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OBSERVACOES PARA UMA TEORIA GERAL DAS IDEOLOGIAS* Thomas Herbert ‘Comecemos por lembrar os resultados aos quais acreditamos ter chegado ao final do estudo precedente!. A proposicdo geral sobre a qual nos apoiamos é que tada ciéncia - Este texto, assinado Thomas Herbert, publicado originalmente nos Cahiers pour Fanalyse, n° 9, em 1967, tem uma relagio fundamental com os trabalhos que indo instaurar 0 territério da Andlise de Discurso da Escola Francesa, fundada por M. Pécheux. Estes trabalhos (de T, Herbert ¢ M. Pécheux), introduzinde a nogée de discurso, marcario uma diferenga com 6 estruturalisme, tal qual, pela introdugio da nogio de funcionamento (M. Pécheux, 1969) que permite aliar estrutura © acontecimento. Faz ainda parte desse desenvolvimento, uma outra claboragio da nogio de ideologia, marcada pela sua relago com a linguagem, conde esti pressuposta, por sua vee, a relago, eatre si, do marxismo, com a psicanélise € com a linguistica, a. Inés grandes regiGes te6ricas da virada do >éculo. Em M. Péchcux (1969) € de se notar, particularmente, a re- significagio que ele produz das nogées de metonimia e metifora - ji anunciadas neste texto que traduzimos de T. Herbert - através do trabalho do feito metaférico no dispositive analitico que procura construir, acentuando a importancia da hist6ria eda ideologia. Nele, metéfora ¢ ideologia ni so desvios, mas o cee mesmo do proceso de produgo de sentides. A “incompreensio” do que esta forma de anélise introduce como- critica (e como dificuldade) lem silenciade o ponto nodal em que se introduzem as consideragéies histérico- ideol6gicas. Dirfamos entéo, repetindo M. Pécheux (1975), que este € 0 ponto em que a lingoistica tem a ver Rua, Campinas, 1-63-89, 1995 64 Observagdes para uma teoria geral das ideologias qualquer que seja seu nivel atual de desenvolvimento ¢ seu lugar na estrutura teérica - € produzida por um trabalho de mutacio conceptual no interior de um campo conceptual ideol6gico em relagie ao qual ela toma uma distincia que Ihe da, num s6 movimento, 0 conhecimento das errincias anteriores e a garantia de sua prépria cientificidade. Nesse sentido, toda cigneia ¢ inicialmente ciéneia da ideologia da qual ela se destaca?, ‘Tinhamos por auiro lado constatado que o aparecimento de uma nova prt cientifica nae devia ser compreendido como 0 efeito de um toque de génio, de uma intuicdo originiria do real (Newton diante de sua famosa macieira), mas de um trabalho tedrico que chega - em certas circunsténcias que dizem respeito menos ao "valot” individual dos trabalhadores do que ao estado conjuntural do campo que se Ihes oferece = a vencer as resistencias ("obstdculos" na terminologia de Bachelard) que asseguravam & ideologia sua inviolabilidade, Isso nos havia conduzido a duas ordens de observagées: a) De um lado, convinha distinguir em uma ciéncia, qualquer que ela seja, 0 momento primeiro da *transformagio produtora” do objeto dessa ciéncia, pelo qual ela se di a palavra, ¢ © momento segundo da "reproduc metédica" de seu objeto, pelo qual ela explora, do interior, 0 seu discurse, para testar sua coeréncia. O primeiro. momento aparecia dominado por um trabalho de tipo "tedrico-conceptual", destinado a subverter o discurso ideolégico natural "dado". O segundo momento pode ser qualificade de "conceptual-experimental", na medida em que estabelece os fendmenos que essa citncia, produz (torna visiveis). Tinhamos com isso constatado que, para as disciplinas nas quais a fase “te6rico-conceptual” havia sido inconsideradamente recoberta pela pritica com a filosofia © com as cigncias das formagdes sociais, Ponto que no é um fecho, jf que a questo do sentido & uma questi aberta. Certamente, esse texto, dado o fato de que ele foi escrito em 1967, trag em si os tragos de um discurso marcado pela canjuntura disciplinar de entio, sem no entanto perder a forga teGrica do deslocamento de que € 0 sintoma (NDT). T +Reflextes sobre a situacio tedrica das cincias sociais ¢, especialmente, da psicologia social", Cahiers gour tAnalyse, 2, p. 174-203. ‘As notas de rodapé dio conta de certas crit passive, reparar os erros que elas apontam, 38-38 quais o texto primitive dava Iugar, ¢ tentam, tanto quanto Rua, Campinas, 1:63-89, 1995 Thomas Herbert 65 "conceptual-experimental" - como 6, singularmente, o caso das "ciéncias sociais” -, 0 efeito de ruptura em telagio 2 ideologia nao havia sido produzido, ¢ que, conseqtientemente, a experimentagio reproduzia esta afirmando sua realidade ilusdria (efeito de "realizaeao do real"). ) De outro lado, tinhamos avangado a necessidade de discernir, dentre as resisténcias ao trabalho tedrico, formas diferenciais devidas & relagao que o dominio correspondente mantém com a estrutura da formacio social: de onde a distincio entre as ideologias de tipo "A", a propésito das quais se exerce uma resisténcia local (uma ideologia tenta se passar por uma ciéncia, produzir os efeitos dela ¢ recolher seus beneficios), © as ideologias de tipo "B", cuja resisténcia esti estruturalmente ligada a estrutura da sociedade como tal, onde elas desempenham © papel de cimento, E sobre esta duple forma da resisiéncia ideolégica que nos propomos retornar, para identificar, tio precisamente quanto possivel, as causas desta dualidade ¢ as -conseqiiéncias que ela implica. © trabalho anteriormente efetuado nos forneceu alguns esclarecimentos que podem servir de ponto de partida. As ideologias de tipo "A" apareceram no curso da ansilise como produtos derivados da pratica técnica emplirica (haviamos especialmente desenvolvido sobre este ponto © exemplo da Alquimia). As ideologias de tipo "B" se tevelaram como as condigées indispensdveis da prdtica politica, condighes que. se realizam sob forma de combinagées varidveis segundo as formagées sociais. Constata-se que essa diferenca remote a diferenga estrutural fundamental que constitui a esséncia de todo modo de producao, a saber, a diferenca entre forcas produtivas ¢ relagdes de producdéo. Mostraremos em seguida todas as conseqiiéncias dese ponto de partida, as quais, digamos desde ja, nJo consistem de modo algum numa interpretagio "economicista” dos mecanismos ideolégicos*, 3 Ao pé da letra, ¢ falso falar de uma “préticn técnica” oposta A *pritica politica”, ja que toda tec econdmica, politica ox ideol6gica, € um elemente dentro da estrutura de uma pritica. O que esti em jogo nfo &, pois, uma impassivel “pritiea técnica” oposia a uma “pritiea politica” de onde toda técnica estaria ausente: sio 08 efeitos diferenciais: produzidos pela dominincia do elemento técnico na estrutura "A" © pot seu Rea, Campinas, 1:63-89, 1995

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