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voe R 8 0 OS ARQUETIPOS EM HILDA FURACAO RESUMO. Estudo baseado na Psicologia Junguiana da Personolidade do romance Hilde Furacdo, de Roberto Drummond, destacando-se no narrativa 0s arquétipos da Prostituta Sagrada, do Puer Aeternus, da Anima e do Animus. ABSTRACT A study based on the Jungian psychology of personality in the novel Hilda Furacdo of Roberto Drummond, emphasising in the narrative the architypes of the Sacred Prostitute, of the Puer Aeternus and of Anima and Animus. THEREZA DA C. A. DOMINGUES » CES/JF Ao ler o obra Hilda Furacéo, de Roberto Drummond, ficamos supresos de reconhecer na obra, de cordter sécio-historico, a forte presenga de dois arquétipos descritos por Jung e seus discfpulos em suas obras ~ 0 da Prostituta Sagrada e o do Puer Aeternus. © que nos chamou a atencdo, sobretudo, foi 0 cardter néo-psicolégico da obra, o que Jung coloca como uma qualidade da obra verdadeiramente interessante para a anélise psicolégica, jé que nelas © autor ndo antecipa @ respeito da psicologia de suas personagens. Portanto, ele néo somente dé lugar & andlise € interpretagéo como as solicita, mesmo, pelo objeto de suas descricdes (JUNG, 19600: 224) Jung chamou a estas obras de "obras visiondrias", pois observa que, quando deparamos com narrativas psicolégicas, néo precisamos nos indagar em que consistem e 0 que significam, pois elas proprias trazem a chave de sua interpretacéo. Porém, diante de "obras visionérias', estas quest6es sdo sempre colocadas. O leitor exige comentérios, explicacées; diante delas fica surpreso, pois elas ndo ‘evocam nada que Ihes lembre a vida cotidiana, porém tornam-lhe mais vivides os sonhos, os terrores noturnos, os pressentimentos de recénditos misteriosos e sombrios do alma ou de alegrias até entdo inatingfveis. Jung opresenta como exemplo de obra visionéria a de Francesco Colonna que, aparentemente, é uma apoteose ao amor mas, na sua esséncio, é a descricdo dos relagdes com a Anima, encarnada na figura de Polia 55 Numa escala mais elevada, Géethe tece nos dédelos multicores do Fausto, tal um fio de Ariadne, 0 motivo de Margarida, de Helena, da Mater Gloriosa, em suma, do eterno feminino. JUNG, 1960a: 351). Dentro da visGo junguiana da obra de arte, destaquemos que o autor considera que esto produz imagens téo multivocas quanto as do sonho: Uma obra-prima & como um sonho que, a despeito de todas as suas manifestacées néo se interpreta a si proprio e ndo é, também, univoco, E bem raro que um sonho digo: tu deves, ou isto é verdade. O sonho libera uma imagem, como a natureza uma planta que ela fez crescer. Cabe a nds as deducées. (1960b: 368). S6 percebe 0 sentido de uma obra de arte quem a deixa agir sobre si, como agiui ela sobre poeta; para compreender seu sentido, é preciso deixar se moldar por ela, como ela moldou o artista. Jung cita, ainda, como exemplo de autores visiondrios, varios escritores populares da Literatura Inglesa e, entre eles, Rider Haggard, autor de ficgio fantastica, Dentre as obras de Haggard, destaca 0 livro She', Diz Jung que, ‘em obras como estas, 0 autor parece completamente inconsciente dos Pressupostos psicolégicos que sua narrativa alcanca e, por isso mesmo, somente a Psicologia pode elucidar seu sentido profundo, Aqui paramos, estrategicamente, pora vermos em qué as reflexdes acima tocam 0 romance Hilda Furacéo. A nosso ver, podemes inclui-lo entre as obras visiondrias, pois embora seu autor néo tente psicologizar seus Personagens e, ao contrétio, procure demarcé-los com sélida_insercéo histérica, sua narrativa vai além e, mesmo & sua revelia, sdo criadas situacées personagens miticos. © pablico reagiu a altura em relacéo @ obra, consagrando-a, isto mostra, mais uma vez, que se cric forte empatio quando ha a presenca de arquétipos numa obra. Demonstraram esta consagragdo as continuas reedicdes da obra que, publicada em 1991, em 1998 ja ia pela 162 edicao no Brasil, sem contar 1s intimeras tradugSes ¢ edigdes em outros paises. Apesar de Roberto Drummond, como narrador, tentar estabelecer, oo istica, utilizando como pano longo do romance, que se trata de obra memo! de fundo a histéria recente do Brasil, e seu popel pessoal nos fates narrados, no que tange as personagens Hilda Furacdo e Frei Malthus, a nerrativa ultrapassa os padrées (cuto)biogréticos conscientes do narrador e vai atingir os padrées do inconsciente coletivo, Isso € to verdadeiro que a curiosidede do ptiblico née mediu esforcos para tentar identificar na vida reol os duas figuras, Hilda Furacdo e Frei Malthus, que de tal modo tanto tocoram 0 seu imaginério. Assim, hd quem afirme ter conhecido a heroina em Belo Horizonte. Outros “ pentnente notor que @ obra She, ds Henry Rider Hoggard torbém cause funda impressdo em Sigmund Froud, que escreveu sobre ela "é um lvo estanho, mas che'o de significado acuta [.. O eter feminino, 9 Imertodade de nossas emogoes.” (FREUD, 1972: 485. Grito do A) apregoam que so amigos até hoje de Hilda. Uns a colocam vivendo atualmente em Buenos es, outros, num convento e outros, ainda, na América do Norte, como esposa de diplomata, Entretanto, os que se dedicaram a pesquisar sua vida nas reportagens de jornais citados pelo autor, nada encontraram sobre a personagem nos arquives jornalisticos da época. Quanto a Frei Malthus, muitos o identificaram cam Frei Betto, frade dominicano de muita ctuogéo em Belo Horizonte, na luta contra as desigualdades sociais, no periodo enterior a 1° de abril de 1964, Debalde, porém, pois a tinica coincidéncia entre o figura real e a romanesca é 0 fato de serem ambos dominicanos. O préprio autor, Roberto Dummond, em entrevista que assisti dele, em Juiz de Fora, no desmente nem confirma nada, exacerbando, com graca e malicia, as eternas discuss6es em torno de suas personagens mais famosas. E, para falar um pouco do paratexto que foi ¢ mini-série Hilda Furacdo, escrita por Gléria Peres, temos que lembrar que o amor entre a prostituta € 0 religioso se tornou téo pStico ao puiblico que, na mit série, é aberta aos dois a oportunidade de realizagaéo amorosa, 0 que ndo acontece no livro, em que terminam separados. Essas questées nos abrem para a indagagdo: por que as duas personagens mexeram tanto com a imaginagao popular? A resposta é que hd nelas algo que toca o incensciente do leitor E cremos que esse algo 6 0 fato de representarem arquétipos do inconsciente coletivo, dos quais nao faremos aqui uma anélise exaustiva, apenas apontaremos pistas nesse breve estudo. Arquétipos e inconsciente coletive Para Jung, as imagens arquetipicas provém do inconsciente coletivo e nao do inconsciente pessoal. Nesta distingdo, 6 necessério que se saiba, antes de mais nada, que 0 termo ‘coletivo" ndo & uma alusdo sociolégica, significa mais do que um vineulo social, 0 conhecimento objetivo da psique. Por esto razéo, Jung denominou esse inconsciente profundo e auténomo como “psique objetiva’ porque “é a fonte independente de informacdo objetiva a respeito de sua propria natureza’. (ADLER, 1963: 46). © inconsciente coletivo proporciona o forma arquetipica "por si mesma vazia* (DURAND, 1971: 72) que, para chegar a ser sensivel para a consciéncia, tem que chegar co consciente com 0 auxilio de elementos de representacéo conexos ¢ andlogos. O arquétipo é, em si mesmo, uma tendéncia para estruturar imagens, mas o arquétipo nao 6. propria imagem. Jung comparou © arquétipe & formagéio de um cristal numa solugéo saturada: a estrutura treligada de um determinado cristal obedece o certos principios (0 corquétipo) © a forma concreta que ele tomard (imagem arquetipica) néo pode ser prevista, (ADLER, 1963:41). Todos nascemos com tendéncia para formar imagens. mas néo com as préprias imagens. H4, por exemplo, uma tendéncia humana universal para formar uma imagem de mae, embora cada ind arquétipo universal iduo forme sua propria imagem materna, com base neste f} SES OS

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