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Cony [use (Mee 3 Capiruto Tt 1. EXISTE UMA LITERATURA INFANTIL PROPRIAMENTE DITA? lar no quadro gi — ou assim se supor — uma persor nida, Téla-é realmente? Existir infantil? Haverd livros, pots, que correspondam cabslmente 8 intimidade ‘da erianga? Juan Ramén Jiménez conta que, quando Perguntava aos garotos portorriquenhos sua preferencia em matéria de presentes, eles lhe pediam sempre um livro... embora tivessems cerescentes experigncias © fanto neste como nos dei \eguayd & kehon Falah Sg lulr, ‘outros consigo. Mas nfo se referiam a livros de estudos Ihes resplandecia nos olhos, diz escola por sua aura minosos, da pin ro belo, sem outra do & segredo para ninguém que a crianga sonhe com traduza sua inquietude e sacie plenamente seu interesse. lo, se partissemos do fato indiscu infantil € diferente da do adulto e de que, eclama alimento adequedo, seria I6gico accitar sem reservas réria acomodada & psique infantil. Ne tal forma de expressio seria to-somente a que tantos esctitores d cam especialmente as criangas e que Altamira, hé muitos anos, el sificou de “boba, insossa e ins{pida”®, Transcendendo, porém, essa expressio boba, parecia impossivel egar-se, por outro lado, a literatura de escritores que, = © caso mais tipico, perminente objeto de referéncia —, abandona- tam toda ¢ qualquer ocupagio “séria” para dedicarse a escrever “historias para criangas”, como pensam cles, segundo eles propri declararam. As divides quanto a existéncia dessa forma literétia assal. ‘aram-nos muitas vezes, sobretudo quando pensamos estar mudando eh tanta coisa, como acentua Gabriela Mistral e, entre elas, também naquilo que foi chamado, em outro tempo, literatura infantil, “© que aconteceu_na pocsia € muito grave” — ‘observa —. "um absurdo que poderiamos chamar de balbucio de docentes, o primdrio em vez do primordial, o chiste em lugar da graga, 0 bobo m simples. Poucas baboseiras existirfo como essa poesia a entre a doutrinagéo © a espontancidade”*, Desta. ma vvezes, ou melhor, quase nunca, o livro infan nido por Juan Ramén Jiménez, O sempre, um resumo de contos ab qualquer e que aqui nos chega: microseépicos para martttio da sportado, compos : Teveo, Chiqui 1s, Pulgarcito e dan?ng 9 Ptertrlquta, antlogle para nis, Havens 193. Prlogo do Jap ie here. ‘ Greve, Ldero pend, Madi, 1925, i flor pra ie, eta a Pedogal, bi de ii, 15 ‘outros que tais — escreve um professor espanhol de vinte e cinco 8 Fantomas © outros herdis da mesma ralé. Esta é a literatura da massa. Poucos sio 0s que podem saborear 0 de obras seletas, como os Contos de Grimm, Coragio ou Robinson Crusoe, Uns poucos mais se apaixonam pelas obras de aventuras de Verne, de Salgati, de Mayne Reid, quando nfo tropecam e afogam 1a literatura ridfoula ou pomnogréfica®. Seré ribarmos nas numerosas declaragdes autobiogré: fas de personalidades da arte da literatura, assim como nes conhe ‘que essa forma literéria, com corpo € e, pois, pretendendo agradar ao gosto {intelectual das criangas, Séo muitos os ex ido. Entre eles, ndo quero esquecer o de um menino mew conhe- cido, que recordava ao pai, toda vez que recebia um livro de presente: -”. Ow o cléssico exemplo da ‘ao Ihe perguntarem se gostava de um coni como dos mais belos contos infantis escritos por seu i acrescentando, porém, preferir as histérias que a “Esté bem, se no for para criencas. teres, dentro da expres que respondem as exigéncias de sua psique durante 0 processo de conhecimento e de apreensio, que se ajustam ao ritmo de sua evolugio mental, © em especial ao de determinadas forgas ‘que 0s livros escritos para as criancas esto longe de satisfazé-las digno de nota — afirmou Anatole France — o fat ais, em geral, afirma que isso se deve a dois graves defeitos nos puerilidade, incorrem os escritores voltados sempre “se julgam obrigados a apresentar a vi recompensada e vicio castigado. As criangas peroebem confuse: mente 0 que hé de artificial nessa representagio e logo se entediam”’. Dentre os muitos autores que, de passagem, trataram esse tema, Mark ‘Twain zombou, com muita finura e sobeja razio, como mira, “da bobice” de contos morais que se podcriam dizer cléssicos”. B quase dbvio que, “o mostrar sempre as criancas a f como fiel companheira da virtude e 0 infortinio que segue, live pectos que estudaremos mais pormenorizadamente em capftulo esp. vida e, assim, além disso, esté na medula da general dos conhecimentos que a escola procura transmitir as criangas. Em sua ineficécia, porém, a forga de dogmatizar-se em sua funcio, eles tam- ‘bém tém seu castigo, A esta séria objecio caberia ajuntar ainda a do ppedagogo francés Rigaul, para quem apresentar as criangas a virtude “como fonte asseguradora de lucros, como bom investimento, 6 fazé-la a familia pedagdgica do ilo “pesado e enfadonho”. uma moral enganadora, & bese de ardis, ¢ uma moral para a infancia, 4 base de asticia, que “me parece perversa e, na melhor das hip6- teses, sem atrativos para nossa gente generosa”®, Preocupado com 0 tema, que também interessou a todo o seu ppafs em determinado momento, Ani Biblioteca de Susana, pergunta’primeiro se devemos entregar as crian- ‘gas obras especialmente escritas para elas, jé que existem tantos ante- cedentes da reagio infantil contra qualquer livro que procure circuns- reverse & sua mentalidade. A pergunta no falta um profundo sentido cespecilativo, B possivel que esse aff de se tomar teriza todas as obras dessa classe e ct experiéncia sem transcendénci pobre imaginaséo. Comprovamos, juntamente com 0 autor de El Libro de mi Amigo, como as criangas preferem sempre um capitulo do Don Quixote, uma hist6ria de Shakespeare ou de Moliére, um conto de Tolstoi ou de Homero ada para o seu paladar. Por isso mesmo, nfo icar 0 conceito do mestre francés de que, para as a, é mais compreensivel um génio preclaro e de que as obras que Thes agradam so aquelas “em que se apresentem criagdes mag- nificas e espléndidas, nas quais a perfeita ordenacio des partes forme tum conjunto luminoso ¢ cujo estilo seja enérgico e racional”, . Seria ele um es de sua obra, a critica literéria concluiu por consideré-lo um dos grandes mestres de todos os tempos. Esta apreciagfo seria falsa, fosse ele considerado apenas um autor de literatura infantil. No fundo, Perrault, como Defoe ou Verne, nio é um escritor de personagens criados para a infancia e, sim, exatamente como pensa Arvele Barine, apenas um “Homero burgués” que recolheu a tradieéo de uma época recorrendo animais para nao softer toda classe de oposi¢io, como aconteceu com © grande Moliére, contempordneo de ambos. por essa mesma raziio que os contistas “para iangas”, como destaca Barine em seu excelente ibro de mi Amigo, 4: ed., Madi, p. 220. ‘contes de Perrault”, Revue de Deus Mondes, ‘outro escritor francés que, ao referir-se ao notavel Andersen, afirma que © lew na infancia e que “continuamos a 1é-lo mesmo com a barba grise- tha”, E se 0 Don Quixote, as hist6rias de Shakespeare e Homero, em to se deve especialmente fied, pois nem Cervantes nem Sha- 1as obras famosas pensando em dirigit-se espe- como 0 fez Perea kespeare escreveram cificamente as crian recatiedade de sun imaginagio, deve necessit ide de meios, de expressdes ncias, que desenvolvam um irama de modo mais © autor apurou a0 |, seu alto saber *, pois tudo isso se faz necessério para entreter © ctianga®, Tudo isso e muito mais, acrescentamos és. Nenhum conhecimento que se tente inculcar na crianga, de maneira abstrata, {ago das personagens, da soma das experincias populares e tudo isso dito por meio das mais elevadas formas de expresso e com inegével elevagio de pensamento. Assim, de acordo com estas ponderagées, podese afirmar a exis- i i ‘mum léxico especial, 8 € responder a suas para fomentar na crianga determinadas correntes psiq tanto, the interessam mais vivamente do que a preferentem« 12. Maurice ellison, "H.C. Andersen et ses contes”, Revue Pédagogi- bro de. 1907, Paris, p. 308. ‘Anatole Francs, ob. ct, p. 222.

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