Você está na página 1de 4

AVESSOS

Por Camila Villela

Sinopse
O que vemos quando focamos nos espaços-tempo de transição
de determinados sujeitos? Observamos os movimentos pendulares da história em
ação, compostos de avanços e recuos, não movimentos ideais, puristas, mas
movimentos afetados um pelo o outro: cada avanço é permeado por recuos e da
mesma forma, os recuos são invadidos por avanços. Em Avessos, a realidade,
fissurada, se transborda e nos permite observar o avesso de um mesmo lugar.
“A faca está destruindo sua própria casa, e você pensa que está
simplesmente cortando um telhado velho”
provérbio iorubano

Personagens:
Guia de um museu
Visitantes do museu
Mauro, um dos visitantes
Francisco, pai de Mauro

As instruções para a visitação são dadas através de uma tela de projeção fixada ao alto. As
mesmas normas que aparecem transcritas em tela em letras garrafais ecoam faladas através
de um sistema de som, como que lidas autolidas. O vídeo institucional com as
recomendações segue em looping até as normas estarem bem fixadas. Quando isso
acontecer, as normas que ecoam vão aos poucos cedendo espaço à novas instruções, até
que a quebra seja posta de vez. Haverá um estranhamento causado pela disparidade entre
o que é exibido em tela e o que é falado, a sensação geral é a de falha de sistema

DURANTE A VISITAÇÃO:
1. NÃO FUME
2. NÃO CORRA
3. NÃO FALE ALTO
4. NÃO CONSUMA ALIMENTOS E BEBIDAS
5. NÃO ENCOSTE NAS PAREDES
6. NÃO TOQUE NAS OBRAS BEM COMO NOS SUPORTES EXPOSITIVOS
7. NÃO ULTRAPASSE AS LINHAS DELIMITADORES
8. NÃO FOTOGRAFE OU FILME O ACERVO SEM A AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
EM BENEFÍCIO PRÓPRIO E DE TODOS OS VISITANTES DO MUSEU PEDIMOS QUE AS
NORMAS SEJAM CUMPRIDAS. O NÃO CUMPRIMENTO DAS NORMAS E
RECOMENDAÇÕES PODERÁ IMPLICAR EM UMA DIMINUIÇÃO DA VISITA, TENDO EM
VISTA QUE SUA FRUIÇÃO EXIGE (OU DEPENDE DIRETAMENTE DE) UM CLIMA DE
TRANQUILIDADE E REFLEXÃO

DURANTE A VISITAÇÃO:
1. RESPIRE FUNDO O AROMA DO RECINTO
2. NÃO RESPIRE TÃO FUNDO AO PONTO DE SENTIR ÂNSIAS
3. DEIXE-SE CONTAMINAR
4. NÃO SE CONTAMINE AO PONTO DE PUTEFRAR
5. DEIXE-SE ENVOLVER
6. SINTA O TERROR
7. NÃO INCORPORE O MEDO
8. NÃO TENTE ENTENDER O QUE ESTÁ VENDO
Um grupo pequeno de visitantes entra ordenadamente em uma área de exposição que
desemboca em uma sala contígua. As linhas demarcatórias estão instaladas próximas às
paredes do primeiro espaço

Cena 1

GUIA
Sejam todos bem-vindos! Primeiro, algumas novas recomendações: peço aos que têm
estômago fraco que prendam a respiração enquanto permanecerem no recinto. As linhas
demarcadoras têm a distância exatas de 30cm da parede, peço a todos que não as
ultrapassem, evitando assim de se sujar e de macular a rusticidade da obra. Como todos
sabem, essa sala foi usada como uma maquina institucional de apagamento, aqui, um
número incontável de pessoas passou à não existência. Quem aqui pereceu foi morto
primeiramente em um âmbito público, para então, contando com a legitimidade da opinião
pública, enfrentar uma segunda morte, nessas instalações privadas. E como quem está morto
não pode morrer duas vezes, esse passa a ser um memorial de cadáveres vilipendiados.
Bom, agora, vamos a obra propriamente dita, peço a vocês que se aproximem calmamente
das paredes e observem. Se houver alguma dúvida, basta me perguntar.

O texto todo é dado pela guia em tom banal de quem já o repetiu até as palavras perderem
significado. Ela se detém por alguns instantes nesse primeiro espaço e segue para a área
contígua. Alguns membros da excursão a seguem. Este espaço é tomado por um grande
telão, onde é exibido continuamente um trecho de um vídeo. Na projeção vê-se um homem
atirar aleatoriamente em meio a uma multidão, um dos tiros acerta uma criança. O autor dos
disparos é Mauro, um jovem, que se reconhece.

CENA 2

FRANCISCO
Bom dia, Mauro

MAURO
...

FRANCISCO
Você dormiu bem?

MAURO
...

FRANCISCO
O dia está bonito lá fora, você deveria dar uma olhada.

MAURO
...

FRANCISCO
Quer comer alguma coisa?

MAURO
...

FRANCISCO
Mais tarde vou te comprar algumas vitaminas, você ‘tá sem cor.

MAURO
...

FRANCISCO
Quer vir junto?

MAURO
...

FRANCISCO
Se quiser, quando for a hora de sair eu te chamo.

CENA 3

Eu matei uma criança. Matei, foi um acidente. Ela virou geleia. De

Você também pode gostar