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Ernesto Sabato, Marcel Duchamp e a Mona Lisa de bigode e cavanhaque.

Em um dos capítulos do seu livro de memórias, Antes del Fin (1998), o escritor argentino
Ernesto Sabato narra seu envolvimento, ainda adolescente, com o anarquismo e depois com o
comunismo. Recorda como ele, assim como tantos outros jovens, no final dos anos vinte, ainda
nutriam grandes esperanças em relação à revolução russa, que em meio da “crise total da
civilização que se ergueu no Ocidente pela primazia da técnica e dos bens materiais”, parecia
representar “a liberdade do homem”.

Outra crise, pessoal – vinculada ao seu humanismo e à sua análise filosófica – logo o afastaria
do partido comunista, tornando-o um opositor do stalinismo. Em 1951, aparece seu ensaio
“Homens e Engrenagens”, no qual defende a ideia de que capitalismo e comunismo faziam
parte da mesma civilização “da razão e da máquina”, cuja origem se encontraria no
Renascimento, que, ao final, “fez do homem uma engrenagem de uma gigantesca maquinaria
anônima”.

No desenvolvimento dessa concepção histórica, Sabato sofreu grande influencia das


vanguardas artísticas do começo do século XX, sobretudo do surrealismo, cujo “valor moral”
residia para ele na “sua força destrutiva contra os mitos de uma civilização esgotada”.

A figura abaixo é uma cópia da obra de Marcel Duchamp, denominada “L.H.O.O.Q.”. O artista a
fez em Paris, em 1919, como um “ready-made”, colocando bigode e cavanhaque em uma
reprodução da Gioconda, de Da Vinci. Considerada logo em seguida como um “atentado contra
o símbolo da arte tradicional”, esta e outras obras de Duchamp são o grande exemplo do “valor
moral” que Sabato atribuía à arte que criava “por negação” aos mitos da civilização ocidental.
Marcel Duchamp, explica Manfred Schneckenburger, proclama “a arte como uma questão de
definição, como um termo arbitrário”.

Proclama, enfim, a liberdade do ser humano.

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