltagem aplicada, ficial da amostra, é também uma técni-
gerando uma corrente elétrica conhe- ca bastante utilizada para o estudo de
cida como corrente de tunelamento. propriedades mecânicas e tribológicas
Essas variações de corrente elétrica são (propriedades relacionadas com mo-
vimento relativo) de superfícies na es-
1
Estudando os diagramas de difração de duas cala nanométrica (da ordem de 10-9m).
fontes luminosas Rayleigh concluiu, através de
cálculos numéricos, que só podem ser resolvidos
objetos de 200 a 350 nm (1nm = 10-9 m), ou seja,
da metade do comprimento de onda da luz visível
(Halliday e Resnick, 2009).

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2 A invenção do AFM essencial ou de suporte) aumentaram


em grande número por todo o mundo
Um dos feitos mais importantes da (Zanette, 2010).
nanociência foi à invenção do STM em Como um exemplo, na figura 1 tem-
1981 pelos pesquisadores Gerd Binnig se uma imagem do AFM utilizado no
e Heinrich Rohrer do laboratório da LabMat do Departamento de Física da
IBM (International Business Machines) Universidade Federal do Amapá (UNI-
em Zurique na Suíça, pois este disposi- FAP).
tivo possibilitou pela primeira vez a
geração de imagens de superfícies com
resolução atômica (Herrmann et al,
1997).
Após a invenção do STM vários ou-
tros equipamentos foram construídos
para o estudo da matéria na escala na-
nométrica, fazendo surgir uma nova
classe: os microscópios de varredura
por sonda. Em 1986, os inventores do Figura 1: AFM/STM modelo Easyscan2 do
STM ganharam o Prêmio Nobel de Físi- fabricante Nanosurf.
ca e, neste mesmo ano, a partir de uma
modificação do STM, combinado com As principais vantagens do AFM,
um Profilômetro stylus (aparelho usado quando comparado aos outros micros-
para medir rugosidade em escala mi- cópios são: maior resolução, imagens
croscópica), Gerd Binnig, Calvin Quate em 3 dimensões, não havendo a neces-
e Christoph Gerber desenvolveram o sidade de recobrir a amostra com ma-
Microscópio de Força Atômica (Binnig terial condutor, não requer métodos
e Quate, 1986). específicos de preparação da amostra,
O Microscópio de Força Atômica permite a quantificação direta da rugo-
surgiu para resolver uma limitação do sidade da amostra, permite a medida
STM quanto à condutividade das amos- da espessura de filmes ultrafinos sobre
tras que podem ser analisadas, pois substratos e análise por fractal. É pos-
com o AFM é possível estudar também sível fazer imagens da superfície imersa
todo o tipo de material isolante, já que em líquidos e através de algumas vari-
este não utiliza corrente de tunelamen- antes da família SPM é possível tam-
to, mas forças de interação atômica, bém diferenciar fases com diferentes
para produzir imagens. viscoelasticidades, encontrar domínios
O primeiro AFM comercial, com magnéticos e etc. Todas essas vanta-
produção em série, foi apresentado em gens do AFM são extremamente úteis
1989 (Herrmann et al, 1997). A partir para áreas que trabalham com caracte-
desta data, os trabalhos publicados rização e produção de novos materiais,
utilizando o AFM (como ferramenta

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como a Ciência dos Materiais e a Enge-


nharia dos Materiais.

3 Forças entre ponta e amostra

No momento em que está ocorren-


do à varredura, os átomos da ponta do
AFM interagem com os átomos da su-
perfície da amostra e, dependo da dis-
tância ponta-amostra, essas interações
podem ser atrativas ou repulsivas. A
repulsão acontece quando os átomos
Figura 2: energia potencial entre os áto-
da ponta e da amostra estão tão pró- mos da ponta e os átomos da amostra.
ximos (na distância de uma ligação
química) que as nuvens eletrônicas A atração ponta-amostra pode ser
destes começam a se repelir enfraque- resultado de diferentes tipos de forças
cendo a força atrativa; está repulsão é que se somam, como por exemplo:
consequência direta do Princípio de força eletrostática, forças de Van der
Exclusão de Pauli, o qual afirma que Waals, forças químicas e força capilar.
dois férmions idênticos, como por e- Forças eletrostáticas podem ser evita-
xemplo, dois elétrons, não podem ocu- das escolhendo-se apropriadamente os
par o mesmo estado quântico simulta- materiais para evitar a acumulação de
neamente, isto é, dois elétrons não cargas na interface ponta-amostra. As
podem possuir os quatros números forças químicas se originam das liga-
quânticos iguais em um mesmo átomo ções entre os objetos. São ativas quan-
(Feynman et al., 1987). do os objetos estão em contato (ou
Na figura 2, tem-se a curva teórica seja, a distância entre eles é de cerca
que representa a energia potencial en- de uma distância intermolecular). A
tre ponta e amostra, que se origina da Força capilar entre dois objetos ocorre
interação entre dois átomos descrita quando existe a presença de líquido
pelo potencial de Lennard-Jones (Israe- entre eles, enquanto que as forças de
lachvili, 1992). Van der Waals têm uma natureza elé-
trica e surgem devido à polarização das
moléculas que ocorrem através de
campos elétricos de cargas vizinhas ou
dipolos permanentes. Estas forças po-
dem ser classificadas em forças de ori-
entação, de indução e de dispersão
(Israelachvili, 1992):
a) Forças de orientação: resultam da
interação entre duas moléculas po-
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lares com momentos dipolares tos. Além de seus componentes inter-


permanentes. nos básicos, como por exemplo, a son-
b) Forças de indução: se devem à in- da ou ponta que fica presa em um su-
teração de uma molécula polar e porte chamado de cantilever, cerâmi-
uma apolar, onde a molécula polar cas piezelétricas para posicionar a a-
induz uma polaridade nas vizi- mostra e fazer varreduras, também
nhanças da outra. O campo elétri- necessita de outros instrumentos aco-
co da molécula polar destrói a si- plados a ele como circuitos de reali-
metria da distribuição de cargas da mentação para controlar a posição ver-
molécula apolar, resultando em tical da ponta e um computador para
uma atração semelhante à regis- mover os scanners de varredura, arma-
trada entre moléculas polares. zenar dados e os converter em ima-
c) Forças de dispersão: resultam da gens por meio de softwares específicos
interação entre dipolos flutuantes para isso (Butt, 2005).
que ocorrem em moléculas apola- Uma descrição mais profunda de al-
res, esses dipolos são finitos com guns componentes do microscópio é
intervalos de tempo muito curtos. necessária para se entender como o
Para as moléculas apolares a dis- AFM funciona.
tribuição eletrônica é, em média, I. O cantilever
simétrica. Mas, a cada instante,
uma parte da molécula possui mais O suporte que sustenta a ponta do
elétrons que outra. Assim, cada AFM é chamado de cantilever ou haste
molécula (ou átomo) se comporta e pode ter forma de “V” ou, em geral, a
como polar, mas esta “polarização” forma retangular (Zanette, 2010). Na
varia constantemente em grandeza figura 3, são apresentadas duas ima-
e direção, dando origem a momen- gens feitas com um microscópio de
tos dipolares flutuantes. eletrônico de varredura (MEV) dos dois
tipos de cantilevers mais utilizados nos
Deve-se ressaltar, por fim, que exis- experimentos com o AFM.
tem outros tipos de interação que po-
dem ser consideradas neste estudo,
como forças magnéticas e atração gra-
vitacional, entretanto, dentro da região
de interação ponta-amostra elas são
muito fracas quando comparadas com
as forças citadas anteriormente, sendo
assim é possível desprezá-las.

4 Os componentes básicos do AFM

O funcionamento do AFM depende


de um conjunto de outros instrumen-

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ver é feito e pela geometria do mesmo)


(Zanette, 2010). Na figura 4 é mostrada
uma ilustração desta analogia.

Figura 4: analogia da dinâmica do cantile-


Figura 3: Imagens feitas com um MEV. a) ver com o sistema massa-mola.
um cantilever de silício (Si) em forma de
haste. b) um cantilever de nitreto de silício A constante elástica da haste deve
(Si3N4) em forma de “V”. ser tão pequena quanto possível, para
poder atingir alta sensibilidade e não
Durante a varredura o cantilever so- permitir que a ponta danifique a amos-
fre deflexões devido à interação ponta- tra. Por outro lado, ele necessita de
amostra. Na região de forças atrativas uma alta frequência de ressonância
o suporte se curva na direção da amos- para minimizar a sensibilidade a vibra-
tra e na região de forças repulsivas ele ções mecânicas, tais como: trânsito na
se curva na direção contrária. rua, barulho de outros equipamentos,
O estudo da dinâmica do cantilever, balanço de prédios altos, entre outros.
já que ele pode defletir, pode ser feito A frequência de ressonância do sis-
fazendo analogia com um sistema mas- tema massa-mola é dada por
sa-mola segundo a lei de Hooke = ( ⁄ ) ⁄ , onde m é a massa
= − ∙ , sendo a deflexão da has- efetiva que carrega a mola (Halliday e
te e a sua constante elástica (deter- Resnick, 2009). Assim, para conseguir
minada pelo material do qual o cantile-

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um valor grande de basta fabricar


pontas tão pequenas quanto possível,
o que levou diretamente a ideia da uti-
lização de técnicas de microfabricação
na produção de catilevers, geralmente,
feitos de óxido de silício (SiO2), nitreto
de silício (Si3N4) ou silício puro e, po-
dendo serem feitos já com uma ponta
fixada em suas extremidades.
II. A ponta (ou sonda)
Para obter um entendimento ade-
quado da interação ponta-amostra é
muito importante conhecer o material
do qual a amostra é feita tal como o
material que compõem a ponta e, além
disso, conhecer a geometria da ponta
utilizada. A ponta de AFM mais comum
é uma pirâmide de nitreto de silício
como mostrado na figura 5(a). Sua ba-
se quadrada possui um lado de apro-
ximadamente 5 µm e o raio do ápice é
aproximadamente 100 nm. Outra ge-
ometria, muitas vezes utilizada, é a da Figura 5: Imagens de dois tipos de pontas
feitas com um Microscópio Eletrônico de
ponta em forma de um cone afiado
Varredura.
feita de silício como na figura 5(b), com
raio da base variando de 3 a 6 µm e
Deve-se ressaltar ainda, que em
raio do ápice de aproximadamente 20
condições ambiente (em ar e a tempe-
nm. As alturas das pontas de AFM vari-
ratura ambiente) existe sempre uma
am entre 10 e 20 µm (Zanette, 2010).
camada de contaminação proveniente
da umidade relativa do ar. Nesta ca-
mada podem existir resíduos que pre-
enchem as irregularidades da superfí-
cie da amostra e, além disso, esta ca-
mada faz com que a interação ponta-
amostra se torne mais intensa devido à
capilaridade. Assim, uma ponteira fina
pode entrar e sair mais facilmente da
camada de contaminação, evitando
que a ponta seja danificada.

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III. As cerâmicas piezelétricas Quando é programada a varredura


A piezeletricidade é a habilidade de no software do AFM deve-se fornecer
certos materiais cristalinos desenvolve- uma força de referência denominada
rem uma carga elétrica proporcional a setpoint. Sabe-se que a interação pon-
um stress mecânico. Os materiais com ta-amostra depende da distância e,
esta propriedade (cristais de titânio, dessa forma, quando a ponta está mui-
zircônio, chumbo etc.) mostram tam- to próxima da amostra aumenta a saída
bém o inverso, isto é, sofrem uma de- da eletrônica a ela acoplada. O amplifi-
formação geometricamente proporcio- cador diferencial compara o valor au-
nal a uma voltagem aplicada (Kittel, mentado com o valor de referência e
2006). É esta última a propriedade u- envia uma saída de correção de volta-
sada nos microscópios de varredura gem que excita o piezelétrico para con-
por sonda para realização de diversas traí-lo e, assim, afastá-lo da superfície
funções. da amostra. O integrador (basicamente
O controle de movimentos em dis- um capacitor) serve para “suavizar” a
tâncias tão pequenas, como as que realimentação, pois sem ele a correção
aparecem no AFM, é possível graças ao seria um pulo de voltagem sobre o pie-
uso das cerâmicas piezelétricas. Estas zo (mudança brusca).
são fabricadas em uma grande varie-
dade de formas, em geral, de um a- 5 Princípio de funcionamento do AFM
glomerado de pequenos cristais de ti-
tânio, zircônio e chumbo (Zanette, Quando a ponta do AFM se aproxi-
2010). ma da amostra (a uma distância da
A figura 6 mostra um esquema do ordem de alguns angstroms), os pri-
circuito de realimentação de um pieze- meiro átomos da ponta interagem
létrico usado no AFM. com os átomos que compõe a superfí-
cie da amostra. Ao longo da varredura,
a haste sofre deflexões por causa da
interação atômica, desviando o laser
que incide sobre ele, conforme ilustra
o esquema de funcionamento do AFM
mostrado na figura 7. O laser é detec-
tado por um fotodiodo que envia es-
sas informações de desvio da haste
para o controle de realimentação que
ajusta a posição da amostra (e/ou da
ponteira) e para o computador onde é
construída a topografia digitalizada da
Figura 6: circuito de realimentação para superfície da amostra.
posicionamento de um piezelétrico.

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guir boa flexão e não danificar a amos-


tra. O cantilever utilizado neste modo
é, geralmente, em forma de “V” para
minimizar as forças laterais de atrito,
que poderiam degradar as imagens. E a
ponta para o modo contato possui, em
geral, a forma piramidal.

Β) Modo tapping: neste modo a haste


oscila quase na sua frequência de res-
sonância (por isso a necessidade de
Figura 7: esquema de funcionamento do uma constante elástica maior que a do
AFM. modo contato), com alta amplitude,
mantendo um contato intermitente
Dessa forma, é fácil perceber que e- com a amostra (tocando a superfície da
xistem vários aspectos que podem in- amostra periodicamente). Assim, de-
terferir na interação ponta-amostra, pendendo da distância média entre a
como por exemplo: a existência de su- ponta e a amostra, a amplitude de osci-
jeira na amostra, a umidade relativa do lação é reduzida. Neste modo as forças
ar, os materiais que compõem a amos- de atrito da ponta sobre a amostra são
tra e a ponta, e ainda a geometria da desprezíveis, e com relação às pontas
ponta (Zanette et al., 2000). É a combi- utilizadas neste modo, geralmente
nação de todos esses aspectos que de- possuem forma cônica. Este modo vem
termina uma boa imagem ou uma pés- sendo muito utilizado para o estudo de
sima imagem, pois em alguns casos polímeros e materiais biológicos, pois
eles dão origem aos chamados artefa- além de evitar maiores danos na amos-
tos de imagem, isto é, traços falsos que tra, ele é capaz de fornecer a imagem
escondem a verdadeira morfologia da de contraste de fase, onde é possível
superfície da amostra. obter informações sobre a heteroge-
Com relação à geração de imagens neidade da amostra.
em AFM, existem três modos de ope-
ração: o modo contato, o modo tap- C) Modo não contato: neste modo o
ping e o modo não contato. cantilever oscila na sua frequência de
ressonância com baixa amplitude, assim
Α) Modo contato: é o modo mais utili- a amostra não é tocada e não existe
zado para fazer imagens, porém, é re- preocupação em relação à contamina-
comendável usá-lo, de preferência, em ção da ponta. Atua na região de forças
amostras parcialmente duras. Atua na atrativas, exigindo que a haste seja sufi-
região de forças repulsivas e, por isso, cientemente rígida com constante elás-
a constante elástica do cantilever deve tica de valor alto. O modo não contato
ter o menor valor possível para conse- é utilizado para a realização de imagens

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de amostras muito moles, e na prática é microscope: Technique, interpretation


muito semelhante ao modo tapping, and applications. Surface Science Re-
porém, fornecendo imagens com me- ports. n. 59. 2005.
nos detalhes devido à ponta estar sem- Binnig, G.; Quate C. F. Atomic Force
pre afastada da amostra ao longo da Microscope. Physical Review Letters.
varredura. v. 56. 1986.
Cohen, S. H. Quantum Mechanics. New
6 Conclusão York Kluwer Academic Publishers. v. 1.
2002.
A invenção do AFM foi muito impor- Feynman, R. P. et al. The Feynman
tante para investigação de proprieda- Lectures on Physics. Massachusetts:
des mecânicas e tribológicas (proprie- Addison-Wesley Publishing Company.
dades de materiais relacionadas com v. 3. 1965.
interação de interface em movimento Halliday, D.; Resnick, R. Fundamentos
relativo), pois devido a sua sensibilida- de Física. LTC. v. 2 e 4. 2009.
de, permite a aplicação de forças fracas Herrmann, P. S. P. et al. Microscopia de
o suficiente para não produzir o deslo- Varredura por Força: uma Ferramenta
camento de átomos durante o contato, Poderosa no Estudo de Polímeros. Po-
fato que possibilita o estudo e análise límeros: Ciência e Tecnologia. 1997.
de superfícies na escala atômica seja Israelachvili, J. N. Intermolecular and
de materiais cristalinos, amorfos ou de surface force. San Diego: USA Academ-
sistemas orgânicos. Devido a isso, ele ic Press. 1992.
tem causado um grande impacto posi- KITTEL, C. Introduction to Solid State
tivo às ciências dos materiais. Physics. New York: John Wiley & Sons.
Propriedades como elasticidade, atri- 1996.
to e desgaste que dependem da morfo- Zanette, S. I. et al. Theoretical and ex-
logia da superfície (ou asperezas mi- perimental investigation of the force-
croscópicas) e da adesão podem ser distance relation for an atomic force
estudadas com o uso do AFM fornecen- microscope with a pyramidal tip. Sur-
do resultados com boa precisão. Essas face Science. n.453. 2000.
propriedades influenciam diretamente Zanette, S. I. Introdução à Microscopia
na construção de materiais nanoestru- de Força Atômica. CBPF. 2010.
tura dos. Assim, pode-se dizer que o
AFM é uma ferramenta bastante impor- License information: This is an open-access article
distributed under the terms of the Creative Com-
tante para o desenvolvimento da nano- mons Attribution License, which permits unrestrict-
tecnologia e áreas afins. ed use, distribution, and reproduction in any medi-
um, provided the original work is properly cited.

Referências
Artigo recebido em 10 de setembro de 2014.
Aceito em 29 de janeiro de 2015.
Butt, H.; Cappella, B.; Kappl, M. Force
measurements with the atomic force

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