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7 Lições da Spotify para a sua Startup

De algum tempo para cá, quando um amigo nos recomenda um filme, não demora e lá vem a
pergunta “tem no Netflix”? Com a Spotify e as músicas, a história é mesma.

No caso de uma recomendação muito enfática, a gente pode até se dar ao trabalho de sair
procurando em outros lugares. Mas se a gente não tiver ficado tão interessado assim, a verdade é
que a tal recomendação acabará sendo ignorada se não estiver disponível nestes aplicativos.

O pioneirismo e a execução impecável levaram estas marcas a se tornarem o lugar natural para a
busca destes tipos de conteúdo.

A Spotify abriu o seu capital na bolsa de valores há poucos meses. O ritmo de crescimento do
negócio tem sido impressionante desde o lançamento do produto que leva o mesmo nome. No
entanto, a empresa continua apurando prejuízo e tudo indica que esta situação não deverá ser
revertida tão cedo.

As conquistas e os desafios da empresa que está mudando a indústria da música podem trazer
algumas lições muito interessantes para a sua startup, e sobre isto que nós vamos falar neste artigo.

1. Quem te ajudou a nascer, pode te impedir de crescer.

Logo no início da sua história, a Spotify assinou contrato com a Sony, BMG, Universal e Warner –
empresas que representam nada menos que 80% do mercado de música. Deste modo, logo nos seus
primeiros anos de existência, eles foram capazes de colocar todo o acervo musical das maiores
gravadoras do mundo na palma da nossa mão.
Fonte: www.billboard.com/articles/business/6670986/publishers-q2-report-sony-atv-warner-chappell-universal-kobalt

Estas parcerias permitiram que a Spotify se apresentasse para o mercado, mostrando a conveniência
que há em um serviço de streaming de música e assim conquistasse uma enorme base de usuários.

No entanto, a parceria feita entre uma startup e algumas mega corporações não poderia ser tão boa
assim. O contrato entre a Spotify e as gravadoras prevê um pagamento de royalties de 75% do valor
recebido pela Spotify e cláusulas que impedem que a startup tenha algumas iniciativas que não
sejam do interesse das gravadoras.

2. Para escalar, é preciso descolar a receita das despesas.

O que faz com que o investimento em startups tenha um potencial de retorno tão alto é que o seu
custo marginal é próximo de zero (o custo trazido por um novo cliente é desprezível) e o custo de
distribuição tende a zero (devido à internet).
O caminho ideal das startups é conhecido (o que é diferente de ser fácil): é feito um grande
investimento inicial no desenvolvimento do seu produto na expectativa de que haverá uma curva
forte de crescimento e que a receita trazida por cada cliente adicional se traduza basicamente em
dinheiro na conta.

Mas a situação do Spotify é um pouco diferente. Para cada $100 de receita adicional, cerca de $75
vão diretamente para as gravadoras. Uma parte considerável do que sobra são gastos com a
infraestrutura -- que no caso de streaming não é um custo tão pequeno como nas startups que não
lidam com um volume tão grande de dados.

Com muito esforço, a empresa tem conseguido melhorar um pouco a sua margem bruta, mas os
seus índices continuam muito abaixo da média de mercado e abaixo até mesmo da Netflix, que é um
negócio com algumas características bastante similares.

Fonte: https://www.recode.net/2018/2/28/17063892/spotify-ipo-margins-music-labels-streaming

Com uma proposta ousada de dar acesso a mais de 30 milhões de músicas por um pequeno valor
mensal, a Spotify saiu na frente e conquistou a maior fatia deste mercado. Mas a sua situação
continuará sempre frágil no caso das suas despesas continuarem a crescer no mesmo ritmo que as
receitas.

3. Entenda a cadeia de valor do seu negócio.

No modelo tradicional, as gravadoras fazem contratos com as bandas. As bandas cuidam da


composição e gravação das suas músicas, enquanto às gravadoras cabe oferecer a estrutura,
promover a banda no rádio e televisão, gravar CDs e distribuí-los no varejo. A gravadora se torna
detentora dos direitos daquelas músicas e repassa cerca de 10% do valor de venda dos CDs para as
bandas.

Este arranjo (sem trocadilho) pode parecer por demais favorável às gravadoras e pode ser que
realmente o seja. Mas o fato é que todo o trabalho de marketing, gravação e distribuição feito pelas
gravadoras não pode ser menosprezado. Além disso, uma gravadora funciona com uma lógica
semelhante à de um fundo de venture capital: o resultado gerado pelas bandas de sucesso ajudam a
cobrir o rombo do investimento feito naquelas que não retornaram nem o valor que havia sido
investido nelas.

Repare que embora os músicos tenham direito a uma fatia da receita gerada pela sua obra, quem
detém os direitos sobre a música e que decide o que fazer com ela, como regra geral, é a gravadora.
Foi isso que fez com que algumas gravadoras se tornassem negócios altamente lucrativos e é
justamente esta lógica que faz com as músicas antigas mantenham seu valor mesmo depois de
algum tempo -- ao contrário do que acontece com as notícias de jornal e com a maior parte dos
filmes.

4. Seus concorrentes podem ter motivações diferentes da sua.

A Spotify foi a pioneira no mercado de streaming de música, mas já faz tempo que eles não estão
sozinhos neste mercado. Pesos pesados como Apple, Google e Amazon também lançaram as suas
soluções e tem sido agressivos na conquista de mercado. Aliás, a Apple já chegou à liderança do
mercado norte-americano.

Mas o posicionamento de mercado da Spotify é diferente destes outros gigantes. A Spotify é uma
empresa que vive exclusivamente do streaming de música. Por mais que um período amargando
prejuízos seja normal e aceitável entre empresas de tecnologia, há a expectativa de que em algum
momento a empresa venha a se tornar lucrativa.

Por outro lado, a Apple pode se dar ao luxo de manter o seu serviço de streaming mesmo que sem
gerar resultados financeiros, de modo a alavancar a venda de seus produtos e serviços. A Amazon
pode fazer o mesmo a fim de entregar mais valor ao Amazon Prime. A Google pode oferecer
streaming de música como apenas mais um dos itens dentro de um pacote que também inclui filmes
e seriados no youtube.

A vida não é nada fácil quando o seu concorrente pode de se dar ao luxo de oferecer um produto
similar sem ter nenhuma pressa com o retorno financeiro a ser gerado.

5. Farinha pouca, meu pirão primeiro.

Imagine como seria se a 99Taxis tivesse feito contratos com as empresas de transporte e
cooperativas de táxi ao invés de lidar diretamente com os motoristas. Talvez o seu crescimento
tivesse sido ainda mais acelerado, já que seria possível estabelecer parcerias com centenas de
motoristas de uma só vez, ao invés de ser obrigado a lidar com um de cada vez.

O problema é que neste caso o valor pago pelo cliente teria que ser divido entre três partes:
motorista, aplicativo e empresa de transporte e não em duas partes (aplicativo e motorista). Quando
um resultado precisa ser dividido entre vários intermediários, quem tem mais força na relação, fica
sempre ficar com a maior parte do pirão.

A empresa vive em um dilema. Artistas consideram uma ofensa o valor pago pela Spotify. Ao mesmo
tempo, a Spotify amarga prejuízos desde que foi criada (com exceção do trimestre logo antes do
IPO).

Fonte: https://www.engadget.com/2013/07/15/thom-yorke-pulls-recent-tracks-from-spotify/

Na realidade, este nó não pode ser desatado pelos artistas e nem pela Spotify. As gravadoras, que
detêm os direitos sobre o acervo de gravações e o contrato com os artistas, é o lugar onde o lucro
desta cadeia de valor acaba ficando estacionado.

Mas as coisas se complicam ainda mais. A Spotify se tornou responsável por uma fatia cada vez
maior da receita total das gravadoras (lembre-se que a receita com a venda de CDs só faz cair) –
assim, se as gravadoras deixarem de trabalhar com o aplicativo, elas irão perder a maior parte da
sua receita. Ao mesmo tempo, a Spotify depende da parceria com as gravadoras para que ela possa
existir. Famoso problema do ovo e a galinha.

6. Inovações podem criar novas cadeias de valor.

Ninguém sabe qual será o desenrolar desta história, mas o fato é que a cadeia de valor da indústria
da música nunca mais será a mesma.

Uma possibilidade é que a Spotify obtenha um grande volume de conteúdo que não dependa das
gravadoras (e que, portanto, não impliquem em pagamento de royalties). Dada a grande
concentração de mercado das grandes gravadoras, este parece ser um desafio monstruoso.

A fim de caminhar neste sentido, a Spotify criou um modelo no qual até 50% da receita é transferida
para a banda, a Spotify não detêm os direitos sobre as músicas (ao contrário do que é feito pelas
gravadoras) e dá liberdade para que que as bandas façam parceria com outras empresas de
streaming como Apple e Amazon.

Com base na mesma lógica, a empresa tem investido pesado em podcasts. Recentemente, a Spotify
adquiriu a Gimlet Media, empresa de que produz alguns podcasts de mais sucesso no mundo. Ao
mesmo tempo foi anunciada compra da Anchor uma plataforma que facilita a produção de podcasts.
Com a primeira aquisição, a Spotify se diferencia da concorrência pela qualidade do seu conteúdo
(ao estilo Netflix com BirdBox); com a segunda, ela atrai uma variedade enorme de podcasts, que
podem ser do interesse de variados públicos (ao estilo Youtube com seus vídeos amadores).

A aposta no crescimento dos podcasts é tão séria que Daniel Ek, o CEO da empresa, recentemente
disse que o futuro do Spotify está no áudio e não apenas na música.

Fonte: https://newsroom.spotify.com/2019-02-06/audio-first/

Caso a Spotify tenha sucesso nesta empreitada (e o crescimento da base de usuários tem sido
impressionante nos mercados fora dos EUA e Europa) e faça com que o acervo das principais
gravadoras se torne apenas uma parcela daquilo que é ouvido pelos seus usuários, a relação de
forças poderá se inverter. Neste caso, as gravadoras passarão a ter maior dependência da receita
gerada pelo serviço de streaming que a dependência do serviço com relação à boa-vontade das
gravadoras.

Como disse a Revista Wired, a Spotify possui um poder secreto que é capaz de direcionar o seu
tráfego para onde eles desejam -- em outras palavras, para onde eles têm menores custos de
royalties. As playlists da Spotify possuem o poder de decidir se uma música irá se manter totalmente
desconhecida ou irá se tornar um hit.

De fato, a Spotify não mudou apenas o lugar onde as músicas podem ser encontradas, mas mudou
também o modo pelo qual as músicas são encontradas. Boa parte dos usuários não faz nada além de
clicar na playlist que se adequada para o seu momento, assim cada uma das músicas a serem
reproduzidas fica à cargo dos algoritmos e da lógica comercial da Spotify.

O perigo de tentar acabar com a dependência das gravadoras é que as gravadoras podem chegar à
conclusão que a Spotify está ficando poderosa demais e resolver tirar todo o seu acervo musical da
plataforma ante que isso realmente se concretize.

Outra possibilidade é que esta inversão de poder com as gravadoras não ocorra (ou demore muito a
acontecer) e que o streaming de música acabe se tornando apenas um serviço agregado dentro do
pacote de empresas como Apple, Google ou Amazon.

Esta inversão é praticamente inevitável no longo prazo, mas é preciso chegar vivo até lá. Se o
oxigênio acabar antes disto, um cenário possível seria a aquisição da Spotify por algum dos grandes
players.

7. Entenda as variáveis críticas do seu negócio.

Um serviço de streaming chamado Tidal foi comprado pelo cantor Jay-Z em 2015. Dado que Spotify e
outros produtos já estavam no mercado, eles tentaram se diferenciar pelo fato dos seus acionistas
seriam os próprios artistas, pelo conteúdo exclusivo e a alta qualidade de som.
O lançamento do produto foi um grande sucesso, mas depois de apenas duas semanas, eles já não
estavam mais nem entre os 700 aplicativos mais baixados nas appstores. Analisando a lógica do
negócio, é fácil entender o porquê disto.

Como seu modelo pretendia dar mais valor à figura do artista, as royalties pagas por eles se
posicionaram com as mais altas que qualquer outro serviço disponível no mercado. Para reforçar o
valor do trabalho feito pelos músicos, não foi liberada uma opção gratuita, o que era uma velha
demanda do artistas. Eles acreditavam que assim, muitos artistas seriam atraídos para a plataforma
e por consequência, uma grande base de usuários iria optar pelo produto.

Ora, se a Spotify paga menos royalties, tem uma base de clientes imensamente superior e ainda
assim não tem lucros, deveria ser claro que o modelo deles não poderia ter um futuro promissor.

A Tidal imaginou que a exclusividade de algumas músicas seria um grande atrativo, mas este tipo de
exclusividade dura pouco tempo, já que isso não faz sentido do ponto de vista financeiro para o
artista. Um ou outro usuário pode pagar pela tal exclusividade, mas que a maioria não vê motivo
para isso. Além disso, o serviço foi oferecido por $19.99 em um momento em que o mercado já
estava condicionado a outras opções que eram gratuitas ou não custavam mais que $9.99.

No final das contas, a Tidal criou um modelo de negócios que se diferencia (para bem ou para mal)
em uma série de pontos, mas deixou de lado o mais importante de todos: havia uma gravadora no
meio do caminho.

Um negócio com alto custo de operação, custo variável que corresponde à maior parte da sua
receita e que tenha sido a quarta opção a chegar ao mercado, não poderia dar certo com apenas
alguns ajustes aqui e ali no seu modelo.

E o Spotify já estava aí há algum tempo para mostrar isto para eles.

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