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Antigamente, moral e ética eram transmitidas às novas gerações pelas classes dominantes, pela aristocracia, pelos inte -
lectuais, escritores e artistas. Era uma época em que os nobres eram nobres, exemplos a ser seguidos por todos. Hoje
isso mudou. Nossas lideranças políticas, acadêmicas e empresariais não mais se preocupam em transmitir valores mo-
rais às futuras gerações. Não existe mais o noblesse oblige, a obrigação dos nobres, como antigamente. Poetas até enal-
tecem os nossos "heróis sem caráter".
Hoje, quem quiser adquirir valores morais e éticos neste mundo "moderno" terá de aprender as regras sozinho. Portanto,
para não perder mais tempo, vamos começar com a primeira lição.
Vou mostrar a importância de criar um código de ética com um exemplo real. Vou romancear os personagens para os
proteger, mas a história é verdadeira.
Um amigo de infância, o Zeca, casou-se com a garota mais linda de nossa turma. Ela tinha uma irmã mais nova e mais
bonita de 16 anos. Nosso comentário era que ele estava casando com a irmã errada, mas estávamos todos morrendo de
inveja.
Após dois anos de casado, o Zeca acabou transando com a linda cunhada e foi prontamente descoberto pela esposa. Só
falamos disso por seis meses. Ele se desculpou dizendo: "Não sei o que passou pela minha cabeça, ela simplesmente se
entregou". Fato mais comum do que se imagina, fruto da rivalidade entre belas irmãs.
Muitos anos depois, cada vez que encontrávamos o Zeca tentávamos disfarçar nosso sorriso malicioso. Mesmo vinte
anos se passando, toda vez que eu o encontro, a primeira imagem que me vem à mente é: "Lá vem o Zeca, aquele que
transou com a cunhada".
Isso é totalmente injusto de minha parte, afinal seu crime não durou mais que meia hora, e ele nunca voltou a repeti-lo.
Já sofreu e pagou seu pecado, e mesmo assim, vinte anos depois, nós ainda o estávamos condenando. Pelas leis brasilei -
ras, ele já teria cumprido pena e seria perdoado.
Por isso as gerações mais velhas criam uma moral e uma ética, uma religião, uma filosofia de vida transmitida às novas
gerações para que elas não façam besteiras que possam marcá-las para o resto da vida. Transgredir a moral e a ética de
sua comunidade traz penas bem mais severas que transgredir as leis de seu país.
Ter uma religião e não seguir os preceitos que ela advoga, algo que ocorre com freqüência, é o pior dos dois mundos: aí
você não procura uma ética melhor que o satisfaça nem segue a ética determinada por sua religião.
– Não é o neto do Zeca, aquele que foi pego na cama com a cunhada?
Os filhos, netos e bisnetos de nossos políticos, homens públicos, líderes e artistas que romperam com a ética terão de
conviver com o eterno tititi sobre seus pais e nunca saberão dos comentários ditos pelas costas.
Se você tem uma religião e não a pratica, se você odeia as pregações de moralidade que seus pais lhe impõem, isso não
o exime de procurar um sistema de referência melhor para sua vida, seja uma outra religião, seja uma conduta filosófi-
ca, seja um simples livro de auto-ajuda.
As conseqüências podem ser muito mais severas que as leis impostas pelo Estado, como descobriu meu querido amigo
Zeca, aquele que transou com a cunhada.
Stephen Kanitz.
Publicado na Revista Veja, edição 1733, ano 35, nº1, 9 de Janeiro de 2002.