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Dados Internacionais de Catalogacao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Munduruku, Daniel O carater educativo do movimento indigena brasileiro (1970-1990) / Daniel Munduruku. - Sao Paulo : Paulinas, 2012. - (Colegao educacao em foco. Série educagao, ae cultura) Bibliografia. ISBN 978-85-356-3304-7 1. Povos indigenas - Brasil 2. Povos indigenas - Cultura 3. Povos indigenas -Educagio 4. Povos indigenas- Historia 1. Titulo. II. Série 12-10516 CDD-306.089981 indices para catalogo sistematico: 1, Cultura indigena brasileira : Sociologia educacional 306.089981 2. Movimento indigena brasileiro : Carater educativo : Sociologia educacional 306.089981 1 edicdo - 2012 Direcdo-geral: Bernadete Boff Editora responsavel: Maria Alexandre de Oliveira Assistente de edigdo: Rosane Aparecida da Silva Copidesque: Ana Cecilia Mari Coordenagao de revisio: Marina Mendonga Revisao: Ruth Mitzuie Kluska Assistente de arte: Ana Karina Rodrigues Caetano Gerente de producao: Felicio Calegaro Neto Projeto grafico: Telma Custodio Editoragao eletrénica: Wilson Teodoro Garcia Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletr6nico ou mecanico, incluindo fotocépia e gravagao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissao escrita da Editora. Direitos reservados. 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Essa politica estava a servico dos interesses nacionais de de- senvolvimento e integra¢ao nacional, que também escondia a intengao de explorar as riquezas presentes no solo e subsolo das terras tradicional- mente ocupadas por nossos povos. Do ponto de vista dos indigenas, os acontecimentos que os afetavam nao tinham repercussao na midia nacional, tornando-os isolados na luta pela defesa de seus direitos. Cada povo afetado pelas frentes de expansao acabava sendo vitimado por ondas de violéncia cada vez mais intensas € nocivas, sem ter consciéncia de que tal devastacao cultural fazia parte da politica desenvolvimentista patrocinada pelo capital internacional e executada pela recém criada Fundagio Nacional do {ndio. O que poderia ter sido interpretado como alivio para nossos povos era, na verdade, mais um golpe contra os interesses indigenas. Também vimos que no inicio da década de 1970 a Igreja Catdlica iniciou uma postura distinta em relagéo aos nossos povos. Ou seja, 209 passou a defender os pobres e desvalidos da terra, assumindo um novo modelo de atuacao pastoral em que mudava radicalmente de lado, comprometendo-se com as classes menos favorecidas. Essa mudanca de orientagao pastoral foi responsvel, entre outras coisas, pela criacgio do Conselho Indigenista Missionério (Cimi), em 1972, que passaria a atuar junto aos povos indigenas como parceiro politico em suas lutas por terra e pelo direito de continuarem indigenas e, assim, se defenderem da politica integracionista oficial. A atuagao do Cimi foi pautada ~ neste primeiro momento ~ pela organiza¢ao de assembleias, que reuniam lideres indigenas provenientes de diferentes regides brasileiras e que favoreciam debates e discusses sobre problemas comuns que afetavam seus povos: luta pela terra, participacao na elaboragao da politica indigenista oficial e, especialmente, a necessidade de uniao entre os diferentes povos. Era 0 inicio da formatagao de uma consciéncia nacional pan-indigena, que ia além dos interesses locais de cada grupo. A medida que essas assembleias se multiplicavam durante a década de 1970, iam revelando a existéncia de conflitos ocasionados pela politica oficial e oferecendo a exata dimensao da situac3o indigena brasileira, além de motivar os lideres presentes nesses encontros a entenderem a necessidade de criar uma articulacao muito mais abrangente que os tradicionais lagos de familia e de clas. Também nao podemos nos esquecer de que tudo isso aconteceu gracas a uma ressignificagao do termo indio como definidor da identidade indigena nacional. Esse termo — sempre usado como algo negativo - fez parte da “constituigéo de uma nova unidade, composta de um niicleo interno em’ que se aloja a nova identidade padronizada, e fora dele, uma exterioridade que lhe é oposta, mas essencial para sua afirmagdo” (CARNEIRO, 2004, p. 39). Perceberam a evolugao da mobilizaca4o indigena, parentes? Foi justamente esta mobilizacdo que cimentou a construcio de articulagdes ainda maiores e mais abrangentes no cendrio brasileiro. Esse “campo de possibilidades” levou a fundagao da Unido das Nagdes Indigenas (UNI), em 1982, que, como ja vimos anteriormente, teve 0 apoio de diversas entidades da sociedade civil e que objetivou articular todos os povos na luta pelos seus direitos inalienaveis. A UNI conseguiu importantes conquistas, especialmente a de ter possibilitado a criagdo de outras tantas entidades indigenas Brasil afora, 210 assim como “trouxe para o povo brasileiro e para o mundo cheiro de indio, cara de indio, impressao sobre o indio, expectativa”, como afirmou Ailton Krenak. Além disso, ela fomentou debates, discusses, estratégias de atuacdo, culminando na aprovac4o do artigo 231, que definiu uma nova abordagem da tematica indigena e obrigou o pais a aceitar a presenca definitiva de nossos povos nessa terra ancestral. Fiz esta sintese, parentes, para poder introduzir 0 tema central deste livro. Desejo falar sobre 0 carater educativo do Movimento Indigena. Ou seja, pretendo dizer quais as repercussdes que toda essa mobilizagdo suscitou na vida brasileira, na juventude indigena e em nossos povos. Ora, quando pensamos 0 movimento social como um todo, notamos que sempre ha mudangas ocorrendo, pois se trata de mobilizagdes que interferem diretamente nos rumos da histéria. Tudo estava ordenado — segundo a otica oficial — para que os povos indigenas deixassem de existir enquanto entidades aut6nomas. A orquestragao oficial era para que em poucos anos 0 Brasil se tornasse uma unidade nacional e seus habitantes fossem apenas brasileiros, sendo suprimida a diversidade étnica. Se tudo se passasse como pensavam os tedricos do governo militar, a unidade nacional estaria garantida e o Brasil se tornaria um pais desenvolvido, livre da presenga dos seus “primitivos” habitantes. No entanto, nao foi isso que aconteceu. A sociedade civil se rebelou contra essa biopolitica ou biopoder' - que nao vitimava apenas os indigenas —e reagiu possibilitando a tomada de consciéncia e a aquisigao de instrumentais tedricos por parte das liderangas que, por sua vez, disseminavam entre seus pares uma visdo nova de participacao na historia brasileira. Ou seja, a atuacao do movimento social obrigou a historia escrita até entao a mudar de rumo ¢ o Brasil a acolher — ainda que compulsoriamente — seus primeiros habitantes. Isso é muito importante para compreendermos como a tomada de consciéncia esta intrinsecamente ligada ao processo de apoderamento do mecanismo ou instrumental teérico ocidental. Esta capacidade de alargar os horizontes mentais para enxergar de forma mais clara 0 entorno, © nacional, exigiu nova postura e redimensionamento do que era, até entio, dado como verdade. 1 “A nogdo de biopoder emerge na reflexao foucautiana no contexto da discussio sobre o poder sobre a vida e a morte” (CARNEIRO, 2004, p. 72). 211

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