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0 POS-COLONIAL E 0 #0S-MODERNO A QUESTAO DA AGENCIA (Para alguns de n6s 0 principio de indeterminaglo que tora ‘sondiive! a liberdacle consciente do homem, Jcques Denia, “My Chances" /“Mes Chances"* A SOBREVIVENCIA DA CULTURA A critica p6s-colonial € testeunha das forgas desiguais ¢ irregulares de representacao cultural envolvidas na competigao pela autoridade politica ¢ social dentro da ordem do mundo modemo. As perspectivas pds-coloniais emergem do teste- munho colonial dos paises do Terceiro Mundo ¢ dos discursos das “minorias" dentro das divisoes geopoliticas de Leste Oeste, Norte e Sul, Flas intervém naqueles discursos ideol6- gicos da modemidade que tentam dar uma “normalidade” hegem@nica ao desenvolvimento itregular € as histérias dife- renciadas de nagdes, ragas, comunidades, povos. Elas formulam suas revisdes criticas em torno de questdes de diferenga cultural, autoridade social ¢ discriminacao politica a fim de revelar os momentos antagonicos ¢ ambivalentes no interior das “racionalizagdes’ da modemnidade. Para adaptar Jiirgen Habermas ao nosso propésito, podemos também argumentar que 0 projeto pés-colonial, no nivel tedrico mais geral, procura explorar aquelas patologias sociais — “perda de sentido, condigdes de anomia” — que j4 nao simplesmente GF “se aglutinam a volta do antagonismo de classe, [mas sim} fragmentam-se em contingéncias histricas amplamente dispersas?? Essas contingéncias sao freqiientemente os fundamentos da necessidade hist6rica de elaborar estratégias legitimadoras de emancipacio, de encenar outros antagonismos sociais, Reconstituir © discurso da diferenga cultural exige nao apenas uma mudanga de contetidos ¢ simbolos culturais; uma substituigao dentro da mesma moldura temporal de repre- sentagio nunca é adequada. Isto demanda uma revisto radical da temporalidade social na qual historias emergentes possam ser escritas; demanda também a rearticulago do “signa” no qual se possam inscrever identidades culturais. Ea contingéncia como tempo significante de estratégias contra- hegemOnicas nao é uma celebrago da "falta" ou do “excesso”, ou uma série autoperpetuadora de ontologias negativas. Esse “indeterminismo” é a marca do espago conflituose mas produtivo, no qual a arbitrariedade do signo de significacao cultural emerge no interior das fronteiras reguladas do discurso social. Nesse sentido salutar, toda uma gama de teorias criticas contemporaneas sugere que € com aqueles que sofreram o sentenciamento da histéria — subjugacao, dominagao, dia pora, deslocamento — que aprendemos nossas ligdes mais duradouras de vida € pensamento. Ha mesmo inte de que a experién marginalidade social — como ela emerge em formas culturais mao-candnicas — transforma nossas estratégias criticas. Ela nos forga a encarar 0 conceito de cultura exteriormente aos objets d'art ou para além da canonizacio da “idéia” de estética, a lidar com a cultura como produgao irregular e incompleta de sentido ¢ valor, freqtientemente composta de demandas € Préticas incomensuriveis, produzidas no ato da sobtevivencia social. A cultura se adianta para criar uma textualidade sim- bélica, para dar a0 cotidiano alienante uma aura de indivi- dualidade, uma promessa de prazer. A transmissio de culturas de sobrevivéncia nio ocorre no organizado musée imaginaire das culturas nacionais com scus apelos pela continuidade de ilo" auténtico e um “presente” vivo — seja essa escala uma convicgio crest afetiva da de valor preservada nas tradigdes “nacionais” organicistas do romantismo ou dentro das proporgées mais universais do classicismo. A cultura como esiratégia de sobrevivencia é tanto transna- cional como tradutria, Ela € transnacional porque os discursos pos-coloniais contemporaneos estao enraizados em histérias especificas de deslocamento cultural, seja como “meta-passagem” da escravidao ¢ servidio, como “Viagem para fora” da misao civilizat6ria, a acomodacao macica da migragio do Terceito Mundo para o Ocidente apés a Segunda Guerra Mundial, ou 0 trnsito de refugiados econdmicos ¢ politicos dentro ¢ fora do Terceiro Mundo. A cultura € tradut6ria porque essas historias espaciais de deslocatriento — agora acompanhadas pelas ambigdes territoriais das tecnologias “globais" de midia — tornam a quest2o de como a cultura significa, ou o que é significado por cultura, um assunto bastante complexo, ‘Toma-se crucial distinguir entre a semelhanga ¢ a similitude dos simbolos através de experiéncias culurais diversas — a literatura, a arte, o ritual musical, a vida, a morte — ¢ da especificidade social de cada uma dessas produgdes de sentido em sua circulagio como signos dentro de locais contextuais € sistemas sociais de valor especificos. A dimensao. transnacional da transformagao cultural — migragao, diéspora, deslocamento, relocagio — torna o processo de traducao, cultural uma forma complexa de significagio, O discurso natural(izado), unificador, da “nagio”, dos "povos" ou da tradigto “popular” auténtica, esses mitos incrustados da parti cularidade da cultura, ndo pode ter referéncias imediatas. A grande, embora desestabilizadora, vantagem dessa posigio & que ela nos torna progressivamente conscientes da construgao da cultura e da invengao da uadigao. A perspectiva pés-colonial — como vem sendo desenvolvida por historiadores cuiturais © te6ricos da literatura — aban- dona as tradigdes da sociologia do subdesenvolvimento ou da “dependéncia’, Como modo de anilise, ela tenta revisar aquelas pedagogias nacionalistas ou “nativistas” que estabelecem a rela¢io do Terceiro Mundo com o Primeiro ‘Mundo érn uma estrutura bindria de oposigio. A peripectiva p6s-colonial resiste a busca de formas holisticas de explicagao teo ea

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