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ANTONIO CANDIDO, [TALO CARONI, MICHEL LAUNAY i oa nr AFD AUrEE Zea we fi — (om | @,4y as BNNs 2S eee. 4 ON, mii) we | Gabe wa i SS a Ti y ial , | y . i 1 ney i Me Pale | A experiéncia da Universidade de Sao Paulo | ne 023067 LEE SE eS ee ae eee, JUS I O FRANCES INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO Anténio CANpIpo pp MELLO E Souza ‘Tradugéo do francés de Diva B. Damato Alguns tracos gerais parecem-me sugestivos, ou con- tribuem na minha opinido, para dar um cunho bem caracteristico as influéncias que recebemos da cultura francesa a partir da independéncia dos paises da Amé- rica Latina, Nesta perspectiva, creio distinguir quatro tragos que~ me parecem importantes: em 1.° lugar, o fato de que para nés a cultura francesa tenha sido mediadora; em seguida, de que ela tenha desempenhado um papel que, nos paises de civilizagiio tradicional, coubera a cultura classica; em 3.° lugar, que ao contacto com os povos subdesenvolvides da América Latina, ela se re- velou mais aberta, menos ligada aos interesses das classes ¢ dos grupos do que qualquer outra, dentre as gue vieram modificar e enriquecer nossa triplice heran- ca ibérica, amerindia e africana; enfim, que a cultura francesa, intimamente elaborada pelo espirito critico e pelo espirito de pesquisa, € um bom instrumento do desenvolvimento cientifico, Falemos primeiramente da fungao mediadora, que permitiu que as influéncias francesas se superassem, ganhando um sentido mais humano e mais universal. Na realidade, a Franca nao se limitou a transmitir sua cultura; mas ajudou a transmitir outras e favoreceu 9 também relagdes culturais auténomas entre os diferen- tes paises latino-americanos, Uma parte consideravel do que temos aprendido desde 0 inicio do século XIX, constitui-se de produ- tos diretos da cultura francesa e de elementos trans- mitidos pela lingua francesa. Nossos romanticos leram Byron por intermédio de Amédée Pichot, e Goethe através de Gérard de Nerval. Salvo raras excegdes, as epigrafes de Schiller ou do pseudo-Ossian que enca- becam seus poemas est&éo em versdo francesa. Esta transmisséo mediatizada era freqtientemente de- puracdo, uma vez que todo produto cultural sofre de- formag6es inevitaveis no seu processo de difusdo. Desta forma, eu diria que assimilamos também as lacunas francesas, uma vez que as traducées e interpretacées eram algumas vezes deformantes e até empobrecedoras, Foi assim que o complexo pensamento de Hegel se tornou conhecido aqui através de divulgadores como Verén, que o reduziu e simplificou muito arbitraria- mente. & preciso lembrar ainda que é por intermédio das tradugdes francesas que a América latina tomou conhecimento de um fato marcante: a revelagaio do ro- mance russo a partir de 1880, Ora, estas traducées, segundo os especialistas, embora de grande significag&o intelectual, deformavam os textos, 0 que alids foi cor- tigido por volta de 1930 pelos préprios franceses, isto é, pela competéncia de pessoas t&o ciosas de precisio como Henri Mongault e outros. A mediacao da Franga significou, portanto, para nés, a possibilidade de nos pormos em contacto com outras culturas. Mas creio poder afirmar que servin de me- diador também entre nés mesmos. Os escritores modernistas brasileiros dos anos 20 conheceram bem cedo o grande poeta chileno Vicente Huidobro, porque este escrevia em francés, em revis- tas francesas, que chegavam diretamente de Paris, A primeira viséo organica e unitaéria do conjunto dos nossos paises foi talvez difundida entre nés gragas ao livro: Les Démocraties en Amérique latine, escrito em 10 francés pelo peruano Francisco Garcia Calderén e pu- blicado em Paris, nos primeiros anos do século XX, com prefacio de Raymond Poincaré que era entao Pre- sidente do Conselho de Ministros, & comprovado o fato de que freqiientemente os intelectuais latino-ame- ricanos se conhecem pessoalmente, assim como seus livros, gracas & Franga quando nao na prépria Franca. E isto sé tem se modificado a partir dos ultimos dez ou guinze anos, Esta mediagéio em varios niveis nos leva ao segundo ponto, & substituigdo das culturas classicas pela cultura francesa, mas principalmente das linguas classicas pela lingua francesa no que se refere a formagio intelectual da América latina. Agueles que ainda hoje lutam em nossa terra pelo desenvolvimento dos estudos classicos séo, na verdade, dignos do nosso respeito. Mas € preciso considerar que estes estudos sé podem ser encarados corretamente como uma especializagaéo a mais, e nao como o suporte, ae ou o restabelecimento de uma fungio de formagao ge- yal que nunca tiveram entre nés. O latim e em parte © grego tiveram na Europa uma funcao privilegiada porque eram a via de acesso a um universo cultural de uma certa forma completo e auto-suficiente. Através deles se podia adquirir nocées cientificas ainda tteis, uma filosofia que era a propria base de toda a reflexao, uma literatura que constituia o modelo supremo. For- neciam, além disso, através da Historia Antiga, os ins- trumentos necessarios & construgéo de uma visdo do mundo, Tendo o desenvolvimento de nossos paises coinci- dido com 0 surgimento da era industrial e com a trans- formagio radical das visées do mundo, tornou-se ne~ cessaria a escolha de outros instrumentos lingiiisticos capazes de nos por em contacto com as fontes da nova cultura, Na realidade, o grego e o latim nfo tinham mais condicdes de desempenhar esse papel; e como en- i

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