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vo£ ® Sere eee ew iciates A CONSCIENCIA EROTICA / RELIGIOSA DO LITERARIO EM ADELIA PRADO ANGELICA SOARES * UFRU-RJ RESUMO Adélia Prado, uma das vozes femi representativas da poesia brasileiro, destaco-se do conjunto de poetisas contemporéneas, que fizeram A leitura de metspoemes de Adélia Prado nos leva a reconhecer @ tematizagéo cuto-reflexiva da } notureza eréticalrligiosa de suo ‘re, Na eoncepséo adellana, @ pelo interrelacionamento singular e revolucionério telagdo entre o poeta eo fazer de erotisme @ religisidade. postico envolve sempre o erotisme dos corpos, 0 dos coragées © 0 sagrado pois, na reolidade, todo erotismo 6 sagrade. Sendo 0 da temitica erética fonte e motivo de seus versos, Recuperando, poeticamente, © cardter sagrado do exercicio erético, ela inclu, em sua obra, momentos de auto-reflexdo sobre o fazer postico, acti objous isi posites malo ‘trozendo-nos a consciéncia explicita de sua criagéo ‘erética a poesia, esta anuncia @ como mulher e como ser religioso, embora se poixio que, por sua vex, conduz declare sem vocagéo para a militéncia (BORGES, sempre @ poixio de Cristo, revelada 1987: 28). pelo socrificio da carne. Nessa percepede de ato criador, se desvela ‘0 posicionamento do poeta como ‘haan Tedguni @ consaqoenta manifesta-se no corpo, mistica ¢ eroticamente, para ‘carder salvador de poesia. desvelar a adoragéo da mulhercrente e amante Assim & que, no poema "Festa do corpo de Deus", 2 poesia “como um tumor maduro”, diante de Deus corporificado. een Reconhecendo no poema "Sensorial", 0 eu The reading of the metepoems of feminine como um ”.bicho de corpo" (PRADO, Adelia Prado leads us to see a self 1986a: 21), Adélia Prado traz @ mulher uma nova reflexive discussion on the theme of the erotic and religous noture of her work. Inthe concept of Adelio, the relationship between the poet and the writing of poctry involves uma experiéneia da carne: aheays the erotism of human bodies, of humon hearts and the sacred, because in realty all cerotismn is sacred. Since erotism is the object of postion and being anunciande a paixéo: erotic is poetry, this announcing of ‘Ocnx ave, spes unica passion leads always to the Passion of Christ, revealed in the sacrifice of the body. This perception of the concepgao do erotismo, através do mesmo caminho utilizado para a sua negagao: o caminho da religido ~ identificondo © cardter sagrade de Cristo como Como um tumor maduro «@ possia pulsa delorosa, 6 possiones tempore’ Jesus tem um par de nédegos! icl'of eresiion fevesiothe: ‘mois que Javé na montanho positioning of the poet ax homo esta revelagdo me prostra. religiosus, and consequently the O mistério, mistério, seleificinatufe af paeny! suspenso no madeiro © corpo humane de Deus. nas E priprio do sexo 0 ar que nos faunos valhos surpreendo, em rig is supostamente pervertidos © 0 que chamam dissoluio, isto consiste o crime, em fotografor uma mulher gozondo dizer: eis a face do pecod. Por séculos e séculos 0 deménios porfiaram em nos cegar com este embuste, E teu corpo na cruz, suspenso. E teu corpo na cruz, sem panos: ‘othe pora mim. Eu te adoro, 6 sohador meu que gpaixonadamente re revelas «@ inocéncia do corne. Expondo-te como um fruto nesta drvore de execragéo © que dizes & amor, ‘amor do corpo, amor. (PRADO, 1986b: 73) © poema transcrito, intitulade “Festa do corpo de Deus", se estrutura como um cntico ao “amor do corpo", do corpo de Cristo pregado na cruz. Aindicagéo da "Festa", que compée o titulo do poemna, nos envia & marca da transaresséo, da ultrapassagem da situacGo aterradora, na qual se situa o mistico. Isto porque, conforme nos lembra Bataille, 0 sentimento de edoragéo, a que conduz 0 experiéncia do sagrado, advém do fato de estar ole ligado ao tabu, & proibigéo. Esta, poréem: [..] n6o tem apenas 0 poder de nos dar, no plano religioso, umm sentimento de temor e tremor, mas transforma esse sentimento em devogée, ou melhor, em adoracdo. [...] Os homens estéo simultaneamente submetidos @ dots movimentos: 0 do terror que rejeta @ 0 da otracio que exige 0 fascinade respeito. Proibigéo e transgresséo correspondem @ dois movimentos contraditérios: « proibicdo rejeite, ‘mas 0 fascinio introduz @ tronsgressdo (BATAILLE, 1980: 60) Considerando Deus *... @ coiso mois encarnada que tem” (BORGES, 1987: 30), Adélia assim © poeratiza, transcrevendo a prostragéo do “eu” dionte de sues “nédegos”, o revelar a “inocéncia da carne”. A revelagdo se dé em atmostera de “Festa”, porque é nelo, de acordo com as liches de Roger Caillois, que religiosamente se instaura © advento do sagrado, surgindo “ao individue como um outro mundo, onde cle se sente amparado e transformado por forcas que o ultrapassom: (CAILLOIS, 1988: 97). ‘Adélia Prado recupeta literariamente esse sentido do arrebatamento que, nas festas das civilizages mais antigas, tinha maior releyo e © articula ao sacrificio que, “parece uma espécie de contetido privilegiado da festa. Ele & como © movimento interior que a resume ou Ihe dé 0 sau sentido” (IBIDEM: 95). A festa e o sacrificio surgem juntos na mesma relagao que o alma e © corpo” (IBIDEM). A poetise restaura 0 sentido da religagéo religiosa, sem os limites repressores das Instituig6es cristas. E 0 faz, sobretudo, em defeso da mulher, imprimindo ao seu texto um caréter de denincia, Ligar © sexo e 0 goz0 ao pecodo @ obra engonadora dos "demdnios", € 0 corpo de Cristo”... na cruz, sem panos” que desvela o “mistério” do salvacdo, eis a mensagem adeliana que ultropassa © estreitamento da moral sexual boseada no maniqueismo e ocupada em ocultar a dimensdo erética do exercicio Instaurando-se uma percepcao etética das vivéncias religiosas, desconstroem-se imagens repressivas ¢ clienantes, cristalizadas pelas insttuicdes judoico-cristas e direcionedas mais fortemente contra a mulher pela domindncia do poder patiiarcal. Sendo 0 erotismna ebjeto da paixdo e sendo erética a poesia, esta anuncia a paix. E a poixdo, na concepcée adeliana, conduz sempre & paixdo de Cristo, revelada pelo socrifice da come. Este é um percurso que, na suo poética, mio pode passor despercebido, pois é, desde sempre, 0 “corpo humane de Deus” que se quer rectior No poema intitulado “Seduce, © poesia antropomorfizada aparece como mulher, dotada de incontrolével forca de conquista: A poesia me pega com sua roda dentodo, ime forgo a escutor imével 0 seu discurso esdrixulo, Me abraca detrés do muro, levanta © scia para eu ver, amoroso e doida. Acontece © mé coisa, eu the digo, também sou fifho de Deus, me deixa desesperar. la responde pasando lingua quente em meu pescoco, fala pou pra me acalmar, fola pedro, geometria, se descuida e fico meiga, aproveito pra me sofat. Eu corro ela corre mais, eu grito ela grita mais, sete deménios mais forte ‘Me pega a ponta do pé € vem até na cabega, fazendo sulcos profundos E de ferro a roda dentada dela. (PRADO, 19860)

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