-gestual) que o surdo usa para se comunicar néo anulaa existéncia
de uma Iingua tao natural, complexa e genuina como é a lingua de sinais.
Acesse respeito quero salientar trés definigées encontradas no Diciondrio
didatico de portugués (Biderman, 1998: 630-645):
amfmica sf. m{-ml-ca, Expressio de idéias, palavras ou sentimentos através
de gestos expressivos que acompanhiam ou substituem a fala, Os mudos
usam mimica para comunicarem suas idéias. Durante o piquenique a tur-
«ma fez varias brincadeiras; uma delas foi o jogo de mimica.// pl: raimicas.
{énfase minha]
miudez s.f. mu-dez. Qualidade daquele que é mudo, de quem no fala. Mui-
tas vezes, a mudez € provocada por problerhas de audigdo,// Nao se usa no
pl ad): mudo/ ef surdez,
‘mudo adj. mu-do, 1. Que nao fala por problemas fisicos ou psicolégicos...
As definigSes inter-relacionadas acima perpetuam as ideias de que
os surdos nao tém lingua, ¢ os desdobramentos dessas definigées cont
buem para que acreditemos que eles nao podem produzir fala inteligivel
e de que nio tém cordas vocais. Os surdos sio fisicamente e psicologica-
mente normais: aqueles que tém 0 seu aparato vocal intacto (que nada
tem a ver com a perda auditiva) podem ser oralizados’ ¢ falar a iingua
oral, se assim desejarem, Entretanto, o que deve ficar registrado é a forma
pela qual constantemente se atribui a lingua de sinais um status menor,
inferior e teatral, quando definido e comparado a mimica.
E possfvel expressar conceitos
abstratos na lingua de sinais?
Claro que sim! Novamente, a pressuposigao de que nao se consegue
expressar ideias ou conceitos abstratos esté firmada na crenga de que a
lingua de sinais é limitada, simplificada, e nao passa de um cédigé primi-
tivo, mimica, pantomima e gesto, No Diciondrio de linguistica e fonética,
Por exemplo, gestos so considerados tragos paralingufsticos ou extralin-
Guisticos das linguas orais:
Orativagto & umn trvinamento, com orfontagai de fonoaudlOlogas, parr que wins pasKon
* teatrais, contar e inventar h
Em seu sentido mais amplo, 0 termo se referé a qualquer coisa do mundo
(que io sejaatincua) em relaso a qual a lingua estésendo usada — asi
iguistica’ A expressdi “tracos extralingufsticos” pode signifi-
propriedades de tais situacdes, ou, em termos mals espectfi-
os, propriedades da comunicagao que nao séo claramente analiséveis em
isTICOS (estos, tom de vor etc). Alguns linguistas nomelam
primeira classe de tracos como METALINGUisTICos; outros nomelam a se-
‘gunda classe como PaRALINGUISTICos (Crystal, 2000: 105-106).
Para nos desvincularmos da acepedo exposta acima, devemos enten-
der que sinais nao sio gestos. Pelo menos nio se pensarmos gestos de
acordo com a definigao anterior. Assim, é correto afirmar que as pessoas
{que falam linguas de sinais expressam sentimentos, emogdes e quaisquer
{deias ou conceltos abstratos. Tal como os falantes de linguas orais, os
falantes de linguas de sinais podem discut
ssuntos cotidianos ete. nessa lingua, além de transitar por diversos gé-
jeros discursivos, criar poesias, fazer apresentagdes académicas, peas
térias e pladas, por exemplo. Emmanuelle
mo livro 0 vo da gaivota, afirma:
{Laborrit, surda francesa, em seu bel
Os sinais podem ser agressivos, diplométicos, poéticos, filos6ticos, mate-
rmiiticos: tudo pode ser expresso por meio de da nenhuma
de contetido,
£ uma lingua exclusivamente icénica?
renga, Ha uma tendéncia em pensar assim, e essa visio relaciona-se
idade espaciovisual;
ou seja,
tido, relagdes entre forma e si
associagao incorre, multas vezes, em cairmos no risco de reforgara crenga de
‘que a lingua de sinais seria apenas uma representagao pantomimi
no procede, pois, como argumenta Ferreira Brito (1995: 108)jue 08 surdos cearenses, paranaenses, cariocas.., Quem jé nfo ouviu
alguém dizer “esses sinais sdo ‘antigas, do terapo dos avés!” ou ainda, “na-
quele lugar se fala diferente”. Essa diferenga no‘déve ser encarada como
erro, entretanto:
je um mesmo estado, a depender da co-
[como nos exemplos da palavra espanhol
jortante porque,-em algumas situagées,
dis Mingus de sinais resistern'a aceitar a diversidade
“esse sinal é errado” ou "e
“sotaques’ empresta ¢incorpora novos sinals, mesla-se com outraslin-
suas em contato, adquire nova roupagens 0 fendmeno da vaiagzoe da
diversidade esté presente em todas as lingua viva, ern movimento. &
justamente na pritcas agem entre surdo/surdo.e
surdo/ouvinte que
Prestigiadas em sinais, em portugués, em combinagio de modalidades),
as marcas da heterogeneidade nos sinais dos surdos-cegos, dos indios,
dos ouvintes familiares ou no} de surdos, dos surdoscatarine
listas, pernambucanos... ou seja, as vdrias I(nguas em LipRas®.Ve
Outro fato importante nesse processo foi o Congresso de Milo, em
+1980, que, em fungio do impacto mundial de sua decisdo em favor das filo-
sofias e métodos oralistas a qualquer custo, afetou a educagio dos surdos
‘em todas as partes do mundo. No Brasil, a ideia do oralismo comesoua ser’
disseminada em 1911, e a superintendente do INES, Ana Rimoli de Faria
Doria, que acatou a filosofia, separava os Surdos mais velhos dos mals no-
‘vos para evitar 0 contato e uso de lingua de sinais. Outra figura nesse ce
nirio foi‘vete Vasconcellos, que, inspirada na abordagem da comunicario
total, influenciada pela Universidade Gallaudet, defendia que fala, estos,
ppantomima e sinais deveriam ser empregados na farmagao dos individuos
‘surdos. Multas criticas foram feitas a essa filosofia, mas o debate propiciava
‘um repensar de tudo o que fora feito em termos lingufsticos e educacionals.
Na década de 1980, fundou-se a FENEIS (Federagio Nacional de Educacao
¢ Integragdo de Surdos). Trés amigos surdos encabearam a fundagio da
instituiggo — Ana Regina S. Campello®, Fernando M. Valverde e Antinlo
. Abreu —, significdndo um grande avango em favor da defesa dos direl-
tos dos surdos. Em resumo, a origem da LIBRAS esta Intimamente ligada a0,
provesso de escolarizacao dos surdas, e mesmo que nas instancias educa
‘clonais a lingua legitima dos surdos tenha sido banida em muitos momen-
tos, os surdos sempre a utilizaram entre si, O contato do professor surdo
francés Huet com o: )s proporcionou, em grande medica,
varios empréstimos BRAS,
Entretanto, é importante dizer que a coabitagao da maloria das lin-
‘as linguas orals faz com que empréstimos, alternan-
ias e trocas linguisticas acontesam, inevitavelmente. Mas isso nio quer
.guas de sinals tenham suas origens ou raizes historicas
\guas orais, A-rela¢ao é justamente inversa: na histéria da evolugao
do homem, cons que oso de sinais pelas mos como forma de co-
‘municagio pelo homem é anterior ao da fala vocal — uma das evidéncias
iingulsticas para afirmar que o homem tem uma capacidade inata, instin-
_ tiva para desenvolver linguagem”
eenso da situasio como un todo
umama,argumentava, por exermpo, que somente 159 dos surdescongénitae tina
Inte para se tornarem lettdos, enquanto apenas 65% de surdosackentas
51992)
A upras ‘falada’ no Brasil
apresenta uma unidade?
a. Em todas as linguas humanas, ha variedade e diversidade.
0 soctolinguista Marcos Bagno faz uma bela discussio em torno da des-
construso de alguns mitos sobre a lingua portuguesa em seu famoso
livro Preconceito linguistico — 0 que é como se faz, escrito em 1999 ¢,
desde entio, seguidamente reeditado. Segundo 0 pesquisador, o mito da
"unidade linguistica do Brasil” 6 0 mator e mais sério de todos, pois est
presente no discurso néo somente da populaglo, mas de muitos intelec-
tuais. A escola, por exemplo, tem se apropriado desse mito, tornando-o
natural, Uma vez naturalizado, deixa de ser crenga e passa a funclonar
como um principio normializador, impondo
‘sua norma linguistica como se ela fosse, de fato, a lingua comum a todos”
(05 160 milhoes de brasileiros, independente de sua Idade, de su origem
‘Reogrifica, de sua situasdo socloecondmica, de seu grau de escolarizagao
ete. (Bagno, 1999: 15).
‘Allingua portuguesa é “uma unfdade que se constitui de muitas va-
riedades" (Pardmetros Curriculares Nacionais, 1998: 29 apud Bagno,
1999; 19). Portanto, dizer que todos os brasileiros falam o mes!
tuguds é uma inverdade, na mesma proporgio em que é inverdade dizer
que todos os surdos usam a mesma Listas. Afirmar essa unidade é ne-
gar a variedade das Iinguas, quando de fato nenhuma lingua é uniforme,
homogénea, A varlagio pode ocorrer nos niveis fonol6gico (proniincia),
‘morfolégico (palavras) e sintético (sentengas) e estio ligadas aos fatores
sociais de idade, genero, rapa, educagdo e situaydo geogréfica. Assim, 0s
surdos adultos e adolescentes variam em seus sinajs, da mesma forma
‘erie [homo eects berando com sso as mi
‘indo potencil para aespecializarso de comy
so =
érebroaumestando detamanhoe adqul-
portuguesa filada no Sri apresenta uma unis
dade surpreendente de Marcoe Bagno. Az sseertes quo tenho vido de muitos ouviates 0
bre etsa questo tan o mesmo tet ent achet
elo com a iscussto, muito aproprada, de Bagno