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DIREITO AUTORAL

A LEI N. 9.610 DE 19 DE
FEVEREIRO DE 1998 –
aspectos contraditórios.*

Vanisa Santiago

RESUMO

Analisa os aspectos contraditórios e as omissões relevantes da Lei n. 9.610/98, tecendo considerações sobre os
contextos histórico, técnico e político de sua tramitação, aprovação e sanção pelo Poder Público.
Aponta as imperfeições terminológicas da Lei dos Direitos Autorais, ao citar a ausência de definição legal quanto aos
conceitos de “público”, para fins de utilização de obras, e “privado” para os fins que lhe são próprios.
Conclui que a Lei n. 9.610/98, apesar de não ter sido a ideal para reger os bens intelectuais a que se destina, em um país
com extrema riqueza criativa e mercado de dimensões consideráveis, foi a possível no momento histórico de sua
aprovação, visto que tais aspectos negativos não lhe retiram qualidade e modernidade.

PALAVRAS-CHAVE
Lei n. 9.610/98 – Lei dos Direitos Autorais; Conselho Nacional de Direito Autoral–CNDA; ECAD.

__________________________________________________________________________________________________________________
* Conferência proferida no "Seminário sobre Direito Autoral", realizado pelo Centro de Estudos Judiciários, nos dias 17 e 18 de março de 2003, no
Centro Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro - RJ.

8 R. CEJ, Brasília, n. 21, p. 8-15, abr./jun. 2003


1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS movia uma completa substituição da micos referiam-se basicamente a três

U
normativa, no caso, o projeto do en- questões: a da cópia privada, a da
ma análise dos aspectos con- tão Deputado José Genoíno, inspira- centralização da gestão coletiva dos
traditórios, inconsistências e do nos estudos que haviam sido ela- direitos musicais de execução públi-
omissões relevantes que a Lei borados pelos membros do CNDA. ca e a da existência de um órgão
n. 9.610 de 1998 apresenta, não po- Há cerca de sete anos, o en- governamental de fiscalização e con-
deria dispensar considerações pré- tão Deputado Aloysio Nunes Ferreira trole. Outros pontos também levanta-
vias e esclarecedoras sobre os con- recebeu a incumbência de relatar o dos foram os relativos à cessão de
textos históricos, técnicos e político Projeto, encontrando grandes dificul- direitos, às obras realizadas por en-
de sua tramitação, aprovação e san- dades para conciliar as propostas comenda ou em cumprimento ao de-
ção pelo Poder Público. divergentes e os interesses contradi- ver funcional e às obras audiovisuais,
Na verdade a lei de 1973, vi- tórios dos setores envolvidos, os amplamente discutidos para que se
gente até a promulgação do diplo- quais impediam que o processo de pudesse encontrar fórmulas que har-
ma em análise, necessitava ser atu- modernização da legislação brasilei- monizassem os interesses de diferen-
alizada para que suas disposições ra sobre os Direitos de Autor seguis- tes segmentos.
se tornassem adequadas aos novos se seu curso normal. Finalmente, em A aprovação do novo texto pela
meios de utilização das obras, sur- 1997, o projeto do Senado, com to- Câmara dos Deputados teve lugar no
gidos a partir do vertiginoso progres- dos os seus apensos, foi remetido à dia 10 de dezembro de 1997, após 4
so tecnológico que se verificou nas consideração de uma Comissão Es- horas de discussões em plenário,
décadas seguintes à de sua promul- pecial constituída por 40 deputados, com a lamentável supressão dos arts.
gação. tendo sido designado como Relator 104 e 105 do “substitutivo adotado
Algumas iniciativas nesse sen- o próprio Deputado Aloysio Nunes pela Comissão”, que se referiam à
tido foram tomadas no final dos anos Ferreira. Essa Comissão Especial foi compensação pela cópia privada de
1980, tendo sido as mais importan- presidida pelo Deputado Roberto obras e fonogramas em suportes
materiais virgens 2.
Uma vez aprovado na Câmara
dos Deputados, o Projeto foi alvo de
críticas severas que partiam do setor
artístico, fortemente mobilizado con-
Em Direito Autoral a noção de público não pode ser tra as presunções juris tantum incluí-
das nos arts. 36, 37 e 38, relativas às
confundida com a de privacidade, como no caso do direito obras elaboradas em cumprimento ao
dos hóspedes que se encontram em um quarto de hotel. dever funcional, às obras por enco-
Nesse tipo de estabelecimento os apartamentos são postos menda e às obras audiovisuais.
Uma vez devolvido ao Senado,
à disposição de “um público”, que são os hóspedes, que sua casa de origem, o substitutivo já
obviamente têm direito à privacidade e nem por isso o uso não poderia sofrer emendas. As úni-
cas alternativas possíveis, conforme
das obras pode ser considerado privado. determina o Regimento do Congres-
so Nacional, seriam a de sua aprova-
ção na íntegra ou com supressões,
ou então a de sua rejeição como um
todo. Com parecer favorável do
Relator na Comissão de Constituição
tes a que se originou no então atuan- Brant e contou com a participação e Justiça, o substitutivo foi encami-
te Conselho Nacional de Direito Auto- ativa da Vice-presidente, Deputada nhado à votação em plenário no dia 4
ral–CNDA 1 e o projeto, apresentado Jandira Feghali e do Deputado José de fevereiro, durante a convocação
pelo falecido Senador Luís Viana Fi- Genoíno, bem como de parlamenta- extraordinária no período de recesso
lho em 1989, rapidamente aprovado res de diferentes cores políticas. do Legislativo.
em plenário pelo Senado Federal, sem Concluída a árdua tarefa de Na votação em plenário o Pro-
emendas. examinar 34 textos diferentes, muitos jeto foi uma vez mais aprovado por
O Projeto oriundo do Senado, dos quais continham disposições unanimidade pelo Senado, em regi-
que mantinha a estrutura jurídica e inconstitucionais, o Relator refundiu o me de “urgência urgentíssima”, com
técnica da lei anterior, foi encaminha- texto do projeto original do Senado, a supressão dos arts. 36, 37 e 38 já
do à Câmara de Deputados em 1990, incorporando alguns preceitos conti- mencionados, registrando-se críticas
sob o número 5.430, tendo sido acom- dos no “Projeto Genoíno” e apresen- quanto à forma acelerada com que
panhado por diferentes relatores na tando um substitutivo que foi subme- havia sido votado naquela Casa, após
Comissão de Constituição e Justiça tido a debates entre os membros da quase dez anos de letargia na Câma-
e submetido a debates em diversas Comissão, passando em seguida a ra de Deputados e quanto à manu-
audiências públicas. Durante sua lon- uma fase de consultas com os seto- tenção da centralização da gestão
ga tramitação nessa Casa outros 33 res públicos e privados interessados coletiva dos direitos de execução
projetos sobre a matéria foram na matéria. Esse trabalho não se res- pública das obras musicais e fonogra-
apensados ao projeto original e apre- tringiu ao campo técnico-jurídico, mas mas em um escritório central, já que
sentados por parlamentares de dife- também ao de articulação política de o Escritório Central de Arrecadação e
rentes partidos. Alguns deles se res- um acordo que tornasse possível a Distribuição–ECAD havia sido subme-
tringiam a alterar parcialmente a Lei aprovação da nova lei. Durante a fase tido a uma Comissão Parlamentar de
n. 5.988/73 e apenas um deles pro- de consultas, os pontos mais polê- Inquérito na Câmara dos Deputados,

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que se julgou competente para avocar Seguindo a sistemática da Lei tenta) anos, contados a partir de 1º
o exame das denúncias recebidas n. 5.988/73, no art. 5º do Título I – Dis- de janeiro do ano subseqüente ao de
frente à desativação do CNDA. posições Preliminares, a Lei estabe- sua fixação, para os fonogramas; ao
Em 19 de fevereiro de 1998, a lece 21 definições de termos empre- de sua transmissão, para as empre-
Lei n. 9.610 foi sancionada pelo Pre- gados em seu texto, especificando sas de radiodifusão e ao de sua exe-
sidente Fernando Henrique Cardoso, ainda, no art. 6º, que não pertencem cução ou representação pública para
em presença do Vice-presidente da ao domínio da União, dos Estados, os demais casos.
República, Dr. Marco Maciel, dos Mi- do Distrito Federal ou dos Municípios As obras e fonogramas caídos
nistros de Estado da Cultura, da Ci- as obras por eles simplesmente sub- em domínio público são de livre utili-
ência e Tecnologia, da Indústria, do vencionadas. zação, atribuindo-se expressamente
Comércio e do Turismo e de Relações Novas definições foram dadas aos herdeiros dos autores o exercício
Exteriores. Na mesma cerimônia foi aos termos publicação, transmissão dos direitos morais de paternidade,
também sancionada a Lei n. 6.909, ou emissão, fonograma, editor, pro- ineditismo e modificação e ao Esta-
que dispõe sobre a proteção da pro- dutor, radiodifusão, adequadas, em do a defesa da sua integridade.
priedade intelectual de programa de sua quase totalidade, às definições Ressaltamos que nenhuma li-
computador e sua comercialização no dos tratados da Organização Mundial cença não-voluntária foi instituída pela
País. No ato, o Presidente comunicou da Propriedade Intelectual–OMPI nova Lei de Direitos Autorais, que
sua decisão de vetar duas disposi- (Tratado da OMPI sobre Direito de abandonou a única que existia na lei
ções do Projeto n. 5.430/90, a saber, Autor–TODA, e Tratado da OMPI so- anterior (relativa às fotografias) como
o inc. IV do art. 93, considerado ina- bre Interpretações, Execução e também a regulamentação dos deno-
dequado pelo Presidente da Repú- Fonogramas –TOIEF), acrescentando minados “Direitos de Arena”, rarida-
blica ao atribuir aos produtores de também alguns conceitos não-con- de que havia sido incluída no Título
fonogramas os direitos exclusivos templados na legislação anterior, referente aos Direitos Conexos.
dos autores consagrado no art. 29; como os de distribuição e comunica-
e o que se referia à prescrição da ção ao público. 1.2 ASPECTOS CONTRADITÓRIOS,
ação por ato de violação aos direi- As obras intelectuais estão INCONSISTÊNCIAS E OMISSÕES
tos de autor. descritas em nove alíneas, segundo
A Lei n. 9.610 de 19 de feve- as diferentes formas em que foram 1.2.1 AS DEFINIÇÕES
reiro de 1998 foi publicada no Diário criadas: em co-autoria (e não mais em
Oficial da União em 20 de fevereiro colaboração), anônimas, pseudôni- Ao adotar a técnica de enume-
e entrou em vigor em 20 de junho de mas, inéditas, póstumas, originárias, rar uma série de definições dos ter-
1998. Foram revogadas a Leis ns. derivadas, coletivas e audiovisuais. mos de que se utiliza, a LDA come-
6.944 de 1966 e 5.988 de 1998, no A Lei n. 9.610/98 não conside- teu algumas impropriedades e omis-
segundo caso, com exceção dos § rou a presença do Estado no que se sões, correndo o risco de, tal como a
§ 1º e 2º do art. 17, relativos ao re- refere à existência de um organismo lei de 1973, sujeitar-se a uma perma-
gistro, mantendo-se expressamente especializado na matéria e manifes- nente e indesejável necessidade de
em vigor as Leis ns. 6.533 e 6.615 tou-se de forma sucinta e incompleta atualização.
de 1978, que regulamentam as pro- sobre as atividades das entidades de Entre as impropriedades, cita-
fissões de artistas, de técnicos em gestão coletiva. Por outro lado, de- mos a sinonímia estabelecida entre
espetáculos de diversões e de ra- clara expressamente que a proteção os termos “emissão” (de obras ou
dialistas. independe de registro, que será fa- fonogramas por meio da radiodifusão
cultativo e oneroso, remetendo a or- hertziana) e “transmissão” (de obras
1.1 CONSIDERAÇÕES GENÉRICAS ganização desses serviços aos § § ou fonogramas por fios, cabos, fibras
1º e 2º do art. 17 da Lei n. 5.988/73, óticas ou procedimentos análogos),
A Lei n. 9.610/98, que altera, os quais não foram revogados. que correspondem a diferentes direi-
atualiza e consolida a legislação so- O prazo de proteção das obras tos exclusivos definidos nos três pa-
bre Direitos Autorais e dá outras pro- foi estendido a 70 (setenta) anos, post rágrafos do art. 11bis da Convenção
vidências, é composta de 115 artigos, mortem auctoris, contados de forma de Berna3. Tais direitos podem ser
distribuídos em 7 Títulos e regula os objetiva a partir do dia 1º de janeiro exercidos em diferentes momentos
Direitos Autorais, entendendo, sob do ano subseqüente ao do falecimen- para que o autor possa autorizar a
esta denominação os direitos de au- to do autor, observando-se a ordem radiodifusão de sua obra; a comuni-
tor e os que lhe são conexos. Desta sucessória da legislação civil e inde- cação pública da obra radiodifundida
forma, o art. 1º reitera o conceito am- pendentemente do grau de parentes- quando essa comunicação for reali-
plo adotado pela lei anterior para a co do herdeiro ou sucessor. Elimi- zada por um organismo diferente do
expressão “direitos autorais”. nou-se, portanto, o critério subjetivo de origem; e a comunicação pública
Os Direitos Autorais foram re- previsto pela lei anterior, que conce- da obra radiodifundida por meio de
putados expressamente como bens dia a vitaliciedade aos herdeiros de alto-falantes ou outros aparelhos trans-
móveis, conferindo-se aos estrangei- 1º grau, sem resguardar ou descartar missores de signos, sons ou imagens.
ros domiciliados no exterior o gozo os direitos adquiridos por herdeiros e Outra observação a ser feita diz
da proteção concedida pelos acor- sucessores de autores falecidos na respeito à substituição da clássica e
dos, convenções e tratados ratifica- vigência da lei anterior. As obras unanimemente adotada expressão
dos pelo Brasil, em especial no que audiovisuais e fotográficas gozam de “obra em colaboração” pelo uso da
se refere à aplicação de seus dispo- idêntico prazo de proteção, contado fórmula “obra em co-autoria”, que
sitivos aos nacionais ou residentes a partir de 1º de janeiro do ano sub- nada acrescentou ou modificou ao
em países que assegurem reciproca- seqüente ao de sua divulgação. conceito de obra criada em comum
mente a proteção aos brasileiros ou A duração da proteção dos di- por dois ou mais autores, mas que
residentes no Brasil. reitos conexos é também de 70 (se- dificulta o estudo do Direito Compa-

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rado já que apenas na lei brasileira não seria supérflua ou desnecessá- absoluta liberdade de contratação,
essa terminologia é utilizada. ria. Segundo a disciplina do Direito produzindo-se por vezes efeitos con-
Quanto às omissões relevan- de que se trate, sabemos que os con- trários ao pretendidos, como conse-
tes, destacamos em primeiro lugar a ceitos de “público e privado” assu- qüência do desequilíbrio de forças
da definição de “público”, em contra- mem conotações distintas. Na esfera entre as partes envolvidas.
posição ao conceito de “privado”, já do Direito Administrativo e do Direito No caso das obras coletivas,
que a LDA renunciou a esclarecer o Penal, por exemplo, as noções de a lei omite o fato gerador a partir do
que é considerado público para fins “público e privado” nada têm em co- qual o prazo de proteção será com-
da utilização de obras e o que signifi- mum. putado. Embora se possa estabele-
ca uso privado para os efeitos que Em Direito Autoral a noção de cer uma analogia com outros tipos de
lhe são próprios. público não pode ser confundida com obras cuja proteção não depende da
Embora correta ao definir o que a de privacidade, como no caso do vida do autor, a incerteza persiste se
é “comunicação pública” no inc. V do direito dos hóspedes que se encon- considerarmos que as obras anôni-
art. 5º, como o ato mediante o qual a tram em um quarto de hotel. Nesse mas e pseudônimas têm seu prazo
obra é colocada ao alcance do públi- tipo de estabelecimento os aparta- de duração contado a partir de sua
co, por qualquer meio ou procedimen- mentos são postos à disposição de primeira publicação enquanto as
to e que não consista na distribuição “um público”, que são os hóspedes, obras audiovisuais e fotográficas a
de exemplares, a Lei n. 9.610 se con- que obviamente têm direito à privaci- partir de sua divulgação, conceito que
funde no Capítulo II (“Da Comunica- dade e nem por isso o uso das obras também merece reparos por sua fal-
ção ao Público”) do Título VI, referin- pode ser considerado privado. Por ta de precisão.
do-se apenas aos atos de represen- outro lado, para o Direito Autoral, não
tação e execução, que são espécies é importante que os apartamentos de 2 DIREITO DE DISTRIBUIÇÃO
do gênero e esclarecendo, em forma um hotel estejam ocupados ou que o
bastante equivocada, que tais atos público esteja efetivamente utilizan- Esse direito corresponde à fa-
culdade que tem o titular de autori-
zar a posta à disposição do público
de exemplares de uma obra ou fono-
grama, seja ao público em geral ou
a uma parte do mesmo, sobretudo
No que diz respeito ao direito de distribuição, o inc. IV do através de canais comerciais apro-
priados.
art. 5º da Lei n. 9.610/98 define distribuição como a O interesse que desperta o di-
colocação à disposição do público do original ou cópia de reito de distribuição demonstra que,
obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou apesar do anunciado desaparecimen-
to de suportes materiais no mundo
execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação digital, o controle da exploração de
ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou exemplares físicos continua e conti-
nuará a ser de grande importância
posse, o que torna evidente que trata de exemplares físicos. para os criadores, gerando polêmicas
como a da numeração dos exempla-
res, da necessidade de selos ou mar-
cas de identificação.
Mesmo sabendo que a pro-
são aqueles praticados em locais de do as obras que lhe são postas à dis- priedade do exemplar físico da obra
freqüência coletiva, definidos da se- posição, através de aparelhos recep- não confere ao adquirente nenhum
guinte maneira: tores ou reprodutores de obras e direito sobre ela, nem lhe atribui mais
Art. 68, § 3º - Consideram-se fonogramas. Basta que os bens pro- direitos que o de desfrutá-la para seu
locais de freqüência coletiva os tea- tegidos pela LDA estejam disponíveis uso privado, não se pode desprezar
tros, cinemas, salões de baile ou con- para consumo para que se faça ne- o fato de que o comprador de um
certos, boates, bares, clubes ou as- cessária a autorização prévia de seus exemplar posto em circulação de for-
sociações de qualquer natureza, lo- titulares, concedida em troca de uma ma lícita, com a autorização dos titu-
jas, estabelecimentos comerciais e remuneração adequada. lares de direitos, terá um direito so-
industriais, estádios, circos, feiras, Como conseqüência, também bre o exemplar adquirido mediante
restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, a omissão de uma definição sobre uma primeira venda, pela qual foi
hospitais, órgãos públicos da admi- “posta à disposição do público” é re- paga a remuneração requerida.
nistração direta ou indireta, funda- levante e se faz notar em muitos ca- De uma maneira geral, as le-
cionais e estatais, meios de transporte sos, especialmente no que se refere gislações que contemplam de forma
de passageiros terrestre, marítimo, ao direito de distribuição, como vere- expressa o direito de distribuição
fluvial ou aéreo, ou onde quer que se mos mais adiante. admitem sua “exaustão” com a pri-
representem, executem ou transmi- A ausência de qualquer refe- meira venda, o que não implica em
tam obras literárias, artísticas ou ci- rência às obras elaboradas em cum- uma renúncia ao direito por parte do
entíficas. primento ao dever funcional e às autor, mas que possibilita a existên-
O conceito amplo de comuni- obras por encomenda, e de um modo cia de um comércio de segunda mão
cação ao público foi portanto limita- geral, das presunções juris tantum para a revenda de partituras, discos,
do pelo disposto no art. 68 e seus incluídas inicialmente nos arts. 36, 37 livros etc., (conhecidos popularmen-
parágrafos, em virtude da ausência e 38 do Substitutivo, resultou na trans- te como sebos), sem que isso afete
de uma definição que, nesse caso, ferência da matéria ao campo da mais o direito do autor sobre a obra.

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Nessas circunstâncias, nos Por outro lado, o § 2º declara da existência de diversas associa-
encontramos frente às teorias da que compete ao Estado a defesa da ções atuando de forma paralela na
exaustão do direito de distribuição integridade e autoria da obra caída área musical, sem ferir o princípio da
depois da primeira venda, ou seja, da em domínio público, mas não define liberdade de associação, mas limitan-
situação na qual o titular do direito, a autoridade ou órgão público encar- do-se à modalidade de exploração
depois de haver colocado sua obra regado dessa defesa nem os meios em que se dava esse fenômeno, por
no mercado, não pode mais impedir que poderão ser empregados para meio da criação de um organismo
sua circulação, seja no âmbito nacio- seu exercício. Na Lei n. 5.988/73 essa centralizador, de caráter obrigatório.
nal, no qual o direito se exaure so- defesa era de competência do Con- Esse organismo recebeu o nome de
mente no próprio país em que tem selho Nacional de Direito Autoral. Escritório Central de Arrecadação e
origem; regional, no qual o direito se Distribuição – ECAD.
exaure dentro de um mercado regio- 4 LIMITAÇÕES O mesmo diploma legal criou
nal, como é caso da União Européia; também o organismo governamental
ou internacional, no qual o direito se Ao formular o capítulo das li- de consulta e fiscalização, denomi-
exaure para todo o mundo, depois da mitações, a LDA não utilizou uma sis- nado Conselho Nacional de Direito
primeira venda. tematização acorde com a natureza Autoral – CNDA, facultado, entre ou-
O princípio da exaustão, subja- da obra de que se trate nem com a tras atribuições, a expedir autoriza-
cente aos direitos exclusivos de dis- modalidade de utilização a que se ções de funcionamento para as as-
tribuição e de importação, introduz um aplica ou o tipo de suporte em que a sociações de autores, ditando normas
dos mecanismos de comércio mais obra está contida. Não há um esque- de procedimentos a elas e ao ECAD,
importantes nas definições dos direi- ma lógico e em certos casos exage- fiscalizando seu cumprimento, crian-
tos de propriedade intelectual, além ra, ao permitir apenas “a reprodução, do uma instância administrativa ha-
de possibilitar o efetivo exercício do em um só exemplar de pequenos tre- bilitada a interpretar a lei e dirimir os
direito, o que dificilmente ocorre em chos para uso privado do copista, conflitos que lhes fossem submetidos,
sua ausência. desde que feita por este, sem intuito homologando as tabelas de preços e
No que diz respeito ao direito de lucro”, o que representa um em- as regras de distribuição a serem
de distribuição, o inc. IV do art. 5º da pecilho para a criação de um cânon empregadas.
Lei n. 9.610/98 define distribuição compensatório pela “cópia privada”4, Com relação às associações de
como a colocação à disposição do além de não refletir a realidade autores, a lei estabeleceu um modelo
público do original ou cópia de obras sociocultural do País. específico e único de regras esta-
literárias, artísticas ou científicas, in- No art. 48 a lei estabelece que tutárias, relativas à composição de
terpretações ou execuções fixadas e as obras situadas permanentemente seus órgãos diretivos, ao prazo de
fonogramas, mediante a venda, loca- em logradouros públicos podem ser duração dos mandatos, à regulamen-
ção ou qualquer outra forma de trans- representadas livremente, por meio de tação da participação das minorias
ferência de propriedade ou posse, o pinturas, desenhos, fotografias e pro- nos processos eleitorais internos e aos
que torna evidente que trata de exem- cedimentos audiovisuais, sem escla- procedimentos contábeis, entre várias
plares físicos. No entanto, cabe assi- recer o que deve ser entendido por outras questões. Da mesma forma, a
nalar que a LDA não estipulou nenhum “ser representadas” e sem mencionar constituição do ECAD teria de obe-
tipo de exaustão do direito, seja com se outras formas de reprodução fo- decer às regras inseridas na legisla-
alcance nacional, regional ou interna- ram excepcionadas como, por exem- ção, que outorgou ao CNDA poderes
cional, o que consideramos uma im- plo, esculturas de intervenção no ECAD e nas socie-
perfeição a ser corrigida. dades, em determinadas circunstân-
5 EXECUÇÃO PÚBLICA cias.
3 DIREITOS MORAIS Apesar do fato de haver sido
A LDA define execução públi- criado de forma compulsória, por via
No Capítulo referente aos Direi- ca da seguinte forma: Considera-se de lei, o ECAD foi constituído como
tos Morais algumas inconsistências execução pública a utilização de com- uma organização de caráter privado,
se fazem notar nos §§ 1º e 2º do art. posições musicais ou literomusicais, composta por associações também
24, que transferem o exercício de parte mediante a participação de artistas, de caráter privado, encarregadas de
desses direitos respectivamente aos remunerados ou não, ou a utilização sua administração.
sucessores do autor falecido e ao de fonogramas e obras audiovisuais, Ao determinar a centralização
Estado no caso das obras caídas em em locais de freqüência coletiva, por da gestão coletiva, o legislador bra-
domínio público, sem esclarecer im- quaisquer processos, inclusive a ra- sileiro ocupou-se apenas do campo
portantes detalhes. diodifusão ou transmissão por qual- onde se produziam os problemas
Segundo o § 1º do art. 24 os quer modalidade, e a exibição cine- mais sérios na prática do Direito Au-
direitos de paternidade, ineditismo, matográfica. toral, ou seja, com o sistema dos di-
integridade e de retirada de circula- Reiteramos aqui a observação reitos de execução pública musical
ção em determinadas circunstâncias, feita anteriormente quanto ao uso da de obras e fonogramas, muito embo-
em caso de falecimento do autor, são expressão limitativa e inadequada ra, segundo algumas opiniões, a pri-
transferidos aos seus sucessores, “freqüência coletiva” usada em lugar meira intenção do legislador tenha sido
sem que se defina se existe, ou não, do conceito de “público”. a de criar um tipo de federação que
um prazo de duração para o exercí- reunisse todas as categorias de direi-
cio desses direitos. Cabe lembrar que 6 GESTÃO COLETIVA tos, o que afinal não se concretizou5.
os direitos morais são considerados A partir do advento da Consti-
pelo art. 27 como inalienáveis e Desde 1973, com a promulga- tuição Federal de 1988, a recepção
irrenunciáveis, mas não como impres- ção da Lei n. 5.988, o legislador ha- da Lei n. 5.988 no que se refere à
critíveis. via procurado solucionar o problema obrigatoriedade da existência do

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ECAD e à exclusividade de que dis- seus associados para a prática de to- controlados quase sempre por grupos
põe passou a ser discutida, tendo dos os atos necessários à defesa ju- editoriais, que negociam diretamen-
sido a questão levada aos Tribunais dicial e extrajudicial de seus direitos e te o uso de seus catálogos, de for-
por uma das sociedades integrantes, para sua cobrança. No entanto, ape- ma nem sempre considerada trans-
desejosa de criar outra alternativa para sar dessa estipulação, os titulares parente.
a gestão dos direitos. poderão exercer pessoalmente todos Quanto à discussão que envol-
Com a outorga da nova Lei bra- os direitos conferidos por meio desse ve a questão de saber se o ECAD
sileira de 1998 a situação da gestão mandato, prévia comunicação à asso- constitui ou não um monopólio, que,
coletiva pouco se alterou. A Lei n. ciação a que pertençam, tal como dis- aliás, se encontra sub judice, nos
9.610/98 excluiu toda e qualquer re- punha a Lei n. 5.988/73. parece interessante citar o parecer
ferência ao antigo Conselho Nacional Para a gestão coletiva dos di- freqüentemente utilizado pelo ECAD,
de Direito Autoral e não instituiu qual- reitos de execução pública, inclusive de autoria do Professor Celso Bastos,
quer órgão de supervisão, controle ou por meio da radiodifusão, da transmis- que considera que a Constituição
fiscalização das atividades das enti- são por qualquer modalidade e da manifestou o nítido propósito de con-
dades de gestão coletiva, que dis- exibição cinematográfica, as associa- ferir uma proteção ao direito dos au-
pensam uma autorização específica ções permaneceram obrigadas a tores, transferindo à Lei a competên-
para funcionar no País. “manter” um escritório central único cia para encontrar a melhor forma de
Em forma bastante tímida, a lei para a arrecadação e distribuição dos atingir tal objetivo. Ao não haver le-
dispõe que, para o exercício e defe- direitos relativos às obras musicais, são à livre iniciativa e, segundo o
sa de seus direitos, os titulares po- literomusicais e aos fonogramas. Em- mestre, “não cuidar precisamente de
derão associar-se sem intuito de lu- bora não lhe tenha sido atribuído um uma atividade econômica” e sim de
cro, vedando apenas a filiação a mais nome, o órgão centralizador, que dei- um “serviço” de proteção ao interes-
de uma associação para a gestão xou de ter uma relação de subordina- se coletivo que só pode ser defendi-
coletiva de direitos da mesma natu- ção com qualquer órgão público, as- do de forma unificada, não estaría-
reza. Nenhum outro requisito é exigi- sim como as associações, tem a obri- mos em presença de um monopólio.
No caso, a livre concorrência, ao in-
vés de suscitar um melhor atendimen-
to dos autores, deixá-los-ia ao
desabrigo e ao relento, beneficiando,
destarte, apenas as associações que
Com a outorga da nova Lei brasileira de 1998 a situação da conseguissem explorar as obras e
não aos autores 6.
gestão coletiva pouco se alterou. A Lei n. 9.610/98 excluiu Com a devida vênia, conside-
toda e qualquer referência ao antigo Conselho Nacional de ramos que desde 1973, quando o le-
Direito Autoral e não instituiu qualquer órgão de gislador brasileiro criou o ECAD sub-
metendo-o à fiscalização estatal do
supervisão, controle ou fiscalização das atividades das Conselho Nacional de Direito Autoral
entidades de gestão coletiva, que dispensam uma – CNDA, seguiu a definição e o con-
ceito de monopólio e não de serviço,
autorização específica para funcionar no País. sem dúvida alguma. Caso se tratas-
se de um serviço, o ECAD estaria
sujeito à tributação correspondente,
o que não ocorre. É interessante no-
tar que mais de uma década depois,
do às associações para que se cons- gação legal de recolher os valores ar- ao formular um laudo na qualidade de
tituam e exerçam suas funções, o que recadados por via bancária e de obe- assistente técnico dos embargantes,
parece revelar um certo desconheci- decer a poucas regras obrigatórias. nos autos dos embargos a uma ação
mento do importante papel que es- A lei diz ainda que esse escri- judicial interposta pela sociedade
sas organizações desempenham no tório será dirigido e administrado pe- SICAM, o ilustre autoralista João
mundo moderno. Prevaleceu nesse las associações que o integram e não Carlos Muller Chaves haja dito
caso, segundo tudo indica, o enten- terá finalidade de lucro, conferindo taxativamente:
dimento dado aos incs. XVII e XVIII expressamente às associações e ao O autor e seu editor podem
do art. 5º da Constituição Federal, que escritório central a qualidade de subs- estar filiados a associações diferen-
asseguram a plena liberdade de as- titutos processuais dos titulares a eles tes, caso em que o ECAD (que é for-
sociação para fins lícitos, salvo as de vinculados. Aos sindicatos e associ- mado pela totalidade das associa-
caráter paramilitar, e o princípio de ações profissionais que congreguem ções e exerce o monopólio da cobran-
que as associações independem de pelo menos um terço dos membros ça e da distribuição) pagará ao autor
autorização para serem criadas, ve- de uma associação autoral foi facul- a sua parte, através da associação a
dada a interferência estatal em seu tado examinar a exatidão das contas que ele esteja filiado, e pagará ao
funcionamento. prestadas a seus representados por editor através da associação a que
Dispõe a Lei n. 9.610/98 que os meio de um auditor, uma vez por ano pertença. Independentemente do
titulares poderão transferir-se livremen- e mediante notificação com oito dias monopólio da cobrança coletiva, a lei
te, e a qualquer momento, para outra de antecedência. permite que os titulares pratiquem
associação, bastando para tanto uma Tal como na lei anterior, o novo pessoalmente a cobrança e a defesa
comunicação por escrito à associação ordenamento jurídico excluiu do mo- dos direitos autorais (parágrafo único
de origem. Pelo ato de filiação, as as- delo centralizado criado para a área do art. 104), coisa que, na prática,
sociações tornam-se mandatárias de musical os direitos de reprodução, inexiste7...

R. CEJ, Brasília, n. 21, p. 8-15, abr./jun. 2003 13


Examinando por um outro as- OMPI sobre Direitos Autorais, foi ponsabilidade de agentes ou dos ser-
pecto a controvertida questão, pode- acordado que a questão da proteção viços intermediários em casos de vi-
ríamos indagar se alguma outra as- das obras intelectuais postas à dis- olação aos direitos dos autores e dos
sociação poderia atuar, no Brasil, posição do público através de mei- titulares de direitos conexos, no caso
com atividades idênticas às que ele os digitais poderia ser solucionada da proteção jurídica das informações
exerce, o que certamente mereceria pelas legislações nacionais dos paí- sobre a gestão, a lei simplesmente
uma resposta negativa por parte do ses por meio do reconhecimento de transpõe a norma do Tratado da
órgão centralizador que, por vias ju- um direito de comunicação amplia- OMPI sobre Direito de Autor sem es-
diciais, tem impedido que tal fato do, que resultaria da combinação de clarecer a que tipo de informação se
ocorra, aplicando inclusive a penali- vários direitos, em especial do direi- refere ou pretende proteger, o que
dade de expulsão, que não consta to de distribuição, ou por meio do poderia e deveria ter sido feito.
de seu Estatuto, a algumas socie- estabelecimento de um novo direito Resta ainda à nossa legisla-
dades que pretenderam criar um sis- específico. ção, portanto, definir a natureza da
tema paralelo. No que se refere aos direitos transmissão digital, que inclui um
Ao garantir a manutenção do de comunicação pública, o art 8º do ato de reprodução com caráter de
privilégio da exclusividade para um Tratado consagra um direito exclusi- direito exclusivo, os diferentes ní-
único setor da gestão coletiva, por vo de autorizar qualquer comunica- veis de responsabilidade dos
mais que tal decisão seja legitimada ção ao público das obras por meios prestadores de serviços, sejam pro-
pelo interesse dos autores, o Esta- que utilizem, ou não, cabos ou fios, vedores de conteúdo ou intermedi-
do brasileiro abandonou as prerroga- compreendida a posta à disposição ários e criar condições favoráveis
tivas que anteriormente se havia re- do público, de tal forma que os mem- para que a LDA cumpra corretamen-
servado e que ofereciam garantias bros do público possam a elas ace- te seus objetivos.
de transparência e equilíbrio frente der desde o lugar e no momento que
ao interesse público, à cultura e ao cada um deles a escolha. Com essa 8 A PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CIVIL
desenvolvimento social da popula- definição, ficou claro que o novo con- POR OFENSA AOS DIREITOS DE
ção. Enquanto isso, todas as legis- ceito de comunicação compreende- AUTOR E EVENTUAIS
lações do continente prevêem a exis- ria a transmissão interativa e a ofer- CONTRADIÇÕES FACE AO CÓDIGO
tência de organismos governamen- ta de serviços “a pedido”, o que em CIVIL
tais que, além das tarefas de super- certos casos pode significar a pre-
visão, servem como intermediárias sença convergente do direito de re- Como mencionamos na pri-
em alguns tipos de conflitos, inter- produção, sempre que a obra se en- meira parte do presente estudo, ao
pretam as disposições legais, con- contre reproduzida na base de da- sancionar a Lei n. 9.610/98, o Presi-
tribuem para o aprimoramento das dos original ou quando o destinatá- dente Fernando Henrique Cardoso
instituições e da legislação nacional, rio da obra efetue uma cópia da mes- vetou o art. 116 do “Substitutivo
bem como participam da elaboração ma. No mesmo sentido se expressa Adotado pela Comissão”, que se
de novos convênios e tratados inter- o Tratado da OMPI sobre Interpreta- referia à prescrição da ação por vi-
nacionais sobre a matéria. ções e Fonogramas. olação aos direitos de autor, no pra-
Sob a égide da Lei n. 5.988/ A lei brasileira, que é poste- zo de cinco anos, contados a partir
73, o antigo CNDA realizou um im- rior aos referidos tratados, adotou da ciência da infração. Ao não ser
portante papel de promoção e nor- parte da agenda digital mas não so- possível o efeito repristinatório da
malização do Direito Autoral, prati- lucionou antigos problemas referen- regra geral do Código Civil, substi-
cando algumas intervenções nas so- tes a definições inadequadas e como tuída em matéria de Direito Autoral
ciedades e no próprio ECAD, todas já foi mencionado, não definiu o que pelo art. 131 da Lei n. 5.988, surge
elas motivadas por questões contá- é considerado público para fins da mais uma inconsistência na nor -
beis. Vale ressaltar que durante a utilização de obras. Nesse sentido, mativa sobre a matéria, que agora
primeira das duas intervenções à o autoralista Marcos Alberto Bitelli as- deverá ser estudada à luz do novo
que o ECAD foi submetido, realiza- sinala que a falta de acuidade e ob- Código Civil.
da na gestão do então Presidente jetividade nesse caso é tão grande A mesma referência ao Códi-
José Carlos Costa Netto com o pro- que as batalhas judiciais vêm se acu- go Civil se aplicaria ao disposto no
pósito de sanear as finanças do es- mulando no Poder Judiciário8 . art. 39, que determina que os direi-
critório, foi implantado o primeiro sis- A transposição da agenda di- tos patrimoniais do autor, excetuados
tema informatizado de distribuição gital dos Tratados da OMPI, no caso os rendimentos resultantes de sua
mensal e simultânea dos direitos da Lei n. 9.610 de 1998, foi feita de exploração, não se comunicam, sal-
autorais e conexos, que prestou re- forma incompleta também sob outros vo pacto antenupcial em contrário.
levantes serviços à coletividade por aspectos, como o que diz respeito à A Lei n. 9.610 de 19 de feve-
muitos anos. falta de adequação ou de normas de reiro de 1998 é, portanto, a Lei que
ajuste para a aplicação das limita- foi possível no momento de sua apro-
7 A AGENDA DIGITAL ções ao entorno digital, o que torna- vação, mas não a lei ideal para re-
ria inócua, por exemplo, a permis- ger os bens intelectuais aos quais
Convém recordar que, embo- são para a reprodução apenas para se destina, em um país de extrema
ra ainda não os haja ratificado, nos- pequenos trechos para uso pessoal riqueza criativa e mercado de dimen-
so País participou ativamente de to- do copista. sões consideráveis. A crítica feita
das as discussões dos Tratados da Ao mesmo tempo em que não neste trabalho tem a intenção de cha-
OMPI, que já se encontram em ple- existem definições para as diferen- mar a atenção para os aspectos con-
na vigência no plano internacional. tes atividades que envolvem o uso traditórios e negativos que, de ne-
Durante a elaboração desses instru- de criações intelectuais em ambien- nhuma forma, lhe retiram qualidade
mentos, em especial o Tratado da te digital, muito menos quanto à res- ou modernidade.

14 R. CEJ, Brasília, n. 21, p. 8-15, abr./jun. 2003


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1 Lei n. 5.988 de 14 de dezembro de 1973 –


“Art. 116 – O Conselho Nacional de Direito
Autoral – CNDA é o órgão de fiscalização,
consulta e assistência, no que diz respeito a
direitos do autor e direitos que lhe são
conexos”. O CNDA foi desativado no início
do mandato do ex-presidente Collor de Mello.
2 O cânon compensatório pela “cópia privada”
foi adotado pela primeira vez pela legislação
alemã em 1965 e tem por base o §2º do art.
9º do Convênio de Berna.
3 O Brasil aderiu ao Convênio de Berna de
1886, em 1922, e sua revisão de Paris de
1971 foi aprovada pelo Decreto Legislativo
n. 94 de 4/12/1974. Foi convertida em lei
interna por meio do Decreto n. 75.699,
promulgado em 6 de maio de 1975 pelo
Presidente Ernesto Geisel que diz: E havendo
a referida Convenção entrado em vigor, para
o Brasil, em 20 de abril de 1975, decreta:
Que a Convenção, apensa por cópia ao
presente Decreto, seja executada e
cumprida tão inteiramente como nela se
contém. Observe-se que a parte substantiva
do Convênio de Berna tornou-se obrigatória
entre os Estados, e não apenas entre
particulares, mediante sua incorporação pelo
acordo TRIPS.
4 Lei n. 9.610/98 – Art. 46, inc. II.
5 TEIXEIRA, Vera e EGÉA , Maria Luiza.
Administração Coletiva de Direitos Autorais
© 1994 “Prêmio Jurídico CISAC de 1994”.
6 O jurista Celso Bastos é Professor da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo e da Universidade Estadual Paulista e
o parecer citado tem data de 10 de outubro
de 1994.
7 Laudo técnico apresentado pelas empresas
embargantes EMI, Sony e outras à 19ª Vara
Cível da Comarca do Rio de Janeiro, datado
de 21/12/1994
8 CAMARGO VIANA, Rui Geraldo e ANDRADE
NERY, Rosa Maria B. de. A inserção do Direito
do Autor na CF, artigo publicado em “Temas
de Direito Civil na Constituição Federal, (org)
São Paulo: RT, 2000”.

ABSTRACT

The authoress analyzes the adversary


aspects and the relevant omissions of the Law n.
9,610/98, commenting on the historical, technical
and political contexts during its proceduring,
approval and sanction by the Public Power.
She draws attention to the imperfections
of the terminologies of the Copyright Law, as she
quotes the absence of legal definition regarding
the concepts of public, for the utilization of works,
and private ones for their own purposes.
She concludes that the Law n. 9,610/
98, despite not being the ideal to rule the
intellectual goods which are its purposes, in a
country that owns an extreme creative wealth
and it is a market of considerable dimensions,
was the one possible within the historical moment
of its approval, for such negative aspects haven’t
removed its quality and modernity.

KEYWORDS – Law n. 9,610/98 – Vanisa Santiago é Perita da Organiza-


Copyright Law; National Council of Copyright – ção Mundial da Propriedade Intelectual –
”CNDA; ECAD”. OMPI e Advogada no Rio de Janeiro-RJ.

R. CEJ, Brasília, n. 21, p. 8-15, abr./jun. 2003 15

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