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O COLEGIO DE LiDERES E A CAMARA DOS DEPUTADOS Expositor: Deputado Nelson Jobim Nelson Jobim — Nao seri uma exposigdo, vamos fazer um bate-bola. Eu faria um mote para depois comecar a glosa. Vamos comegar pelo Colégio de Lideres. A institucionalizagao do Colégio de Lide-es, no sentido de passar a fazer parte do regimento, decorreu da pratica que nds comegamos na Constituinte. Inclusive, foi uma idéia trazida por mim, que fui relator. Comegan- do a histéria de outro jeito, quando terminamos os trabalhos da Constituinte em outubro de 1988, conversamos com o dr. Ulysses, que era o presidente da Camara, sobre a necessidade de se alterar por completo o regimento da Camara, porque havia algumas modificagdes na Cons- tituigdo ¢ a funcionalidade do Congresso deveria ser diversa daquela que antecedeu os trabalhos dda Constituinte ¢ os poderes que a Constituigao outorgou. Com isso, 0 dr. Ulysses nomeou uma comiissio no final de 1988 para que elaborasse 0 anteprojeto de regimento interno, submeten- do-o Mesa. Eu havia informado o dr. Ulysses no inicio de junho desse ano da necessidade de, tio logo terminassemos a Constituigdo, fazermos o regimento interno. Eu pedi ao dr. Ulysses, naquela condigdo de autoridade que ele tinha, que solicitasse és embaixadas sediadas em Brasilia os regimentos intemos de seus paises, e entre agosto ¢ outubro recebemos uma série de regimentos intemos de diversos parlamentos do mundo. Depois de ler- ‘mos todos eles, selecionamos como dados informativos para a elaborago de novas regras re~ gimentais: 0 regimento intemo das cortes da Espanha, posterior a Constituigo espanhola mo- dema; os regimentos intemos da Camara dos Deputados e do Senado da Italia, que tinham as regulamentagdes da forma pela qual se apreciavam as medidas provisorias italianas, em que nés tinhamos nos inspirado; além do regimento interno do Bundestag alemao, as Robert Rules da Casa de Representantes americana ¢ também o regimento intemo da Assembléia Nacional fran- cesa, Depois de examinar tudo isso, produzimos um trabalho para a apresentago ¢ elaboragao do novo regimento. dr. Ulysses foi substituido pelo Paes de Andrade ¢ a burocracia da Casa, que vocés conhecem muito bem, reagiu muito as alteragdes que se introduziriam. Porque para compreen- dera Camara é preciso compreender também uma disputa que existe entre a burocracia perma- nente € os parlamentares. Ha inclusive, para alguns setores —e niio todos — da burocracia per- manente, a visio de que a Camara ¢ deles. Bles € que sfo a Camara, nés somos os transeuntes; estamos em trnsito e, portanto, o poder tem que ser centrado na burocracia da Casa, Com isso podemos entender algumas praxes da Camara, que sao praxes de poder, de espagos de exercicio de poder, CADERNOS DE PESQUISA N° 3 - NOVEMBRO 1994 Quando nés comegamos a elaborar a Constitui¢do, surgiu um problema politico sério, ogo no inicio. primeiro problema eram os procedimentos de se fazer Constituigo no Brasil. Nés tinhamos historicamente somente um modelo, que foi claborado para a Constituigdo de 1891 e depois observado para a Constituigdo de 1934, Qual era o modelo? O Executivo elabo- rava um projeto de Constituigo que era submetido 4 Assembléia ou Congresso Constituinte. Quando da eleigao de 1986, uma das grandes discusses politicas ocorreu em tomo de nossas criticas a Comissio Arinos. Vocés esto lembrados, 0 processo constituinte foi paralelo ao pro- cesso eleitoral, porque, na verdade, o que se disputou em 1986 no foi a eleiglio de uma Cons- tituinte, mas a vitéria dos govemos dos Estados, e o PMDB queria essa vitéria, Entdo, todos os candidatos a deputado federal envolvidos com o processo constituinte — naqueles nichos mi- nimos que sobravam para se discutir a Constituig%0 — apontavam que a Comisso Arinos era uma elaborago autoritiria, Chegamos a 1988, ou melhor, 1987, com um dado politico pronto: (© modelo 1891/1934 nao poderia funcionar, porque estava queimado no processo politico de 1986, Em janeiro de 1987, aconteceu um outro fato politico, de menor importancia, mas com fortes consequéncias, O dr. Ulysses sustentava que deveria ser o presidente da Camara e, a0 ‘mesmo tempo, o presidente da Constituinte. E tinha razdo, porque caso contrario ele niio domi- naria a burocracia: nos trabalhos de assessoramento da Constituinte, seu presidente dependeria sempre do presidente da Camara. Entretanto, o deputado Femando Lyra, ex-ministro da Justiga do governo Samey, resolveu se candidatar & presidéncia da Cémara. E o dr. Ulysses havia soli- citado em agosto de 1986, ou seja, antes das eleigdes, um instrumento, um trabalho da Asses- soria Legislativa da Camara sobre como poderia ser feita essa Constituig&o, ou seja, um esbogo de regimento interno para a Assembléia Constituinte. Entfo a assessoria da Camara recorreu a0 regimento intemo da Constituigo de 1946, que hayia sido publicado num livro do Senado — € é importante esse livro porque conta os processos regimentais das diversas Constituigdes bra- sileiras desde 1824, inclusive com os debates sobre os temas e matérias. Esse regimento intemo de 1946, que previa —o que realmente aconteceu —aleigao de uma grande comissao de mais ‘ou menos 10% ou 15% do corpo de constituintes de entio, ¢ essa grande comissio elaborava 0 anteprojeto. Isso se diferenciava da forma de 1934 e de 1891, porque nestes dois casos o ante- projeto era feito pelo Executivo, ¢em 1946 era feito por um Sngio da Assembléia Constituinte Entio o deputado Fernando Lyra saiu & caga de votos para ser presidente da Camara dizendo o seguinte: “Vocés esto vendo o que o Ulysses quer fazer se for eleito presidente da Camara e da Constituinte? Ele vai criar os deputados de primeira categoria ¢ os deputados de segunda ca- tegoria; os de primeira categoria serdo os membros do ‘clube do poire’, que vao integrar essa grande comissio, vao fazer a Constituigdo e vao boti-la goela abaixo de vocés”. Esse discurso do deputado Lyra nao the deu voto, mas queimou por completo qualquer possibilidade de se tentar pensar em utilizar 0 modelo de 1946. O resultado é que chegamos no 1° de fevereiro de 1987 sem saber 0 que iamos fazer. Melhor dito, ndo tinhamos um modelo para fazer a Consti- tuigdo. Naquele momento, eu ja havia feito um levantamento de todas as Constituintes brasi- leiras e também de todos os modelos pelos quais foram feitas as Constituigdes modemas do pés-guerrana Europa, que eram a Constituigdo de Bonn, a Constituigao francesa de 1958, omo- delo portugués, o modelo italiano e o modelo espanhol. E comecei a conversar com o dr. Ulys- ses, mostrando essas altemativas, Em face disso, nés fomos convidados a trabalhar nesse mo- 38 0 DESAFIO DO CONGRESSO NACIONAL delo, Naquele momento, 0 senador Femando Henrique estava operando também com essa preocupagao, Nés nio sabiamos realmente como iamos fazer porque néo tinhamos histéria nem ‘memeéria das coisas. E ai, meus amigos, nés inventamos. Femando Henrique me encomendou um arcabougo de elaboragdo de regimento in- temo, Esse arcabougo tinha como pressuposto criar um regimento que colocasse todos para tra- balhar. Porque no havia como fazer uma comissio, E 0 que fizemos? Eu peguei uma edi¢ao do Senado, em dois volumes, que compila todas as constituigdes estrangeiras, ocidentais orientais, recortei todos os nomes de titulos, capitulos, segbes e subsegdes dessas constituigdes para identificar os temas que, empiricamente, no século XX, eram tratados nas Constituigées. Isso porque havia um problema politico: todos queriam que os seus temas fossem tratados na Constituigao, ou seja, achavam que esses temas eram materialmente constitucionais. Na tradi- ‘¢4o juridica no Brasil — vocés sabem que ha uma linguagem da tradigao juridica brasileira que 6 essencialmente tomista, essencialista —, cré-se que existem no mundo coisas chamadas ma- ‘érias constitucionais e outras que so matérias no-constitucionais. E ai criava-se um proble- ma; todos queriam incluir temas para fugir do veto do Executivo se a matéria ficasse fora da Constituicdo. Queriam portanto escapar ao processo legislative normal bicameral: votagdo na Camara ¢ no Senado, vai para o Executivo, volta, veta, Entdo nés tinhamos de encontrar uma forma pela qual pudéssemos dar um balizamento inicial para isso. E o balizamento era mate- mitico: tinhamos 503 constituintes na época e cheguei a conclusio de que deveriamos ter certos mecanismos de filtragem. O resultado desse trabalho empirico que eu fiz foi o seguinte: separando todos os titulos que se repetiam, encontrei determinados nomes que estavam em todas as Constituigdes. Con- clusdo imediata: assunto materialmente constitucional. Encontrei alguns nomes de titulos e ca pitulos que se repetiam na matoria das Constituigées. Conclusio: matéria relativamente cons- titucional. Alguns titulos se repetiam em a/gumas Constituigdes: matéria relativamente ndo-constitucional. E havia titulos que ndo se repetiam em Constituigéo nenhuma: matérias idiossincraticas. Mediante essa classificagZo, nés comegamos a montar a estrutura da futura Constituigdo sem vazios, ou seja, os cendrios jé estavam limitados pelo niimero de constituintes que eu podia dividir. E 0 que aconteceu? Determinados temas, por terem uma relagdo de depen- déncia, de subordinago minima a um tema maior, comegaram a se chamar titulos, e depois vie~ ram 08 capitulos. Com isso conseguimos montar as subcomissdes, num sistema piramidal. Ento montou-se um grupo de capitulos ¢ chegou-se aos oito titulos que esto na Cons- tituigao, e depois um nono titulo que no teve subcomissio, porque foi obra da chamada Co- missio de Sistematizago, que eram as disposigdes gerais ¢ transitérias. Nés designamos para cada capitulo um grupo de 21 parlamentares, para que tratasse de alguns temas meramente ti tulados. Por exemplo, na omganizago dos poderes havia Poder Executivo num, Poder Legisla- tivo noutro e Poder Judiciéirio noutro, o que desembocou na “organizagao de poderes”. Depois, eventualmente, criamos outros capitulos que nao os primitivos, quando entio surgiram as tais fungdes essenciais 4 administragao da justiga, que é 0 capitulo IV da organizagao dos poderes. Nas oito comissdes integradas cada uma por 21 personagens, o resultado foi o seguinte, Se um personagem trazia um determinado tema, para aprové-lo precisava maioria absoluta da comis- io de 21, ou seja, onze; alids, admitimos que a aprovagio fosse por maioria simples: precisava ter onze presentes ¢ seis aprovarem. Qualquer matéria, para entrar, num primeiro momento, na Constituigaio precisava de seis votos — para se manter no momento em que se reuniam os re- 39

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