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Nuno Portas Paulo Catriea Vitor Silva B. Denis Calis Francesc Mufior Xavier Costa Ricardo Matos Cabo Stephen Bana Georges Teysot Georges Didi- Huberman Maria Nordman Bernardo Rodrigues Francisco Traps Carmelo Chiaramonte Robert Van Ruyssevelt, IN SI°TU WB Revista de Cultura Urbana ~ Paisagem #0.3 ¢ #0.4 O homem que caminhava na cor CAMINHAR NO DESERTO Esta fibula comega com um lugar desertado, 0 nosso personagem principal (mas sera que se pode chamar a isso um personagem?). E uma ssestancia onde corpos vio buscando eada um 0 seu despovoador.«Suficientemente vasto para permitir que se procure em vio». *Suficiente ‘mente restrito para que qualquer fuga seja val © nosso personagem secundirio sera, singular ‘entre outros, alguém que vai palmilhando o lu- gar, um homem que caminba. Caminha sem fim ~ uns quarenta anos a fio, segundo parece, mas como a sua faculdade de contar os dias bem de- ppressa se exgotou, 0 tempo real da sua eaminhada jf nada tem que ver com o tempo verosimilmente decorrido; di consigo, pois, num eaminhar sem fim, num caminhar sem fim na auséncia de qualquer tragado, de qualquer rota. O objecto da sua caminhada no é uma destinaglo*, mas um destino. Afinal de contas, talvez, provavelmente até, mais ndo teré feito do que andar as voltas, Sem o saber ow farto de o saber, nao sei (© lugar desta marcha vagarosa é um gigantesco monocromo. E um deserto, (fig. 1) O homem caminha no amarelo ardente da areia, © este amarelo ja nao tem limites para ele. O homem (0 que sera efectsumente esta superficie colovda «que nd estava aqui antes? Nato si, nunca vi nada asin. Parece alo sem relat com a arte, pelo menos se ‘as minhas ecordases da arte sdo exacts. S. Becket, Trois dialogues (1949), Paris, Minuit, 1998. p. 30. ‘caminha no amarelo e percebe que © proprio horizonte, por muito nitido que seja, lao fundo, jamais the serviré de limite ou de «moldura> tle bem sabe, agora, que para lé do limite visvel 60 mesmo lugar torrido que hi-de continuar sempre, idéntico © amarelo, até ao desespero. E ‘0 céu? Como poders ele trazer algum remédio a ‘esta clausura colorida, ele que nio propde sento uma chapa de cobalto ardente, impossvel de olhar de frente? Ele que obriga 0 nosso caminhant curvar a nuca para um solo cada vez mais cru? Em determinados momentos, porém, ¢ homem ceansado apercebe-se de que algo mudou: a tex tura da ateia ja nfo é a mesms gumas rochas emengiram; um cinzento cinza, uma imensa veia de ferrugem ocuparam a paisagem, Quando se tera dado esta mudanga? Desde quando & que ‘© monte esti diante dele? Nao sabe. Por veres imagina que a moldura do monoeromo, o limite centre o amarelo esmagador de hi trés semanas amarelo de hoje terdo somente sido trazidos pelo vento, signo tietil de uma passa gem, signo talvez de que cle estava a beira de um horizonte da cor. Ou signo de que € apenas 0 deserto que vive e se move sob os seus pés.

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