Você está na página 1de 2

AQUAMAN: BANHO NA CONCORRÊNCIA OU UM BALDE DE AGUA FRIA?

========================================================

É um pouco dificil definir o filme "Aquaman", estrelado por Jason Momoa e dirigido
por James Wan, em cartaz desde dezembro de 2018. Digo isso por que me trazem vários
elementos que me são desconfortáveis, insuficientes para tornar o filme tão
lucrativo quanto ele vem se tornando - 1 bilhão de faturamento e ainda contando.
Mas o que torna este filme um "peixe fora d'água" em relação aos demais que a DC
tentou emplacar no cinema sem muito sucesso? Ou será que ele é só mais um banho de
água fria nas altas expectativas?

Não é fácil apontar e julgar. Aquaman, foi o modo da DC de dizer "não queremos mais
um universo compartilhado" - ele ainda tem vínculos com os filmes anteriores (como
Mera relembrando Artur sobre o Lobo das Estepes), mas ele é feito inteiramente para
funcionar sozinho. De fato, Aquaman rejeita parte de sua aparição em Liga da
Justiça e corre para uma apresentação mais individual. "Shazam", próximo filme da
DC a sair no cinemas já é considerado "fora" do Universo Compartilhado. Então, como
uma experiência, pode-se dizer que o filme funciona.

Visualmente temos uma película mais colorida e aberta, carregada de humor. O humor
não me incomodou: de fato, achei bem dosado. Mas o visual dos atlantes e seu reino
submerso são um tanto... carnavalescos. Tudo é multicolorido e berrante, palhetas
absurdas até mesmo para criaturas com bioluminiscencia. Nada contra o fucsia ou o
verde neón, mas elas poderiam serem apresentadas de forma mais suave e menos
luminosa. Os efeitos fazem o filme ser uma mistura de "Tron" com "Max Steel", com
uma computação forçada e muito visível às vezes. Os efeitos de flutuação, por
exemplo, funcionam muito bem em planos fechados (palmas para os cabelos que flutuam
na água), mas em planos abertos, ele fica evidente e inverossímel.

O filme retrata muito bem o fundo do mar, que é repleto de vida e formas. Cardumes
de pequenos peixes estão sempre a se movimentar entre as pessoas, assim como
animais marinhos maiores a flutuar no plano de fundo. A areia e os corais respondem
a presença dos atores muito bem, assim como os reflexos da luz na água. Pena que o
mesmo não acompanha a grande cidade real de Atlântida, que é limpa e simplista
demais em sua concepção, lembrando qualquer série de ficção científica de médio
orçamento que você possa ter assistido. Não agrega nenhuma novidade como fez
Wakanda retro-tecnológica ou ainda a beleza e a imponência do paraíso de
Themyscira. Parece que o design foi para o fundo do mar mesmo.

E por falar em desandar, que raios de trilha sonora é essa? Uma tentativa de
produzir um fundo eletrônico, distorcido é nada mais que um arranhar sem sentido,
feito por Rupert Gregson-Williams. Parece que ele colocou a música pra tocar
embaixo dagua e seja lá o que saiu, foi o que acabou tocando no filme. Impossível
desenvolver qualquer emoção por este trabalho, que muda de uma hora pra outra e sem
sincronismo algum com a cena. Não consigo acreditar que este é o mesmo compositor
do filme Mulher-Maravilha.

Por último, deixo dois tópicos que, na minha opinião, são o coração de um filme:
roteiro e direção. O primeiro é fraco, cheio de buracos e consegue se manter graças
o empenho dos atores para com seus personagens. Jason Momoa nos entrega um Aquaman
com um pé em "Novos 52", um rebelde inconsequente cheio de carisma, cujo direito ao
trono é claro desde o início, mas nunca desejado por aquele que se sente rejeitado
pelo seu próprio mundo. De fato, Momoa surpreende com um protagonista cheio de
empatia e força. Amber Heard é uma Mera independente, que não precisaria ser o par
romântico do herói, mas o filme trata de fazê-lo rapidamente como se o mesmo
precisasse de uma donzela em perigo, mesmo que Mera prove várias vezes que ela não
precisa ser salva.

Adiciona-se uma "caça ao tesouro" desnecessária, que tenta trazer o passado de


Atlântida à tona, mas naufraga. O Arraia Negra, interpretado por Yahya Abdul-Mateen
II é absurdamente mal construído. Sua existência para a história é quase nula e
deveria ter ficado restrito à cena pós-credito. Já o vilão principal da trama, rei
Orm (o Mestre dos Oceanos e meio-irmão de Aquaman, interpretado por Patrick Wilson)
é insonso e não representa nenhuma adversidade ao herói. Peso negativo que eu dou
ao roteiro, uma vez que Patrick foi capaz de papéis excelentes em A Invocação do
Mal e Sobrenatural, ambos sob a direção de Wan.

O segundo ponto, a direção, não chega a ser de todo ruim, mas poderia ser bem
melhor. James Wan é um diretor muito competente, mas em Aquaman ele se mostra como
um marinheiro tentando controlar o timão de um barco preso em uma tempestade: o
esforço é grande, mas o resultado é pequeno. A fotografia ajuda bastante, e a forma
da narrativa parece acertada, mas o filme perde um pouco de liga na segunda metade,
fazendo o restante ser um pouco indigesto. A duração do filme é excessiva e não
ajuda. Mesmo assim, James Wan já ganha pontos por não ter feito um filme sombrio
como os que a DC tem por hábito de produzir. E a dosagem de humor é feita de forma
correta, não sendo apelativo. A direção cria uma atmosfera de herói não
convencional que não é esperada, mas é bem vinda.

Aquaman não causa o impacto que gostariam, mas é um filme mais livre das amarras
dos padrões DC que estamos acostumados. Para um herói sempre ridicularizado por
falar com os peixes (poder muito bem empregado no filme), ele apresenta bem mais
que isso. Infelizmente não basta, por que apesar de algumas braçadas para se manter
na superfície, falta fôlego e afunda. Não sei se vale o ingresso do cinema, talvez
valha a pena vê-lo em outra ocasião. Em tempo: o rei do Povo da Salmoura é dublado
por John Rhys-Davies, o Gimli de Senhor dos Anéis. E o monstro Karathen tem sua voz
feita por ninguém menos que Julie Andrews!

Você também pode gostar