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Revitalizacio da capela de Sao Miguel Paulista Antonia Augusto Arantes® Pediram-me que falesse sobre um trabalho que 1978, em Sio Miguel Pa oan peace, cf AA. Avene. 0 "ne Roista de’ Anwropoiogia, USP, 150 ANTONIO AUGUSTO A! =) vas do ponto de vista da mim era interessante ses bens como monumentos, como: te significativa om termos da histéria de S30 Paulo ¢ mesmo do Brasil. Essa capela de Sto Miguel Paulista é de 1622, como voots ‘todos sabem. Esse trabalho partia de um pressuposto que, 2 meu ver, ca 1. Os que me convidaram a faz8-lo considerayam a area onde se .va esse hem, a Zona Leste de Sao Paulo, uma area cultural pobre, com uma produglo loca! praticame: jerem formas de produgo ‘2 produgdio artistica e as formas de expresso de maneira ‘da populagdo. Uma de nossas primeiras discussOes -que, na yerdade, concepedes -nogies a respeito do que seja ‘ou do que seja ou deva ser “cultura” Deixando de lado as concepsdes mais usuais e est aque seje cultura ou arte, eu propus a esse brgio, de cer uma aventura, que era, em prim ‘eatar descobrir num ponte da Zona Leste o que fosse a cfetivamente, considerado “arte, aquilo sobre o que, nA0 importa com que coneep¢io, estariamos atuando, Evidentemente, um tra- balho desse tipo, que pracura cavaro terreno da producao cultural, ‘de modo a encontrar o que nio é imediatamente visivel, a partir das, rossas eategorias, da nossa vivéncia, das nossas concepgdes, & um trabalho de longo prazo e de muitos detalhes. Entio, ai ¢ que nés roa da pesquisa em torno de um Capela de Sto Miguel Paulista. hhavia sido pensado para a Capel ‘angio del sngio da revitalizagio de bens de vator fizados em bairros populares. E-n6s escolhemos a Capela eum auxiliar. Na verdade, a Havia quatro pessoas fazendo bibliogrAfiea, documental, etc., mais trabalho de gabinete. EE. quando consideramos que trabalho de campo estara suficiente- mente organizado, passamos a atuar na drea da pesquisa, propria- PRODUZINDO 0 PASSADO 181 ie hme pi a sae Todo o trabatho de eseavagto, qu: , parte necessariamente do que é me ppartida foram as Sociedades Amigos de de arqueologia cul- rel. O nosso ponte de veres antes do amanhecer, para trabalhar ‘o nfimero de associngbes e de entidades ante grande, assim como eram muito sifieadas as concepgSes que estavam por tris de todas essas associacSes. Mas, na verdade, nio eram as associacies formals que ‘nés querlames, porque jente esses grupos eram aqueles que j& finham aeziso'aosequpamentosextntes no aio, aot oveos equipamentos existent ‘om vis grupos na cidade de Sao Paulo. Evidentemente, a ia nndo termina na Penha... E rauitos deles se beneficiavam desses ‘contatos para se promoverem e desenvolverem 0 seu, de qualquer maneira, nés tinhamos o recorte que potencial daguele espago. E nés achvamos que dificilmente 0 mo- rador do Jardim Paulista irja participar ativament ‘de um espago morto, por assim dizer, em So Miguel Paulista. ‘Alids, nds também pensamos que seria razofvel que pensdssemos prioritariamente o uso dessa Capela com os moradores, com 0s vizi- fnhos e particularmente aqueles vizinhos que no tinham acesso acs, equipamentos necessirios 8 produgao “artistic Comesamos a pesquisa. Estabelecem ou menos arbi- peando a produgo cultural na érea, Vimos que a Peaha éum marco significative, assim como Itaquera e como o Itaim. De uma certa ‘manera, essa area da cidade tem suas fronteiras sociais e culturais: pessoas que freqi sinhos, trabatham tham 0 problema fessas, digamos, as condicdes de carfncia particulares comparti- JIhadss e que sao particularmente identificadoras da Area. Entao, delimitada a Area geogréfica por critérios scci espaciais ou administrativos) fomos nos aprofundando. dessa rede de instituigbes mais vistveis, procuramos recuperar, di- ‘gamos, essa trama inicialmente invisfvel onde se produza cultura na vida cotidiana, A nossa meta era encontrar grupos com os quais pudéssomos discutir a revitalizago da Capela de S30 lista, Iniciamos fazendo varias entrevistas formais com ‘Sociedades de Amigos de Bairro, do Rotary, do Lions, ‘minhados a varias pessoas reputadas no bairro como profundos conhecedores da sua historia e colhemos, realmente, depoimentos ‘muito bonitos que permitiram, inclusive, que fdssemos periodizando 4 hist6ria, a partir de_acontecimentos considerados significativos pelos moradores de. Até que, finalmente, comegamos a encontrar fs pontas dessas raizes nos. bailes, no barbeire, no botequim, no ‘quarteirfo, na praga, no mercado, das maneiras mais inesperadas... até numa escola de Esperant ‘Mas isso sé foi possivel depois desse rastreamento mais super- ficial oa partir de momento em que nés passamos a viver no bairro. és alugamos um quartinho, numa espécie de cortigo. Evidente mente, @ nossa aparéncia nfo ora de pessoas que morariam Id em So Miguel Paulista. Apesar de nossas explicagbes, nos identifi- cearam desde logo como vendedores, criaram uma historia sobre n6s, ‘mudaram 0 meu nome, passaram a me chamar de Toninho. E foi muito interessante esse processo de incorporacao do pesquisador as formas de sociabilidade locais. Evidentemente, isso era assober- bbante porque, embora So Miguel Paulista esteja na area do muni- cipio de Sido Paulo, distava uns 20 ou 35 km da minha casa e, realmente, as vezes eu sentia necessidade de fugir para casa, um ppouco para recuperar 0 meu espayo, o meu universo, Embora es- tando na mesma cidade, quando se chega a esse grau de contato com um grupo socialmente diferenciado, ficam muito salientes, vislveis, as diferencas vio sendo trabathadas pelo grupo ¢ por voce mesmo'e isso vai desde a mudanga do seu nome (fui, por assim dizer, rebatizado): passei a ser 0 Toninho, que era um vendedor. EB, PRODUZINDO © PAssADO 3 eslava pesquisando, isso no fazia ‘uma histéria que ninguém testem continuei a ser um vendedor por balho de pesquisador passou a ser mi r dizer, no safa para o trabalho de m: ‘ou para procurar emprego. Foi porque as primeiras relagtes que pessoas foi aos sébados de manha, qi encontravam. Em Sao Miguel, & muito comum a existéncia de varios quar- tinhos, construfdos um ao lado do outro, com uma passage 10 meio, um chuveiro e um tanque comuns. As pesso4s, entio, se encontram no tanque, no chuveiro, na porta do quartinho... Eo rimeiro sinal positive de contato que percebi, foi numa manha de sabado quando, por baixo da ports de um desses quartinhos onde eu Passara a tesidir, recebi um convite para participar de um curso de speranto. Era um vizinho, que freqlentava pela manh&. Esse senhor, jé de meia-idade, ‘me conduziram, me inielaram nessas re¢ ‘bairro. Outro, foi um barbeiro que, apés atender seu tltimo fregues, ‘is 9 h da noite, costumava fechar as portas da barbearia e com ‘outros dois ou érés mésicos, ficavam tocando ¢ cantando chorinko pela noite adentro. Assim, pouco a pouco, fomos encontrande esses pequenos grupos e, com eles, tenlando entender 0 processo de produgdo cul tural na frea de Sto Miguel Paulista de um outro angulo, nfo do Angulo das instituigdes — que eram mais visiveis quando nbs che- {gaimos 1a pela primeira vez ¢ pelas quais teriamos de passar necessa- riamente, porque é a primeira estraturagao do universo de obser- vvagilo que se tem. Ai, comecamos a recuperar uma out que também é estruturada, mas de uma outra man¢ ‘mais fluida, muito mais taue, porque justamente ela niko dispte esse aparato material, institucional, de pessoal, de equipamento, {que a tornam visivel. Muitas vezes, a razio de ser dela é essa invisi- Dilidade, uma invisibilidade que, nas circunstincias de S30 Miguel Paulista, 6 quase condigao de sobrevivéncia, Quando se condigdes extremamente adversas ao exercfcio da liberda ‘ago de eriacao, enfim, 20 prazer, acaba sendo justamente is reflui para o botequlm, para quinal, para os eneomtros exporde

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