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EDITAL FAPERJ N.

IC 2017/02
PROGRAMA DE APOIO INICIAÇÃO CIENTÍFICA. PROCESSO E-26/200.329/2018
ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Projeto de iniciação científica

A POÉTICA DAS “CENAS DA NATUREZA” E A FORMAÇÃO DA


LITERATURA E DA HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA BRASILEIRA

WALLACE RIBEIRO RAMOS

LÚCIA RICOTTA VILELA PINTO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Rio de Janeiro
02/2019

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Resumo

O projeto A Poética das Cenas da Natureza e a Constelação Espacial na


Formação da Literatura e da Historiografia Literária Brasileira, coordenado pela
Profa. Lucia Ricotta Vilela Pinto, trata de uma ampla pesquisa através da qual pretende-
se desconstruir categorias românticas como a de cenas da natureza, por exemplo, a partir
de uma perspectiva crítica ligada à legibilidade histórica de práticas letradas e regimes
ainda tradicionais que regem as letras, o discurso histórico e a geografia, os quais mantêm
em longa petrificação a origem nacionalizada dos cenários sublimes
naturais. E, para isso, será de notável importância a consideração sobre a larga tradição
ainda vigente da imago mundi orientando os esquemas de letrados românticos, de modo
que isso nos permita interpretar criticamente os românticos, sem romantismos, detectando
em suas estratégias políticas e programáticas dirigidas à literatura as inovações de
empréstimo e de segunda mão que adotam. Além disso, procura-se, cruzando as fronteiras
que dividiam e ao mesmo tempo aproximavam o Brasil e a França, alcançar certo contexto
alemão, a fim de mobilizar a matriz esquecida do programa das cenas da natureza, cuja
referência fundamental vem do viajante Alexander von Humboldt. Deste modo,
estabelece-se um diálogo transnacional entre esses três países, ampliando o espectro das
significativas construções de “comunidades imaginadas”, de meados do século XIX, que
tiveram grande repercussão nos projetos literários e culturais do Brasil em formação.
Dentre alguns dos objetivos, destacam-se para o recorte da pesquisa de Iniciação
Científica:
- Analisar o regime poético e retórico das letras ainda conservado na relação entre
literatura, historiografia literária e representações espaciais do primitivo e originário no
corpus circunscrito ao longo da pesquisa bibliográfica;
- Recuperar a analogia entre arte e natureza, e distinguir a arte técnica da arte do gênio.
Duas noções de arte plenas de tensão nesse contexto da literatura e da historiografia
literária. Diante dessa tensão, ponderar sobre a noção do romântico, da “inspiração” e da
subjetividade romântica.
- Apreciar como a geografia enquanto pintura do mundo e paisagem concorre para a
tipologia das virtudes e vícios locais e para proporção e desproporção entre civilização e
primitivismo, origem e artifício.

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Desta forma, no âmbito do projeto, foram desenvolvidas atividades específicas
concernente aos estudos da narrativa do romance As Afinidades Eletivas (1809) de J. W.
Goethe, que se configurou como núcleo da pesquisa de IC. A partir disso, foi realizado
levantamento bibliográfico sobre as configurações possíveis entre literatura, natureza,
arte e astrologia, de fins do séc. XVIII e início do séc. XIX, com direcionamento para os
estudos do romance.

1. Objetivos gerais
Com o título retirado do universo das substâncias químicas afins, o romance
tonou-se o ponto de partida da minha pesquisa que tenta revelar afinidades entre a arte
(literatura), natureza e astrologia. A narrativa trata do casal de aristocratas Eduard e
Charlotte que, ao se reencontrarem após ambos tornarem-se viúvos, decidem se casar
retomando uma paixão vivida quando ainda eram jovens. Os dois se mudam para o
campo, onde passam a viver isolados em um suntuoso castelo nos arredores de Weimar,
até que são surpreendidos por forças que se manifestam com a chegada de um velho
amigo de Eduard, o Capitão, e da jovem sobrinha de Charlotte, Ottilie. Como em uma
experiência científica, ao se verem isolados na erma residência e liberarem as forças de
seus temperamentos, estabelecem um fluxo de trocas energéticas carregadas de desejos,
paixões, traumas e vontades que levam Eduard a se apaixonar por Ottilie e Charlotte pelo
Capitão. A partir do rompimento da aliança matrimonial, há o rompimento de uma
unidade visceral entre os personagens que permite uma outra configuração virtual de
corpos afins, através de movimentos que escapam à captura da compreensão e dos
sentidos da mente racional, entram em um estado de atração e magnetismos. Esta
constelação de paixões entre os personagens pode ser lida como uma “configuração
sensível” (conceito de Walter Benjamin), que nos permite investigar a partir de uma
“objetividade experimental” (conceito de Isabelle Stengers), a expressão anímica de
temperamentos liberados segundo a movimentação dos corpos celestes, trânsitos
astrológicos e cosmológicos que animam a expressão da natureza. Sendo esta última
considerada como expressão do próprio cosmos, a pesquisa se debruça sobre a série de
agenciamentos e transfigurações metamórficas na experiência, nos modos e nos gestos
capazes de criar, pensar, imaginar, sobretudo dar e receber afetos.

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1.1. Objetivos específicos
A partir da análise do conceito de afinidades eletivas proposto por Goethe e o
exame sobre a ligação que pode efetivamente revelar naturezas afins entre a literatura em
questão e as artes astrológicas, esta pesquisa pretende atingir as configurações sensíveis
da subjetividade no romance em questão, identificando de que maneira ocorre “a junção
entre a voz da natureza e o artifício humano”, a circunscrição das séries humanas e não-
humanas, da natureza e da desnatureza através de uma cartografia cosmográfica dos ciclos
naturais e astrológicos que considera um sentido de natureza humana instintiva, intuitiva,
subjetiva e emocional, expressas como semelhanças do próprio cosmos. A partir da
pesquisa e leitura de diferentes traduções do romance e o estudo sobre a presença do
simbolismo de elementos naturais como a terra e a água (dos rios, córregos, lagos e
fontes), observando como esse aspecto simbólico revela, desvela e rege as características
miméticas dos temperamentos e ações dos personagens, meu olhar foi direcionado para a
reflexão sobre o novelo de paixões que se forma na figura de Ottilie, a partir de uma atenta
leitura sobre a forma como a movência de suas afecções está impulsionada pelos ciclos
celestes e naturais. Sensível às influências elementares, a personagem agencia seu
movimento de subjetivação sob a força imperiosa da natureza, através da renúncia ao
amor que nutre por Eduard e do sacrifício como forma de expurgar o desejo e manter o
respeito diante do impedimento moral no qual se encontra. Para tanto faço uso da
cosmografia como forma de observação que permite o mapeamento dos céus, dos astros
e seus respectivos movimentos de transições aplicados ao estudo das diversas
configurações sensíveis e constelações de paixões presentes no romance. Cosmografia
entendida como o estudo da conexão entre as percepções terrestres e celestes circunscritas
a uma possibilidade de leitura material, cartográfica, a relação entre as ações humanas e
naturais com o espaço sideral e suas possíveis consequências dentro do âmbito social e
da própria natureza. Neste sentido, meu recorte se dá na relação entre os ciclos naturais e
os ciclos astrológicos e sua máxima expressão através do elemento terra, simbolizado
(também) nos diferentes arquétipos de Saturno: cronos, o titã, o mítico, o romano, o velho
maléfico, o criador do insight, o chumbo alquímico, o mestre do tempo, sobretudo como
a grande força telúrica e ordenadora sobre a qual se estrutura a base maquínica das
afinidades eletivas.

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2. Objetivos alcançados e resultados parciais obtidos
É pela construção da narrativa intimamente ligada às questões da terra, das
plantas, dos rios e dos planetas regentes que a expressão poética das possibilidades que a
natureza oferece apresentam o tênue equilíbrio entre o natural e o artificial. O
agenciamento das faculdades miméticas e movimentos de subjetivação dos personagens
sob uma força natural, magnética e imperativa que, no entanto não se resume a uma
simples relação binária entre escolhas e determinações, mas muitas vezes abre caminhos
para indefinições fazendo emergir certo tipo de embaraço moral que requer para si um
novo pacto capaz de dar conta destes novos enigmas da moralidade.
“Assim como cada coisa mantém uma relação consigo mesma, também guardará
uma relação com as demais”, Charlotte diz à Eduard enquanto discutem o conceito de
Afinidades Eletivas, o marido lhe responde: “E isso ocorrerá de maneira diferente, à
medida da própria diferenciação dos seres observados”.1
Seja pela ruptura das leis sociais diante da instituição casamento, seja pela
materialização dos desejos e fantasias dos personagens, cristalizados por exemplo no filho
de Charlotte e Eduard. A criança nasce com as feições do Capitão e de Ottilie, tornando
impossível negar ou esconder o embaraço moral das relações afins entre esses amantes,
que formam outra configuração sensível dos sentimentos. Diante desse embaraço, Ottilie
se aferra ao trabalho com a terra, conversas com o jardineiro, leituras sob árvores,
observação e posterior escrita em seu diário sobre os ciclos naturais e os ciclos e círculos
humanos.
“A primavera chegou tarde, porém mais célere e jovial que de costume. Agora
Ottilie deparava no jardim os frutos de seu desvelo; tudo germinava, enverdecia e
florescia no momento azado (...) e infundia um delicioso sentimento de prazer”.2
Ottilie empreendende movimentos semelhantes a Deméter, mãe da terra, regente
de toda a natureza e protetora das criaturas indefesas, o olhar atento e minucioso da jovem
faz com que dedique extrema atenção não somente ao jardim, mas também o cuidado
com os outros, sobretudo Eduard por quem nutre um desejo que não pode ser consumado.

1
GOETHE, Johann Wolfgang von. As Afinidades Eletivas. São Paulo: Penguin Classics Companhia das
Letras, 2014. p. 54
2
Idem, p. 232
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3. Demais objetivos a serem cumpridos
Neste primeiro ano de pesquisa, um dos objetivos foi estudar com as afinidades
eletivas de Goethe as naturezas afins da literatura com as artes astrológicas, concebidas
aqui como ponto de articulação, relação e afinidade entre termos opostos: telúrico e
corpos celestes, união e separação, natureza e artício. É programa para o futuro ampliar a
circunscrição da pesquisa, passando a estudar de maneira comparada o romance
“Avalovara” (1973) do brasileiro Osman Lins, no qual o autor estrutura toda a narrativa
a partir da conjunção entre duas formas geométricas: a espiral e o quadrado, as afinidades
entre a literatura e as artes astrológicas através da expressão da natureza e a subjetividade
humana. Desta maneira, essa pesquisa pretende se estender ainda para um pensamento
mais preciso acerca do que significa esse conceito de afinidades eletivas de Goethe, tendo
em vista o eco que tal conceito terá no âmbito da antropologia estruturalista e pós-
estruturalista de Lévi-Strauss. Com isso, iremos aproximar a literatura de Osman Lins dos
atravessamentos da antropologia estrutural e pós-estrutural sobre os processos de escrita
de Osman Lins e sua imaginação. Além disso, para precisar de modo mais rigoroso as
ressonâncias das afinidades eletivas para o caso brasileiro de Osman Lins, será importante
pensar sobre os agenciamentos possíveis de sua literatura e arte. De que modo ele
configura sensivelmente subjetividades do escritor? Estudar de modo crítico a noção de
afinidade a partir de Lévi-Strauss e seus estudos sobre as estruturas de parentesco, vindo
a extrair deles um modo de agenciamento de subjetivações (no qual a subjetividade deixa
seu estado de ilha) que contraria de modo especial com o que Gilles Deleuze no texto
“Michel Tournier e o mundo sem outrem” vai chamar de “os efeitos da ‘estrutura Outrem’
no campo perceptivo” pois, segundo o filósofo, “outrem assegura as margens e transições
no mundo”. Mundo este onde está em jogo “o aprisionamento ou a libertação de todos os
elementos”, o ar, o fogo, a terra, o céu.

4. Dificuldades encontradas
Refletindo sobre a própria pesquisa de iniciação científica e o interesse na minha
formação em estudar a literatura pertinente, com a pretensão de me tornar um pesquisador
da área, no sentido material sou aluno de uma univesidade pública federal que possui uma

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pequena biblioteca insuficiente e restrita. Na circunscrição da minha pesquisa, o acesso a
muitos livros tem um elevado custo (não condizente com o valor da bolsa de pesquisa de
IC) por nunca terem sido publicados no Brasil, ou se encontram esgotados ou não
possuem exemplares disponíveis em bibliotecas. No sentido teórico, destaco o desafio
metodológico de realizar minhas leituras a partir da experiência da conjunção como um
processo de enovelamento, que não se resume a um estudo interdisciplinar entre literatura
e astrologia, mas diz respeito também a exploração de uma relação metamórfica entre
diferentes experiências e existências. Sob a perspectiva da conjunção, os agenciamentos
de Ottilie estabelecem umma ligação sintática clara, entre espaço e tempo, através de uma
força telúrica, propagada a partir das faculdades miméticas que lhe permitem realizar uma
leitura mágica das semelhanças naturais que se apresentam ao seu redor, configurando
uma nova experiência que prioriza a efemeridade, o movimento. Tanto o exercício de
olhar para o passado conferindo-lhe a capacidade de alterar o presente, quanto a
reordenação do futuro visto não apenas como mudança que ambicionamos no horizonte,
mas como agente da movência que opera no presente, e nos dá o poder de transformar a
realidade em um constante processo de criação e reorganização do mundo.

5. Realização do projeto dentro do prazo


Conforme previsto no cronograma incial do projeto, o primeiro ano da pesquisa
foi dedicado ao levantamento bibliográfico, reconhecimento orientado da bibliografia de
pesquisa, leitura sistemática da bibliografia selecionada e a produção de duas
comunicações, a primeira intitulada “Cosmografias das Afinidades Eletivas da literatura,
natureza, arte e astrologia”, apresentada inicialmente durante a Quarta Reunião Aberta do
Grupo de Pesquisas CNPq Literatura e linguagens: fronteira, espaço, performance,
memória, sediado na Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, e posteriomente uma segunda comunicação foi produzida com o título
“Regências de Saturno e Subjtividade Telúrica”, apresentada na 17ª Jornada de
Iniciação Científica da Unirio, tendo sido publicada na forma de resumo e
disponibilizada no link http://www.unirio.br/jic/resumos/2018/livro-de-resumos-3/view.
Por conta da projeção pública da minha pesquisa, fui convidado pelo Centro Cultural
do Banco do Brasil (CCBB) em duas ocasiões diferentes para elaborar atividades
voltadas para o público da instituição, a primeira delas consistiu em uma visita à

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exposição “Construções Sensíveis” sob o título “Com a Palavra Wallace Ramos”, na
qual elaborei um roteiro de visita a partir da bibliografia desta pesquisa, articulando as
categorias de afinidades, natureza e sobrenatureza para ler as obras construtivistas da
exposição. Na segunda ocasião, o CCBB me convidou para elaborar a partir da minha
pesquisa, uma atividade voltada para crianças. Desenvolvi a ação “Constelação de Novos
Seres”, baseado principalmente nos meus estudos dirigidos pela orientadora sobre o texto
“Michel Tournier e o mundo sem outrem”. Pelos itens expostos anteriormente, atesto o
bom desenvolvimento da pesquisa e o grande potencial de expansão do tema,
aprofundamento das discussões e sua divulgação científica para um público além da
academia (como o exemplo do CCBB demonstra). Por isso, solicito a renovação da bolsa
por mais 12 meses para que seja possível a realização dos objetivos descritos no tópico 3.
Perante o cumprimento dos prazos em relação às proposições do projeto inicial, reitero
minha plena capacidade de realização do projeto dentro dos prazos propostos.

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