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I

INTRODUÇÃO

1º O direito das sociedades

● O objecto do direito das sociedades

O Direito das sociedades é o ramo jurídico-positivo que regula as sociedades e


as questões conexas.Além disso, a mesma expressão designa a área da Ciência do
Direito que estuda, explica e aplica as normas e os princípios atinentes a esse ramo.
As sociedades dizem-se , ainda hoje e no Direito português, civis ou
comerciais.As sociedades podem assumir forma civil : são sociedades civis puras ou
sociedades civis sob a forma civil, regendo-se pelos artigos 980º e ss. Do Código Civil.
Mas podem assumir, ainda, forma comercial : as sociedades civis sob a forma
comercial, reguladas pelo Código das Sociedades Comerciais, em total similitude com
as próprias sociedades comerciais.
As sociedades civis sob forma civil – ou sociedades civis puras – não disfrutam
de uma definição legal.Apenas ocorre, no art. 980º do Código Civil, uma noção de
contrato de sociedade.
Pelo contrário, as sociedades civis sob forma comercial e as sociedades
comerciais estão formalizadas: não dependem nem da origem, nem do que visem.
Segundo o art. 1º/2, são sociedades comerciais: “ aquelas que tenham por objecto a
prática de actos de comércio e adoptem o tipo de sociedade em nome colectivo, de
sociedade por quotas, de sociedade anónima, de sociedade em comandita simples ou de
sociedade em comandita por acções.
Dois elementos : um material, que deriva da prática de actos de comércio, como
objectivo e um formal, que emerge da adopção de um de cinco tipos societários. Este
último é, porém, determinante : a entidade que adpote um tipo de sociedade comercial
rege-se pelo Direito das sociedades, mesmo quando, por objecto exclusivo, tenha a
prática de actos não-comerciais – art. 1º/4.

Capítulo I – A Evolução histórica das sociedades

Pág.29 a 84

Capítulo II – A experiência portuguesa

Pág. 85 a 124

Capítulo III – Fontes e doutrina das sociedades

Pág. 125 a 176

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PARTE I
DAS SOCIEDADES EM GERAL

Capítulo I – Dogmática básica das sociedades


Secção I – Generalidades, elementos e princípios
15º Sentido da dogmática societária

● O sistema de fontes

As fontes aplicáveis às sociedades articulam-se num sistema complexo.


Tomando como arquétipo uma sociedades anónima, haverá que recorrer,
sucessivamente:
- ao Direito imperativo e, designadamente:
- às regras específicas sobre a sociedade anónima em causa;
- às regras contidas no título IV do Código das Sociedades Comerciais – art.
271º e seguintes
- às regras contidas no título I – parte geral – desse mesmo Código;
- às regras do Código das Sociedades Comerciais aplicáveis aos casos
análogos – 2º, 1ª parte
- aos princípios gerais do mesmo Código e aos princípios informadores do
tipo adoptado – 2º, 3ª parte;
- às regras do Código Civil sobre o contrato de sociedade – 2º, 2ª parte;
- à analogia e à norma criada dentro do espírito do sistema – art. 10º/1 e 3 do
Código Civil.
- ao contrato de sociedade e aos estatutos, sempre que esteja em causa matéria
não regulada por lei ou tratada em meras normas legais supletivas;
- às deliberações dos sócios
- ao Direito supletivo
O sistema de fontes societários varia, depois de acordo com o tipo
concretamente em causa.

● Substrato obrigacional e substrato organizacional

A dogmática básica do Direito das sociedades lida com dois grandes substratos
interligados : o obrigacional e o organizacional.
Quando duas ou mais pessoas se encontram com um projecto societário, elas
actuam em duas vertentes:
- assumindo obrigações umas para com as outras ;
- fixando um quadro de organização que, depois, irá desenvolver novas
actuações produtivas.
O modo por que se conectem estes dois substratos é variável. Teoricamente, o
substrato obrigacional será máximo nas sociedades civis puras, vindo a diminuir,
sucessivamente nas sociedades em nome colectivo, por quotas e anónimas. Também
teoricamente, esse mesmo substracto varia na razão inversa do substracto
organizacional.

● Elementos civis e comerciais

Em termos históricos e culturais, o Direito das sociedades adveio, como vimos,


do Direito comercial.

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Resulta daí, que o Direito das sociedades lida, primacialmente, com diplomas
“comerciais”.
O Direito das sociedades apela, ainda e continuamente, ao Direito civil. Desde
logo, fá-lo no plano regulativo:
- directo: o regime das sociedades civis, previsto nos artigos 980º e seguintes do
Código Civil;
- indirecto : sempre, que, nos termos do art. 2º, 2ª parte, haja que,
subsidiariamente, recorrer ao Direito civil.

16º Os princípios gerais das sociedades

● A autonomia privada

O primeiro e mais significativo dos princípios das sociedades é o da autonomia


privada.
A autonomia privada conhece vários planos de delimitação. Podemos isolar os
seguintes:
- os limites gerais dos negócios jurídicos : a lei, bons costumes e ordem pública;
trata-se de uma realidade de ordem geral e que emerge no art. 56º /1, al. d), a propósito
de deliberações nulas;
- os limites induzidos dos vectores profundos de ordem jurídica, expressos pela
regra da boa fé; eles ocorrem, por exemplo, no art. 58º/1, al.b), ainda que
implictamente, no campo das deliberações abusivas;
- os limites derivados de regras injuntivas dirigidas às sociedades em geral;
- os limites próprios dos tipos societários considerados.
A autonomia privada está ainda ligada à propriedade privada : sem esta, a
autonomia não teria qualquer realização prática.

● A boa fé e a tutela da confiança

A boa fé exprime, em cada situação concreta, os valores fundamentais da ordem


jurídica.
A boa fé opera, por vezes, através de princípios mediantes. Destes, o mais
significativo é o da tutela da confiança. Contracenando com a autonomia privada, a
tutela da confiança opera em defesa das representações legítimas de continuidade que os
diversos operadores jurídicos sempre colocam nas múltiplas ocorrências em que
assentam a sua actividade.
A boa fé e a tutela da confiança operam através de cláusulas gerais.
Designadamente, elas delimitam o campo das deliberações, vedando as “abusivas” – art.
58º/1, al.b), ou seja : as que contundam com os valores fundamentais.
A boa fé e a tutela da confiança operam, ainda em numerosos dispositivos
destinados a proteger terceiros que entrem em contacto com a sociedade e que, sem
culpa, desconheçam aspectos em presença. Vamos referir:
- a invalidade proveniente dos vícios elencados no art. 52º/3 não pode ser oposta
a terceiro de boa fé;
- a declaração de nulidade ou a anulação de deliberações sociais não prejudica os
direitos adquiridos de boa fé por terceiros – art. 61º/2 ;
- a nulidade da fusão não afecta determinados actos – art. 117º/1.

● A igualdade e a justiça distributiva

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No moderno Direito das sociedades, operam vectores de igualdade e de justiça
distributiva. É certo que, em princípio, vigora a regra do voto por capital, por oposição
ao voto por cabeça.
Vamos recordar alguns institutos :
- a proibição de pactos leoninos – art. 22º/ 3;
- a regra de participação nos lucros e perdas de acordo com a participação no
capital – art.22º/1
- a necessidade de convocação de todos os sócios para a assembleia poder
deliberar validamente – art. 56º/1, al.a) – ou de todos terem sido convidados para haver
voto escrito – al.b);
- as restrições quanto ao voto plural – cf. Art. 531º

● Controlo do Direito sobre a economia : a concorrência e tutela das minorias

Deve ficar claro que o Direito,particularmente na área sensível das sociedades,


tem valores próprios e assume-os contrariando, se necessário, reconhecidas leis
económicas.
Também a tutela das minorias se inscreve nesta perspectiva. A igualdade entre os
sócios poderia levar a um estrangulamento das minorias pelas maiorias. Procurando
evitá-lo, a lei determina diversas soluções que atribuem, a sócios minoritários, poderes
que ultrapassam os que lhes adviriam da mera proporção do capital detido.Assim e
como exemplos:
- os sócios que representem 5% do capital social podem requerer a designação
de representantes especiais, em acções de responsabilidade – art. 76º/1;
- sócios que representem 5% do capital social podem propor acção social de
responsabilidade contra os administradores – art. 77º/1;
- diversas deliberações exigem ou podem exigir maiorias qualificadas ou,
mesmo a unanimidade – art.86º/1

● O modo colectivo ; a autonomia funcional e patrimonial e a limitação dea


responsabilidade

Finalmente, devemos ter presente que as sociedades funcionam em modo


colectivo, isto é, as regras básicas não se dirigem directamente a seres humanos – os
vários que podem entender e dar execução a comandos ético-juridicos – mas a entes
colectivos. O modo colectivo implica, na generalidade dos casos, a personalidade
colectiva.
Consequência directa do modo colectivo em que funciona o Direito das
sociedades é a existência de autonomia funcional e patrimonial. Assim:
- as sociedades prosseguem fins próprios e detêm objectos formalmente seus ;
além disso, dispõem de esquemas destinados à elaboração de uma vontade que lhes é
imputada;
- as sociedades dispõem de um património próprio, o qual, preferencial, ou
mesmo exclusivamente, responde pelas suas dívidas.
Em termos práticos e económicos, as sociedades implicam uma limitação do
risco ou da responsabilidade das pessoas nelas envolvidas. Com efeito, a autonomia
patrimonial leva a que os sócios não respondam directa e imediatamente pelas dívidas
sociais – art. 997º/2 e 3 do Código Civil e 175º/1 do Código das Sociedades Comerciais
– ou não respondam de todo – artigos 197º/1 e 271º, ambos do CSC. No primeiro grupo

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teremos sociedades ditas de responsabilidade ilimitada ; no segundo, de
responsabilidade limitada.

17º Elementos das sociedades

● Generalidades ; a pluralidade de sócios

O Código das Sociedades Comerciais não dá uma definição de sociedade


comercial. O seu art. 1º /2 aponta para uma noção geral de sociedade, desde que com
um objecto especial (“… a prática de actos de comércio …”) e com uma forma
específica (“…e adoptem o tipo de…”). A noção geral será a civil, tal como emerge do
art. 980º do Código Civil.
Segundo uma enumeração tradicional, as pessoas colectivas compreenderiam os
seguintes elementos:
- pessoal;
- patrimonial;
- teleológico;
- formal.
O elemento pessoal traduz o factor humano subjacente à pessoa considerada ; o
patrimonial reporta-se ao conjunto de bens que a sirvam ; o teleológico exprime a
finalidade do ente colectivo ; o formal corresponde à concreta configuração ou
organização revestida pela entidade em jogo.
O art. 980º do Código Civil, relativo às sociedades comuns, prevê a intervenção
de “ duas ou mais pessoas”. A sociedade seria, assim, uma pessoa colectiva de base
associativa, à qual corresponderia uma pluralidade de sócios.
Dando corpo a essa regra, o art. 7º/2 dispõe : “ o número mínimo de partes de
um contrato de sociedade é de dois , excepto quando a lei exija número superior ou
permita que a sociedade seja instituída por uma só pessoa.”
O nº 3 desse mesmo preceito legal esclarece que, para o efeito indicadao, contam
com uma só parte as pessoas cuja participação social for adquirida em regime de
contitularidade.
Quanto à exigência de um número de sócios superior a dois : o art. 273º/1 indica,
para as sociedades anónimas, o mínimo de cinco sócios, salvo quando a lei o dispense.
E a dispensa ocorre, segundo o nº2 desse artigo, perante sociedades em que o Estado
“…directamente ou por intermédio de empresas públicas ou outras entidades
equiparadas por lei para esse efeito…” fique a deter a maaioria do capital. Nessa altura,
bastarão dois sócios.
A pluralidade de sócios surge no art. 9º/1, al.c), segundo o qual devem constar
do contrato “ de qualquer tipo de sociedade”, os nomes ou firmas de todos os sócios
fundadores. E ainda como decorrência primordial da pluralidade de sócios, temos a
apontar:
- as decisões das sociedades são tomadas por deliberação – art. 53º e seguintes
- para tanto, há que seguir regras específicas de convocação – art. 56º/1, al. a) – e
de informação – art. 58º/1, al.c)
- as diversas sociedades prevêem uma assembleia geral equivalente ao
colectivo dos sócios – art. 189º/1, 248º/1 e 373º/1 – sendo o modelo básico constituido
pelas assembleias gerais das sociedades anónimas.
Os sócios podem , em princípio, ser pessoas singulares ou colectivas, como se
infere do art. 9º/1, al.a), quando refere “nomes” ou “firmas”.

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● Segue ; as sociedades unipessoais

A pluralidade de sócios nem sempre se verifica. Assim poderá suceder mercê de


eventos naturais ( a morte) ou de fenómenos jurídicos ( a exoneração): uma sociedade
poderá ir perdendo os seus sócios, ao ponto de ficar com apenas um. A solução imediata
seria passar-se logo à dissolução da sociedade. A lei entendeu, todavia que nessa
eventualidade, seria mais indicado conceder um prazo para que a situação de
pluralidade fosse reconstruída – art. 142º.
Esse prazo de um ano poderá ainda ser majorado através do “prazo razoável” a
conceder pelo tribunal, nos termos do art. 143º.
O dispositivo apontado mostra que, durante um periodo temporalmente limitado,
a sociedade pode subsistir sem pluralidade de sócios. As próprias sociedades civis puras,
nos termos do art. 1007º, al.d) podem manter-se, durante 6 meses, como sociedades
unipessoais.
No campo dos grupos, a lei admite que uma sociedade possa constituir, por
escritura pública, uma sociedade anónima de cujas acções ela seja inicialmente a única
titular – art. 488º/1. O advérbio “inicialmente” poderia sugerir que a situação de
dominio total é meramente transitória. Mas não:
- o domínio total superveniente vem tratado no art. 489º em moldes que não
deixam dúvidas quanto à sua subsistência; designadamente, o nº 4 prevê o fim da
relação de grupo sem prescrever propriamente qualquer esquema que a isso conduza;
- as aquisições potestativas, previstas no art. 490º, seja por iniciativa os sócios
que alcancem os 90% e podem provocar a compra ads posições dos sócios livres (nº3),
seja por iniciativa destes últimos, que podem levar a maioria a adquirir as suas posições
(nº 5) conduzem – ou podem conduzir, à unipessoalidade.
Devemos adiantar que, perante o fenómeno dos grupos de sociedades, a lei prevê
mecanismos que tutelem os valores societários em presença. Assim, por força do
art.491º, temos os eguintes dispositivos:
- a sociedade dominante responde para com os credores da dominada, nos
termos do art. 501º;
- a sociedade dominante responde para com a dominada pelas perdas desta, por
via do art. 502º
- a sociedade dominante tem o poder de dar instrução – art. 503º
- os administradores da sociedade dominante têm deveres e responsabilidades
directamente perante a sociedade dominada – art. 504º
No caminho da unipessoalidade, o último passo foi dado pelo Decreto-Lei nº
257/96 de 31 de Dezembro, que introduziu, no Código das Sociedades Comerciais, o
capítulo III, titulo III intitulado sociedades por quotas unipessoais–art. 270º-A a 270º-G.
As sociedades por quotas unipessoais podem advir:
- da concentração, num único sócio, de quotas antes pertencentes a várias
pessoas- art. 270º-A/2;
- de uma constituição originária por um único sócio – art. 270º-A/4
Em qualquer dos casos, a situação de unipessoalidade deve constar de
documento (escritura pública, quando estejam em causa bens cuja transmissão exija
forma solene) e está sujeita a registo e a publicações – art. 270º-A/7 – não produzindo
efeitos antes deles. A própria firma exprime a situação da unipessoalidade : deve conter
a locução “sociedade unipessoal” ou a palavra “unipessoal” antes da palavra “Limitada”
ou da abreviatura “Lda.” Nos termos do art. 270º- B.

● O património

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No contrato de sociedade civil, as partes – os sócios- ficam obrigados a
contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade que não
seja de mera fruição – art. 980º, do Código Civil. Há assim, uma entrada de bens para a
sociedade – art. 981º/1. As “coisas sociais” têm um determinado regime de uso – art.
989º - e pelas dívidas sociais respondem a própria sociedade e os sócios, pessoal e
solidariamente – art. 997º; todavia, o sócio demandado pode exigir a prévia execução do
património social – idem 2. Dissolvida a sociedade, procede-se à liquidação do seu
património – art. 1010º
Passemos, agora, às sociedades comerciais. Estas não são definidas : todavia,
não oferecerá dúvidas a aplicabilidade da ideia geral do art. 980º do Código Civil : a
contribuição com bens ou serviços para a actividade comum estará sempre presente. As
sociedades comerciais têm a capacidade necessária para prosseguir o seu fim – art. 6º/1.
A obrigação de entrada vem regulada com algum pormenor – art. 25º e seguintes
– ficando a sociedade a dispor de bens – cf. Artigos 31º e 32º. Havendo dissolução da
sociedade, passa-se à liquidação que irá dar destino aos seus bens – ao seu património –
art. 146º e seguintes.
Diversos preceitos permitem, em certas condições, o diferimento de entradas ou
de parte delas – art. 202º/2 e 277º/2, quanto a sociedades por quotas e anónimas,
respectivamente.

● O objecto

A sociedade civil pura visa o “exercício em comum de certa actividade


económica”, segundo o art. 980º do Código Civil. Trata-se do factor teleológico do ente
societário, numa ideia que podemos ainda exprimir falando no “objecto”, no “ escopo”
ou no “fim” social.
A sociedade visa obter lucros – art. 980º do Código Civil e 21º/1, al. a) do
Código das Sociedades Comerciais.
O objecto da sociedade deve constar obrigatoriamente dos seus estatutos – art. 9º
/1 , al. d) do Código das Sociedades Comerciais. E ele deve manter-se , durante toda a
vida da sociedade : basta ver que a sua realização completta ou a sua ilicitude
superveniente constituem casos de dissolução imediata dos entes societários – art. 141º,
al.c) e d).
Num plano técnico, o objecto da sociedade deve ser correctamente redigidi em
língua portuguesa – art. 14º/1 ; o nº 2 desse preceito explicita que estão em causa as
actividades a exercer pela sociedade. Tal objecto irá determinar a própria capacidade da
sociedade – art. 6º /1.
O objecto das sociedades comerciais deve traduzir-se na prática de actos de
comércio : é o que resulta, de resto do art. 1º/2.
O objecto da sociedade pode abranger :
- uma ou mais actividades principais
- actividades secundárias
- actividades acessórias
A actividade principal exprime o objecto essencial da sociedade
considerada.Distinta da actividade principal é a actividade secundária. Também ela é
consignada nos estatutos sociais, embora subordinadamente. Quando as actividades
principais se tornem impossíveis, as secundárias, não fariam sentido ; a menos que se
verificasse uma alteração do objecto social. As actividades acessórias não estão
especificadas nos estatutos. Todavia, elas incluem-se no objecto social, como exigência
das boas regras da interpretação, à luz da boa fé.

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● O elemento formal ; a tipicidade

Com isto chegamos ao último dos elementos apontados: o formal. A sociedade


comercial deve assumir uma das formas previstas no próprio Código das Sociedades
Comerciais. A civil quedar-se-á pelo disposto nos artigos 980º do Código Civil.
A tipicidade das sociedades tem diversas implicações. Ela conduz:
- a um numerus clausus de sociedades;
- a uma natureza delimitativa de cada tipo ;
- à limitação da analogia
Quanto ao numerus clausus : não são possíveis esquemas societários não
previstos na lei. Torna-se possível, pela interpretação apurar concretamente quantos e
quais os tipos societários existentes.
A natureza delimitativa de cada tipo recorda que, por uma razão de elementar
consciência jurídica, as regras próprias de cada tipo não podem ser afastadas pela
autonomia privada.
Não é possível o recurso à analogia para constituir tipos diferentes dos previstos
na lei:uma situação considerada ou cai no tipo e não há lacuna ou cai fora dele e então,
não sendo comercial, não tem de procurar solução à luz do Direito das Sociedades.
O que sucede se forem desrespeitados os limites impostos pela tipicidade das
sociedades? A invalidade das sociedades dispõe de um regime especial : art. 36º e seg.
Se se tratar de uma sociedade congeminada pelas partes que não possa integrar um tipo
societário comercial e que não esteja registada, resta concluir pela sua natureza não-
comercial. A licitude da situação seria, depois, aferida á luz do Direito civil, este nos
diria se se poderia tratar de uma sociedade civil ou se estaríamos perante uma realidade
diversa. Se estiverem em causa elementos de uma sociedade qualificável como “
comercial”, mas ainda não registada, teremos de verificar se é possível com recurso às
regras da redução ou da conversão dos negócios jurídicos, fazer desaparecer a solução
desviante: isso feito, a sociedade é comercial. Estando a sociedade registada e tratando-
se de uma sociedade de capitais, segue-se o regime do art.42º.
Pergunta-se até onde vão as exigências da tipicidade ou, noutros termos: quais
são as normas conformadoras do tipo societário? Tratar-se-á de normas imperativas.
Mas nem todas as normas imperativas estarão em causa. Com efeito, há normas que
devem ser respeitadas pelas partes mas que, ou por serem comuns a todos os tipos
sociais ou por se reportarem a aspectos muito particulares do tipo considerado não
integram, propriamente, o tipo societário.
O problema tem consequências práticas: as normas instituidoras do tipo não
comportam aplicação analógica.
O tipo societário é integrado por normas que têm a ver com os pontos seguintes:
- a conformação da firma
- o regime de responsabilidade por dívidas
- as regras básicas atinentes às participações sociais.

Secção II – A doutrina das pessoas colectivas


18º A personalidade colectiva

● A posição adoptada

A pessoa colectiva é antes de mais, um determinado regime, a aplicar aos seres


humanos implicados. Estes podem ser destinatários directos de normas ; mas podem-no
ser, também , indirectamentem, assim como podem receber normas transformadas pela

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presença de novas normas, agrupadas em torno da ideia de “ pessoa colectiva”. No caso
de uma pessoa de tipo corporacional, os direitos da corporação são direitos dos seus
membros. Simplesmente, trata-se de corporação são direitos dos seus membros.
Simplesmente, trata-se de direitos que elas detêm de modo diferente do dos seus direitos
individuiais.
Em Direito, pessoa é, pois sempre, um centro de imputação de normas jurídicas,
isto é: um polo de direitos subjectivos, que lhe cabem e de obrigações, que lhe
competem. A pessoa é singular, quando esse centro corresponda a um ser humano; é
colectiva em todos os outros casos. Na hipótese da pessoa colectiva, já se sabe que
entrarão, depois, novas normas em acção de modo a concretizar a “ imputação” final
dos direitos e dos deveres. Digamos que tudo se passa, então, em modo colectivo : as
regras, de resto inflectidas pela referência a uma “ pessoa”, ainda que colectiva, vão
seguir canais múltiplos e específicos, até atingirem o ser presente, necessariamente
humano, que as irá executar ou violar.

19º A ordenação das pessoas colectivas

● Pólos, classificações e tipologias

As pessoas colectivas evoluíram em torno de pólos, ao sabor de problemas


concretos.
Um pólo de desenvolvimento autónomo é constituído pelas sociedades
comerciais e, dentro destas, pela sua matriz: as sociedades anónimas. Boa parte das
regras atinentes ao regime interno das pessoas colectivas, com relevo para as técnicas de
funcionamento das assembleias e para a validade e eficácia das deliberações e que hoje
pertence às diversas pessoas colectivas de base associativa, foi aperfeiçoada no domínio
das sociedades anónimas. Outro tanto seria possível dizer a propósito da fiscalização e
das firmas e denominações. Um segundo pólo, de base aontratual, adveio das
sociedades civis, mais precisamente do contrato de sociedade. O papel da vontade das
partes, é aí aperfeiçoado. Um terceiro, de cariz institucional, vem-nos das
associações.Deparamos, desta feita, com colectividades ao serviço de fins que
transcendem os interesses dos associados mas que, não obstante, repousam neles.

● Pessoas colectivas públicas e privadas ; a utilidade pública

Uma primeira classificação separa as pessoas colectivas em públicas e


privadas.No tocante à distinção entre pessoas colecivas públicas e privadas, é possível
reeditar o debate tecido em torno da própria distinção do Direito em público e privado.
Encontramos algumas doutrinas, que passamos a recordar:
- teoria do fim ou do interesse prosseguido : as pessoas colectivas públicas
prosseguiriam fins ou interesses públicos, interessando-se as pessoas colectivas
privadas pelos privados;
- teoria da titularidade de poderes de autoridade: as pessoas colectivas públicas
teriam ius imperii, podendo praticar actos de autoridade , só discutíveis a
posteriori, enquanto as privadas se moveriam no âmbito igualitário do Direito
privado;
- teoria da integração: as pessoas colectivas públicas integra-se-iam na
organização do Estado, ao contrário das privadas;
- teoria da iniciativa: as pessoas colectivas públicas seriam criadas pela Estado,
enquanto as privadas proviriam da iniciativa privada;

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- teoria do regime: as pessoas colectivas públicas subordinar- se- iam a um
regime específico que incluiria a sua sujeição geral do Direito público.
Poderiamos, então dar lugar a um critério jurídico- cultural : são privadas as
pessoas colectivas que se rejam pelo Direito civil ou comercial, assumindo a forma de
sociedades comerciais, de cooperativas, de associações, de fundações ou de sociedades
civis e ainda, de outras figuras, plenas ou rudimentares, que ocorram em sectores civis
ou comerciais extravagantes. As restantes, são públicas.

● Pessoas colectivas associativas e fundacionais

Na pessoa colectiva associativa, o substrato é constituído por uma agremiação de


pessoas, que juntam os eus esforços para um objectivo comum. Na fundacional, o
substrato redunda num valor ou num acervo de bens, que potenciariá a actuação da
pessoa considerada. Os exemplos mais restritos serão constituídos pelas associações e
pelas fundações civis – art. 167º e seguintes e 185º e seguintes, respectivamente, do
Código Civil.
Deve ficar claro que a contra-posição anunciada, se encontra, hoje, formalizada.
Podemos localizar pessoas colectivas que mais não traduzam do que acervos objectivos
personalizados e que, todavia, não sigam a forma fundacional, mas antes a associativa:
tal o caso das sociedades unipessoais – art. 270º - A e seguintes – e o das sociedades
anónimas de capitais exclusivamente públicos – p. ex.a Caixa Geral de Depósitos.
A contraposição entre pessoas asssociativas e fundacionais pode ser seguida
entre as pessoas colectivas públicas. Uma associação pública é, naturalmente uma
pessoa colectiva de tipo associativo, enquanto um instituto público ou uma empresa
pública assumem natureza fundacional. Já as denominadas pessoas colectivas de
população e território assumirão uma natureza mista.

● Pessoas colectivas com e sem fins lucrativos ; superação

As pessoas colectivas propõem-se desenvolver determinadas actividades, com


um objectivo geral. Quando tal objectivo se analise na busca de lucros, a pessoa
colectiva tem fins lucrativos e, tendo base associativa, surge como sociedade. Quando
não assuma tal fim lucrativo, será uma associação ou, não tendo natureza associativa,
uma fundação.
No fundo, esta contraposição permitirá isolar as sociedades das restantes pessoas
colectivas: apenas elas teriam, como objectivo geral, a procura de lucro.
Estas categorias estão hoje francamente ultrapassadas.

● Associações, fundações e sociedades

No Direito comum, a triologia clássica de pessoas colectivas é constituída pelas


associações, pelas fundações e pelas sociedades civis – artigos 166º e seguinte, art.185º
e seguintes e art. 980º e seguintes, todos do Código Civil.
As associações dão corpo a uma manifestação básica do princípio da liberdade
de associação.As fundações têm o sentido de entregas em vida ou de deixas por morte
do interessado.
As sociedades correspondem ao produto da celebração de contratos de
sociedade, podendo apresentar formas muito multifacetadas.
O Código das Socieades Comerciais prevê os seguintes tipos de sociedades :

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- sociedade em nome colectivo: o sócio responde individualmente pela sua
entrada e, ainda, pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e
solidariamente com os outros sócios – art. 175º/1; a sua firma, quando não individualize
todos os sócios, deve conter, pelo menos, o nome ou firma de um deles, com o
aditamento, abreviado ou por extenso, “e Companhia” ou qualquer um que indique a
existência de outros sócios – art. 177º/1
- sociedade por quotas: o capital está dividido em quotas e os sócios são
solidariamente responsáveis por todas as entradas convencionadas no contrato – art.
197º/1; a firma poderá ter uma composição variada mas, em qualquer caso, concluirá
pela palavra “limitada” ou pela abreviatura “Lda.” – art. 200º/1
- sociedade anónima : o capital é dividido em acções e cada sócio limita a sua
responsabilidade ao valor das acções que subscreveu – art. 271º ; a firma, de
composição variada, concluirá com a expressão “sociedade anónima” ou pela sigla
“S.A.” – art. 275º/1
- sociedade em comandita : tem dois tipos de sócios : os sócios comanditários,
que respondem apenas pela sua entrada e os sócios comanditados, que respondem nos
mesmos termos dos sócios em nome colectivo ; na comandita simples não há
representação do capital por acções ; na comandita por acções, só as participações dos
sócios comanditários são representados por acções – art. 465º
O Decreto-Lei nº 257/96 de 31 de Dezembro, introduziu, no Código das
Sociedades Comerciais, a figura das sociedades unipessoais por quotas – art. 270º- A a
270º-G. Trata-se de um tipo societário não coincidente com o das sociedades por quotas
“comuns”.

● Pessoas colectivas comuns e especiais

Á partida, a pessoa colectiva comum rege-se pelo regime mais genérico,


disponível na ordem jurídica considerada. As pessoas colectivas especiais dependem de
regras diferenciadas, particularmente previstas para acategoria que elas integrem.

20º Figuras afins das pessoas colectivas

● A personalidade rudimentar e o modo colectivo imperfeito

Às pessoas rudimentares podem aplicar-se regras próprias da personalidade


colectiva. Mas apenas aquelas que surjam, expressamente, com essa dimensão. Fora do
que a lei preveja, a pessoa rudimentar é substituída pelos titulares efectivos dos bens em
presença.O modo colectivo deve ser apurado caso a caso.
A chave da personalidade colectiva reside naquilo que temos vindo a designar o
modo colectivo de regulação jurídica. O direito determina condutas a entidades que, não
sendo humanas e individuais, nunca as poderiam acatar ; todavia, tais regras são
imputadas ao “ente colectivo” determinando, com isso, o funcionamento de numerosas
outras regras, de tal forma que, em última análise, haverá sempre condutas de seres
humanos. Quando o modo colectivo atinja toda a entidade considerada, teremos uma
pessoa colectiva. Quando ele apenas a atinja parcialmente, falaremos em pessoa
rudimentar.
Encontramos, agora, uma terceira categoria : a de situações em que o Direito
trata, em conjunto, realidades atinentes a várias pessoas, sem todavia, nem total nem
parcialmente, o fazer como se de uma única se tratasse. Falaremos, então, em modo

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colectivo imperfeito. E as entidades daí decorrentes constituirão figuras afins às pessoas
colectivas.

● A personalidade judiciária, económica, laboral e tributária

O art. 5º/1 do Código de Processo Civil, define a personalidade judiciária como


a susceptibilidade de ser parte. O nº2 explicita que quem tiver capacidade jurídica tem,
igualmente, personalidade judiciária. A contrario, poderá haver entidades com
personalidade judiciária mas sem personalidade jurídica. Confirmando-o o art. 6º do
mesmo Código enumera entidades às quais não é , normalmente reconhecida
personalidade jurídica, mas a que atribui a personalidade judiciária.
A personalidade judiciária não se confunde com a capacidade judiciária : esta
traduz a capacidade de estar, po sí, em juízo, nos termos do art. 9º do Código de
Processo Civil. A capacidade judiciária corresponde à civil – idem, nº2 ; na sua falta, há
que recorrer à representação – art. 10º do mesmo Código.
A personalidade económica traduz a aptidão que determinadas entidades tenham
de ser destinatárias de regras de Direito da economia ou, mais latamente, de regras de
Direito patrimonial.
Também no campo do Direito do trabalho nos aparecem entidades
personalizadas, apenas, para certos efeitos. Tal a situação das comissões de
trabalhadores : segundo o art. 17º da Lei nº 68/79 de 9 de Outubro, as comissões de
trabalhadores têm personalidade jdiciária.
Finalmente, no campo fiscal, ocorre a noção de personalidade tributária : a
qualidade de se ser sujeito passivo da obrigação de imposto.

● Associações não reconhecidas, comissões, sociedades rudimentares e sociedades


irregulares

Como novas hipóteses de pessoas rudimentares surgem-nos as associações não


reconhecidas, as comissões, as sociedades civis e as sociedades irregulares. Deve notar-
se que as três primeiras figuras citadas têm personalidade judiciária, por via do art. 6º,
al. b) e c) do Código de Processo Civil. As sociedades irregulares podem tê-la, por via
da alínea d) do mesmo preceito e, ainda e em geral, sempre que dêem azo a um
património autónomo – alínea a).
A associação sem personalidade: associação não reconhecida – dispo~e de um
fundo comum. Embora, teoricamente, esse fundo esteja na titularidade de cada um dos
associados , nenhum deles pode exigir a sua divisão – art. 196º/2 – tal como nenhum
credor dos associados o pode fazer excluir – idem. As liberaklidades feitas a favor de
associação, embora considerando-se feitas aos associados – art. 197º/1 – acrescem ao
fundo comum – art. 197º/2. quanto às comissões especiais : os fundos angariados devem
ser afectos ao fim anunciado, sendo os membros da comissão, pessoal e solidariamente,
responsáveis pela sua conservação – art. 200º/1, todos do Código Civil.
As sociedades irregulares, abrangendo com essa locução as sociedades
comerciais que, por falha ou incompleitude genética, não tenham personalidade
colectiva, caem nos artigos 36º ou 52º do Código das Sociedades Comerciais.

● Pessoas colectivas em formação e em extinção

A pessoa colectiva retira a personalidade de um acto formal. Na ordem normal


das coisas, a pessoa colectiva prossegue objectivos práticos, surgindo dotada de um

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substracto : um organização de pessoas que a sirvam, bens de afectação e um objectivo
geral. Esse substrato põe-se – ou pode pôr-se – em marcha antes do acto formal
atributivo da personalidade. Do mesmo modo, ele pode manter-se depois de um acto
formal de sentido contrário que, visando a extinção da pessoa colectiva venha suprimir
a personalidade (plena).
A matéria está expressamente regulada a propósito das sociedades comerciais.
O regime destas, expresso nos artigos 36º a 40º, contém algumas regras que traduzem o
afloramento de princípios gerais, com relevo para o art. 36º/2.
No decurso da formação de um acto colectivo e antes de alcançada a
personalidade, havendo logo uma actuação dos interessados, cai-se nesse tipo. A própria
sociedade civil pura é uma pessoa colectiva rudimentar : qualidade em que incorrem as
tais sociedades em formação.
Perante associações ou fundações em formação, o problema resolver-se-á com
recurso aos artigos 195º e seguintes do Código Civil : associações sem personalidade
jurídica e comissões especiais.
A pessoa colectiva em extinção sofre uma evolução, equivalendo ao que temos
vindo a designar “ pessoa rudimentar”. Assim, coma a extinção deveria desaparecer o
ente colectivo. Todavia, há que praticar os actos conservatórios e os necessários,
procedendo-se ainda às diversas operações de liquidação – artigos 166º/1, 184º/1 e 194º
do Código Civil e 146º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.

● A mão comum e a comunhão

De entre as figuras afins da personalidade colectiva encontramos a mão comum


ou comunhão em mão comum e a comunhão simples. Na comunhão em mão comum,
duas ou mais pessoas detêm um direito – ou um acervo de direitos – em conjunto,
podendo exercer actuações restritas enquanto membros do grupo. Não podem dispor da
sua “parcela” e não podem pedir a divisão da situação.Além disso, toda a sua actuação
sobre a coisa passa pela mediação do grupo.
Na comunhão ou comunhão simples, duas ou mais pessoas são titulares de
direitos sobre o mesmo objecto, direitos esses representados por quotas. A matéria vem
tratada, no Código Civil, a propósito da compropriedade – artigos 1403º e seguintes –
sendo aplicável a outras formas de comunhão – art. 1404º. Embora haja direitos que só
em conjunto podem ser usados ( a alienação do objecto, a sus reinvindicação ou a sua
transformação), cada titular mantém uma individualidade, podendo alienar a sua quota
ou pedir a divisão da coisa.
Na administração da coisa há que recorrer às regras da sociedade – art.1407º/1 –
o que acentua um aproximação às pessoas rudimentares.

● Esferas e patrimónios de afectação

Serão pessoas rudimentares as esferas jirídicas e os patrimónios de afectação,


isto é: os conjuntos de direitos e de obrigações que, em vez de estarem unificados em
função de uma titularidade unitária, o estejam por forçça da afectação que os una. O
exemplo mais claro é o da empresa.

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22º O tipo geral das sociedades civis

● Sistema geral do Código Civil


.
O Código Civil vigente não foi ao ponto de aproximar a sociedade da
“empresa”. Mas ela ganhou uma vasta vertente organizativa, incompatível com um
mero contrato, de tipo germânico.
Uma ideia geral do regime da sociedade do Código Civil pode ser obtida com
recurso à sua sistematização. A matéria consta do Capítulo III, do Livro II, Titulo II:
depois do contrato de doação e antes do de locução.
O regime estabelecido é complexo , implicandoo domínio de diversos institutos.

● Noção e elementos

O Código Civil define contrato de sociedade no seu art. 980º. Esta noção deixa
transparecer um contrato oneroso, embora as prestações sejam recíprocas : todos devem
efectuá-las, suportando o inerente esforço ; todavia as partes não recebem,
propriamente, as prestações efectuadas pelos outros.
De acordo com a noção legal, é possível apurar a presença de três elementos:
- as contribuições das partes;
- um exercício em comum;
- o fim da repartição dos lucros.
Um quarto elemento, de certo modo prévio, seria a intenção de formar a
socieadade. Não teria, assim, um especial relevo como elemento
Quanto ás contribuições das partes, admite a lei que as mesmas consistem em
bens ou serviços. Podemos ir mais longe : contribuição poderá residir numa qualquer
vantagem de tipo patrimonial como, por exemplo, a concessão de uma garantia. As
contribuições podem ser imediatas. A própria lei refere “…se obrigam a contribuir…”,
poderão fazê-lo no futuro ou, até, apenas eventualmente, já que a lei admite obrigações
condicionadas.
Segue-se o “…exercício em comum de certa actividade económica, que não seja
de mera fruição…”. A expressão “ exercício comum” deve ser entendida como exercício
por conta de todos. Pode falar-se em “fim comum”, desde que, a “fim” se d~e um
alcance particularmente lato. Na verdade, pode o “exercício” nãos er levado a cabo por
todos os sócios, sem deixar de ser “em comum”. Por fim, o “exercício comum”não
poderia ser de mera fruição. O legislador pretendeu, com isso, delimitar a sociedade de
meras situações de compropriedade de coisas.
A concluir os elementos legais, surge-nos o objectivo da repartição dos lucros da
sociedade. Este elemento tem um alcance parcialmente injuntivo, na medida em que o
art.994º proíbe os pactos leoninos. De acordo com a actual tendência de permitir
sociedades non profit, propendemos para uma acepção muito lata de lucros :poderão
não consistir numa imediata percepção de vantagens, pelos sócios, antes procurando
beneficiar terceiros.

● O contrato, a forma e as suas alterações

O art. 980º apresenta a sociedade civil pura como um contrato . todavia, o


regime subsequente pode aplicar-se sem a efectiva conclusão de um contrato de
sociedade (civil). Assim acontece por remissão : artigo 1407º/1 do Código Civil, quanto

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à administração da coisa comum ou art. 36º/2, quanto ás sociedades comerciais não
registadas, no tocante ás relações com terceiros.
O art. 981º/1 do Código Civil, determina que o contrato de sociedade não esteja
sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que
os sócios entrem para a sociedade. Por exemplo: pelo art. 875º do Código Civil, exigir-
se-ia a escritura pública sempre que, das contribuições, fizessem parte bens imóveis.
O art. 981º/2 é gerido por um favor negotti muito vincado, estabelecendo
especiais hipóteses de conversão ou de redução, no caso de inobservância da prescrição
legal de forma.Assim:
- a inobservãncia de forma legal dá azo à nulidade – art. 220º do Código Civil –
e não à anulabilidade; logo, onde está “…só anula…” ler-se-á “…só provoca a
nulidade…”; aliás, a tratar-se de anulabilidade, nunca poderia ser a “inobservância da
forma” a anular fosse o que fosse: tratar-se-ia de uma iniciativa das partes;
- a conversão prevista no art. 293º tem requisitos que, aqui, se devem ter por
respeitados; já não se entende porque limitar o produto da conversão ao “…simples uso
e fruição dos bens pela sociedade”; outras soluções seriam possíveis : não vemos nada,
na lei, que as impeça;
- também a redução encarada no art. 292º terá lugar quando operem os eus
requisitos gerais; não há motivos para a aplicar, apenas ao universo das participações.
Deve assinalar-se que o contrato de sociedade comercial está sujeito a escritura
pública – art. 7º/1.
Uma vez celebrado, o contrato de sociedade pode alterar-se. Assim sucede com
qualquer contrato, desde que as partes estejam de acordo. No caso da sociedade, poderá
haver duas ou mais partes: pois mesmo então as alterações exigirão o acordo de todos os
sócios, salvo se o próprio contrato o dispensar – art. 982º/1 do Código Civil. A hipótese
normal será, então, a de se prever uma alteração por maioria, simples ou qualificada.
A figura dos direitos especiais dos sócios tem clara origem comercial, dispondo
hoje de consagração geral no art. 24º

23º As relações entre sócios e sociedades civis

● As entradas

Do contrato de sociedade civil resultam relações específicas entre os sócios. O


primeiro dever das partes é a obrigação de entrada. O art. 983º/1 do Código Civil,
exprimiu a ideia pela negativa: “os sócios estão somente obrigados às entradas
estabelecidas no contrato”. Sendo vidente, esta fórmula poderá pôr em dúvida pactos
supervenientes relativos ás entradas.Estes são obviamente possíveis, devendo ser
respeitados.
Quando o contrato não disponha diversamente, as entradas dos sócios
presumem-se iguais em valor – art. 983º/2 do Código Civil. Trata-se de uma valoração
que aflora, também, no art. 1403º/2, 2ª parte do mesmo Código.
Em princípio, o titulo jurídico da entrada é o próprio contrato de sociedade : tal
contrato poderá assim, por hipótese ter eficácia translativa de domínio, assim se
explicando as exigências formais que sobre ele pendem.
Pergunta-se se as entradas devem ser determinadas no pacto ou se bastará que
sejam determináveis, designadamente em função do fim que as partes se proponham
fixar. Desde que a determinabilidade, ainda que in futurum, fique assegurada, nada
impede obrigações de entrada iniciamente indeterminadas.

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O Código Civil aplicou-se, depois quanto à execução das obrigações de entrada,
à garantia e ao regime do risco –art. 984º A ideia do legislador foi a seguinte:
- quando as entradas impliquem a transferência ou a constituição de um direito
real, regem as normas da compra e venda – art. 984º, al.a);
- quando traduzam apenas o uso e a fruição de uma coisa, regem as normas da
locação – art. 984º, al.b)
Finalmente, o Código Civil é omisso quanto a prestações de facere e de
suportação: apenas refere, no art. 992º/2 e 3, a figura do sócio da indústria. Haverá que
aplicar o regime que resulte das situações consideradas e dos contratos mais
vocacionados para intervir.
No Direito português, remeteriamos para a bitola de exigência própria do
cumprimento das obrigações em geral.

● A administração

A administração de uma sociedade traduz a actividade que abrange todos os


actos materiais e jurídicos, destinados a concretizar os seus objectivos e que lhe sejam
imputáveis. A administração pode, ainda, reportar-se aos efeitos dessa actividade.
A ideia de administração das sociedades veio a desenvolver-se, paulatinamente,
em torno das sociedades anónimas.
A administração das sociedades civis é confiada à autonomia privada. O contrato
social poderá , assim, estipular as soluções que as partes entendam sufragar. Pode,
inclusive, confiar a administração da sociedade a terceiros que não sejam sócios : uma
situação que vem, de resto, referida no art. 997º/3 do Código Civil. Apenas na falta de
convenção haverá que recorrer ao art. 985º, expressamente assumido como supletivo.
Posto isto, as regras a aplicar no silêncio do contrato serão as seguintes:
- todos os sócios têm igual poder de administrar – art. 985º/1
- cabendo a administração a todos os sócios ou a alguns dos sócios, qualquer dos
administradores tem o direito de se opor ao acto que o outro pretenda realizar; cabe
então à maioria decidir sobre o mérito da oposição; quer isto dizer, que havendo
oposição, a administração passa a ser conjunta, envolvendo todos os administradores –
art. 985º/2
- quando o contrato firme uma regra de administração conjunta, deve entender-
se, “ na dúvida”, que ela opera por maioria – art. 985º/3 ; como alternativa, pode
resultar, do contrato, uma regra de unanimidade;
- ainda a título supletivo, a “maioria” exige, aqui mais de metade dos sufrágios
dos administradores – art. 985º/4; ficam, pois afastadas maiorias relativas – inferiores a
50% - ou maiorias qualificadas;
- independentemente das situações contratualmente fixadas, a qualquer
administrador é lícito praticar os actos de administração urgentes destinados a evitar, à
sociedade, um maior dano – art. 985º/5 do Código Civil.
Para além das regras supletivas, que atribuem a administração a todos os sócios,
pode acontecer que esta apenas caiba a algum ou alguns deles. Aí cumpre distinguir:
- a designação pode ser feita no próprio contrato;
- a designação pode ocorrer posteriormente, sendo feita pelos sócios.
Na primeira hipótese –art. 986º/1 do Código Civil – a designação pode ser
judicialmente revogada, a requerimento de qualquer sócio, com fundamento em justa
causa. Seguir-se-á, então o processo fixado no art. 1484º-B do Código de Processo
Civil.

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Na segunda, a designação pode ser revogada pela maioria dos sócios – art.
986º/3. Em tudo o mais – idem, nº 3, in fine – há que aplicar as regras do mandato.
Quanto aos direitos e obrigações dos administradores, o art. 987º, do Código
Civil, remete para o regime do mandato.
As administradores podem ser responsabilizados pelos seus actos ou omissões.
Trata-se de matéria complexa, no domínio das sociedades comerciais. No tocante às
civis, a lei atribui a cada sócio o direito de responsabilizar os administradores – art.
987º/2 do Código Civil

● Direitos e deveres dos sócios

Desde logo o direito à fiscalização, de natureza injuntiva – art. 988º/1 do Código


Civil, e que envolve:
- o direito de obter dos administradores as informações de que necessitam sobre
os negócios da sociedade;
- o direito de consultar os documentos a eles pertinentes;
- o direito de exigir a prestação de contas.
O sócio pode usar as coisas para os fins da sociedade – art. 989º, a contrario do
Código Civil.
O não cumprimento desse preceito dará lugar a responsabilidade contratual.
Além disso, sendo grave, poderá justificar-se a exclusão prevista no art. 1003º, al.a) do
Código Civil.
O art. 990º do Código Civil estabelece uma regra de proibição da concorrência.

● Distribuição dos lucros e perdas; proibição de pactos leoninos

O Código Civil ocupa-se, depois, da distribuição dos lucros. A matéria é, em


larga medida, deixada á autonomia das partes, apenas com o limite da proibição dos
pactos leoninos.Segundo o art. 994º do Código Civil, retomada no art.22º/3 do Código
das Sociedades Comerciais : “ é nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos
lucros ou que o isenta de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto no nº2 do
art.992º ”.
Cabe ao pacto social fixar a proporção da repartição de lucros e perdas, pelos
diversos sócios; nada dizendo, a repartição opera na base da proporção das respectivas
entradas – art. 992º/1.
Antecipando matéria geral, podemos dizer que os sócios têm um direito geral
aos lucros. Em concreto, porém, tal direito depende:
- de haver, efectivemente, lucros;
- de tais lucros não serem absorvidos por quantias “ …afectadas, por
deliberação da maioria, à prossecução dos fins sociais” – art.991º, do Código Civil.
Quando o contrato apenas determine a participação de cada sócio nos lucros,
presume-se que ela será idêntica nas perdas – art. 992º/4.
O sócio de indústria não responde, no silêncio do contrato, pelas perdas – 992.º/2
– com derrogação da própria proibição de pactos leoninos – 994.º, in fine.
As sociedades civis puras não têm um capital social expresso nem apresentam
quotas ou quinhões quantificados. Assim, quando as entradas não se reduzam
a contributos quantificados, pode haver dúvidas em determinar a sua proporção, para
efeitos da determinação dos lucros e perdas, que caibam a cada um. O problema pode
ser resolvido no próprio contrato. Quando o não seja, haverá que proceder a uma
estimação judicial do quinhão do sócio de indústria, segundo juizos de equidade – art.

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992º/3, 1ª parte. O mesmo esquema será aplicãvel aquele que apenas se obrigou a
facultar, à sociedade, o uso e a fruição de uma coisa – idem, 2ª parte.
O art. 993º, do Código Civil põe a hipótese de a divisão dos ganhos e perdas ser
deferida a um terceiro. Nessa altura, deve o terceiro em causa proceder segundo juízos
de equidade.
Não tendo a divisão sido feita em tempo devido, fá-la-á o tribunal, de acordo
com os mesmos juizos de equidade - art. 993º/1, in fine.

● Cessão de quotas

Segundo o art. 995º/1 do código Civil nenhum sócio pode ceder a terceiro a sua
quota, sem consentimento de todos os outros.
Levanta-se um problema: a contrario sensu pareceria que o sócio é livre de
alienar a sua quota a outro sócio. Não é assim: isso equivaleria à saída de um sócio e à
concentração de posições na esfera de outro, o que poderá ser, de todo contrário à
vontade e às previsões dos outros sócios. Além disso verifica-se que nas sociedades em
nome colectivo a transmissão entre vivos de uma parte social exige o acordo dos
restantes sócios – art. 182º/1 – seja quem for o beneficiário.
O art. 982º/2 do Código Civil exige para a transmissão de quotas a forma exigida
para a transmissão dos bens da sociedade. Temos de ter ainda em conta as regras sobre a
forma voluntária – art 222º, do Código Civil.

● Uma orgânica interna ?

O estabelecimento de uma orgânica interna não ocorreu por que o tipo “ a


sociedade civil pura” tem um âmbito e aplicação muito lato, podendo operar em àreas
onde a presença de órgãos seria inútil e mesmo inviável. Nada impede porém que o
contrato de sociedade preveja tal orgânica.
O Código Civil postula deliberações dos sócios chegando a referenciá-los nos
artigos 991º e 996º/1. Subjacente estará assim uma “assembleia geral”. Também o artigo
985º/2 quando menciona a “maioria” dos administradores visualiza qualquer coisa que
se aproxima de um concelho de administração.
Finalmente as sociedades civis nos termos abaixo referidos assumam
personalidade jurídica plena, caem sob o art. 157º do Código Civil: por analogia, ser-
lhe-ão aplicáveis os diversos preceitos relativos às associações, com relevo para o seu
art. 162º, que prevê a orgânica.

24º As relações das sociedades civis com terceiros

● A representação

A sociedade civil pura é representada em juízo e fora dele, pelos seus


administradores – art. 996º/1, do Código Civil:
- de acordo com o que resulte do contrato
- segundo as regras fixadas no art. 985º do Código Civil, relativas ao próprio
exercício da adminstração.
Trata-se de uma representação orgânica, à qual haverá que aplicar, na medida em
que exista analogia e com adapações necessárias, as regras de representação voluntária.
A lei preocupa-se depois, com a protecção dos terceiros que contratem com a
sociedade. Assim, as deliberações sobre a extinção ou modificação dos poderes dos

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administradores não são oponíveis a terceiros de boa fé, ou seja: a terceiros que, sem
culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade – art.996º/2

● A responsabilidade pelas obrigações sociais

No caso das sociedades civis puras o esquema é o seguinte – art.997º/1 e 2:


- pelas dívidas sociais responde a sociedade;
- respondem ainda pessoal e solidariamente os sócios;
- os quais quando demandados por débitos da sociedade, podem, todavia, exigir
a prévia execução do património social.
A primeira regra a destacar é a da responsabildade dos bens sociais pelas dívidas
da socidade. Todavia, os sócios podem ser também chamados a responder embora, nessa
eventualidade possam opôr o benefício da execução. A situação aproxima-se da
responsabilidade solidária prevista nas socieades em nome colectivo – art. 175º/1, do
Código das Sociedades Comerciais – embora não se confunda com ela:
- nas sociedades civis, é possível demandar o sócio, ab initio; este em defesa e se
quiser, a porá o beneficium execussionis;
- nas sociedades em nome colectivo há que demandar a própria sociedade:
apenas subsidiariamente os sócios.
O art. 997º/3 do Código Civil permite que a responsabilidade dos sócios que não
sejam administradores seja modificada, limitada ou excluída por cláusula expressa do
contrato; tal possibilidade, porém, não existirá quando apenas terceiros não sócios sejam
administradores.
A limitação estatutária da responsabilidade de algum ou alguns sócios não é
porém oponível a terceiros, que, de boa fé, a ignorem: art.997º/3 in fine, que remete
para o art. 996º/2, ambos do Código Civil.
A responsabilidade patrimonil dos sócios alarga-se às dividas sociais anteriores á
sua entrada: é o que resulta do art. 997º/4, do Código Civil.

● A responsabilidade da sociedade por factos ilícitos

O art. 998º/2 recorda o regime da responsabilidade por dívidas das sociedades


civis puras: não podendo o lesado ressarcir-se completamente nem pelos bens da
sociedade, nem pelo património do representante, agente ou mandatário ser-lhe-à lícito
exigir, dos sócios, o remanescente.

● Credor particular do sócio e compensação entre créditos da sociedade e contra os


sócios ou entre créditos dos sócios e contra a sociedade

O credor particular de um sócio não é credor da sociedade nem pode atingir,


directamente, os bens desta. Assim, segundo o art. 999º/1, do Código Civil, enquanto
não se dissolver a sociedade e havendo outros bens suficientes do devedor, o credor
particular do sócio apenas pode executar o direito deste aos lucros e à sua quota de
liquidação.
Quando os bens do devedor sejam insuficientes, o seu credor pode exigir a
liquidação da quota do devedor, seguindo-se os termos do art. 1021º : art. 999º/2 do
Códio Civil. A própria sociedade poderá evitar este regime draconiano, pagando a
dívida do sócio relapso ; ficará, então, sub-rogada na posição do credor deste.
Como corolário da diferenciação patrimonial entre a sociedade e sócio, o art.
1000º, do Código Civil, veda a compensação:

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- quer entre o que um terceiro deva à sociedade e o crédito dele sobre alguns dos
sócios;
- quer entre o que a sociedade deva a um terceiro e o crédito que contra este,
tenha algum dos sócios.

25º As vicissitudes das sociedades civis

● Morte, exoneração ou exclusão de sócios

Seguindo a ordem do Código Civil, a considerar, sucessivamente:


- a morte de um sócio;
- a sua exoneração;
- a sua exclusão.
Segundo o art.1001º/1 do Código Civil, falecendo um sócio, deve a sociedade
liquidar a sua quota em benefício dos herdeiros. A liquidação consiste em determinar o
valor da quota em dinheiro, a operar nos termos do art. 1021º, do Código Civil; o valor
da liquidação será, depois entregue aos herdeiros, no prazo de seis meses, segundo o nº
3 desse artigo. Todavia, os sócios supérstites têm a faculdade:
- de optar pela dissolução da sociedade, a qual só é oponível aos herdeiros do
sócio falecido se lhes for comunicada dentro de 60 dias a contar do conhecimento da
morte pelos supérstites – art. 1001º/1 e 2 nessa altura, os herdeiros assumem todos os
direitos inerentes à quota do falecido, na sociedade em liquidação – idem, nº3;
- de escolher continuar a sociedade com os herdeiros do falecido, se chegarem a
acordo com eles – art. 1001º/1; estes podem , então dividir livremente entre si o quinhão
do seu antecessor ou encabeçá-lo em algum ou alguns deles – idem, nº4.
A exoneração de um sócio é a sua saída voluntária da sociedade. Contrapôe-se à
exclusão, que equivale à saída imposta pelos restantes sócios.
Quanto à exoneração, a lei assenta no sistema seguinte:
- a exoneração é livre quando a duração da sociedade não tenha sido fixada no
contrato ou quando ela tenha sido fixada por toda a vida de um sócio ou por um periodo
superior a 30 anos –art. 1002º/1;
- a exoneração exige justa causa, quando haja fixação do prazo e ocorra antes do
seu termo – art 1002º/2
- a exoneração deve seguir o previsto no contrato, quando este se ocupe da
matéria – idem, nº2
A exoneração só se torna efectiva no fim do ano social em que seja feita a
comunicação respectiva, mas nunca antes de decorridos três meses sobre esta
comunicação – art. 1002º/3.
Finalmente: as causas legais de exoneração (isto é: justa causa) têm natureza
injuntiva, podendo as contratuais ser modificadas por acordo das partes : art. 1002º/4 do
Código Civil. Quanto à eficácia da exoneração, há que atender ao art. 1006º
A exclusão do sócio vem tratada no art. 1003º. Ela pode dar-se nos casos
contratualmente previstos e, ainda, em quatro hipóteses, elencadas na lei:
- a violação grave das obrigações para com a sociedade
- a interdição ou inabilitação
- a impossibilidade, ao sócio de indústria, de prestar às sociedade os serviços a
que ficou obrigado
- o perecimento, por causa não imputável aos administradores, da coisa ou
direito que constituiria a entrada dos sócios, nos termos explicítados no art. 1004º

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A exclusão depende do voto da maioria dos sócios, não contando o voto do sócio
a excluir, produzindo efeitos decorridos 30 dias sobre a data da sua comunicação ao
visado – art. 1005º/1. O direito de oposição do sócio excluído caduca no prazo de 30
dias após se ter tornado eficaz – art. 1005º/2.
Tendo a sociedade apenas dois sócios, a exclusão deve ser declarada pelo
tribunal – art. 1005º/3
Quer a exoneração , quer a exclusão não isentam o sócio da responsabilidade
pelas dívidas sociais contraídas até ao momento em que a saída produza os seus efeitos
– art. 1006º/1.
Não estando sujeitas a registo, as exonerações e exclusão não são oponíveis a
terceiros de boa fé, ou seja : a terceiros que, sem culpa, as ignorassem, ao tempo em que
contrataram com a sociedade – art. 1006º/2.

● Dissolução da sociedade

A dissolução da sociedade equivale á cessação do respectivo contrato e ao termo


das relações entre os sócios. O art. 1007º do Código Civil fixa seis causas de dissolução:
a) o acordo dos sócios : estes podem sempre, por unanimidade, pôr terno ao ente
que criaram; salvaguardados ficarão os efeitos produzidos perante terceiros;
b) pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo prorrogação: trata-se
de uma causa natural e evidente;
c) pela realização do objecto social, ou por este se tornar impossível : a menos
que, de acordo com as regras aplicáveis, as partes dêem novo objecto à sociedade, esta
não poderá praticar mais actos, justificando-se a dissolução ; registe-se que a
impossibilidade poderá ser puramente jurídica;
d) por se extinguir a pluralidade de sócios, se no prazo de seis meses não for
reconstituída: as sociedades civis puras não deram (ainda) o passo para a
unipessoalidade, o que traduziria a supremacia definitiva da dimensão organizatória
sobre a contratual; assim, a lei apenas permite uma unipessoalidade transitória: po seis
meses;
e) por decisão judicial que declare a sua insolvência: nessa eventualidade, há
que passar á liquidação do património, sendo todavia de recordar a aplicabilidade dos
diversos instrumentos tendentes, eventualmente, à sua recuperação;
f) por qualquer outra causa prevista no contrato : estamos efectivamente no
domínio da autonomia privada.
Estas causas de dissolução não são exaustiva. A dissolução levada a cabo por
acordo exige, naturalmente,o voto unânime dos sócios, salvo se o contrato permitir
deliberações desse tipo meramente maioritárias – art. 1008º/1.
Quanto á prorrogação do prazo fixado no contrato: ela pode ser validamente
deliberada, até à partilha. Pode, ainda haver prorrogação tácita, por tempo
indeterminado, quando os sócios continuarem a exercer a actividade social e salvo se,
das circunstâncias, resultar que não houve tal intenção – art. 1008º/2.
Verificada a dissolução, a realidade social subjacente continua – ou pode
continuar – a existir. A lei prevê – tal como já fizera com as associações, no art.184º do
Código Civil – que os poderes dos administradores se mantenham, limitados à prática
dos actos meramente conservatórios.
Pode acontecer que, após a dissolução, os administradores excedam os poderes
(limitados) que o art. 1009º/1, como vimos, lhes confere. Nessa circunstância, apenas os
administradores em causa responderão perante os terceiros com que contratem. Todavia,
se esses terceiros estiverem de boa fé – isto é : ignorem , sem culpa, a ocorrência da

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dissolução – a sociedade e os outros sócios são responsáveis. È o que se infere do art.
1009º/2 que retoma o art. 184º/2 do Código Civil.

● Liquidação da sociedade e de quotas

Dissolvida a sociedade, passa-se à liquidação do seu património – art. 1010º do


Código Civil.
O art. 1011º do Código Civil reporta a ordenação básica: o processo de
liquidação pode .
- estar fixado no próprio contrato de sociedade, cabendo, então, observá-lo;
- ser determinado por acordo unânime dos sócios, seguindo-se aquilo em que
convenham;
- resultar de preceitos supletivos da lei substantiva ou de processo.
Para que a liquidação não se prolongue indefinidamente, há que lhe apor um
prazo : não estando ele determinado, qualquer sócio ou credor pode requerer a sua
indicação pelo Tribunal- art. 1011º/2
A liquidação de património dá azo a um processo especial regulado nos artigos
1122º e seguintes do Código de Processo Civil. Também os artigos 146º e seguintes do
Código das Sociedades Comerciais, compreendem toda uma regulação sobre o tema da
liquidação das sociedades.
Segundo o art. 1012º/1 do Código Civil, a liquidação compete aos
administradores. Quando o contrato confie aos sócios a nomeação de liquidatários e o
“acordo se revele impossível”, caberá ao tribunal decidir, por iniciativa de qualquer
sócio ou de qualquer credor – idem , nº2.
Os liquidatários ficam numa posição idêntica à dos administradores, salvo
preceito diverso – art. 1013º/1 – cabendo-lhes decidir por maioria, excepto acordo em
contrário dos sócios – idem ,nº 2.
Posto isto, eis o processo previsto no Código Civil:
- não sendo os liquidatários administradores, devem estes exigir-lhes a entrega
dos bens, livros e documentos da sociedade, bem como as contas relativas ao último
periodo de gestão; na sua falta, deve a entrega ser requerida pelo tribunal – art. 1014º/1;
- é obrigatória a organização de um inventário, que dê a conhecer a situação do
património social, a elaborar conjuntamente por administradores e liquidatários – idem,
nº2;
- os liquidatários praticam todos os actos necessários à liquidação do património
social, ultimando os negócios pendente, cobrando os créditos, alienando os bens e
pagando credores – art. 1015º; enquanto estes não estiverem pagos ou não forem
consignadas as quantias necessárias, não pode haver partilha dos bens sociais – art.
1016º/1 ; podem os sócios ser chamados a responder, nos termos da sua
responsabilidade solidária pelas dívidas sociais – idem, nº2;
- os bens atribuídos em uso e fruição são restituídos aos sócios proprietários no
estado em que se encontrarem – art. 1017º/1; tendo-se perdido ou deteriorado por causa
imputável aos administradores, são estes e a sociedade solidariamente responsáveis
pelos danos – idem,nº2;
- pagas as dívidas sociais, passa-se à partilha, nos termos regulados no art. 1018º
e designadamente: reembolso das entradas e distribuição do excedente na proporção
que cada um tenha nos lucros ; as entradas que não sejam em dinheiro são estimadas,
sendo possível, aos sócios , acordar em que a partilha se faça em espécie.
Enquanto as partilhas não estiverem concluídas, podem os sócios retomar o
exercício da actividade social, desde que o decidam por unanimidade – art. 1019º/1;

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resultando a dissolução de causa imperativa, terão, todavia, de ter cessado as
circunstâncias que a determinaram – idem, nº 2
De notar que a responsabilidade dos sócios se mantém quando, encerrada a
liquidação, se verifique a existência de débitos que não tenham sido saldados – art.
1020º, do Código Civil.
O art. 1021º do Código Civil, ocnclui a matéria legal atinente às sociedades civis
puras com as regras a observar no tocante á liquidação de quotas.
Recorda-se que tal liquidação ocorre nas hipóteses de morte, exoneração ou
exclusão de um sócio. A preocupação da lei é a de que o ex-sócio receba o valor justo
que lhe compete. Esse valor é fixado com base no estado da sociedade, à data em que
tenha ocorrido ou pruduzido efeitos o facto determinante da liquidação em causa – art.
1021º/1 , 1ª parte; havendo negócios em curso , os lucros ou perdas destes são
computados – idem, 2ª parte.
Na avaliação da quota são tidas em conta, na parte aplicável, as regras sobre
liquidação – art. 1018º/1 a 3, ex vi 1021º/2.
Finalmente e como foi referido: o pagamento do valor da liquidação deve ser
feito, salvo acordo em contrário, no prazo de seis meses a contar do dia em que o facto
determinante da liquidação se tornou eficaz.

26º Papel e modalidades das sociedades civis puras

● O papel das sociedades civis puras

As sociedades civis- agora sob a forma de contrato de sociedade –


representariam ainda um quadro elementar de colaboração entre duas ou mais pessoas,
para a prossecução de um fim económico comum. Assim sucederia nas hipóteses de
associações efémeras : duas pessoas põem-se de acordo para, em conjunto, desenvolver
certa actuação. Há sociedade, aplicando-se sos artigos 980º e seguintes do Código
Civil?Parece evidente que, numa hipótese dessas, a maioria dos artigos relativos ao
“contrato” de sociedade surge puramente inaplicável
Resta concluir que o “contrato” de sociedade não é cenário mais geral de
colaboração económica entre duas pessoas: tal papel caberá a um contrato atípico de
associação, que não dependa da organização societária e ao qual se aplicarão as regras
da sociedade.

● Modalidades ; sociedades civis especiais

As sociedades civis são susceptíveis de diversas classificações. Desde logo,


podem assumir forma civil ou forma comercial : no primeiro caso seguirão os artigos
980º e seguintes do Código Civil; no segundo, o Código das Sociedades Comerciais.
Muito importante é a distinção doutrinária entre sociedades civis puras com
personalidade jurídica plena ou, meramente, rudimentar.
O regime geral das sociedades civis puras constitui um quadro de referência para
diversos tipos especiais de sociedades civis, dotadas de regimes fixados na lei. Temos,
como exemplos:
- as sociedades de advogados
- as sociedades de revisores oficiais de contas
- as sociedades de despachantes oficiais
- as sociedades de gestores oficiais

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● As sociedades civis sob a forma comercial

As sociedades civis que temos vindo a estudar regem-se pelos artigos 980º do
Código Civil: trata-se das sociedades civis sob forma civil ou na terminologia adoptada,
as sociedades civis puras.
Contrapõem-se-lhes as sociedades civis sob a forma comercial, isto é, aquelas
que adoptem um dos tipos referidos do Código das Sociedades Comerciais e, não
obstante, tenham exclusivamente por objecto a prática de actos não comerciais – art.
1º/4.
As sociedades civis sob a forma comercial submetem-se ao regime das
sociedades comerciais. Decisiva é, pois, a forma que adoptem. Existem leis especiais
que prevêem tipos específicos de sociedades civis sob a forma comercial:
- sociedades desportivas
- sociedades de agricultura em grupo
- sociedades gestoras de empresas

Secção IV – As sociedades como organização


27º Personalidade jurídica das sociedades

● A posição adoptada

Parece claro que o Código Civil se exprime, neste contexto, em modo colectivo.
O RNPC contém elementos com interesse. O FCPC abrange informação relativa às
sociedades civis ( art. 4º/1, al.a) do RNPC ). O seu art. 42º dispõe expressamente sobre
as denominações das sociedades civis sob a forma civil.
Não fica, todavia, clara a obrigação de inscrição no RNPC : o art 6º do
correspondente diploma refere “ pessoas colectivas”, não sendo seguro que as
sociedades civis puras fiquem abrangidas. Contudo, o art.10º/1 sujeita a inscrição no
FCPC factos relativos às entidades referidas no art. 4º/1, al.d).
Quer isso dizer que as sociedades civis puras devem ser inscritas no RNPC, ou
mais precisamente – art. 10º/1 – devem sê-lo:
- a sua denominação
- a sua sede e endereço postal;
- o objecto social ou actividade exercida
- o início e a cessação da sua actividade.
Esta obrigação envolve a de adoptar um denominação ; ela torna-se efectiva, nos
termos do art. 54º/2 quando a sua constituição se concretize por escritura pública :
parece que este preceito terá de se aplicar à própria constituição das sociedades civis
puras, independentemente de serem, a priori, pessoas colectivas.
A sociedade civil pura, constituída por escritura pública, dotada de denominação,
devidamente inscrita no RNPC, dado o âmbito dos artigos 980º e seguintes do Código
Civil, é uma pessoa colectiva em tudo semelhante às demais sociedades.
As sociedades civis puras, desde que constituídas por escritura pública e com as
especificações prescritas, nos seus estatutos, são pessoas colectivas plenas.
Quanto às rstantes, todas as graduações são possíveis. Relativizada a ideia de
personalidade colectiva e admitindo o princípio das pessoas colectivas rudimentares,
nenhuma dificuldade haverá em considerá-las como “ pessoas rudimentares”

● A personalidade das sociedades comerciais

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Perante o art. 5º, a personalidade colectiva das sociedades comerciais parece não
oferecer dúvidas.
A doutrina actual distingue entre autonomia patrimonial e personalidade jurídica:
a primeira , a lei opera no âmbito objectivo da sociedade ; na segunda, fá-lo, também no
âmbito subjectivo. Apenas as sociedades de capitais – as anónimas e as de
responsabilidade limitada ou por quotas – teriam personalidade ; as de pessoas – as
simples e as em nome colectivo – não a teriam.
O Direito comercial português acabou por assentar quanto à atribuição da
personalidade colectiva às sociedades comerciais.

28º Capacidade das sociedades

● O princípio da especialidade ; evolução

As pessoas têm capacidade jurídica : será a concreta medida de direitos e de


obrigações de que sejam susceptíveis. No que toca às pessoas singulares, essa
capacidade – ou capacidade de gozo – á plena: elas podem ser titulares da generalidade
dos direitos admitidos pelo ordenamento e podem ficar adstritos à generalidade dos
deveres que a ordem em causa conheça. Já quanto a pessoas colectivas, uma orientação
com certa tradição, entre nós, pretende que a sua capacidade seria limitada pelo
princípio da especialidade : ela (apenas) abrangeria os direitos e obrigações necessárias
ou convenientes à prossecução dos seus fins, segundo a fórmula do art. 6º/1, retomada
do art. 160º do Código Civil.
A ideia do princípio da especialidade teve uma dupla origem : a doutrina ultra
vires anglo-saxónica e as restrições continentaois aos bens de mão- morta.

● A sua superação

O princíopio da especialidade perdeu os dois pilares histórico – dogmáticos em


que assentava.
A partir de meados do séc.XIX, generalizou-se o sistema de reconhecimento
automático da personalidade colectiva : reunidos os requisitos legais e procedendo-se às
diligências requeridas a personalidade colectiva surge, de acordo com a iniciativa
privada.
O princípio da especialidade como elemento limitador da capacidade jurídica
das pessoas colectivas, tende, assim a ser abandonado.

● O problema dos actos gratuitos e das garantias

O grande campo de eleição para as restrições à capacidade dos entes colectivos é


o dos actos gratuitos, que poderiam ser contrários aos fins da pessoa colectiva,
particularmente se ela fosse uma sociedade. A doutrina tende a abandonar tais
construções.
Desde logo, ficam fora os donativos conformes com os usos sociais: nem são
havidos como doações – art. 940º/2. O art. 6º /2 do Código das Sociedades Comerciais
também considera não serem contrárias ao fim da sociedade “ as liberalidades que possa
ser consideradas ususais, segundo as circunstâncias da época e as condições da própria
sociedade”
Resta concluir : o denominado princípio da especialidade não restringe, hoje, a
capacidade das pessoas colectivas : tal como emerge do art. 160º/1, ele diz-nos, no

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fundo, que todos os direitos e obrigações são, salvo excepções abaixo referidas,
acessíveis a pessoas colectivas.
Subproblema muito relevante é o da prestação de garantias a terceiros. Tal
prestação poderia surgir como um “favor” e, portanto, como um acto gratuito, que iria
depauperar o património do garante, à custa dos sócios e dos credores
O art. 6º/3 dispôs sobre as garantias. Fê-lo, porém, usando uma linguagem
desnecessariamente qualificativa : “ considera-se contrária ao fim da sociedade a
prestação de garantias…”
De acordo com as regras de interpretação o art. 6º/3 proibiu, pura e
simplesmente, as sociedades de prestar garantias, salvo nas condições que ela própria
prevê. São elas:
- justificado interesse próprio da sociedade garante;
- sociedade em relação de domínio ou de grupo
Estas “excepções” são de tal ordem que acabam por consumir a regra.
Resta concluir que a proibição do art. 6º/3 acaba por funcionar apenas, perante
situações escandalosas e, ainda aí, havendo má fé dos terceiros beneficiários.

● As limitações específicas : naturais, legais e estatutárias

O chamado princípio da especialidade não tem, hoje, alcance dogmático. Não se


infira, contudo e daí, que a capacidade de gozo das pessoas colectivas seja idêntica à das
singulares. Ela pode sofrer diversas limitações. Vamos distinguir:
- limitações ditadas pela natureza das coisas
- limitações legais
- limitações estatutárias
- limitações deliberativas
Segundo o final do art. 6º/1, exceptuam-se ao âmbito da capacidade de gozo das
pessoas colectivas os direitos e obrigações “ inseparáveis da personalidade singular”.
Trata-se fundamentalmente:
- de situações jurídicas familiares ou sucessórias que, pela sua natureza, visam
apenas pessoas singulares;
- de situações de personalidade, também centradas nas pessoas singulares:
direito à vida e à integridade física, o direito à saúde ou o direito ao sono;
- de situações patrimoniais, mas que pressupõem a intervenção de uma pessoa
singular: a qualidade de trabalhador subordinado;
- diversas situações de Direito público, também destinadas a contemplar pessoas
singulares : o direito ao voto em eleições públicas.
As limitações legais à capacidade de gozo das pessoas colectivas, referidas no
art. 6º/1, in medio, têm natureza profundamente diferente da das impostas pela natureza
ds coisas.
A referência feita no art. 6º/1, a “…direitos e obrigações vedados por lei…” é,
tal como o princípio da especialidade, herdeira das antigas leis de desamortização, que
visavam prevenir a acumulação de bena de mão-morta.
A inobservância das limitações legais à possibilidade de prática, pelas pessoas
colectivas, de certos actos, conduz, em princípio, à nulidade do acto por violação de lei
expressa ( art. 294º) ou por ilicitude (art. 280º/1) : não por incapacidade.
Como terceira categoria de limitações específicas à actuação de sociedades
temos as estatutárias. Os estatutos podem limitar, pela positiva, actuação da sociedade a
que respeitem, restringindo-se à prática de certos actos ou, pela negativa, vedar-lhe a

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prática de determinados actos. As competentes disposições estatutárias limitam a
capacidade de gozo das pessoas colectivas? À partida não.
As limitações estatutárias são, assim, meras regras de conduta internas. Elas
adstringem os órgãos da pessoa colectiva a não praticar os actos vedados, se, contudo,
limitarem a capacidade da sociedade. É, de resto essa a solução do art. 6º/4 do Código
das Sociedades Comerciais.
O mesmo regime deve ser aplicado às limitações deliberativas, isto é: as
limitações que deliberações internas da própria pessoa colectiva ponham à prática , por
ela, de certos actos. O desrespeito por tais deliberações responsabiliza o seu autor : a
capacidade da pessoa colectiva mantém-se porém, intacta.

● A “capacidade de exercício” ; “ a representação”

A categoria “capacidade de exercício”, só é aplicável às pessoas singulares. Visa,


aí, retratar o problema dos menores, de interditos e dos inabilitados. Não faz qualque
sentido considerar as pessoas colectivas “ feridas de incapacidades” : a realidade é
completamente diversa, tal como diferentes são as normas aplicáveis.
No Direito das pessoas colectivas não cabe contrapor a capacidade de gozo à de
exercício : há, apenas, capacidade.
Na mesma linha, os “representantes”, já referidos, não são verdadeiros
representantes. Joga-se , a organização da pessoa colectiva: um dos seus elentos
existênciais.

● A responsabilidade das pessoas colectivas

O art. 998º/1, repete à letra, o art. 165º do Código Civil, aplicando-o às


sociedades civis puras. Já o art. 6º/5 do Código das Sociedades Comerciais usa uma
fórmula diferente. A responsabilidade do comitente consta do art. 500º, enquanto a do
representante deriva do art. 800º.
A pessoa colectiva responde directamente pelos actos ilícitos dos titulares dos
seus órgãos, desde que tenham agido nessa qualidade.
Perante o teor literal dos artigos 165º e 998º/1, do Código Civil, reforçado, para
mais, pelo art. 6º/5 do Código das Sociedades Comerciais, que fale em “ quem
legalmente a represente”, a doutrina tem sido levada a pensar que, para efeitos de
responsabilidade civil aquiliana, a pessoa colectiva é “comitente”, sendo o titular do seu
órgão um “comissário”, de modo a aplicar o art. 500º. Concretizam-se os óbices
juridico-científicos e páticos, acima referidos. Há que procurar uma solução alternativa :
fácil, de resto, uma vez que beneficiamos da doutrina de Manual de Andrade.
A pessoa colectiva é uma pessoa. Logo, ela pode integrar, de modo directo “
aquele que com dolo ou mera culpa…”, referido no art.483º do Código Civil. A culpa –
um juízo de censura – é-lhe directamente aplicável: nada tem a ver , na concepção
actuam, com situações de índole psicológica.
O art. 165º do Código Civil não tem a ver com a responsabilidade das pessoas
colectivas por actos dos seus órgãos: antes dos seus representantes ( voluntários ou
“legais”, porqunto nos termos da lei) eventualmente constituídos para determinados
efeitos , dos seus agentes e dos seus mandatários. E aí já fará sentido apelar para a
imputação ao comitente.

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29º As figuras afins às sociedades

● Associações, associações públicas e associações sem personalidade

As associações traduzem pessoas colectivas assentes em agremeações de pessoas


singulares ( ou colectivas) : têm uma base ou substracto colectivo. A distinção
tradicional entre associações e sociedades repousava no fim lucrativo assumido por
estas e recusado às primeiras.
A distinção já não é possivel nessa base. Por um lado as sociedades podem
constituir-se sem fins lucrativos, e por outro as associações podem angariar meios
económicos.
A distinção entre uma associação e um sociedade não levanta, na prática, a
mínima dúvida : têm designações diferentes, estruturas diversas e regimes distintos de
responsabilidade por dívidas. As associações vêem essa natureza resultar da própria
denominação; apresentam um orgânica estratificada em assembleia geral ( com poderes
residuais), administração e conselho fiscal ; os associados não respodem pelas dívidas
da associação nem, necessariamente, pelas entradas ; as sociedades exibem firmas
variáveis com o tipo que adoptem ; têm um orgânica diversificada, centrada numa
administração ; os sócios respondem, em certos casos, pelas dívidas da sociedade e,
noutros, pelas entradas.
A distinção fica mais facilitada perante as associações públicas – maxime as
ordens profissionais – uma vez que estas dispõem de uma aprovação formal por lei e
assumam determinados poderes de autoridade.
Já no tocante às chamadas associações sem personalidade, tratadas
genericamente nos artigos 195º e seguintes do Código Civil, a distinção é melindrosa,
para mais perantes as sociedades civis puras.Uma entidade que vise directamente o
lucro para os seus associados será seguramente um sociedade ; uma outra com
aspirações e exclusivos fins ideais, uma associação ( sem personalidade).

● Fundações, empresas públicas e comissões especiais

As fundações são pessoas colectivas de base patrimonial : não assentam em


conjuntos de pessoas mas, antes em núcleos de direitos personalizados. Terão um
administração, que não se confundirá, em regra, com uma massa associativa.
As empresas públicas têm, tal como as fundações, base patrimonial, por
oposição a associativa. Todavia, ao contrário daquelas, elas assumem ibjectivos
comerciais e visam o lucro ou, pelo menos uma gestão maximizadora dos meios de que
sejam dotadas.
As comissões especiais traduzem fundações não reconhecidas. Têm, todavia,
uma base humana que pode causar dificuldades de fronteira com as sociedades,
particularmente as civis puras.

● Contratos de organização ( associações em participação, consórcio e outros)

Os contratos de organização são, latamente, contratos comerciais que visam


congregar os esforços de vários interessados, com vista à obtenção de rsultados ou à
prossecução de fins comuns.
Uma associação em participação ou um consórcio serão sociedades ( civis) co
uma especial diferenciação, legalmente prevista.

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Na associação em participação, temos um vínculo entre uma pessoa ( o
associado) e um comerciante ( o associante), pelo qual a primeira confere ao segundo
determinados meios para que este exerça o comércio, a troco de uma participação nos
lucros ou nos lucros e perdas.
O Código Veiga Beirão marcou já um distanciamento em relação á sociedade :
chamaria mesmo à figura que nos ocupa, conta em participação, regulando-a nos artigos
224º e seguintes.
A distinção entre a associação em participação e a sociedade assenta em dois
pontos:
- a falta de personalidade jurídica
- a ausência do exercício “ em comum” de uma actividade
O consórcio é apresentado pelo art. 1º do Decreto –Lei nº 231/81 de 28 de
Julho.O consórcio pode ser tomado como uma figura autónoma que corresponde a um
contrato de sociedade especial.

● Agrupamentos complementares de empresas e agrupamentos europeus de interesse


económico (ACE e AEIE)

Os agrupamentos complementares de empresas foram introduzidos no Direito


português, pela Lei nº 4/73 de 4 de Junho, regulamentada pelo Decreto Lei nº 430/73 de
25 de Agosto. Trata-se de entidades com personalidade jurídica, que visam melhorar as
condições de exercício ou de resultado do agrupados. Podem ter, segundo o art. 1º do
Decreto-Lei nº 430/73 : “ por fim acessório a realização e a partilha de lucros apenas
quando autorizado expressamente pelo contrato constitutivo”
Segundo a base IV da Lei nº 4/73, os ACE adquirem personalidade jurídica pela
inscrição no registo comercial : dispõem de uma firma que pode mesmo consistir numa
denominação particular – art. 3º/1 do Decreto-Lei nº 430/73 – e regem-se , pelo regime
das sociedades em nome colectivo – art. 20º, do mesmo diploma.

● Cooperativas

As cooperativas são definidas, no art. 2º/1 do Código Cooperativo, como:


“pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição
variáveis, que através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência
aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e
aspirações económicas, sociais e culturais daqueles.”
Desde já se regista que os próprios cooperadores poderão ter fins “lucrativos”.
A matéria foi, depois integrada no Código Veiga Beirão, que inseriu, no Livro II,
titulo II, capítulo V: “ Disposições especiais às sociedades cooperativa”: artigos 207º a
223º.
As cooperativas visam o exercício em comum de actividades económicas ou
equiparáveis – art. 2º do Ccoop, descontado o comprometimento da linguagem.Além
disso, o artigo 7.º do CC oop dispõe, lapidarmente: “Desde que respeitem a lei e os
príncipios cooperativos, as cooeperativas podem exercer livremente qualquer actividade
ecónómica”.
Têm evidente base associativa e adquirem a personalidada pelo registo – artigo
16.º do Ccoop – e mais precisamente: pelo registo comercial – artigo 4.º do CRCom.
Não hà razões conceptuais para não considerar as cooperativas como
sociedades.O seu regime, com múltiplas regras especiais é, de todo modo, de clara

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inspiração comercial, aplicando-se subsidiariamente – artigo 9.º do Ccoop – o direito
das sociedades anónimas.

30º O levantamento da personalidade das sociedades

● Grupos de casos típicos

O levantamento da personalidade não deriva de meras lucubrações teóricas.


Trata-se dum instituto surgido a posteriori para sistematizar e explicar diversas soluções
concretas, estabelecidas para resolver problemas reais postos pela personalidade
colectiva. Na sua origem, encontramos uma multiplicidade de casos concretos vamos
distinguir:
- a confusão de esferas jurídicas;
- a subcapitalizção;
- o atentado a terceiros eo abuso da personalidade.
A confusão de esferas jurídicas verefica-se quando, por inobservância de certas
regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na
prática, a separação entre o património da sociedade e o do sócio ou sócios.
Verifica-se uma subcapitalização relevante, para efeitos de levantamento da
personalidade, sempre que uma sociedade tenha sido constituída com um capital
insuficiente. A insuficiência é aferida em função do seu próprio objecto ou da sua
actuação surgindo, assim, como tecnicamente abusiva. Para efeitos de levantamento,
cumpre distinguir entre a sbcapitalização nominal e a material. Na nominal, a sociedade
considerada tem um capital formalmente insuficiente para o objecto ou para os actos a
que se destina. Todavia, ela pode acudir com capitais alheios. Na subcapitalização
material, há uma efectiva insuficiência de fundos próprios ou alheios.

O atentado a terceiros verifica-se sempre que a personalidade colectiva seja


usada, de modo ilícito ou abusivo, para os prejudicar. Como resulta da própria fórmula
encontrada, não basta uma ocorrência de prejuízo, causada a terceiros através da pessoa
colectiva: para haver levantamento será antes necessário que se assista a uma utilização
contrária a normas ou princípios gerais, incluindo a ética dos negócios.

● As teorias explicativas

Apuradas as constelações de casos a propósito dos quais se tem suscitado o


problema do levantamento, cumpre analisar as diversas explicações para ele
apresentadas. Existem várias sistematizações possíveis, sendo de salientar a mais
difundida: a que se distingue :
- a teoria subjectiva;
- a teoria objectiva, incluindo versões instituicionais;
- a teoria da aplicação da normas.
Poderíamos ainda acrescentar, como quarta hipótese, a existência de orientações
negativistas.
A teoria subjectivista diz que a autonomia da pessoa colectiva deveria ser
afastada quando houvesse um abuso da sua forma jurídica, com vista a fins não
permitidos. Na determinação do tais “fins” ou “escopos”não permitidos, haveria que
lidar com a situação objectiva e, ainda, com a intenção do próprio agente: o
levantamento exigiria um abuso consciente da pessoa colectiva, não bastando, em
princípio, a não obtenção do escopo objectivo de uma norma ou de um negócio.

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A chamada teoria subjectiva tem sido rejeitada.
As teorias objectivistas resultam à partida, da rejeição de elementos subjectivos
para fazer actuar o levantamento.
Numa primeira fase, tudo é feito depender das (más) intensões do agente.
Conquistado o instituto, este é objectivado, passando a depender da pura contrariedade
ao ordenamento.
Abandonada a intenção, o levantamento exigiria a ponderação dos institutos em
jogo. Quando, contra a intencionalidade normativa, eles fossem afastadas pela
invocação da personalidade, esta deveria ser levantada.
A teoria da aplicação das normas diz que o “levantamento” não traduziria
propriamente, um problema geral da personalidade colectiva : trtar-se-ia, antes, de uma
questão de aplicação das diversas normas jurídicas. Haveria levantamento sempre que,
por exigência duma norma concretamente prevalente, não tivesse aplicação uma norma
própria da personalidade colectiva.
As teorias negativistas negam, directa ou indirectamente, a autonomia ao
levantamento da perssonalidade, enquanto instituto.

● Posição adoptada

O levantamento da personalidade colectiva, seja pela sua origem jurisprudencial


casuística, seja pela riqueza dos contributos juridico-científicos que encerra, surege à
primeira vista, com um conteúdo diversificado. Na verdade, os desenvolvimentos
anteriores permitem descobrir, no seu seio:
- situações de violação não-aparente de normas jurídicas;
- situações de violação de normas indeterminadas ou de princípios;
- situações de violação de direitos alheios ou de normas destinadas a proteger
interesses alheios;
- situações de violação da confiança
- situações em que as pessoas colectivas são usadas fora dos objectivos
A variedade de situações de levanantamento faz com que seja possível
reconduzi-las a três grandes grupos:
- situações de responsabilidade civil assentes em princípios gerais ou em normas
de protecção;
- situações de interpretação integrada e melhorada de normas jurídicas;
- situações de abuso do direito ou, se se preferir : de exercício inadmissível de
posições jurídicas.
Resta concluir: as diversas teorias documentam facetas próprias do
levantamento, correspondendo a progressões da mesma ideia. Elas não se opõem:
completam-se.
O levantamento, no fundamental traduz uma delimitação negativa da
personalidade colectiva por exigência do sistema ou, se se quiser: ela exprime situações
nas quais, mercê de vectores sistemáticos concretamente mais ponderosos, as normas
que firmem a personalidade colectiva são substituídas por outras normas.
Procurámos fazer a distinção entre levantamento amplo e levantamento estrito :
o primeiro abrangeria todas as situações de levantamento, enquanto o segundo se
reportaria apenas àquelas em que isso ocorra por exigência da boa fé.

31
Capítulo II – O contrato de sociedade
Secção I – Celebração, conteúdo e capital social
31º Celebração, forma e natureza

● Celebração; contrato, pacto social e estatutos

O contrato de sociedade é um contrato nominado e típico : além de dispr de


nomen iuris, ele vem regulado na lei civil – art. 980º do Código Civil – e na lei
comercial – art. 7º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.
O contrato de sociedade é, ainda um negócio jurídico. Verifica-se que se trata de
um acto marcado pela liberdade de celebração e pela liberdade de estipulação : as partes
podem não só optar por celebrar, ou não, o contrato de sociedade como, fazendo-o, têm
a liberdade de nela apor as cláusulas que entenderem.
Põe-se o problema da sociedade formada por adesão a cláusulas contratuais
gerais. Quando isso sucedesse, não haveria dúvidas ou dificuldades em fazer intervir a
lei sobre as cláusulas contratuais gerais.
Um contrato de sociedade pode, ainda, ocorrer através de uma oferta ao público.
A situação paradigmática é a da constituição de uma sociedade anónima com apelo à
subscrição pública e que vem regulada nos artigos 279º a 283º, do Código das
Sociedades Comerciais e no artigo 168º, do Código dos Valores Mobiliários. Prevê-se,
aí, todo um procedimento algo complexo, que irá desembocar numa assembleia
constitutiva ( 281º); apenas depois é formalizado o contrato de sociedade, através da
competente escritura (art. 283º)

● As partes , cônjuges e menores

Como referimos,a figura visualizada, em moldes típicos, pelo legislador, foi a da


sociedade instituída por contrato. Donde a referência, já estranhada, do art. 7º/2 : tem de
haver, pelo menos, duas partes.
Quando as partes estabeleçam, ab initio, uma posição ou participação social em
regime de contitularidade, as pessoas assim envolvidas valem apenas como uma única
parte.
Podem se partes em contratos de sociedade não apenas pessoas singulares mas,
ainda, pessoas colectivas. È o que resulta da lata capacidade de gozo que hoje é
reconhecida às pessoas colectivas.
Também as pessoas rudimentares podem constituir sociedades, desde que estas,
em função do objecto ou de outras circunstâncias, se possam reconduzir à janela da
personalidade que lhes seja reconhecida.
O problema da constituição de uma sociedade, particularmente comercial, entre
os cônjuges, levantava clássicos problemas. Desde que os cônjuges constituíssem uma
sociedade para a qual contribuíssem com os seus bens, ficariam em causa, segundo o
pensamento “tradicional”:
- o regime de bens estipulado para o casamento : as regras próprias desse regime
seriam substituídas pelas do funcionamento da sociedade;
- o então denominado “ poder marital” : “ a chefia” da família assegurada pelo
marido daria lugar aos esquemas de formação da vontade social, mais igualitária : logo
inadmissíveis;
- o sistema de responsabilidade dos bens dos cônjuges ou do casal, pelas dívidas
de cada um deles ou de ambos : esse sistema seria, naturalmente, substituído pelo
regime do tipo social adoptado.

32
A constituição de uma sociedade entre cônjuges pode ( ou não) atingir a
imutabilidade das convenções antenupciais. Assim, se ambos os cônjuges entrarem para
a uma sociedade com todos os seus bens, presentes ou futuros, poderemos estar perante
um esquema destinado a postergar os regimes da separação, ou da comunhão de
adquiridos. Porém, se subscreverem pequenas quotas ou umas quantas acções, o
problema nem se põe. Haverá, por isso, que compatibilizar o art. 8º do Código das
Sociedades Comerciais com o art. 1714º/1 do Código Civil, verificando, contrato a
contrato, se a imputabilidade das convenções é respeitada.
A constituição de sociedades entre os cônjuges, assumindo ambos
responsabilidade ilimitada, é proibida, nos termos do transcrito art. 8º
Mercê do regime de bens, pode acontecer que uma participação social seja
comum a ambos os cônjuges. Nessa altura, por força do artigo 8º/2 e nas relações com a
sociedade, será considerado sócio aquele que tenha celebrado o contrato de sociedade
ou, sendo a participação adquirida posteriormente, aquele por quem a participação tenha
vindo ao casal. O nº 3 do mesmo preceito ressalva a administração do cônjuge do sócio
que se encontrar impossibilitado e os direitos mortis causa.
Os menores podem ser partes em contratos de sociedade. E poderão fazê-lo
pessoal e livremente sempre que a sociedade em vista esteja ao seu alcance, perante o
art. 127º do Código Civil.
Fora isso, os menores poderão celebrar contratos de sociedade, através dos pais,
como representantes legais. Será, todavia, necessária a autorização do tribunal para
entrarem nas sociedades em nome colectivo ou em comandita simples ou por acções :
art. 1889º/1, al. d). O óbice reside, aí, nos riscos derivados da ilimitação da
responsabilidade. Tratando-se de menor sob tutela, a entrada em qualquer sociedade
deve ser autorizada, visto o disposto no art. 1938º/1, al. a), b) e d) do Código Civil
Trata-se de um regime aplicável, com as necessárias adaptações, ao interdito :
art. 139º e 144º, do Código Civil. Quanto ao inabilitado, tudo depende da competente
sentença – art. 153º/1 do mesmo Código.

● Forma

O contrato de sociedade comercial é um contrato formal – art. 7º/1. Pelo


contrário, a sociedade civil é consensual : apenas se sujeita a escritua pública quando a
natureza dos bens a transferir para a sociedade assim o exija ( art. 981º/1 do Código
Civil) ou qunado se pretenda assumir personalidade jurídica plena ( artigos 158º/1 e
157º, ambos do Código Civil).
Se percorrermos os contratos próprios das sociedades comerciais deparamos
com as exigências de forma seguites:
- acordos parassociais : o art. 17º não contém qualquer exigência de forma ; em
regra, são celebrados por escrito;
- a aquisição de bens por sociedades anónimas ou em comandita por acções deve
ser reduzida a escrito – ar. 29º/4;
- a alteração do contrato de sociedade deve ser exarada em escritura pública –
art. 85º/4 ; fica abrangido o aumento de capital – cf. 88º e 93º/1, 274º, 370º/1 e 456º/5;
- a fusão de sociedades dá azo a escritura pública – art. 106º/1 – numa regra
aplicável à cisão – art 120º;
- a transformação de sociedades deve ser consignada em escritura pública – art.
135º/1;

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- a dissolução de sociedade não carece de escritura pública quando tenha sido
deliberada em assembleia geral e a acta da deliberação tenha sido lavrada por notário ou
pelo secretário da sociedade – art. 145º/1;
- o contrato de subordinação exige escritua pública – art. 498º
No tocante aos diversos contratos de sociedade, não são retomados os requisitos
de forma, dado o alcance geral do art. 7º/1; apenas são referidos aspectos atinentes ao
conteúdo dos contratos : artigos 176º, 199º, 272º e 466º, relat
Ivos respectivamente, a sociedades em nome colectivo, por quotas, anónimas e em
comandita.
Já no tocante à transmissão de partes sociais, a lei exige escritura pública :
- para a transferência das partes de um sócio de sociedade em nome colectivo,
quando a sociedade tiver bens imóveis – art. 182º/2, na redacção dada pelo Decreto-Lei
nº 237/2001 de 30 de Agosto;
- para a transferência de quotas – art. 228º/1
As sociedades unipessoais têm regras não totalmente coincidentes. Em princípio,
a transformação de uma sociedade por quotas em sociedade unipessoal exige escritura
pública; basta, todavia, documento particular quando, da sociedade, não façam parte
bens cuja transmissão exija essa forma solene – art. 270º-A/3. Uma regra similar
funciona para a constituição originária de uma sociedade unipessoal – idem, nº4.
O contrato de suprimento não está sujeito a qualquer forma, o mesmo sucedendo
com outros negócios de adiantamento de fundos pelo sócio à sociedade ou com
convenções de diferimento de créditos de sócios – art. 243º/6. Tratando-se de negócio
entre o sócio único e a sociedade unipessoal, deve ser observada a forma escrita, quando
outra não esteja prescrita para um negócio em jogo – art. 270º-F/2.

● Natureza

Trata-se, necessariamente, de um contrato. Sendo um contrato, nada impede


que, aí, se abra uma especial categoria para a acolher. Na sociedade não há prestações
recíprocas : antes uma actuação conjunta ou confluente, com uma estruturação
normativa para futuras actuações. A doutrina actual fala num contrato de colaboração ou
de organização. Podemos aceitar esses qualificativos.

● Constituição por um negócio não contratual

O Código das Sociedades Comerciais prefigura o contrato como o esquema


normal de constituição das sociedades, numa valoração básica tomada pelo Código
Civil. Ele próprio previa, contudo, outros modos de constituição de sociedades. Assim:
- a constituição por fusão, cisão ou transformação – art. 7º/4 e 97º e seguintes;
- a constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição pública – art.279º
e seguintes;
- a constituição originária de sociedade unipessoal por quotas – art. 270º-A/4
- a constituição originária de sociedades anónimas – art. 488º/1
No caso da fusão, cisão e transformação há, de facto, uma “constituição
derivada” uma vez que a(s) nova(s) sociedade(s) resuta(m), de facto, de transformação
da(s) anterior(es). O motor da constituição é, aqui, desempenhado por uma ou mais
deliberações sociais.
Na hipótese de constituição de sociedade anónima com apelo a subscrição
pública – e mau grado a natural preexistência de um contrato preparatório entre os
promotores - , a coonstituição deriva de escritura outorgada por dois promotores e pelos

34
subscritores que entrem com bens diferentes do dinheiro – at. 283º/1 – precedendo uma
especial deliberação da assembleia constitutiva – art. 281º/7, al. a). Não há
propriamente, um contrato.
Temos, depois, os casos de constituição originária de sociedades unipessoais :
seja por quotas – art.270º-A/4 – seja anónimas – art. 488º/1. Em ambos os casos
deparamos com claros negócios unilaterais.

● Constituição por diploma legal e por decisão judicial

Encontramos sociedades constituídas por decreto-lei do Governo, a que


podemos acrescentar as hipóteses de lei da Assembleia da República ou de diploma
regional.
Encontramos, ainda, a hipoótese de constituição de sociedades por decisão
judicial. Ela verifica-se no domínio das providências de recuperação das empresas, mais
especialmente na da reconstituição empresarial – art. 78º/1 do CPEF.
A constituição opera pela homologação judicial da deliberação da assembleia de
credores que aprove a competente proposta – art. 79º/1 e 4, al.a) do CEPF. A sentença
homologatória é título bastante para o registo da nova sociedade – idem, art. 79º/5

32º O Conteúdo

● Elementos gerais

Em rigor, o conteúdo de um contrato traduz a regulação jurídica por ele


introduzida, no âmbito delimitado pelas partes. Nas sociedades comerciais, a locução
abrange ainda elementos que, não sendo em si regulativos , se tornam essenciais para
depreender o regime fixado pelo contrato.O Código das Sociedades Comerciais fala a
tal propósito, em “elementos”, que constam do art. 9º.
Diversos preceitos complementam o conteúdo do contrato, a propósito dos
vários tipos sociais : art. 176º, quanto às sociedades em nome colectivo, art. 199º,
quanto às sociedades por quotas, art. 272º, quanto às sociedades anónimas e art. 466º
quanto às sociedades em comandita.
O art. 9º contém elementos necessários : a sua eventual ausência conduziria à
invalidade do contrato, nos termos do art. 42º/1, que especifica :
- a falta do mínimo de dois sócios fundadores, salvo quando a lei permita a
constituição unipessoal;
- a falta de menção da firma, sede, do objecto, do capital da sociedade, bem
como do valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta.
O art. 42º/2 distingue, destes vícios, os sanáveis por deliberação dos sócios,
tomada nos termos prescritos para a alteração do contrato : a falta de firma, de sede ou
de valor da entrada de algum sócio ou de prestações realizadas por conta desta. A
contrario, a falta do objecto ou do capital seriam insusceptíveis de sanação. A não
indicação do tipo de sociedade, quando insuprível com recurso a elementos contratuais,
deve ser considerada, também insanável.

● A interpretaçãoe a integração do contrato

A sociedade não pode ser considerada como um contrato comum. Ele não é
eficaz inter partes ou apenas inter partes : originando, pelo registo, um ente colectivo
personalizado, ele vem produzir efeitos erga omnes. Designadamente :

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- efeitos perante os novos sócios
- efeitos perante terceiros estranhos ;
- efeitos perante os credores da sociedade.
As regras de interpretação negocial vertidas nos artigos 236º do Código Civil,
pressupõem, fundamentalmente, um diálogo negocial a dois. Locuções como
“declaratário real”,”comportamento do declarante”, “vontade real” (236º) e “vontade
real das partes” (238º/2) compreende-se num mundo bidimensional : seriam
impraticáveis em contratos plurilaterais, em que, provavelmente, cada “declarante”
pensou em algo diverso. Além disso, regras como a do equilíbrio das prestações (237º)
têm a ver com contratos comulativos. Logo à partida, todas estas regras surgem
impraticáveis em contratos de organização, como sucede com o de sociedade.
A interpretação dos pactos sociais é fundamentalmente objectiva, devendo seguir
o prescrito para a interpretação da lei – art. 9º do Código Civil, com as inevitáveis
adaptações. Também a integração deverá seguir o prescrito no art. 10º desse Código, em
vez de apelar a uma vontade ipotéti ca das partes (quais?)
A doutrina alemã procurou distinguir , para efeitos de interpretação , entre
cláusulas obrigacionais e organizacionais e entre sociedades de pessoas e de capitais
:nos primeiros casos predominaria a interpretação negocial ; nos segundos, a “objectiva”
– leia-se : a legal.
Mantemos, pois, a natureza objectiva, de tipo legal, das interpretação e
integração do contrato de sociedade : que não haja receio em assumir as especificidades
próprias do Direito das sociedades.
Apenas cumpre fazer duas cedências aos princípios gerais de interpretação e de
integração, acima enunciados :
- o da presença de cláusulas extra-societárias;
- o da proibição de venire contra factum proprium

● A firma

O art. 10º contém diversas regras relativas à firma das sociedades comerciais. A
firma da sociedade pode ser constituída, consoante se alcança do art. 10º/2 e 3 :
- por nome ou firmas de algum ou alguns sócios (firmas pessoais ou sujjectivas);
- por denominação particular, quando seja composta por designações materiais,
atinentes à actividade social ( firmas materiais ou objectivas) ou por designações de
fantasia (firma de fantasia);
- por denominação particular e nome ou firma (ou nomes ou firmas),
simultaneamente ( firmas mistas).
De acordo com as regras gerais do Direito comercial, a firma obedece aos
seguintes princípios:
- autonomia privada : a escolha da firma compete ao interessado, ainda que com
limites do art. 32º/4, al. c),d) e e) do RNPC;
- obrigatoriedade e normalização : os comerciantes devem adoptar certa firma a
qual deve ter expressão verbal, susceptível de comunicação oral e escrita, em caracteres
latinos;
- verdade e exclusividade : quando tenha significado, deve retratar a realidade a
que se reporte;
- estabilidade : a firma não muda com a alteração dos titulares do
estabelecimento;
- novidade : a firma deve ser distinta de outras já registadas ou notoriamente
conhecidas.

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Estes prícipios, contantes dos artigos 32º e seguintes do RNPC, devem aplicar-se
às sociedades comerciais, cumulativamente com as regras do art. 10º do CSC.
A autonomia privada é limitada por lei, pela moral e pelos bons costumes : tal a
formulação do art. 10º/5, al.c), aquém da do art. 32º/4, al. c), d) e e) do RNPC.
A obrigatoriedade e a normalização estão, ainda, presentes: basta ver que o art.
9º/1, al.c) do CSC prevê a firma como elemento necessário de qualquer contrato de
sociedade.
O princípio da verdade vem largamento consignado no art. 10º/5, al.a) que veda
expressões que possam induzir em erro quanto à caracterização jurídica da sociedade e
no art. 10º/5, al.b), que proíbe as que surgiram, de forma enganadora, uma capacidade
técnica ou financeira ou um âmbito de actuação manifestamente desporporcionados.
O princípio da exclusividade, com o da novidade, ressalta do artigo 10º/2 e 3 já
examinados.
A firma pode exprimir o tipo de sociedade em causa. Nas sociedades em nome
colectivo, ela deve conter – art. 177º/1:
- ou os nomes de todos os sócios;
- ou o nome de um deles, com o aditamento, abreviado ou por extenso “e
Companhia”.
O papel da firma é tão importante que, alguém que não for sócio, incluir o seu
nome na firma, ficará responsável pelas dívidas, nos termos do art. 175º : 177º/2. como
se vê, nas sociedades em nome colectivo, apenas se admitem firmas pessoais ou subject
Ivas, o que vai ao encontro desse tipo social.
Nas sociedades por quotas, a firma deve ser formulada, com ou sem sigla:
- ou pelo nome ou firma de todos, algum ou alguns dos sócios;
- ou por uma denominação particular;
- ou por ambos, concluindo em qualquer dos casos, pela palavra “Limitada” ou
pela abreviatura “Lda.”. Admitem-se, pois, firmas pessoais, firmas objectivas, firmas de
fantasia ou firmas mistas. A propósito das firmas das sociedades po quotas, o legislador
reforça o príncipio da verdade – art. 200º/1 e 2.
Nas sociedade por quotas unipessoais, a firma deve ser formulada pela expressão
“sociedade unipessoal” ou pela palavra “unipessoal” antes da palavra “Limitada” ou da
abreviatura “Lda.” – art. 270º-B. Em tudo o mais terão aplicação as regras atinentes às
sociedades por quotas propriamente ditas – art. 270º-G.
As regras relativas à firma das sociedades anónimas – art. 275º - retranscrevem,
praticamente à letra, o disposto no art. 200º, para as sociedades por quotas. Apenas com
a diferença : em vez de “Limitada” ou “Lda” terá de surgir, agora, “sociedade anónima”
ou “S.A” .
Quanto às sociedades em comandita, devem as respectivas firmas ser
formuladas, pelo menos, pelo nome ou firma de um dos sócios comanditados, aditado
pela expressão “ em Comandita” ou “& Comandita” ou – sendo uma comandita por
acções, em “Comandita por Acções ou & Comandita por Acções” – art. 467º/1.
O nome dos sócios comanditários não pode surgir na firma ; se isso suceder ,
esse sócio passa a ser responsável, perante terceiros e pelos negócios em que figure a
firma em causa, nos termos impostos aos sócios comanditados. O mesmo, de resto
sucede a terceiros que facultem o seu nome para a firma – art. 467º/2 a 5.

● O objecto; aquisição de participações

O objecto da sociedade é constituído pelas actividades a desenvolver pelo ente


colectivo. O art. 11º tem diversas regras a tanto respeitantes.

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O objecto da sociedade deve constar de indicação correctamente redigido em
língua portuguesa.
Como objecto devem ser indicadas as actividades que os sócios se proponham
para a sociedade – art. 11º/2. A lei permite que o contrato indique uma série de
actividades não efectivas ; segundo o nº3, compete depois aos sócios, de entre as
actividades elencadas no objecto social, escolher aquela ou aquelas que a sociedade
efectivamente exercerá, bem como deliberar sobre a suspensão ou a cessação de uma
actividade que venha sendo exercida – nº3.
Questão controversa era a aquisição, pela sociedade, de participações sociais
noutras sociedades, a qual teria de ser facultada pelo pacto social.
O problema surgia particularmente candente no tocante a participações em
sociedades de responsabilidade ilimitada ; tais participações poderiam pôr em causa o
regime de responsabilidade próprio da sociedade participante.
Resolvendo dúvidas, o art. 11º/4 a 6, veio dispor:
- a aquisição de participações em sociedades de responsabilitdade limitada cujo
objecto seja igual àquele que a sociedade está exercendo – entenda-se : efectivamente –
não depende de autorização no contrato de sociedade nem de deliberação dos sócios,
salvo cláusula em contrário;
- a aquisição de participações em sociedade de responsabilidade ilimitada pode
ser autorizada livre ou condicionalmente, pelo trato social;
- de igual modo, tal autorização pode reportar-se à aquisição de participações em
sociedades com objecto diferente do efectivamente exercido, em sociedades reguladas
por leis especiais e em agrupamentos complementares de empresas.
Finalmente, o art. 11º/6 permite que a gestão de uma carteira de títulos
pertencentes à sociedade possa constituir o objecto dela.

● A sede e as formas locais de representação

A sede é um dos elementos essenciais do contrato de sociedade – art. 9º/1, al.e).


Segundo o art. 12º/1, a sede da sociedade deve ser estabelecida em local concretamente
definido. Aliás, pelo art. 10º/1, al.b), do RNPC, a sede ou domicílio e o endereço postal
de pessoas colectivas estão sujeitas a inscrição no FCPC.
Na falta de indicação da sede, surgirá, no caso de sociedades po quotas,
anónimas ou em comandita por acções registadas, a nulidade – art. 42º/1, al.b) – ainda
que sanável – idem, nº2; não poderá, assim, recorrer directamente ao art. 159º do
Código Civil.
O art. 12º/2 permite que o contrato autorize a administração, com ou sem o
consentimento de outros órgãos, a deslocar a sede dentro do mesmo concelho ou para
concelho limítrofe.
O nº3 desse mesmo preceito dispõe que a sede constitua o domicílio da
sociedade, sem prejuízo de se estabelecer domícilio especial para determinados
negócios.
O art. 13º/1 prevê “ formas locais de representação”ucursais, agências,
delegações e outras formas locais, no território nacional ou no estrangeiro.
A representação só pode ser levada a cabo por pessoas. No campo comercial, é
de esperar que a representação de uma sociedade seja assegurada por mandatário, nos
termos dos artigos 231º e seguintes do Código Comercial.
Temos, finalmente, as figuras dos gerentes, auxiliares e caixeiros, tratados no art.
248º do Código Comercial. À partida poderíamos dizer:

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- a sucursal traduz um centro autónomo de negócios, podendo mesmo se
personalizada; quando o não seja, ela estará, não obstante, apetrechada para a
celebração de todos e quiasquer negócios, traduzindo como que uma sede secundária;
- a agência exprimiria, apenas, um local de angariação de clientela; os negócios
assim obtidos seriam encaminhados para a sede propriamente dita, aí sendo concluídos;
- a delegação envolveria “poderes delegados”, o que incluiria a representação;
ficaria , porém, aquém da sucursal, uma vez que a delegação se limitaria a receber
instruções da sede;
- “outras formas de representação” poderiam incluir : secções, impostos, postos
de venda, postos de distribuição e lojas móveis, como meros exemplos.

● O capital social

Segundo o art. 9º/1, “ do contrato de qualquer tipo de sociedade devem constar:


(…), al.f) O capital social, salvo nas sociedades em nome colectivo em que todos os
sócios contribuam apenas com a sua indústria;
O art. 14º , na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 343/98, de 6 de
Novembro, dispõe: “ O montante do capital social deve ser sempre e apenas expresso
em moeda com curso legal em Portugal”.
Verifica-se, pelo enunciado legal, que o capital social não é um elemento
essencial do contrato de sociedade.
Em termos materiais, o capital de uma sociedade equivale ao conjunto das
entradas a que os diversos sócios se obrigarem ou irão obrigar. Assim:
- o capital diz-se subscrito ou a subscrever consoante as pessoas interessadas se
tenham, já, vinculado ou não às inerentes entradas;
- o capital considera-se realizado ou não realizado em função de terem sido ou
não concretizadas as entregas à sociedade dos valores que postule;
- o capital é realizado em dinheiro ou em espécie consoante o tipo de entradas a
que dê azo.
Nas sociedades em nome colectivo, podem ocorrer sócios de indústria, isto é
sócios adstritos a prestações de facere, por oposição a obrigações de entrega, em
dinheiro ou em bens. O valor da contribuição em indústria não é computado no capital
social – art. 178º/1. Resulta, daí que nas sociedades em nome colectivo em que todos os
sócios contribuam apenas com indústria, não há indicação de capital social – art. )º/1,
al.f).
O capital socia vem a ser apresentado por factores que traduzem os quinhões dos
sócios. Temos “partes do capital”, nas sociedades em nome colectivo – art. 176º/1, al.c)
– “quotas”, nas sociedades por quotas – art. 197º/1 – e “acções” nas sociedades
anónimas – art. 271º. Tudo isso deve ser expresso no pacto social, quantificando-se a
parte relativa a cada sócio e explicitando-se os pagamentos efectuados por cada um –
art. 9º/1, al.g). Na hipótese de entradas em espécie, cabe ao pacto social a descrição dos
bens em causa e a especificação dos valores respectivos – idem, al.h). As estipulações
de entradas em espécie que não satisfaçam as alíneas g) e h) do nº1 são consideradas
ineficazes, pelo art. 9º/2. Devemos ainda contar com outras noções de capita:
- capital contabilistico : cifra que consta do balanço, como passivo,
correspondente às entradas realizadas dos sócios ; quando por realizar, surgem no
activo;
- o capital estatutário ou nominal : valor inserido nos estatutos e que traduz, de
modo abstracto e formal, o conjunto das entradas dos sócios;

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- o capital real ou financeiro : expressão dos denominados capitais próprios ou
valores de que a sociedade disponha, como seus;
- o capital económico : imagem da capacidade produtiva da sociedade, enquanto
empresa ou conjunto de empresas.

● A duração

A sociedade dura por tempo indeterminado : tal solução supletiva que resulta do
art.15º/1. Às partes cabe, no pacto social, fixar uma duração determinada para a
sociedadem,altura em que ela só pode ser aumentada por deliberação tomada antes de
um prazo ter terminado – art. 15º/2. De outra forma , esse preceito manda aplicar as
regras referentes ao regresso à actividade, previstas no art. 161º.
A fixação da duração de uma sociedade poderá, ainda, ser feita por remissão
para termo certo.

● Vantagens, retribuições e indemnizações

O art. 16º acresecenta , ao rol de elementos do contrato de sociedade, ainda um


factor eventual : a indicação de vantagens, indemnizações e retribuições.
O elenco desse preceito é o seguinte :
- vantagens concedidas a sócios;
- o montante global por esta devido a sócios ou a terceiros, a título de
indemnização;
- idem a título de retribuição de serviços prestados.
A razão de ser de tal indicação resulta do art. 16º/2 : trata-se de conseguir que as
inerentes obrigações sejam oponíveis à própria sociedade. Na falta de indicação, elas
apenas serão oponíveis aos fundadores. Além disso, verifica-se que a sociedade só
assume, de pleno direito, os direitos e obrigações decorrentes dos negócios jurídicos
referidos no art. 16º/1, com o registo definitivo do contrato – art. 19º/1, al.a).

Secção II – Sociedades em formação e sociedades irregulares


33º O processo de formação de sociedades

● Fases necessárias e negócios eventuais

No caso das sociedades, é de lidar com a hipótese de situações prévias de


duração alongada a que, genericamente, chamaremos “ sociedade em formação”.
Por via dos dispositivos legais em vigor, particularmente dos artigos 7º/1, 5º,
18º e 167º, podemos dizer que, na formação duma sociedade, intervêm sempre as
seguintes três fases : as fases necessárias :
- escritura pública
- registo
- publicações obrigatórias
Na presença de um registo prévio, previsto no art. 18º/1 e, nos termos aí
prescritos, anterior à escritura, a sequência das fases necessárias será:
- registo prévio
- escritura pública
- registo definitivo
- publicações obrigatórias

40
Na hipótese de registo prévio parece claro que, antes de requerer o registo
público, as partes terão de celebrar previamente ( e pelo menos) um duplo acordo:
- o relativo aos estatutos, uma vez que o requerimento do registo prévio deve ser
instituído com “… um projecto completo do contrato de sociedade”;
- o referente à própria decisão de requerer o registo prévio em causa.
Para além das fases necessárias enunciadas, poderão ocorrer determinados
negócios eventuais. Distinguimos, em termos não exaustivos:
- acordos de princípios;
- promessa de sociedade;
- negócios instrumentais preparatórios;
- acordo de subscrição pública;
- acordo destinado a fazer a sociedade antes do registo definitivo.
Os acordos de princípios inserem-se na categoria da contratação mitigada. Eles
correspondem à formalização de negociações, em regra complexas, visando estabilizar
os patamares de consenso alcançados.
Quando a sociedade definitiva esteja suficientemente prefigurada e as partes se
obriguem, mutuamente, a celebrar o competente contrato, teremos uma promessa de
sociedade.
Para além da promessa de sociedade, poderão ainda surgir diversos negócios
instrumentais preparatórios : promessas de subscição de certa percentagem de capital ou
de todo o remanescente , promessas de entrada com bens específicos, de cedência de
instalações, de apoio logístico e outras.
Podia ainda ocorrer um negócio preliminar espacífico, pressuposto pela lei : o
acordo destinado à subscrição pública – art. 279º.

● A boa fé in contrahendo

Em todo o processo conducente à definitiva constituição de uma sociedade, as


partes devem observar as regras da boa fé, previstas no art. 227º/1, do Código Civil. A
inobservância das regras da boa fé in contrahendo é priomordial.
Saliente-se ainda, que ninguém pode renunciar previamente aos direitos que lhes
possam advir de esquemas defeeituosos de preparação de sociedades : consequência
directa de vários princípios e, designadamente, do art. 809º do Código Civil.
No domínio da preparação da sociedade poderão, ex bona fide, ocorrer diversos
deveres preliminares, com as seguintes linhas de concretização :
- deveres de segurança
- deveres de lealdade
- deveres de informação

● Situações pré-societárias ; a tradição da sociedade irregular

Os sócios podem, antes de completado o processo de contituição de uma


sociedade, iniciar a actividade visada por esta.
Situações pré-societarias ou pré-sociedade, isto é, realidade em funcionamento,
antes de completada, pelo registo, a constituição de uma sociedade.
A pré-sociedade dispõe, no actual Código das Sociedades Comerciais, de um
circunstanciado e expresso regime legal – artigos 36º a 41º.
Na origem desta figura encontramos uma noção, de sociedades “não-existentes”
foram, depois, consideradas (apenas) sem personalidade jurídica ou sem personalidade

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jurídica plena, na opinião dominante – eram ditas, por todos, sociedades irregulares. As
sociedades irregulares abrangiam ocorrências diversas:
- sociedades com vício de forma;
- sociedades cujo processo constitutivo ainda não estivesse concluído,
designadamente por falta de matrícula ou de inscrição no registo;
- sociedades de facto;
- sociedades com vícios constitutivos.

34º As sociedades irregulares por incompleitude

● Ideia geral e modalidades

A noção de “sociedade irregular” não tem, no Direito vigente, consagração legal


expressa. È certo que o Código das Sociedades Comerciais, no art. 172º, menciona a
hipótese de o contrato de sociedade não ter sido celebrado “na forma legal”.
Todavia, mau grado a falta de precisa consagração legal, a doutrina e, sobretudo,
a jurisprudência , continuam a usar a expessão “sociedade irregular” para cobrir:
- a sociedade organizada e posta a funcionar independentemente de as partes
terem formalizado qualquer contrato de sociedade;
- a sociedade formalizada por escritura pública, mas ainda não registada;
- a sociedade formalizada por escritura pública, mas cujo contrato seja inválido ;
será possivel aqui subdistinguir situações consoante haja, ou, não registo.
Tendo em conta os regimes aplicáveis, iremos reservar a expressão “sociedade
irregular” para os casos em que haja incompleitude do processo, seja por falta da
própria escritura, seja por ausência do registo.
As situações a reconduzir às sociedades irregulares têm em comum, duas
importantes circunstâncias:
- a não-conclusão do processo formativo, o qual pressupõe um acordo solene e o
registo definitivo;
- a efectiva presença de uma organização societária em funcionamento, com
relações actuantes : quer entre os sócios interessados, que comterceiros.

● Sociedade material e sociedade aparente

Passando a analisar as diversas sociedades irregulares, deparamos desde logo,


com o art. 36º epigrafado “relações anteriores à escritura pública”. Esse preceito
abrange, todavia, duas situações bastante distintas:
- a do nº 1, onde se prevê uma mera situação de sociedade material, sema
cobertura de qualquer acordo entre as participantes;
- a do nº 2 que prefigura já um acordo tendente à constituição de uma sociedade
comercial, mas sem que se tenha celebrado a escritura.
A primeira categoria de sociedades irregulares que iremos abordar é a das
sociedades materiais: situações que, no campo da materialidade, correspondem a
contribuições de bens ou serviços, feitas por duas ou mais pessoas, para o exercício em
comum de certa actividade económica, que transcenda a mera fruição, com o fim de
repartição dos lucros daí resultantes.
Uma ideia ampla de sociedade meramente material abrangeria todas as situações
societárias a que faltasse ou um contrato válido, ou o registo mas que,todavia,tivessem
dado azo, no espaço jurídico, a uma organização de tipo societário em efectivo
funcionamento. Em rigor, na presença de qualquer contrato (ainda que inválido), já não

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haveria uma situação puramente material. Fica, pois, o sentido estrito, em que a
sociedade material equivale á sociedade aparente.
A sociedade aparente caracteriza-se por não ter, na origem, qualquer contrato ou
acordo societário. Assistir-se-ia à presença de uma mera organização societária a qual,
por ser perceptiva por terceiros, surgiria como uma aparência.
O legislador parece ter feito uma distinção radical:
- uma aparência total de sociedade, em que os responsáveis nem intenção têm
de celebrar um contrato;
- uma situação em que tal intenção já existiria.
Na primeira hipótese, haveria uma responsabilidade solidária e ilimitada entre os
participantes ; no segundo, aplicar-se-iam as regras das sociedades civis.

● A pré-sociedade entes da escritura

Uma segunda hipótese de sociedade irregular surge no art. 36º/2. Que tipo de
acordo exige a primeira parte do art. 36º/2? Dados os valores em presença bastará um
acordo muito simples e incipiente. Designadamente, a lei não exige uma promessa de
celebração do contrato de sociedade definitivo.
Pergunta-se se esse acordo não deveria, pelo menos, incluir os elementos
requeridos pelo contrato civil da sociedade que se irá aplicar.De facto, terá de haver um
minimum de elementos, para se poder identificar a própria situação. Mas isso implicará,
simplesmente, a indicação das partes e a determinação da actividade comum em causa.
Quanto ao resto:resulta da lei.
Finalmente : a sociedade resultante da aplicação do final do art. 36º/2 é civil ou
comercial? Comercial não pode ser.A haver elementos suficientes para se poder falar em
sociedade, ela será civil.

● A pré-sociedade depois da escritura e antes do registo ; a) Relações internas

O Código das Sociedades Comerciais veio, depois, prever a pré-sociedade


subsequente à escritura pública mas anterior ao registo.Repare-se : havendo escritura, as
relações entre os sócios, sejam pessoais, sejam patrimoniais, estão precisadas. O único
óbice resulta da falta de personalidade jurídica (plena) a qual, nos termos do art. 5º ,
apenas surge com o registo definitivo.
A lei estabelece um sistema para este tipo de pré-sociedades que assenta,
fundamentalmente, em distinguir relações entre sócios ( afrt. 37º) e relações com
terceiros ( art. 38º a 40º). No tocante às relações entre os sócios são aplicáveis:
- as regras previstas no próprio contrato e as legais ( correspondentes entenda-se,
ao respectivo tipo), com as adaptações necessárias e salvo as que pressuponham o
contrato definitivo registado – art. 37º/1;
- em qualquer caso, a transmissão inter vivos de posições sociais e as
modificações do contrato social requerem, sempre, o consentimento unânime de todos –
idem,nº2.

● Segue ; b) Relações externas nas sociedades de pessoas

Depois de regular as relações internas das pré-socieadades já formalizadas, em


escritura pública, mas ainda não registadas, o Código das Sociedades Comerciais passa
às relações externas ou relações com terceiros.

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Nesse domínio, ele procede a um tratamento diferenciado, em consonância com
o tipo de sociedade que esteja em causa. Distingue:
- sociedades em nome colectivo;
- sociedades em comandita simples;
- sociedades por quotas, anónimas e em comandita por acções.
Podemos agrupar as duas primeiras numa rubrica sobre sociedades de pessoas e,
as três últimas, noutra sobre as sociedades de capitais.
Quanto às sociedades en nome colectivo : pelos negócios realizados em seu
nome, depois da escritura e antes do registo, com o acordo expresso ou tácito dos
diversos sócios – acordo esse que se presume – respondem, solidária e ilimitadamente,
todos eles – art. 38º/1. Caso não tenham sido autorizados por todos os sócios,
respondem apenas aqueles que os tenham realizado ou autorizado – nº2.
O que entender por “responder”? “responder”, é aqui usado no sentido de
alguém ser convocado em termos de responsabilidade patrimonial. Os própriosnegócios
celebrados em nome das pré-sociedades visadas devem ser cumpridos por estas – ou
nem haveria negócios! E se o não forem , a pré-sociedade incorre nas consequências do
incumprimento. Havendo que passar à fase de execução patrimonial : responderá a
própria pré-sociedade, com os bens que porventura já tenhe e respondem os sócios que
tenham celebrado ou autorizado os negócios em causa : salvo ilisão:todos.
Vamos, pois, sustentar que a “responsabilidade solidária e ilimitada” referida no
art. 38º/1, segue o regime do art. 997º/1 e 2 do Código Civil incluindo, designadamente,
o benefício da prévia excussão do património social.
As cláusulas que limitem objectiva ou subjectivamente os poderes de
representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas, aquando da
celebração dos contratos respectivos – art. 38º/3. Trata-se da solução que corresponde às
regras gerais.
As relações, com, terceiros, das sociedades em comandita simples, cujos
contratos tenham sido notoriamente outorgados mas que não se encontrem, ainda,
registadas, mereceram ao legislador um longo preceito : o art. 39º. Diz em súmula:
- pelos negócios celebrados em nome da sociedade, com o acordo de todos os
sócios comanditados ( o qual se presume) respondem todos pessoal e solidariamente –
nº 1;
- nos mesmos termos responde o sócio comanditário que tenha consentido no
início da actividade social, salvo se provar que o credor conhecia a sua qualidade – nº2;
- se os negócios celebrados não tiverem sido autorizados por todos os sócios
comanditados (ilidindo-se, pois, a presunção), respondem apenas os que os realizarem
ou aprovarem – nº 3;
- as cláusulas que limitem objectiva ou subjectivamente os poderes de
representação só são oponíveis aos terceiros que se prove conhecerem-nas, aquando da
contratação.

● Segue; c) Relações externas nas sociedades de capitais

As relações com terceiros, das sociedades por quotas, anónimas ou em


comandita por acções, já celebradas por escritura mas ainda não registadas, obedecem à
regra seguinte : pelos negócios celebrados em seu nome respondem ilimitada e
solidariamente todos os que intervenham no negócio em representação da sociedade em
causa, bem como os sócios que o autorizem ; os restantes sócios respondem apenas até
às importâncias das entradas a que se obriguem, acrescidas das importâncias que
tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas – art. 40º/1.

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A responsabilidade em causa já não opera se os negócios forem expressamente
condicionados ao registo da sociedade e à assunção por esta, dos respectivos efeitos –
idem, nº2.
Pergunta-se, também aqui, se não seria justo e sistematicamente adequado fazer
intervir, em primeiro lugar, o fundo comum da sociedade : o próprio art. 36º/2 a tanto
conduziria. E independentemente disso: não deveria a própria (pré-)sociedade responder
também pelas dívidas em seu nome contraídas?
Nos negócios celebrados pelos seus representantes: os que agiram nessa
representação e os que autorizem tais negócios respondem por eles, solidária e
ilimitadamente. O art. 40º/1 acresecenta ainda, no fim, que os restantes sócios
respondem até à importância das entradas a que se obrigaram, acrescidas das
importâncias que tenham recebido a título de lucros ou de distribuição de reservas.
A responsabilidade dos representantes e dos sócios que tenham autorizado os
negócios não isenta o património social da responsabilidade principal. Além disso,
mercê do art. 997º/1 e 2 do Código Civil, os representantes e sócios demandados
dispõem do beneficium excussionis.
Resta acrescentar que tudo isto é supletivo : cessa se os negócios forem
expressamente condicionados ao registo da sociedade e á assunção por esta dos
respectivos efeitos – art. 40º/2. Pode-se ainda admitir que seja pactuado deste regime :
se necessário, sob invocação do art. 602º do Código Civil.

● A capacidade

Qual a capacidade das sociedades irregulares? Os dados legais são os seguintes:


- pode ser iniciada a actividade social antes da escritura pública, seguindo-se,
então , o regime próprio das sociedades civis – art. 36º/2;
- podem se realizados “ negócios” por conta das sociedades em nome
colectivo – art. 38º/1 ; esta tem 2representantes” – idem nº 3; um esquema
semelhante funciona para as sociedades em comandita simples – art. 39º/1 e
4;
- podem ser realizados “negócios” em nome das sociedades de capitais,
agindo, certas pessoas, “em representação delas” – art. 40º/1;
- ainda essas mesmas sociedades, sempre antes do registo, podem distribuir
lucros e reservas – art. 40º/1, in fine
Os preceitos referidos bastam para concluir que as sociedades, particularmente
as pré-sociedades, dispõem de uma capacidade geral similar à que compete à própria
sociedade definitiva.
Na concretização da sua capacidade, a sociedade irregular disfruta da
representação orgânica. Esta será levada a cabo por qualquer dos seus promotores, no
caso do art. 36º/2 (pré-sociedade anterior à escritura) ou pelos órgãos competentes já
previstos nos seus estatutos, nas hipóteses dos artigos 38º a 40º (pré-sociedades
posteriores à escritura mas anteriores ao registo).

· A natureza ; a) Algumas doutrinas

Podemos ordenar as diversas teorias explicativas das sociedades irregulares em


três grandes troncos:
- a teoria da sociedade de facto
- a teoria dos limites da nulidade
- a teoria da organização

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Segundo a teoria da sociedade de facto, a sociedade poderia ter, na sua origem,
não apenas um contrato concluído entre as partes interessadas, mas, também, a simples
evidência dos seus surgimento e funcionamento, no campo dos factos.
A teoria da sociedade de facto pouco ganharia em ser reconduzida a uma
construção mais vasta de “relações contratuais de facto”, dada a total heterogeneidade
desta última. Isoladamente tomada, a “sociedade de facto” deixa por explicar a sua
positividade jurídica, não determinando quaisquer regras. É evidente que, embora “de
facto”, a sociedade aqui em jogo obedece a regras. Aliás, pela natureza da situação tais
regras deverão mesmo ser mais precisas do que as das sociedades comuns.
A teoria dos limites da nulidade foi inicialmente apontada para explicar a
essência das sociedades em contratos inválidos. A teoria diz-nos o seguinte: pela
natureza das coisas, as regras que determinam a invalidade e uma sociedade não são
radicais, pretendendo afastar o ente visado, como se não existisse; pelo contrário: têm
alguns limites, através dos quais a sociedade irregular ainda pode exercer certa
actividade.
Os limites às invalidades societárias, bem como às suas incompleitudes
constituem uma base para qualquer eficácia jurídica. Têm uma importância evidente
para sistemas que, como o português, disponham de um elevado nível regulativo. O
facto de se descobrirem regras explícitas que, à nulidade das sociedades, ainda atribuam
certas consequências não dispensa procurar o porquê de tais normas. Daí, todavia , uma
inquestionável base juridico-positiva para qualquer solução efectiva. É ainda seguro que
o resultado passa por um desvio em relação às regras de nulidade e aos efeitos. Pelo
menos: um desvio aparente.
A teoria da organização parte, em geral, de uma apregoada dupla natureza do
contrato de sociedade; uma relação interna, puramente obrigacional e uma exterior, de
tipo organizatório. Esta última tenderia a transcender a obrigacional: representaria um
centro de interesses próprios, dando azo a um evidente elemento de confiança. O direito
não poderia deixar de o reconhecer.

· Segue; b) Posição adoptada

A sociedade irregular por incompleitudes é, muito claramente, uma sociedade


assente na vontade das partes. Esta é, pela lei, aproveitada até aos limites do possível. A
hipótese de acordo informal ( art. 36º/2) é equiparada à sociedade civil, pressupondo-se,
naturalmente: com o conteúdo que as partes lhe tiverem dado. Havendo escritura, o seu
teor rege os direitos entre as partes( art. 37º). E mesmo quanto às relações externas :
tudo funciona consoante o figurino adoptado pelas partes ( art. 38º, 39º e 40º).
A sociedade irregular por incompleitude – portanto : a pré-sociedade – é uma
pessoa colectiva erigida pela vontade das partes e na base da sua autonomia privada.
Poder-se-ia apelar à temática das pessoas rudimentares. Seria útil no caso do art.
36º/1 : a sociedade aparente funciona em modo colectivo apenas muito limitadamente.
Já após o acordo de constituição – art. 36º/2 – altura em que se remete para as
sociedades civis puras, poderá haver personalidade mais ampla : depende do nível de
organização alcançado.
Tudo isto aponta para uma única e inevitável conclusão: as sociedades
irregulares retiram a sua jurídica-positividade da vontade das partes.
O passo seguinte : qual a figura derivada da vontade das partes? De acordo com
as categorias gerais, como são hoje entendidas, tal figura dá azo a um contrato. Que
contrato? Perante a noção geral do art. 980º do Código Civil, confirmada, aliás , por
quanto ela representa, tal contrato só poderá ser... um contrato de sociedade.

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As sociedades irregulares são verdadeiras e próprias sociedades, ainda que
diferentes do figurino elencado do art. 1º/2.

35º Sociedades Irregulares por invalidade

· A categoria; a 1ª Directriz das sociedades comerciais

A capacidade aglutinante da velha figura das sociedades irregulares foi


reforçada, de modo muito curioso, pela 1ª Directriz das sociedades comerciais ou
Directriz nº 68/151/CEE, do Conselho, de 9 de Março de 1968, que pretendeu coordenar
as garantias que, para a protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas,
nos Estados-Membros, às sociedades.
Os fundamentos da invalidade das sociedades comerciais correspondem, deste
modo, a uma exigência comunitária, que já foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça.
Transcebdendo as exigências comunitárias, o legislador consagrou uma
regulação minuciosa para esta matéria: os artigos 41º a 52º. A lei poderia, claramente,
ter sido mais sistemática e simples. A mera leitura das epígrafes dos preceitos
implicados mostra uma ordenação caleidoscópica, díficil de reter e que não era exigida
pela ordem da União. Na sequência , iremos distinguir:
- princípios gerais;
- regras quanto a sociedades de pessoas;
- regras quanto a sociedades de capitais.

· Os princípios gerais ; o favor societatis

Os princípios gerais relativos à ineficácia dos negócios jurídicos são de


elaboração civil.
Como pano de fundo, temos a seguinte regra : o negócio jurídico que, por razões
extrínsecas ( impossibilidade, indeterminabilidade, ilicitude ou contrariedade à lei ou
aos bons costumes) ou intrínsecas ( vício na formação ou na exteriorização) não
produza efeitos ou, pelo menos, todos os efeitos que, por lei, ele deveria produzir, é
ineficaz. Dentro da ineficácia, a categoria a deter é a invalidade. Finalmente, dentro da
invalidade e quando a lei não disponha de outro modo, o vício concretizado é o da
nulidade. Todas estas regras sãqo aplicáveis ao contrato de sociedade, antes de ter
ocorrido o registo. Segundo o art. 41º/1, 1ª parte, enquanto o contrato não estiver
registado “... a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas
disposições aplicáveis em negócios jurídicos nulos ou anuláveis” Apenas com duas
especificidades:
- as invalidades ( nulidade declarada ou anulação pronunciada) envolvem a
liquidação da sociedade, em termos abaixo referidos – art. 41º/1, 2ª parte;
- a invalidade resultante de incapacidade é oponível, também, a terceiros – art.
41º/2.
No domínio das sociedades comerciais, operam regras diversas das comuns. A
nulidade pura e simples iria comprometer todos os actos já praticados pela sociedade em
jogo, desamparando os terceiros e pondo em risco a própria confiança que a
comunidade deve dispensar ao fenómeno societário. Por isso, encontramos aqui todo
um conjunto de regras destinadas a minimizar, por vários ângulos, a invalidade das
sociedades comerciais e as consequências dessa invalidade, quando ela seja inevitável.É
o favor societatis.
O favor societatis exprime-se , na lei portuguesa, em sete vectores:

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- na limitação dos fundamentos de nulidade;
- na introdução de prazos para a invocação dessa nulidade;
- na presença de esquemas destinados a sanar as invalidades;
- na delimitação da legitimidade para invocar a nulidade;
- na limitação dos efeitos da anulabilidade, perante as partes;
- numa certa inoponibilidade das invalidades a terceiros;
- na presença de um regime especial, no tocante à execução das consequências
da nulidade.
A sociedade tem uma especial consistência juridico-social. As razões da sua
nulidade são limitadas – art. 42º/1.
Em princípio, a nulidade pode ser invocada a todo o tempo, e por qualquer
interessado. Mas perante o contrato de sociedade, já não é assim:
- desde logo, antes de intentar a acção, há que interpelar a sociedade para
sanar o vício, quando este seja sanável ; só nos 90 dias após a interpelação se
pode interpor a acção;
- a acção deve ser intentada no prazo de três anos a contar do registo, salvo
tratando-se do Ministério Público – art. 44º/1 e 2; quer isso dizer que,
passado esse prazo, o direito de propor caduca;
- ela pode ser iniciativa por qualquer membro da administração, do conselho
fiscal ou do conselho geral da sociedade ou por qualquer terceiro “...que
tenha interesse relevante e sério na procedência da acção...”
De notar, ainda, a presença de deveres acessórios, destinados a conter danos. Já
referimos a necessidade de, ante de intentar a acção, se interpelar a sociedade para que
se sane – se sanável- o vício : uma exigência que opera como pressuposto processual
uma vez que, sem ela, a acção não será considerada quanto ao fundo. Opera, assim,
como ónus. Mas há, ainda, verdadeiros deveres legais de informar, segundo o art. 44º/3.
Os membros da administração devem comunicar, no mais breve prazo, aos sócios de
responsabilidade ilimitada e aos sócios de sociedades por quotas, a proposição da acção
de declaração de nulidade.
Este dever visa facultar o conhecimento da acção dentro da sociedade,
permitindo, aos interessados, tomar as medidas que entenderem e, no limite : iniciar o
processo de sanação do vício. A sua omissão presume-se culposa – art. 799º/1 do
Código Civil – e obriga o prevaricador a indemenizar o lesado por todos os danos
causados.
Dado o teor do art. 44º, ele aplica-se, claramente, a todos os tipos de sociedades
comerciais.
A anulabilidade tem, como se sabe e nos termos do art. 287º/1, do Código Civil
requisitos especiais de funcionamento, e uma vez actuada , ela tem efeitos similares aos
da declaração de nulidade. Aqui intervém o favor societatis:
- nas sociedades de capitais, certos fundamentos de anulabilidade operam
(apenas) como justas causas de exoneração dos sócios atingidos ; quanto à incapacidade
: ela gera uma anulabilidade limitada ao incapaz – art. 45º/1 e 2;
- nas sociedades de pessoas , a invalidade por determinados fundamentos
provoca anulabilidade apenas perante o atingido, salvo na impossibilidade de redução
prevista no art. 292º do Código Civil – art. 46º;
- em qualquer dos casos, o sócio que obtenha a anulação do contrato, nos termos
do art. 45º/2 ou 46º, tem o direito de rever o que prestou e não pode ser obrigado a
completar a sua entrada mas, “…se a anulação se fundar em vício da vontade ou usura,
não ficará liberto, em face de terceiros, da responsabilidade que por lei lhe competir
quanto às obrigações da sociedade anteriores ao registo da acção ou da sentença – art.

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47º; o disposto nos artigos 45º a 47º vale, com as adaptações necessárias, se o “…sócio
incapaz ou aquele cujo consentimento foi viciado…” ingressar posteriormente na
sociedade – art. 48º
- a anulabilidade pode ver o seu prazo encurtado, através do dispositivo do art.
49º; qualquer interessado pode notificar o impugnante para que anule ou confirme o
negócio ; perante a notificação, tem o notificado 180 dias para intentar a acção, sob
pena de o vício se considerar sanado;
- quanto aos efeitos : eles podem ser substituídos pela homologação judicial de
medidas, requeridas pela sociedade ou por um dos sócios, e que se mostrem adequadas,
para satisfazer o interesse do autor, “…em ordem de evitar a consequência jurídica a
que a acção se destine” – art. 50º/1.

● Segue ; os efeitos da invalidade

Uma manifestação importante do favor societatis é a das consequências da


invalidade, nos termos do art. 52º. Em princípio, a invalidade tem os efeitos radicais do
art. 289º do Código Civil, efeitos esses que, doutrinariamente, têm sido amortecidas, em
obrigações duradouras.
No caso das sociedades comerciais, as consequências da declaração de nulidade
ou da anulação do respectivo contrato foram objecto de específico regime legal.
Desde logo, segundo o art. 52º/1, a invalidação do contrato de sociedade
determina : “ (…)a entrada da sociedade em liquidação,nos termos do art. 165º
,devendo esse efeito ser mencionado na sentença.”
Recordamos que a liquidação, regulada nos artigos 146º e seguintes, é o
conjunto de operações que, dissolvida uma sociedade, permitem o pagamento dos
credores sociais e a repartição do remanescente pelos sócios, nos termos acordados ou
legais.Pois bem : a invalidação de uma sociedade não pode saldar-se pelas restituições
que, normalmente, acompanham as comuns declarações de nulidade ou anulação. O
simples facto de poder haver relações com terceiros, traduzidas na existência de
credores sociais ou de devedores à sociedade e a possibiliadade de se desenvolverem,
ainda, negócios pendentes, obriga a uma série de operações ditas “ de liquidação”. Há
um claro paralelo com a dissolução, o que justifica a remissão lega.
A exigência de liquidação apresenta-se, aqui, como uma norma de tipo
processual formal, com custos. Tais custos constituem risco dos sócios que hajam
decidido subscrever a sociedade viciada, tenham ou não culpa na ocorrência. A redução
teleológica do art. 52º/1 não aprece possível. Esta asserção é confirmada por dois
corolários, jurisprudencialmente apurados:
- não pode haver dispensa de liquidação nem formação do respectivo processo à
margem da lei, mesmo nos casos em que o património da sociedade não tenha passivo e
em que o activo seja composto por dinheiro ou bens susceptíveis de imediata partilha
entre os ex-sócios;
- perante a invalidade do contrato de sociedade por vício de forma, ocorrida
antes do registo definitivo, não podem ser restituídas, aos sócios, o valor das prestações
que fizeram a título de entrada, com base no art. 289º/1 do Código Civil.
O legislador sentiu, depois, a necessidade de se ocupar dos negócios concluídos
anteriormente em nome da sociedade. A regra básica é a de que esses negócios não são
afectados, na sua eficácia, pela declaração de nulidade ou anulação do contrato social –
art. 52º/1. Há que interpretá-lo de modo estrito, permitindo a introdução de duas
delimitações:

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- é necessário que o próprio negócio anteriomente concluído com a sociedade
não incorra em nenhum fundamento de invalidade;
- exigindo-se, ainda, que o terceiro protegido esteja de boa fé, no sentido geral :
desconhecer, sem culpa, o vício que afecta a sociedade.
Este entendimento pode ser perturbado pelo art. 52º/3. A contrario, pareceria
que, provindo a nulidade de quaisquer outros vícios, a tutela referida no art. 52º/2
aproveitaria mesmo a terceiros de má fé. Pense-se na hipótese do terceiro que, com
dolo, tivesse provocado a invalidade da sociedade, por erro de um (ou mais) sócio,
integrando o dolo de terceiro previsto no art. 254º/2 do Código Civil: poderia bloquear a
invalidade da sociedade? A resposta deve ser claramente negativa.
Quanto à lógica da tutela de terceiros, explica o art. 52º/4: a invalidade não
exonera os sócios da realização das suas entradas nem da responsabilidade pessoal e
solidária que, por lei e perante terceiros, eventualmente lhes incumba.
Naturalmente: cessará a responsabilidade quando perante um “sócio” cuja
incapacidade tenha sido causa de anulação do contrato ou quando ela venha a ser
oposta, por via de excepção, às sociedades, aos outros sócios ou a terceiros – art. 52º/5.

● Especificidades das sociedades de pessoas

Quanto às sociedades de pessoas – fundamentalmente: sociedades em nome


colectivo e em comandita simples – a primeira observação é clara : elas caem fora da 1ª
Directriz sobre Sociedades Comerciais. Segundo o art. 1º da Directriz em causa, ela
apenas se dirige a sociedades anónimas, a sociedades em comandita por acções e a
sociedades por quotas, isto é : às geralmente chamadas sociedades de capitais.
Desde logo, o art. 43º/1 enuncia: “ Nas sociedades em nome colectivo e em
comandita simples, são fundamentos de invalidade do contrato, além dos vícios do
título constitutivo,as causas gerais de invalidade dos negócios jurídicos segundo a lei
civil.”
Os “vícios do título constitutivo” correspondem aos fundamentos de invalidade
admitidos na 1ª Directriz, para atingir as sociedades de capitais e que o art. 42º/1 verteu
para a ordem interna : art. 43º/2, que acrescenta ainda a falta de menção do nome ou
firma de algum dos sócios de responsabilidade ilimitada.
Os vícios que atinjam o “título constitutivo” – e que a lei ilustra referindo “a
falta ou nulidade da indicação da firma, da sede, do objecto e do capital social da
sociedade, bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por
conta desta” – podem ser sanáveis por deliberações dos sócios, tomadas nos termos
estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato – art. 43º/3. De facto : são
alterações do contrato.
Quanto à segunda categoria dos vícios – isto é, segundo o art. 43º/1, “…as
causas gerais de invalidade dos negócios jurídicos, segundo a lei civil” – o Código isola,
expressamente, o que considera “vicios da vontade e incapacidade”, enumerando – art.
46º : o erro, o dolo, a coação, a usura e a incapacidade. Para o seguinte:
- a invalidade daí resultante só opera em relação ao contraente que sofra o erro
ou a usura ou que seja incapaz – 1ª parte;
- podendo, todavia, o negócio ser anulado no seu todo (“quanto a todos os
sócios”) se, perante o art. 292º do Código Civil, não for possível a sua redução às
participações dos outros.
Impõem-se dois reparos. Em primeiro lugar, o regime do art. 46º acaba por ser o
da redução, previsto no art. 292º do Código Civil, conquanto que expresso em termos
invertidos.

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Em segundo : quid iuris quanto aos vícios gerais não referidos no art. 46º? Uma
vez que a especificidade do art. 46º se espaira, afinal, no regime comum, bastará fazer
apelo a este. Nas sociedades de pessoas, os diversos vícios que possam atingir o
contrato constitutivo respectivo dão azo às competentes invalidades ; porém, quando
toquem, apenas, num dos sócios (ou mais), os contratos atingidos são recuperáveis pela
redução, quando possível art. 292º do Código Civil.

● Especificidades das sociedades de capitais

No tocante às sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por acções,


operado o registo definitivo, apenas se admite a declaração de nulidade do
correspondente contrato, por algum dos fundamentos referidos no art. 42º/1.
Tais sociedades não podem ser anuladas sob nenhum fundamento. Tão-pouco
pode ser suscitada a hipótese de “inexistências”, que não são admitidas, como vício
autónomo, pelo Direito civil português. A sequência do art. 42º/1 é taxativa.
O art. 42º/2 considera sanáveis “…por deliberação dos sócios, tomada nos
termos estabelecidos para as deliberações sobre alteração do contrato…”, alguns dos
vícios elencados como relevantes : a falta ou nulidade da firma e de sede da sociedade,
bem como do valor da entrada de algum sócio e das prestações realizadas por conta
desta.
O art.45º/1 elenca determinados vícios da vontade – o erro, o dolo, a coacção e a
usura – a que acrescenta a incapacidade. Pois bem : tais eventualidades, não podem
determinar a anulabilidade de sociedades de capitais ( registadas…), visto o art. 42º/1 ;
constituiram, todavia, justa causa de exoneração do sócio atingido, desde que se
verifiquem as circunstâncias de anulabilidade. Tratando-se de incapacidade, teremos
uma anulabilidade relativa apenas ao incapaz – art. 45º/2.
Tal como fizemos perante o preceito paralelo – o art. 46º - relativo às sociedades
de pessoas, também aqui cabem dois reparos:
- o regime limitador das consequências da anulabilidade abre na regra geral da
redução dos contratos societários com invalidades;
- ficam sem referência legal os outros vícios : simulação parcial, simulação
relativa, falta de consciência da declaração, coacção física e incapacidade acidental ;
desta feita compete, caso a caso, verificar se tais vícios podem, por analogia, constituir
justa causa de exoneração.

Secção III – O registo e as publicações


36º O registo comercial e as sociedades

● Aspectos gerais do registo comercial

O registo comercial equivale a um conjunto concatenado de normas e de


princípios que regulam um sistema de publicidade racionalizado e organizado pelo
Estado, relativo a actos comerciais.
Por seu turno, a publicidade relativa a actos comerciais pretende sá-los a
conhecer ao público interessado.
O relevo da publicidade dos actos comerciais leva o Direito a tornar obrigatório
o seu registo, em diversas circunstâncias. A efectivação do registo obedece a regras.
O Decreto-Lei nº 42664, de 14 de Novembro de 1959, retirou a matéria do
registo comercial do Código de Veiga Beirão.

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Seguiu-se finalmente, o Código do Registo Comercial de 1986, aprovado pelo
Decreto-lei nº 403/86 de 3 de Dezembro.
O registo comercial tem determinadas técnicas de funcionamento e obedece a
princípios. Recordemo-los:
- princípio da instância: o registo comercial efectua-se a pedido dos
interessados; apenas haverá registos oficiosos nos casos previstos na lei – art.
28º do CRCom;
- princípio da obrigatoriedade :
1) directa : a inscrição de certos factos, referidos no art. 15º/1 e 2, do
CRCom é imperativa, sob pena de coimas ;
2) indirecta: os diversos factos sujeitos a registo só produzem efeitos
perante terceiros, depois da inscrição – art. 14º/1 – ou da publicação –
art. 14º/2 do CRCom;
- princípio da competência : o registo deve efectivar-se na conservatória com
cuja circunscrição territorial o facto a inscrever tenha conexão relevante, de
acordo com certas regras fixadas nos artigos 24º e seguintes, do CRCom;
- princípio da legalidade: segundo o art. 47º, desse Código, compete ao
conservador : “ apreciar a viabilidade do pedido de registo (...)”.
Contraponto deste princípio é a recusa do registo, a qual deve operar nos casos
seriados no art. 48º/1 do CRCom.

● Os efeitos do registo

O primeiro efeito é o prsuntivo. Segundo o art. 11º do CRCom : “o registo


definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em
que é definida”.
O segundo é o da prevalência do registo mais antigo : havendo, com referência
às mesmas quotas ou partes sociais, inscrições ou pedidos incompatíveis de inscrições,
prevalece o primeiro inscrito, nos termos do artigo 12º/1 do CRCom.
O efeito constitutivo diz-nos, em síntese, o seguinte: contrariando o vector da
imediata produção de efeitos por contrato – art.406º/1, do Código Civil – as leis
impõem, por vezes, a ocorrência de um registo, para que determinados actos produzam
todos os efeitos que se destinam a produzir.
Finalmente, temos um efeito indutor de eficácia, que se manifesta em duas
proposições :
- a publicidade negativa: o acto sujeito a registo e não registado não produz os
seus efeitos ou todos os seus efeitos;
- a publicidade positiva: o acto indevida ou incorrectamente registado pode
produzir efeitos, tal como emerja da aparência registal.

● Actos societários sujeitos a registo

À partida, o registo teria um efeito constitutivo primordial, no seio do Direito


das sociedades - art. 5º.
Tal preceito deixa de fora todas as constituições que não operam por contrato e
que, de todo o modo, não poderão deixar de ser registadas.
Cumpre começar por relevar os actos societários sujeitos a registo. Segundo o
Código de Registo Comercial, estão sujeitos a registo, logo pelo art. 3º, vinte e um
grupos de actos relativos a sociedades comerciais e civis sob a forma comercial, que
poderemos ordenar da seguinte forma :

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- o contrato de sociedade e, em geral, as suas modificações;
- as transformação, cisão, fusão, dissolução e liquidação das sociedades;
- as transmissões de partes sociais ou de quotas e as operações a elas relativas;
- a deliberação de amortização , conversão ou remisão de acções e a emissão de
obrigações;
- a designação e a cessação de funções dos administradores, dos fiscalizadores e
do secretário , salvo determinadas excepções;
- determinadas relações de grupos entre sociedades
- a prestação de contas.
Deve assinalar-se que estão sujeitos a registo comercial a generalidade dos actos
relevantes e relativos a cooperativas (art. 4º), a agrupamentos europeus de interesse
económico ( art. 7º) e a estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada ( art.
8º).
Estão ainda sujeitas a registo as acções que tenham como fim, principal ou
acessório, declarar, fazer reconhecer, constituir, modificar ou extinguir qualquer dos
direitos referidos nos artigos 3º a 8º - art. 9º, al.b) – e ainda:
- as acções de declaração de nulidade ou de anulação dos contratos de
sociedades – al.c);
- as acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais , bem
como dos procedimentos cautelares de suspenção destas – al.e);
- as decisões finais obtidos nesses processos – al.h);
- diversas acções do domínio da insolvência – al. i) a n), todas do art. 9º.
Acrescenta o art. 10º, entre “outros factos sujeitos a registo”:
- a designação de gestor judicial – al.b);
- a criação, a alteração e o encerramento de representações permanentes de
sociedades – al. c);
- a prestação de contas de sociedades com sede no estrangeiro e representação
permanente em Portugal – al. d).
Deve frisar-se que todo este esquema é reforçado pelo art.15º/1 do CRCom.
Quanto ao Código das Sociedades Comerciais, cumpre relevar:
- art. 5º : as sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a
partir da data de registo definitivo do contrato ;
- art. 112º : os efeitos da fusão dão-se com a sua inscrição no registo comercial ;
- art. 120º : idem, quanto à cisão
- art. 160º : idem, quanto à extinção.

● O efeito condicionante de eficácia plena

Não se torna díficil imputar às diversas inscrições de actos societários uma


eficácia constitutiva e isso mesmo quando , vocabularmente, a lei aponte para essa
dimensão. Assim :
- quanto ao registo do contrato de sociedade – art. 5º : o contrato, uma vez
celebrado, produz a genaralidade dos seus efeitos, seja inter partes, seja perante
terceiros : artigos 37º, 38º, 39º e 40º; no fundo, a grande consequência da falta do
registo tem a ver com a não-limitação da responsabilidade dos sócios;
- quanto ao registo da fusão – art. 112º ; a extinção das sociedades incorporadas
ou fundidas e a transmutação das posições societárias operam na data do registo , pela
evidente necessidade de fixar uma fronteira a quo e ad quem ; todavia, antes do registo,
temos toda uma série de efeitos, que se desencadeiam com a eleboração do projecto de

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fusão – art. 98º - e que se desnvolvem numa série de procedimentos subsequentes – art.
99º e seguintes; tudo isto é aplicável à cisão – art. 120º;
- também o registo da extinção – art. 160º - visa fixar uma data segura para a
ocorrência ou para o seu encerramento ; o processo a ela conducente.

37º O registo definitivo do contrato de sociedade

● A eficácia do registo

Cabe ponderar, na lei, a eficácia do registo. O art. 5º associa-lhe a personalidade


jurídica e a existência “como sociedades”. Este preceito perde importância, uma vez que
a sociedade devidamente constituída por escritura pública e ainda não registada opera
como um centro próprio de imputação de regras, dispondo de capacidade jurídica.
Com o registo surgirá uma entidade diferente? A teoria adoptada é a teoria da
identidade. Um problema pode surguir com o art. 19º. A asunção prevista destes
negócios é retroactiva e liberatória em relação ás pessoas “ responsáveis”, segundo o
art. 40º - art. 19º/3.
Já no tocante a direitos e obrigações decorrentes de outros negócios celebrados,
antes do registo, em nome da sociedade, a sua assunção depende de decisão da
administração, a comunicar à contraparte nos 90 dias subsequentes ao registo – art.
19º/2. Exigir-se-á – naturalmente e nos termos gerais – o acordo prévio ou subsequente
da “contraparte”.
O registo definitivo permite ainda a montagem eficaz dos sistemas de
responsabilidade limitada, facultando, em geral, os eaquemas de imputação próprios de
cada um dos tipos societários. Trata-se de vectores que podemos retirar, sem
dificuldade, dos artigos 38º, 39º e 40º.

● A natureza do registo

Não oferecerá dúvidas o facto do registo constitutivo implicar o cumprimento da


obrigação legal de o requerer – art. 15º/1, do CRCom. Além disso, ele permitirá uma
oponibilidade da sociedade a terceiros (mesmo de boa fé) – art. 14º/1 do CRCom,
doutrinariamente complementado. No tocante a relações internas, há que aplicar os
artigos 36º e seguintes, como predispõe o art. 13º/2 do CRCom.
As conclusões quanto à natureza do registo têm, agora, o campo aberto. Assim:
- o registo não é constitutivo da personalidade colectiva nem, muito menos, da
sociedade : esta já existia anteriormente; a eficácia é, neste ponto, declarativa;
- o registo condiciona a adopção de determinados negócios, pela sociedade;
- o registo faculta a plena eficácia das normas próprias do tipo societário
considerado.

38º Publicações e outras formalidades

● Publicações obrigatórias

A lei prevê publicações obrigatórias. Tais publicações vêm reportadas, por


remissão, no art. 70º/1 do CRCom, acabando por abranger a generalidade das situações
relativas a sociedades de capitais.

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A publicação é oficiosa : segundo o art. 71º/1 do CRCom, deve o conservador
promover as publicações obrigatórias no przo de 30 dias e a expensas do interessado. As
modalidades de publicações e o seu teor resultam do art. 72º, do mesmo diploma.
A matéria vem retomada no Código das Sociedades Comerciais que lhe
consagrou todo um capítulo da parte geral : o XIV, precisamente intitulado publicidade
dos actos sociais. Aí, o art. 166º anuncia o princípio geral , enquanto o art. 167º se
reporta a publicações obrigatórias, retomando o Código do Registo Comercial.
Verifica-se que as publicações assumem um papel autónomo. Segundo o art.
168º/2 : “ a sociedade não pode opor a terceiros actos cuja publicação seja obrigatória
sem que esta seja efectuada, salvo se a sociedade provar que o acto está registado e
que o terceiro tem conhecimento dele”.
O art. 14º/2, do CRCom, depõe na mesma direcção. Por seu turno, o art. 168º/3
vai mais longe.
As regras apontadas podem ser alijadas através da notificação directa dos actos,
feita pela sociedade aos terceiros potencialmente interessados ou perante os quais tenha
interesse em fazer valer os actos sujeitos a registo. Nessa altura, os terceiros notificados
não poderão invocar a falta de publicações – art. 168º/2 – e, a fortiori, o não terem
podido tomar conhecimento – art. 168º/3. A própria falta do registo poderá ser suprida,
desde que, pela notificação fique provado o conhecimento do terceiro e, daí, a sua “má
fé”. Basta, para tanto, uma interpretação conjunta e capaz dos artigos 14º/1 e 22º/4 do
CRCom.

● Outras formalidades

A constituição de uma sociedade implica, ainda diversas formalidades


subsequentes. Assim :
- a declaração fiscal do início de actividade – art. 95º/1 do CIRC;
- o pedido do cartão definitivo de pessoas colectiva – art. 16º do RNPC;
- registo no cadastro comercial – Decreto-Lei nº 462/99 de 5 de Novembro – ou
industrial – Decreto-Lei nº 97/87 de 4 de Março;
- a inscrição obrigatória na segurança social – Decretos-Leis nº 103/80, de 9 de
Maio e 8-B/2002 de 15 de Janeiro.

Capítulo III – Situação jurídica dos sócios


Secção I – Conteúdo geral
39º A qualidade de sócio como um estado

● Aspectos gerais ; titularidade e participação

À partida, os sócios corresponderiam às pessoas que celebram o contrato de


sociedade, dando lugar à organização dele derivada e ingressando, nela, com a posição
que tenha sido acordada.
A qualidade de sócio passa a ser expressa pela titularidade de inerente
posição.Essa titularidade pode ser original – quando o próprio sócio considerado tenha
participado na celebração do contrato constitutivo – ou pode ser adquirida : na hipótese
de o interessado ter vindo, por alguma das vias em Direito conhecidas, a subingressar na
posição considerada.

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● Enumeração legal de direitos e deveres

No Código das Sociedades Comerciais, a matéria relativa aos direitos e deveres


dos sócios, conquanto fundamental, não foi sistematizada. Com efeito, encontramos, na
parte geral:
- no capítulo III – contrato de sociedade – secção I – celebração e registo, o art.
9º (elementos do contrato) nº1, alínea f), que refere o capital social e a alínea g) que
menciona “ a quota de capital e a natureza da entrada de cada sócio, bem como os
pagamentos efectuados por conta de cada quota”;
- nos mesmos capítulo e secção, o art. 16º (vantagens, indemnizações e
retribuições), relativo aos elementos epigrafados, quando concedidos a sócios em
conexão com a constituição da sociedade;
- idem, o art. 17º, dirigido aos acordos parassociais, fontes de diversos direitos.
De seguida, ainda no capítulo III, encontramos uma secção II precisamente
epigrafada obrigações e direitos dos sócios em geral.Contém, numa primeira subsecção
sobre obrigações e direitos dos sócios em geral:
- art. 20º ( obrigações dos sócios): enumera a obrigação de entrada e o dever de
quinhoar nas perdas;
- art. 21º ( direitos dos sócios) : enumera o de quinhoar nos lucros, o de
participar nas deliberações sociais, o de obter informações e o de ser designado para os
órgãos sociais;
- art. 22º (participação nos lucros e perdas): desenvolve esses aspectos, proíbe os
pactos leoninos e a remissão para critério de terceiros;
- art. 23º (usufruto e penhor de participações) : refere a matéria epigrafada,
formulando regras;
- art. 24º ( direitos especiais) : fixa normas sobre o assunto : umas gerais e outras
relativas a certos tipos sociais.
Seguem-se duas subsecções : uma – a II – relativa a obrigações de entrada ( art.
25º a 30º) e outra – a III – referente à conservação do capital ( art. 31º a 35º)
Finalmente temos o capítulo IV sobre deliberações dos sócios – artigos 53º a 63º.

● Direitos especiais

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