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Baptista Borges Pereira Introdugaéo Este capitulo, que se pretende um ensaio antropolégico, rocura desenvolver o tema ao longo de duas linhas de reflexiio que, com freqiiéncia, se tocam: 0 corpo individualizado e simbo- lizado dentro de seus prdprios limites e o corpo humano, social © culturalmente contextualizado, indo além de suas fronteiras, para compor e expressar de forma simbdlica uma populagao, no 480 a populagao brasileira. Mapeamento simbélico do corpo -RTICALIDADE E HORIZONTALIDADE A verticalidade do corpo humano, derivada do bipedismo il esipécie, além de distinguir o homem das demais do reino ’ la.ou da suporte a um teferencial simbdlico que hilicncos diferentes a diferentes partes dessa H () 70 ‘ecerpe do brasileir a linguagem de carpe na sociedade brasileipa n separa, ao mesmo tempo, o exterior — anatoma = do interior oasigio horizontal, faz-se de forma especial; o enunelador altera fisiologia. Enfim, o simbdlico cria nessa e a partir dessa vertical dade uma verdadeira geografia ou espago corporal segmental em areas proibidas e nao-proibidas, louvadas e desqualil icada} superiores e inferiores, belas e feias, atraentes e repugnante Esses pormenores, plenos de significados, s40 a fonte geradora d sentimentos ligados ao pudor, 4 sexualidade, 4 beleza, ao noj A verticalidade nfo é apenas uma postura de hominizaga que marca a evolugao de uma espécie, considerada singular postura do corpo eo tom da voz, procurando o tom de reve Hci que © homem na vertical deve ter em relagio ao homem. horizontal, § o corpo vivo proclamando e reverenciando o HPO morto, Dentro de: 1 tradigao cultural, estabelece-se uma ligacao MetulGrica entre a morte bioldgica e a morte social, em que a vizontalidace 6 um componente condutor dessa associagio. ire populagdes interioranas é corrente a expressdo: “estou numa Pindaiba danada”. Essa frase é indicadora de uma horizontalidade individuo no plano social, pois é usada para se afirmar que a pessoa esté “sem dinheiro”, “com dificuldade financeira”, na pla- partir de outro processo evolutivo paralelo — 0 da humanizagaa A verticalidade est4 estreitamente associada a vida, que suport como ritmo natural, breves periodos de quebra dessa verticalida © que o corpo opta, pelo menos na cul dormindo ou praticanda de, expressos na po: tura ocidental, quando o homem est hicie de miséria, fora do circuito do ganho e do consumo, exclui- ‘Ji das instancias vitais que definem uma sociedade de classes. Hilim, o individuo esta socialmente morto. Metaforicamente, ele © compara ou 6 comparado ao morto biolégico a caminho do ério, estendido horizontalmente em um lengol ou rede, sus- ortodoxamente, o ato sexual. A borizontalidade, por sua vez, €a negagao do humano e di vida: € anti-humana, pois sabemos que apenas 0 corpo humai as que o dis ostenta a posicdo vertical como uma das caracteristi tingue das outras espécies animais, e é a negacao da vida, porqu a horizontalidade, além de ser uma posig&0 corporal inerte, ot ainda por isso mesmo, est carregada de simbolismo ligado a mor Algumas dessas idéias, embora universais, podem ser facil: mente apreendidas na sociedade brasileira, em especial na sui variante tradicional, traduzida pela forma como vive o homent da cultura rural caipira. No interior de S40 Paulo, com mais én se do que ocorre nas grandes capitais, a partir do momento que o homem morre, passa imediatamente por um processo d fentado por duas varas de pindaiba, sobre os ombros dos vivos. nites do uso de caixao, a pindafba era a madeira utilizada para @pultamentos, por ser fina, resistente e, ao mesmo tempo, flexi el, Mudaram-se as formas de conduzir 0 corpo para a sepultura, iiiis Conserva-se, até os dias atuais, no vocabulario, talvez até no Imaginario popular, a forte uniaio entre a morte bioldgica e a Norte social, “horizontalizando” o pobre na estrutura social de hierarquias. O pé6 deve tornar ao pé, isto 6, o corpo deve voltar a terra € se deésfazer na natureza. Porém, nem todos os corpos horizonta- desnudamento social e 0 seu préprio nome € colocado em se lizados, mortos, sAo aceitos pela terra. Pelo menos, assim diz um gundo plano. Ohomem, reduzido simbolicamente as suas proporgoes bio ldgicas, transforma-se em “o corpo”. O corpo, centro do comple dos mais conhecidos mitos das nossas populacées tradicionais — © mito do corpo seco. O que € 0 corpo seco? Até hoje, ha milti- plas vers6es correntes, no Brasil interiorano, sobretudo na zona tural. Na ess€ncia, essa peca mitoldégica, independentemente das versdes, reduz-se a afirmar 0 destino do homem que, ao infringir xo ritual de separacdo, que € 0 ritual funéreo, vai ser lavado, velado e, finalmente, sepultado. Em certas areas do estado de SAo Paulo, a chegada do corpo ao velério, onde permanecera na uma regra moral solidamente valorizada pela sociedade — por

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