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Comentário Biblico Broadman - Volume 9 PDF
Comentário Biblico Broadman - Volume 9 PDF
NovoTestamento -2
Emanuence Digital
e
Mazinho Rodrigues
Volume 9
Comentário Bíblico Broadman
Comentário
Bíblico
Broadman
Volume 9
Lucas — João
T R A D U Ç Ã O D E A D IE L A L M E ip A D E O L IV E IR A e
IS R A E L B E L O D E A Z E V E D O
3f Edição
Todos os direitos reservados. Copyright © 1969 da Broadman Press. Copyright © 1983
da JUERP, para língua portuguesa, com permissão da Broadman Press.
O texto bíblico, nesta publicação, é da Versão da Imprensa Bíblica Brasileira, baseada
na tradução em português de João Ferreira de Almeida, de acordo com os melhores textos
em hebraico e grego.
3.000/1991
Junta Editorial
EDITOR GERAL
CONSULTORES EDITORIAIS
Howard P. Colson, Secretário Editorial, Junta de Escolas Dominicais da
Convenção Batista do Sul, Nashville, Tennessee, Estados Unidos.
William J. Fallis, Editor Chefe de Publicações Gerais da Broadman Press,
Nashville, Tennessee, Estados Unidos.
Joseph F. Green, Editor de Livros de Estudo Bíblico da Broadman Press,
Nashville, Tennessee, Estados Unidos.
Prefácio
Sumário
Ao
mesma obra. Tais artifícios são, por tir da época de Irineu (c. 180 d.C.), que
exemplo, a referência ao volume ante- diz que Lucas compôs o seu trabalho
rior, feita em AtosJL l, o ejidereçamento depois da morte de Paulo. Q Cânon f i f )
cíe ãmbos a Teôfilo e as seções super Muratoriano, representando a opinião''"
postas no fim do terceiro Eva~ngeffiò e o da Igreja de’Roma no fim do segundo
começo de Atos. . século, ta m b é m riá testemunho de que
A natureza da relação entre Lucas e Lucas foi o autor dEsseslivros. O proíógo ( j
Atos deve ser levada em consideração no “antimarcionita,, do Evangelho apre**-“
estudo de qualquer um desses volumes. sentaalguns detalhes interessantes adi
Ambos se originaram da mesma situação cionais a respeito de Lucas. Embora o
circunstancial e foram moldados segun seu valor histórico esteja sendo questio
do a mesm a' perspectiva teológica. Õ nado, algumas^ das informações podem”
objetivo, ou objetivos, de cada um desses êsíaf~arçâígãBas em fatos. De acordo
livros deve ser definido no contexto da com este testemunho, Lucas era um sírio ^
obra toda. Os motivos característicos são de Antioquia, médico profissipnal e com- «
comuns a arri^)õs”5Ívolum es. O Eyange- panheiro de Paulo, depois de a princípio,
Iho apresenta a história do q u e O e su s ter sido seguidor dos apóstolos,. Esse
começou a fazer e ensinar” (At. 1:1), prólogo também declara que ele vivera
enquanto{Atos descreve a evolução dos celibatário até a morte. escreveu o Evãn-
gelho em Acaia e morreu com a idade de bart y chegou à conclusão, mediante as
oitenta e quatro anos na Beócia. suas investigações, que ocaso da vocação
Os únicos dados inquestionavelmente médica do autor estava provado de ma
confiáveis a respeíto dè Lúcas7 são as neira meridiana. Ele baseou as suas con
inforrnações encontradas no próprio No- clusões em estuáos de paralelos entre a
vo Testamento (Col. 4:14; ~Filem. 24; terminologia médica dos escritos de
II Tim. 4ÍTi77Três fatos a respeito dele Lucas com os de médicos gregos, como
emergem desse escasso material: (1) Ele Galeno, Hipócrates, Discórides e Areteu.
era gentio. Esta conclusão está baseada fPara provar esse ponto de vista, todavia, i
em Colossenses 4:10,11. onde o nome de íé também necessário mostrar que os mé-
Lucas não é incluído entre os “homens dicos gregos empregavam uma termino- j
da circuncisão” que eram companheiros logia completamente diferente da dos I
de Paulo quando foi pteso. (2) Ele era \ escritores não-médicos, o que Hobarjj
médico. (3) Ele era companheiro de ^deixou de levar em consideração. {H. J.
P a uloT Estes três itens de informação Cadbury 3^ expôs este engano da meto- "*
devem ser corroborados pela evidência dologi^deH obart,quandõ^ demonstrou
interna de Lucas-Atos, se é correta a que as expressões médicas de Lucas tam
atribuição tradicional da obra a Lucas. bém se encontravam na Septuaginta, em
1. O autor era gentio? As evidências Josefo, Plutarco e Luciano. A verdade é " ?
existentes têm levado a grande maioria íque nenhum vocabulário técnico espe-
dos eruditos a crer que era. O prefácio ao jcificamente médico existia no mundo
Evangelho indica que ele se identifica* j antigo, cujo uso pudesse distinguir exata-
com os literatos helénicos. O seu domí J mente um especialista de um leigo eru-
nio dó idioma grego o coloca, juntamente I dito. ' ~
com o autor de Hebreus, na frente dos ^ Não obstante, é injusto descartar
escritores do Novo Testamento, a este J pêrempToríamént5 o aparente interesse e
respeito. Com a exceção de uns poucos o ‘conHeciménto de medicina demonstra
usos de “amém” , ele evita çompletamen- dos pelo terceiro evangelista. Na verda
te as palavras semitas. Ò evangelista trai de, ele faz uso exato de terminologia,
os seus antecedentes não palestinos, helé empregada por médicos, em inúmeras
nicos^ em muitos pontos, como, por passagens (4:38; 5:18,31; 7:10; 8:44;
exemplo, em 6:47 e s.; 8:16; 11:33; 21:34; At. 5:5,10; 9:40)*’Além disso, a
12:54; 13:9). A tendência de omitir refe omissão,, feita por Lucas, da referência
rências e conflitos, a respeito dfe assuntos preiudicíaLà profissão-médica (cf. Mar.
dFTeT judâica, tamBSm indica um autor 5:26 e Luc. 8:43)^>ode ser um indício
especialmente significativo das tendên
Indubitavelmente, an escolha
..... ~ aue ele
• ~~ cias do autor.
faz dos materiais e o seu estilo literário Em conclusão, embora as evidências
são influenciados, até certo ponto, pelos ^internas de Lucas-Átos não provem nada
antecedentes dos gentios helénicos, para ^definidamente, acerca da profissão do
^ q u e m a obra é escrita. Mas têm-se à “ i áHtofr inÜTneras referências são adequa-
v imípTêssao~~gênérica de que ele está se ias à tradição de que ele era médico.
dirigindo a pessoas cuja herança racial e 3. Foi o autor companheiro de Paulo?
cultural ele compartilha. Esta é uma pergunta crucial, per
2. Era médico o autor de Lucas-Atos? gunta sobre que as opiniões eruditas
Chegou um tempo quando respeitados divergem mais amplamente,. Os que
eruditos do Novo Testamento estavam
convencidos de que eles haviam estabe 1 The Medical Language of St. Lake (Dublin: Hodges,
Figgis & Co, 1882).
lecido uma resposta indisputavelmente 2 The Beginnings of Christianity, ed. E. J. Foakes-Jackson
afirmativa a esta pergunta. (W. K. Ho- e Kirsopp Lake (London: Macmillan, 1942), II, 349-355.
14 V I ZZj
1>- 5?
apoiam a ppsiçãojradiciqnal chamam a detalhes. A qualidade pessoal — de pri
ate n ç ã o p ara a ^ m id aa e de certas carac; meira pessoa — da narrativa jerm ite
terísticas do terceiro Evangelho e impor pouca dúvida de que essas seções estão
tantes _ênfases paulinas. Entre essas, se baseadas na expenencia pessoal de um
encontram a nota de um a salvação uni-, companheiro de Paulo. As escassas evi
versai (4:27; 24:47), a ênfase na alegria dências disponíveis indicam Lucas como
(1:T4; 2:10; 10:17,20; etc.), a preocupa um provável autor dessas passagens. Isto
ção com os pecadores (15:1 e ss.) e o uso é, pode ser demonstrado que Lucas esta-
de algumas palavras e expressõesencon- va, provavelmente, com Paulo dur^nte os
tradas, dentre os outros livros do Novo períodos mencionados nas seções “nôs” .
Testamento, apenas em Paulo.3 enquanto alguns dios outros companhei
Por outro lado, tem sião afirmado que ros de Paulo devem ser excluídos.
o conceito que Lucas possui acerca do Além do mais, as seções “nôs” são
sigmficado dà"lnor1:y d e Jesus difere tão marcadas pelo estilo e vocabulário carac-
agudamente do de Paulo, a ponto de fênstico dé outras porções dé Lucas-
excluir a p os síblUdade de u m relaciona Atos. O mesmo homem colocou toda a
mento mais íntimo entre os dois. No oljraem forma final. Ora, se esse homem
terceiro Evangelho, é não foi o autor das seções registradas no
apresentada como uma necessidade di- estilo de um diário, estamos nos defron
vinà. um pré-requisito para a exaltação tando com um fenômeno incomum. Ele
, Vde Jesus (9:22:24:26). e não lhe é dado. elaborou esse m ate n ard e maneira tão
o significado redentor que Paulo lhe atri- cuidadosa que fê-la como sua, marcada,
*651., TambériT notamos duas omissões em cada parte, por seu estilo literário
particularmente importantes: p a r c o s distintivo. Ao mesmo tempo, ele cometeu
10:45 não é encontrado em Lucas; nem o mais incomum erro de reyis§o, deixari-
são encontradas as palavras “ que por 3o de mudar o pronome pessoal não
muitos é derramado” (Mar. 14:24;Luc. apenas uma, porém várias vezes.
22:17 e s j . No entanto, a opinião de Da mesma forma, também não pode
que Lucas-Atos foi escrito por um com mos resolver o problema conjecturando
panheiro de Paulo não é seriamente que “nós” é um artifício deliberado,
ameaçada por argumentos baseados em adotaão peTo autõr para emprestar mais
evidências encontradas no Evangelho. Os autenticidade à sua narrativa. “Nós”
maiores problemas se levantam em re^ aparece de forma tão desprovida de arte,
que dificilmente pode ser considerado
*■ ' Uma inquirição quanto à autoria de como uma coisa inventada. Um pres
Lucas-Atos .gira em torno de duas per suposto mais natural é de que o autor das
guntas basicas: (1) Quem escreveu ãs seções registradas no estilo de um diário
íéçÕeFdiánas cíe Atos? E, (2) será que o também é o autor de Lucas-Atos, que
mesmo homem escreveu o restante de inconscientemente conservou os “ri5s” ‘
nos pontos em que foi participante pes
seções “ nós” , de Atos (16:10-17; 20:5- soal dos acontecimentos. Nesse caso, o
2Í:18; 27:1-28:16), são marcadas por autor bem pode ter sido Lucas.
duas características distintas: a narrativa Adicionemos a isto o fato de que Lucas
começa abruptamente, para ser feita na é um dos personagens menores, quase
primeira pessoa do plural, e é caracte insignificante, jlo Novo Testamento. Ele
rizada por um a incomum precisão de teria passado despercebido, se não fosse
mencionado pela tradição como autor de
3 Sir John Hawkins, in Horae Synopticae (Oxford: Cia- considerável porção do Novo Testamen
rendon, 1899), apresenta um a lista de cento e uma
palavras das cartas paulinas que se encontram apenas to. Uma pessoa assim dificilmente seria
em Lucas-Atos, em o Novo Testamento (p. 198 e s.)* escolhida para desempenhar este papel,
se não houvesse alguma base em fatos coríntios. Provavelmente, ele nem conhe-
para ligar o seu nome com Lucas e Atos.4 ceu Paulo até algum tempo depois do
_ | |__ .. ____ i ■K “ i i ir l i . . „1 ------*----------- — - ~
O uso de um prefácio era comum entre outros, de sua espécie, quanto ao obje
os escritores helénicos. A sua presença, tivo: nele há referências à obra de pre
no começo do terceiro Evangelho, indica decessores, à preparação do próprio
que Lucas, mais do que qualquer outro autor para escrever e ao objetivo de sua
escritor do Novo Testamento, considera obra. Lucas também segue a prática
va que a sua obra era uma contribuição comum de colocar o nome do destinatá
para o mundo literário mais amplo da rio nesse lugar.
quela época. Aparentemente, ele estava
escrevendo não apenas para a Igreja,
mas também com a esperança de causar Prefácio (1:1-4)
um impacto em classes de não-cristãos
instruídos e influentes. 1 V isto que m u ito s tê m e m p re e n d id o f a
z e r u m a n a r r a ç ã o c o o rd e n a d a d o s fa to s que
O prefácio ao terceiro Evangelho con e n tre n ó s se r e a liz a r a m , 2 se g u n d o no-los
siste de uma sentença só, bem construí tr a n s m itir a m os q u e d e sd e o p rin c íp io fo
da, composta de palavras cuidadosa ra m te s te m u n h a s o c u la re s e m in is tro s d a
mente escolhidas. Segundo o julgamento p a la v r a , 3 ta m b é m a m im , d ep o is d e h a v e r
in v e stig a d o tu d o c u id a d o s a m e n te d e sd e o
comum, ele se aproxima do estilo grego co m eço , p a re c e u -m e b e m , ó ex c e le n tíssim o
clássico em maior proporção do que Teófilo, e s c re v e r-te u m a n a r r a ç ã o e m
qualquer outra passagem do Novo Testa o rd e m , 4 p a r a q u e c o n h e ç a s p le n a m e n te a
mento. Esse prefácio é semelhante a v e rd a d e d a s c o isa s e m q u e fo ste in s tru íd o .
O autor torna claro que não é inova Lucas tinha de sua própria obra. Qual
dor em suas tentativas de preservar a quer conceito adequado, de inspiração
tradição cristã em forma escrita. Muitos do registro bíblico, precisa haver-se com
outros o haviam precedido, dando-lhe isto: a declaração autobiográfica única
tanto o incentivo, embora ele não o diga de um escritor evangélico a respeito do
diretamente, como as fontes usadas, seu método. Ele não é nenhum autô
para a sua obra. mato, cujo único papel é transcrever uma
Que entre nós se realizaram expressa a revelação literal que recebera de alguma
convicção do escritor de que os eventos forma mágica, extraterrena. Ele é um
que está para narrar não foram nem erudito cristão, motivado por uma con
vagos nem fortuitos. A frase seria melhor vicção acerca do significado redentor de
traduzida “ que entre nós se cumpriram” . certos acontecimentos, usando as fontes
Estes fatos, inclusive a narrativa do à sua disposição, e os recursos do inte
Evangelho e o livro de Atos, cumpriram o lecto, energia e tempo, em cuidadosa
propósito de Deus conforme expresso no investigação e relato fiel. Devido às suas
Velho Testamento, quando interpretado qualificações e propósitos, essa espécie
adequadamente (cf. 24:45-47). A história de pessoa podia ser o instrumento pecu
que se segue, portanto, fala do que Deus liar, usado pelo Espírito Santo, para
fez. preservar a história evangélica por escri
O autor não era membro da primeira to, para as gerações subseqüentes.
comunidade de cristãos. Desta forma, ele Lucas se propõe a escrever uma nar
dependeu de outros, que haviam sido ração coordenada; não obstante, o seu
testemunhas oculares e ministros da método é incluir outros materiais, no
palavra. Ele reclama, para o conheci arcabouço básico de Marcos, com o re
mento da Igreja a respeito de Jesus, o sultado de que o esboço que ele faz, do
firme fundamento do testemunho apos ministério de Jesus, é realmente o esboço
tólico. Segundo a definição de Lucas, um de Marcos. Talvez narração coordenada
apóstolo, ou seja, um dos doze, era al (kathexés) devia ser entendida como refe
guém que havia estado com Jesus desde o rência às diversas fontes que Lucas usa
princípio, a saber, desde “o batismo de (veja a Introdução). Ele reunira as infor
João até o dia em que dentre nós (Jesus) mações existentes, acerca do ministério
foi levado para cima” (At. 1:22). Duran de Jesus, que agora se propõe a reunir em
te aqueles primeiros formativos anos do seqüência lógica, abrangendo os limites
movimento cristão, a garantia para a de um volume.
fidelidade dos relatórios, acerca dos O título excelentíssimo provavelmente
acontecimentos do ministério de Jesus, distingue Teófilo como oficial romano de
eram as pessoas que podiam dizer: “Nós alguma importância e influência, no
conhecemos os fatos, porque ouvimos o nível de procurador ou acima. Teófilo
que ele disse e vimos o que ele fez.” A significa, em grego, “amigo de Deus” , e
intenção de Lucas era passar adiante possivelmente era um pseudônimo usado
essas informações, segundo havia sido para ocultar a verdadeira identidade da
relatado pela primeira geração de teste pessoa. Devido à falta de dados concretos
munhas. O terceiro Evangelho, portanto, a respeito dele, qualquer sugestão sobre
tinha o desígnio de desempenhar a fun sua identidade é mera suposição.
ção, para as gerações posteriores, que as Há duas opções, na interpretação da
testemunhas oculares haviam desempe referência a Teófilo. A idéia tradicional e
nhado para a primeira geração de cris mais comum é que ele havia sido ins
tãos. truído no evangelho, por pessoas que
Os versículos 3 e 4 fornecem uma estavam procurando ganhá-lo para o
compreensão valiosa do conceito que cristianismo. Deste ponto de vista, ele
era interessado ou estava a ponto de se As evidências indicam que o movimen
tornar cristão. to cristão enfrentou um desafio signifi
Uma possibilidade totalmente diferen cativo da parte dos seguidores de João
te tem sido levantada por outra sugestão. Batista, nos estágios iniciais de sua his
De acordo com ela, Teófilo era um oficial tória. Parece que uma seita derivada do
romano que tinha uma noção distorcida Batista ensinava que João era o Messias
a respeito do cristianismo, devido a infor e, conseqüentemente, era superior a
mações errôneas, que havia recebido. 7 Jesus, a quem batizara (veja 3:21). As
O seu conceito sobre o cristianismo histórias que cercam o nascimento de
havia-lhe sido ministrado pelos inimigos Jesus, no Evangelho de Lucas, têm o
da fé, cujas noções haviam contribuído objetivo de desmentir essa reivindicação.
para um mal-entendido acerca do seu Elas são apresentadas como uma série de
caráter e objetivos políticos. Isto signi cinco episódios, ou quadros, ligados, de
fica que a sua noção provavelmente re maneira bastante livre, por comentários
presentava uma atitude comum, nos cír editoriais. Os papéis distintos de Jesus e
culos governamentais, onde o movimento João são apresentados neles de maneira a
cristão havia sido considerado com enfatizar o significado de cada um deles,
vários graus de hostilidade e suspeita, mas ao mesmo tempo reafirmar a supe
desde os tempos de Nero. A esperança do rioridade de Jesus.
autor era consertar essa situação, ini Mais importante, para alcançar o
ciando, desta forma, um processo que objetivo de Lucas, portanto, é a afirma
mudasse a atitude geral em relação ao ção feita, nesta seção, de que Jesus é o
cristianismo. A verdade pode ter um Messias de Israel, o Rei e Libertador há
significado semelhante à frase “os verda muito esperado. Embora o tema do
deiros fatos” . cumprimento assuma uma nuança algo
Seja qual for o caso, podemos presu diferente em Lucas, em relação a Ma
mir que Lucas pretendia que a sua obra teus, é tão significativo quanto em Ma
alcançasse mais de um homem. O patro teus. Possivelmente, ele responda às
cínio de Teófilo provavelmente podia ameaças das idéias gnósticas, que que
assegurar um círculo ledor mais amplo, riam separar o cristianismo dos seus ali
para a obra, entre uma classe mais influ cerces históricos, fundados em o Novo
ente e instruída. Testamento e no judaísmo (veja p. 21,
rodapé 8).
I. As Narrativas dos Nascimentos
e Infâncias de João Batista e de 1) A Anunciação a Zacarias (1:5-25)
Jesus (1:5-2:52)
5 H ouve, nos d ia s d e H e ro d e s, re i d a Ju -
1. Os nascimentos de João e de Jesus d é ia , u m s a c e rd o te c h a m a d o Z a c a ria s , d a
(1:5-2:20) tu r m a de A b ia s; e s u a m u lh e r e r a d e s c e n
d e n te d e A rão , e c h a m a v a -s e Is a b e l. S A m
Três principais temas propiciam uni bos e r a m ju s to s d ia n te de D eu s, an d an d o
dade ao material dos dois primeiros capí- irre p re e n s ív e is e m todos os m a n d a m e n to s e
iulos: (1) o relacionamento entre João e p re c e ito s do S en h o r. 7 M a s n ão tin h a m fi
lhos, p o rq u e Is a b e l e r a e s té ril, e a m b o s
Jesus; (2) o íntimo relacionamento entre e ra m a v a n ç a d o s e m id a d e.
o judaísmo e o cristianismo, no momento 8 O ra, e sta n d o e le a e x e rc e r a s funções
quando este último começou; (3) o dom s a c e rd o ta is p e r a n te D eu s, n a o rd e m d a su a
do Espírito Santo e o reavivamento da tu r m a , 9 seg u n d o o c o stu m e do sa ce rd ó cio ,
profecia como sinal de que a era messiâ coube-lhe p o r so rte e n tr a r no s a n tu á rio do
S enhor, p a r a o fe re c e r o in c e n so ; 10 e to d a a
nica estava raiando. m u ltid ã o do povo o ra v a d a p a rte de fo ra , à
h o ra do in cen so . 11 A p a re ce u -lh e , e n tã o , u m
Cf. Cadbury, op. cit., II, 510. an jo do S en h o r, e m p é à d ir e ita do a lt a r do
in cen so. 12 E Z a c a ria s , vendo-o, ficou t u r venção de Deus em favor do seu povo,
b ad o e o te m o r o a s s a lto u . 13 M a s o a n jo lhe oprimido e afrontado.
d is se : N ão te m a s , Z a c a ria s ; p o rq u e a tu a Os sacerdotes judaicos se dividiam em
o ra ç ã o foi o u v id a, e Is a b e l, tu a m u lh e r, te vinte e quatro turmas, sendo a de Abias
d a r á à lu z u m filho, e lh e p o rá s o n o m e de
João; a oitava (I Crôn. 24:10). Nos comentários
14 e te r á s a le g r ia e reg o zijo , introdutórios, acerca de Zacarias e Isa
e m u ito s se a le g r a r ã o co m o seu n a s c i bel, a ênfase se exerce nas suas creden
m e n to ; ciais religiosas impecáveis. Ser sacerdote
15 p o rq u e e le s e r á g ra n d e d ia n te do S e
n h o r;
e ser casado com uma mulher de linha
n ão b e b e rá vinho, n e m b e b id a fo rte ; gem sacerdotal era uma dupla honra.
e s e r á cheio do E s p írito S an to Zacarias e Isabel eram notáveis repre
j á d e sd e o v e n tre d e s u a m ã e ; sentantes da piedade ortodoxa judaica.
16 C o n v e rte rá m u ito s dos filhos de Is ra e l Contudo, a despeito de sua conduta ir
a o S en h o r se u D e u s ;
17 i r á a d ia n te d ele no e sp írito e p o d er de repreensível, Deus não havia abençoado
E lia s , p a r a c o n v e rte r o s c o ra ç õ e s dos aquele casal com filhos. E também não
p a is a o s filh o s, e o s re b e ld e s à p ru d ê n havia nenhuma esperança razoável de
c ia dos ju s to s , que aquela lamentável situação pudesse
a fim d e p r e p a r a r p a r a o S en h o r u m
povo a p e rc e b id o . mudar, visto que o casal passara da
18 D isse en tã o Z a c a ria s ao a n jo : Como te re i idade em que podia procriar. Desta for
c e rte z a disso? P o is e u sou v elh o , e m in h a ma, o autor sublinha o caráter mira
m u lh e r ta m b é m e s tá a v a n ç a d a e m id a d e . culoso dos acontecimentos que está para
19 Ao q u e lh e re sp o n d e u o a n jo : E u sou descrever.
G ab riel, q ue a s s is to d ia n te d e D eu s, e fui
en v iad o p a r a te f a l a r e te d a r e s ta s b oas- De acordo com algumas estimativas,
n o v a s; 20 e e is q u e fic a rá s m u d o , e n ã o havia aproximadamente vinte mil sacer
p o d e rá s f a la r a té o d ia e m q u e e s ta s c o isa s dotes na Palestina, naquela época. Cada
a c o n te ç a m ; p o rq u a n to n ão c re s te n a s m i
n h a s p a la v r a s , q ue a se u te m p o h ão de
uma das vinte e quatro turmas minis
c u m p rir-se . 21 O povo e s ta v a e sp e ra n d o trava no Templo durante uma semana,
Z a c a ria s , e se a d m ir a v a d a s u a d e m o ra no duas vezes por ano. Visto que havia cen
sa n tu á rio . 2,2 Q uando sa iu , p o ré m , n ão lh es tenas de sacerdotes em uma turma, eles
p o d ia f a la r , e p e rc e b e r a m q u e tiv e ra u m a eram escolhidos por sorte para oficiar em
v isão no s a n tu á rio . E fa la v a -lh e s p o r a c e
nos, m a s p e rm a n e c ia m u d o . 23 E , te r m in a certos rituais. O privilégio de queimar
dos os d ia s do se u m in is té rio , voltou p a r a incenso, que tinha lugar todas as manhãs
c a sa . e todas as tardes, era concedido por sorte
24 D epois d e s s e s d ia s Is a b e l, s u a m u lh e r, a um sacerdote não mais do que uma vez
conceb eu , e p o r cinco m e s e s se ocultou,
d izen d o : 25 A ssim m e fez o S en h o r nos d ia s
em toda a vida. A multidão, formada de
em qu e a te n to u p a r a m im , a fim d e a c a b a r israelitas do sexo masculino, estava reu
co m o m e u o p ró b rio d ia n te d o s h o m e n s. nida no pátio de Israel, enquanto o sa
cerdote, dentro do santuário propria
Herodes, o Grande, que fora nomeado mente dito, realizava o ritual. O templo
re! da Judéia (Palestina) pelo Senado era um lugar apropriado para Deus reve
Romano, em 40 a.C., morreu em 4. a.C. lar a um genuíno israelita que um mo
De acordo com as evidências dos regis mento significativo havia chegado na sua
tros dos Evangelhos, João e Jesus nasce vida e na história do seu povo.
ram antes de sua morte (Mat. 2:1). Eram As palavras hebraica e grega que são
tempos difíceis e turbulentos para os traduzidas como aiqo, ambas significam
judeus, a maioria dos quais se ressentia mensageiro. Nos primeiros livros do
profundamente do domínio romano, que Velho Testamento, o anjo de Yahweh é o
Herodes representava. De fato, muitos intermediário de Deus para tratar com os
criam que estavam vivendo nos dias ime homens. O anjo apresentava uma forma
diatamente anteriores â esperada inter de pensar e de falar acerca da presença
de Deus, que pessoalmente não podia ser to positivo da sua consagração é que ele
visto pelos homens. As referências testi será cheio do Espírito Santo desde o nas
ficam de uma fé em um Deus santo, que cimento, o que o marca para exercer um
é exaltado acima do homem e do seu papel profético de significado incomum.
universo. Elas também expressam a con Aqui encontramos a primeira menção ao
vicção de que esse Deus transcendental é Espírito Santo em Lucas. Na literatura
capaz de se comunicar com os homens e rabínica, o Espírito de Deus é primeira
de se envolver no processo histórico. O mente o Espírito de profecia, associado
anjo é o enviado de Deus ao homem; a especialmente com a renovação esperada
sua mensagem é a mensagem de Deus. durante a época messiânica, quando os
Seja o que for que o homem moderno homens de novo ouviriam a voz de Deus
faça, com as referências a anjos no regis diretamente.
tro bíblico, ele precisa haver-se com as João deve conclamar Israel ao arrepen
duas perguntas básicas que elas levan dimento, para que o povo seja prepara
tam: Existe um Deus que transcende o do, ou apercebido, para a visitação de
mundo do homem? É esse Deus capaz de Deus, há tanto tempo esperada. De
se envolver com a vida daqueles que acordo com Malaquias 4:5,6, em que
precisam desempenhar os seus papéis no esta passagem se baseia o profeta Elias
contexto do espaço, tempo e história? apareceria antes da chegada do “grande
A fé precisa preocupar-se, em última e terrível dia do Senhor” . A comunidade
análise, com estes assuntos, e não com a cristã cria que João devia ser identificado
natureza das visitações angélicas. com o Elias das expectações judaicas,
A que oração está se referindo o anjo? sendo revestido com o espírito e poder do
Pedindo um herdeiro? Ou pedindo o profeta. Como precursor de Jesus, João
nascimento do Messias? Esta última havia cumprido o papel previsto em M a
hipótese seria mais inteligível, dadas as laquias.
circunstâncias, mas o contexto parece
requerer a primeira. João, nome a ser Zacarias acha incrível a idéia de que
dado ao filho prometido, significa “Deus ele deve ter um filho na sua idade, sendo
é gracioso” . insuficiente, a palavra sem confirmação
O mensageiro celestial descreve o efei de um mensageiro desconhecido, para
to do esperado ministério de João (v. 14), vencer a sua incredulidade; então o anjo
suas qualificações para exercê-lo (v. 15), se identifica. Ele é Gabriel, um dos anjos
e a natureza desse ministério (v. 16 e 17). da Presença, que aparece em escritos
A experiência de alegria será a reação judaicos posteriores (cf. Dan. 10:13;
natural daqueles que ficarem sabendo do 12:1; Enoque 9:1; 10:11). Além disso,
poderoso ato de salvação, executado por Zacarias recebe um sinal, que ao mesmo
Deus, na série de acontecimentos que tempo é punição pela sua dúvida: ele não
começam a se manifestar com o nasci poderá falar até que as palavras do anjo
mento de João, o Batista. se cumpram.
Conforme o padrão do mundo, os Qualquer demora no santuário era
grandes homens da época eram os Césa causa de inquietação entre o povo que
res e os Herodes. Conforme o padrão de esperava. Havia possíveis perigos, rela
Deus, a verdadeira grandeza pertencia a cionados com a execução de um ritual
um profeta obscuro, humilde, relegado tão sagrado como oferecer incenso (cf.
ao deserto. A marca da consagração Núm. 16; Lev. 10:1,2; II Crôn. 26:16-
especial de João a Deus será a sua absti 21). Quando saiu, Zacarias não conse
nência de vinho e bebida forte. Este é um guiu pronunciar a costumeira bênção
dos aspectos da condição de consagra sobre o povo, o que foi interpretado como
ção do nazireu (cf. Núm. 6:1-8). O aspec sinal de que ele tivera uma visão. O
sábado trouxe um fim aos dias do seu tiva cria na concepção sobrenatural de
ministério. Jesus. São Mateus 1:18-25 e Lucas 1:34-
A idéia corrente em Israel era de que 37. Alguns estudiosos acham que essa
uma mulher sem filhos era inferior às que idéia estava interpolada no texto original
tinham filhos (cf. Gên. 16:4). O estigma de Lucas, e que ela representava um de
que Isabel havia carregado por tantos senvolvimento posterior. Não há razão
anos estava para ser removido. Dificil substancial para se rejeitar a conclusão
mente acreditaria que esse fato estivesse de que a crença no nascimento virginal
acontecendo, enquanto irrespondíveis antecedia tanto Mateus como Lucas, e
evidências físicas de sua gravidez não era uma convicção geral, sustentada pe
aparecessem. Ao fim de cinco meses esta los primeiros cristãos.
ria claro para todos que Isabel de fato No entanto, não há referências ao nas
estava para tornar-se mãe. cimento virginal em outras passagens do
Novo Testamento. Além do mais, nem
2) A Anunciação a Maria (1:26-38) em Mateus nem em Lucas ele é usado
para apoiar reivindicações a respeito da
26 O ra, no sex to m ê s, foi o a n jo G a b rie l pessoa de Cristo. Este conceito a respeito
en v iad o p o r D eu s a u m a c id a d e d a G aliléia ,
c h a m a d a N a z a ré , 27 a u m a v irg e m d e sp o do nascimento de Jesus não figura proe
s a d a com u m v a rã o cujo n o m e e r a J o s é , d a minentemente na apologética cristã pri
c a s a de D a v i; e o n o m e d a v irg e m e r a mitiva, de que Lucas-Atos é um exem
M a ria . 28 E , e n tra n d o o a n jo o nde e la e s t a plo de escol. As reivindicações a respeito
v a, d is s e : S alv e, a g r a c ia d a ; o S en h o r é c o n
tigo. 29 E la , p o ré m , a o o u v ir e s ta s p a la v r a s ,
de Cristo são baseadas primordialmente
tu rb o u -se m u ito e põs-se a p e n s a r que s a u d a em sua ressurreição. Não obstante, a
ção s e r ia e s s a . 30 D isse-lh e e n tã o o a n jo : convicção de que o Cristo ressurrecto era
N ão te m a s , M a r ia ; p o is a c h a s te g r a ç a d i também o Cristo encarnado e preexis
a n te de D eus. 31 E is que c o n c e b e rá s e tente, reforça a teologia de todos os escri
d a rá s à luz u m filho, ao q u a l p o rá s o n o m e
de J e s u s . tores neotestamentários.
32 E s te s e r á g ra n d e e s e r á c h a m a d o filho E, então, surge a pergunta: A que
do A ltíssim o ; propósito serve a história do nascimento
o S en h o r D eu s lhe d a r á o tro n o d e D av i, virginal, contada por Mateus e Lucas?
se u p a i ;
33 e r e in a r á e te r n a m e n te so b re a c a s a de
Há várias respostas possíveis. Era uma
Ja c ó , afirmação da peculiaridade de Jesus. Os
e o se u re in o n ã o te r á fim . seus seguidores criam que ele era Filho
34 E n tã o M a ria p e rg u n to u a o a n j o : C om o se de Deus em sentido último, diferente de
f a r á isto , u m a v e z q u e n ã o co n h eço v a rã o ? qualquer pessoa que já tivesse vivido ou
35 R espondeu -lhe o a n jo :
V irá so b re ti o E s p írito S anto, que fosse aparecer. A história do nasci
e o p o d e r do A ltíssim o te c o b rirá co m a mento virginal fazia essa peculiaridade
su a so m b ra ; remontar ao princípio, mostrando que
p o r isso o q u e h á d e n a s c e r s e r á c h a m a d o Deus, e somente Deus, era responsável
sa n to ,
F ilh o d e D eus.
pelo seu nascimento.
36 E is que ta m b é m Is a b e l, tu a p a re n ta , A história também demonstrava que o
conceb eu u m filho e m s u a v e lh ic e ; é e s te o Filho de Deus, na verdade, havia nascido
sex to m ê s p a r a a q u e la q u e e r a c h a m a d a de mãe humana, e havia entrado no
e s té r il; 37 p o rq u e p a r a D eu s n a d a s e r á im mundo como verdadeiro ser humano. A
possível. 38 D isse e n tã o M a r ia : E is a q u i a
s e r v a do S e n h o r; c u m p ra -se e m m im s e ênfase na gênese divina não diminui o
gundo a tu a p a la v r a . E o a n jo a u se n to u -se fato de que, desde o momento de sua
d ela. concepção, Jesus se desenvolveu como
qualquer outra criança, e que entrou no
Duas passagens da Escritura propi mundo através de processos humanos
ciam as evidências de que a igreja primi completamente normais. Desta forma, a
história do nascimento de Jesus serve Maria pretende apresentar duas idéias:
para anular a influência dos mestres que Maria ainda era virgem, e ela estava
ensinavam que o Cristo divino não tinha desposada com José. Esse tipo de despo-1
identidade verdadeira como ser humano. "samento era um relacionamento muito
I Que Jesus não era o Cristo era um axio~ mais sério do que o noivado moderno,
I ma da cristologia gnóstica posterior. 8 A pois a mulher era considerada como
história do nascimento virginal procla- esposa legal do homem com quem tinha j
| mava, em termos ineludíveis, que o Jesus o compromisso. Geralmente passava-se
humano e o Cristo divino eram o mesmo. determinado período de tempo entre o
A anunciação a Maria é paralela T clispõsamento e a celebração , do casa
anunciação a Zacarias, artifício que mento propriamente dito, quando o casal
capacita o escritor a estabelecer a supe começaria a viver junto como marido e
rioridade de Jesus em relação a João. mulher. Esperava-se que o Messias fosse
Claro que não se faz nenhuma tentativa descendente de Davi, fato ao qual se
para denegrir João, mas existe a clara atribui a identificação de José.
afirmação de que Jesus é o filho de Davi,_ _Não há base, no texto, para a idéia de
isto é, o Messias. Era também essencial que Maria era “cheia de graca” no sen
mostrar, como Lucas o faz nos capítulos tido de que dessa forma éüTse tornou
1 e 2, que Jesus e João não representam ,uma[fonte de graça^O particípio passado
movimentos divergentes, opostos. _A” traduzido como agraciada declarava que
^ unidade entre eles é a unidade que tarru Maria eraj objeto da graça ou imergeidp
bém abrange os profetas e a Igreia. em favor de Deus^] A maior glória a que uma
uma corrente progressiva de ação e reve jovem judia podia aspirar era o privilégio
lação divinas. Mas não pode haver rival de ser a mãe do Messias. Quando o
para a posição central neste drama da evento finalmente acontece, Deus escolhe
redenção, pois esta pertence apenas a como instrumento do seu milagre uma
Jesus. simples jovem galiléia. Aqui esta à
A anunciação a Maria é feita no sexto maravilha! Este não é nada mais do que
mês da gravidez de Isabel, por razões que outro exemplo dos caminhos surpre
se tornam claras, à medida que a história endentes de Deus, que “escolheu as coi
se desenrola. O instrumento da revelação sas loucas dó~nmndo para confundir os
divina é Gabriel também neste caso. A sábios” e “as coisas fracas do mundo
informação de que Nazaré é uma cidade pãFa confundir as fortes” (I Cor. 1:27).
da Galiléia é uma recordação de que A perturbada reação de Maria, à sau
Lucas está escrevendo para um público dação do anjo, acarreta a necessidade de
leitor gentio, desinformado acerca da uma tranqüilização adicional. Ela não
geografia da Palestina. deve temer nada a respeito daquela visita
Em Mateus, a história do nascimento celestial, pois o mensageiro vem para
virginal circula ao redor de José e seu trazer notícias alegres: Deus a havia
problema. Na história de Lucas, Maria é escolhido para a honra pela qual muitas
o centro das atenções. A descrição de mulheres judias haviam orado. Jesus é a
tradução grega da palavra hebraica
8 O gnosticismo, movimento que constituía um desafio Joshua, que significa “Yahweh é salva
radical ao cristianism o, é encontrado pela prim eira vez
na literatura do segundo século. Já no prim eiro século, ção” . Esse nome não é definido no relato
todavia, idéias gnósticas com eçaram a se dissem inar no de Lucas, mas todo o Evangelho é um
m undo grego-romano. Um dos seus dogmas caracterís
ticos era igualar a m atéria com o m al, o que levava à
desdobramento do seu significado.
negação da realidade da encarnação. E sta idéia tam bém ' Nos versículos 32 e 33, o futuro Filho é
resultou no ensinam ento de que o D eus que criara o descrito de tal forma que Maria saiba
m undo, o Yahweh do judaísm o, era um ser inferior,
m au, que não devia ser identificado com o Deus de
que ela está para dar à luz o Messias de
Cristo, que era absolutam ente Espírito. Israel. Filho do Altíssimo é um título
messiânico. O restante da declaração é adequado para descrever Aquele que
feito de forma a afirmar que o nasci estava para entrar no mundo. O titulo
mento de Jesus é o cumprimento de pro Filho de Deus marca Jesus como dife
fecias como II Samuel 7:13-16 e Isaías rente de todos os outros homens, pois
9:6,7. Em outras passagens, a perspec atribui a ele um relacionamento com a
tiva de Lucas emergirá, mas por ora o divindade que nenhum outro ser humano
autor se contenta em deixar a história reivindica.
cumprir o seu objetivo. Jesus é o cumpri A gravidez de Isabel é citada, a Maria,
mento das esperanças e expectativas do como sinal do poder de Deus, que nunca
seu próprio povo, o Messias das profecias é frustrado pelos fatores naturais que
do Velho Testamento. No entanto, ele vai limitam os homens. O Deus que operara
além do conceito messiânico popular, ao um milagre na vida de Isabel podia rea
afirmar a sua soberania eterna. lizar o que falara a Maria. Diferente
Um velho manuscrito latino omite o mente de Zacarias, Maria parece não
verso 34. Alguns estudiosos crêem que requerer qualquer sinal, mas humilde
esse versículo é uma interpolação e que a mente se submete à vontade de Deus
história, da forma como foi originalmen para a sua vida. Ela se considera serva
te escrita, não ensinava a concepção ou, literalmente, “escrava” do Senhor.
sobrenatural de Jesus. A evidência apre
sentada pelos manuscritos, bem como a 3) A Visita de Maria a Isabel (1:39-56)
interpretação natural do verso 27 indicam
que o texto geralmente aceito é original. 39 N aq u e les d ia s le v an to u -se M a ria , foi
A maneira pela qual Maria apresenta o a p re s s a d a m e n te à re g iã o m o n ta n h o sa , a
seu problema mostra que ela entende que u m a c id a d e d e J u d á , 40 e n tro u e m c a s a de
a concepção deverá acontecer antes da Z a c a ria s e sa u d o u a Is a b e l. 41 Ao o u v ir
Is a b e l a s a u d a ç ã o d e M a ria , sa lto u a c r ia n
consumação do seu casamento. c in h a n o se u v e n tre , e Is a b e l fico u c h e ia do
No verso 35 está a resposta para a per E s p irito S an to, 42 e e x c la m o u e m a lt a voz:
gunta de Maria: Como se fará isto (v. 34)? B e n d ita é s tu e n tr e a s m u lh e re s , e b e n d ito é
Não é uma explicação, mas, antes, uma o fru to do te u v e n tr e ! 43 E d onde m e p ro v é m
isto , q u e v e n h a v is ita r-m e a m ã e d o m e u
afirmação. O Filho especial de Maria S en h o r? 44 P o is logo q u e m e soou a o s o u v i
viria ao mundo como resultado do poder dos a voz d a tu a sa u d a ç ã o , a c ria n c in h a
criador do Espírito de Deus. Espírito, no salto u d e a le g r ia d e n tro de m im . 45 B em -
grego, é neutro; a palavra hebraica cor a v e n tu r a d a a q u e la q u e c re u q u e se h ã o d e
c u m p r ir a s c o is a s q u e d a p a r te do S en h o r
respondente ruah é geralmente feminina. lhe fo ra m d ita s . 46 D isse e n tã o M a r ia :
Não há base, no Velho Testamento, para 47 A m in h a a lm a e n g ra n d e c e ao S enhor,
a idéia de que o Espírito é o princípio e o m e u e s p irito e x u lta e m D e u s, m e u
masculino. O verbo vir sobre “denota S a lv a d o r;
ação não-material, e, assim, de acordo 48 p o rq u e a te n to u n a co n d iç ã o h u m ild e de
s u a se rv a .
com o seu freqüente uso na LXX, tam D e sd e a g o ra , p o is, to d a s a s g e ra ç õ e s
bém cobrirá, que nunca é usado em m e c h a m a rã o b e m -a v e n tu ra d a ,
relação à relação sexual” (Barrett, p. 7). 49 p o rq u e o P o d e ro s o m e fez g ra n d e s
O Espírito de Deus é ativo em trazer à c o isa s;
e sa n to é o s e u n o m e .
existência uma nova criação, uma nova 50 E a s u a m is e ric ó rd ia v a i d e g e ra ç ã o
humanidade ou um novo Adão, segundo e m g e ra ç ã o so b re os q u e o te m e m .
a terminologia paulina, em quem se 51 C om o se u b ra ç o m a n ife sto u p o d e r;
corporificará o novo Israel. O que acon d issip o u os q u e e r a m so b erb o s n o s p e n
tece, portanto, é criação, em vez de s a m e n to s d e s e u s c o ra ç õ e s ;
52 d ep ô s dos tro n o s o s p o d ero so s,
concepção, como geralmente se entende. e e le v o u os h u m ild e s.
Filho de Deus vai além da descrição dos 53 Aos fa m in to s e n ch e u d e b e n s,
versículos 32 e 33. Filho de Davi não é e v az io s d e sp e d iu o s rico s.
54 A uxiliou a Is r a e l, se u serv o , Há duas possibilidades de se traduzir a
le m b ra n d o -se d e m is e ric ó rd ia última cláusula do verso 45, dependendo
55 (com o falo u a n ossos p a is )
p a r a co m A b ra ã o e s u a d e sc e n d ê n c ia de como se entende a conjunção grega
p a r a s e m p re . subentendida. Ao invés da tradução que
56 E M a ria ficou com e la c e rc a d e tr ê s temos na versão da IBB, o “que” pode
m e s e s ; e depois voltou p a r a s u a c a s a . ser substituído por ‘‘porque~,~ãpresen-
tando, assim, uma razão panTcT fato de
A visita de Maria a Isabel serve para Maria ser bem-aventurada. Maria re
unir os dois fios da história, de forma a presenta a genuína israelita que çjê nas
ilustrar dramaticamente o relaciona promessas deJ J eus. Tal pessoa é bem-
mento entre os filhos que as duas mulhe áventuradjTou feliz, porque Deus cum
res dariam à luz. pre a sua palavra.
Maria reage à revelação do anjo indo Magnificat, a primeira palavra do cân
apressadamente visitar Isabel, ostensi tico de Maria na Vulgata, serve como seu
vamente para confirmar o sinal que lhe título. Levanta-se uma interrogação
havia sido dado. É impossível identificar acerca da atribuição do Magnificat a
a cidade mencionada como o lugar onde Maria. Em alguns poucos manuscritos
Isabel habitava. Região montanhosa é o latinos, Isabel é a oradora, redação essa
nome da topografia de Jerusalém, dado apoiada por evidências expressas por
tanto por Josefo como por Plínio. Uma vários Pais da Igreja.
viagem de Nazaré até uma cidade da
Judéia, nas vizinhanças de Jerusalém, Algumas evidências internas também
seria da distância de cerca de cento e apoiam a atribuição a Isabel. O Magni
vinte quilômetros, uma longa viagem ficat segue o padrão do cântico de Ana,
para uma moça de então. de regozijo e louvor, transcrito em I
O objetivo da visita, isto é, a verifi Samuel 2:1-10. A experiência de Isabel,
cação pessoal da gravidez de Isabel, tendo passado muito tempo sem filhos, o
perde-se de vista na história. Ao som da que terminou pela misericórdia especial
voz de Maria, a criança ainda não nas de Deus, tem grande semelhança com a
cida se move no ventre de Isabel. O verbo de Ana. Além do mais, o verso 48 se refe
traduzido como saltou significa um mo riria mais naturalmente a Isabel. Con
vimento causado por alegria. A declara dição humilde descreveria mais natural
ção de que Isabel ficou cheia do Espírito mente a humilhação sofrida, como resul
Santo focaliza-a como uma profetiza da tado de uma experiência frustrante,
nova era (veja, a respeito, o v. 15). como o estigma da esterilidade de Isabel.
O tema da história é a superioridade E, também, o verso 56 seria gramatical
do filho de Maria sobre o de Isabel. mente mais claro, se Isabel fosse a autora
Isabel abençoa Maria porque ela seria a do Magnificat. O pronome ela dessa
mãe do Senhor dela, isto é, a mãe do forma teria um antecedente lógico, e a
Messias. Donde me provém isto é tra repetição do nome de Maria seria menos
dução de uma frase semita que significa: esquisita.
“Como isto pode acontecer a alguém tão Alguns intérpretes chegaram à con
indigno?” clusão de que o Magnificat se originou
Isabel explica como chegara a reco entre seguidores de João Batista, e por
nhecer o significativo papel de Maria eles foi atribuído a Isabel. Não obstante,
como mãe do Messias. Talvez o leitor o peso esmagador da evidência textual,
deva entender que Maria tinha já con incluindo todos os manuscritos gregos,
cebido. Neste caso, a idéia pode ser que sustenta a atribuição do cântico a Maria.
João saltou de alegria porque estava na Ele é um hino de regozijo messiânico,
presença de Jesus. que, no contexto de Lucas, expõe o sig
nificado do nascimento de Jesus mais para ser realizados no futuro. Neste
apropriadamente do que o de João. espírito, este hino fala acerca do que
A estrutura do Magnificat é composta Deus fará como se aquilo já tivesse acon
pelo entretecimento de frases e idéias tecido.
tomadas de diferentes partes do Velho Os soberbos, os poderosos e os ricos
Testamento. Seguindo o padrão do cân descrevem pessoas que usam a sua posi
tico de Ana, ele se divide em duas partes. ção e poder para explorar e oprimir. Por
A primeira (46b -50) é uma expressão de outro lado, os humildes e os pobres são
louvor por bênçãos pessoais. A segunda pessoas que colocaram a sua confiança
(51-55) descreve o significado desse somente em Deus, e esperam confia-
grande ato de Deus para Israel. O intér damente nele, por sua libertação. Por
prete comete um erro, se entender esta e tanto, a terminologia usada tem nuanças
outras referências a Maria em Lucas 1 e 2 religiosas e morais que modificam a des
em sentido exageradamente pessoal. crição das classes. A vinda do Messias é
Maria, em sua humilhação, representa considerada como um desafio de Deus
um povo humilde e oprimido. É a nação para com as estruturas de poder da
judaica que, na pessoa de Maria, dá à sociedade. Deus age para subverter o
luz Jesus. O que Deus fez por ela, fez por opressor e libertar o oprimido.
Israel. É claro que esta passagem se refere ao
Alma e espírito são termos paralelos, início da era messiânica, havia tanto
pelos quais o pronome “eu” pode ser tempo esperada. O propósito de Deus é a
substituído. Alma (psuche) corresponde redenção de Israel. Ele está respondendo
ao hebraico nephesh, e descreve o ho à opressão e abandono dos seus servos,
mem como um ser animado. O conceito em cumprimento à promessa já cente
popular de alma como uma espécie de nária.
espírito desencarnado é totalmente ina Três meses adicionados aos seis do
dequado para se entender o uso bíblico verso 36 leva a narrativa ao término do
desse termo (cf. Stagg, p. 28-32). En período de gestação de Isabel. Aparen
grandece significa louvar a Deus, decla temente, o leitor deve entender que M a
rando a sua grandeza. A demonstração ria terminou a sua visita antes do nasci
do poder de Deus em favor de sua serva mento de João, que é descrito no episódio
é uma manifestação do seu caráter como subseqüente. O leitor moderno levanta
Salvador ou Libertador. uma pergunta a que o escritor não res
Os intérpretes têm, freqüentemente, ponde: Foi para a casa dos seus pais que
indicado que não há nada especifica Maria voltou?
mente cristão no Magnificat propria
4) O Nascimento de João (1:57-80)
mente dito. Só com referência ao con
texto pode-se entender que o hino de a. Circuncisão e Nome (1:57-66)
louvor de Maria ao poder e misericórdia 57 O ra , c o m p leto u -se p a r a Is a b e l o te m p o
de Deus é inspirado pelo nascimento de d a r à luz, e te v e u m filho. 58 O u v ira m
prometido de Jesus. Este acontecimento se u s v izin h o s e p a r e n te s que o S en h o r lhe
é a evidência da fidelidade de Deus ao m u ltip lic a ra a s u a m is e ric ó rd ia , e se a le
g ra v a m co m e la . 59 S u ced eu , p o is, no o itav o
seu próprio caráter, no fato de derramar d ia , q u e v ie r a m c irc u n c id a r o m e n in o ; e
a sua mercê sobre os que o temem, de q u e ria m d a r-lh e o n o m e de se u p a i, Z a c a
geração em geração, isto é, para sempre ria s . 60 R e sp o n d e u , p o ré m , s u a m ã e : D e
e sem exceção. m odo n e n h u m , m a s s e r á c h a m a d o Jo ã o . 61
A certeza do profeta, de que Deus será Ao que lhe d is s e ra m ; N in g u ém h á n a tu a
p a re n te la que se c h a m e p o r e ste n o m e. 62 E
fiel à sua palavra, é freqüentemente p e rg u n ta v a m p o r a c e n o s ao p a i com o q u e ria
demonstrada em lançar no tempo pas que se c h a m a s s e . 63 E , p edindo ele u m a
sado acontecimentos que ainda estão tã b u in h a , e s c re v e u : S eu n o m e é Jo ã o . E
todos se a d m ir a r a m . 61 Im e d ia ta m e n te a Aqui ele é descrito como estando surdo
b o ca se lh e a b riu , e a lín g u a se lh e s o lto u ; e também, visto que as pessoas precisam
fa la v a , louvando a D eu s. 65 E n tã o veio
te m o r so b re to d o s os se u s v izin h o s; e e m
empregar acenos para se comunicarem
to d a a re g iã o m o n ta n h o s a d a Ju d é ia * fo ra m com ele. A tabuinha era uma espécie de
d iv u lg a d a s to d a s e s ta s c o is a s. 66 E todos os tabuleta feita de madeira e coberta com
que d e la s s o u b e ra m a s g u a rd a v a m no c o r a cera. Zacarias corroborou por escrito a
ção, d izen d o : Q ue v ir á a s e r , e n tã o , e ste escolha feita por Isabel a respeito do
m en in o ? P o is a m ã o do S e n h o r e s ta v a co m
ele. nome para o filho deles, indicando, dessa
forma, a sua convicção de que João era o
O nascimento de um filho a uma mu filho da promessa do anjo. Isso deu fim
lher estéril era considerado sinal distin ao tempo do seu castigo, e a sua fala
tivo de misericórdia divina. Especial voltou.
mente isto se referia a Isabel, cuja avan Os acontecimentos incomuns que cer
çada idade faria a procriação impossível, caram o nascimento de João e a atribui
se não fosse a intervenção sobrenatural ção de um nome a ele inspiraram uma
de Deus. A circuncisão, sinal do pacto atitude de temor ou admiração reverente,
entre Deus e o seu povo (Gên. 17:11), apropriada aos que reconheciam que
fazia com que o indivíduo se tornasse Deus estava fazendo coisas estranhas e
membro da comunidade do pacto. Tinha maravilhosas no meio deles. Ao ouvir
ela lugar no oitavo dia, isto é, uma sema notícias de testemunhas acerca daqueles
na depois do nascimento. Todas as refe extraordinários acontecimentos, os ha
rências pré-cristãs indicam que o nome bitantes da região guardavam no cora
era dado à criança por ocasião do nasci ção, isto é, armazenavam-nos em sua
mento. A evidência mais antiga, fora do memória, para o dia em que o mistério
Novo Testamento, para se dar nomes por de tudo aquilo fosse revelado. A narra
ocasião da circuncisão vem do oitavo tiva termina com uma nota de grande
século. No entanto, é difícil crer que o expectativa, pois o povo previa um des
autor teria afirmado que João e Jesus tino extraordinário para alguém m ar
(2:21) receberam o seu nome durante a cado por sinais tão arrebatadores do
circuncisão, se isso fosse discordante com envolvimento de Deus na sua vida como
o costume contemporâneo reconhecido. sucedeu com João.
Dar nome a um filho era negócio sério,
pois o nome representava o caráter ou b. A Profecia de Zacarias (1:67-80)
personalidade essencial da pessoa que o 67 Z a c a ria s , se u p a i, fico u ch e io do E s p í
ostentava. A sugestão para que a criança rito S an to e p ro fetiz o u , d iz e n d o :
recebesse o nome do pai, Zacarias, pos 68 B en d ito s e ja o S e n h o r D eu s d e Is ra e l,
sivelmente foi feita por parentes e amigos p o rq u e v isito u e re m iu o se u povo,
que se haviam reunido na ocasião. A 69 e p a r a n ó s fez s u r g ir u m a sa lv a ç ã o
p o d e ro s a n a c a s a de D av i, se u s e r v o ;
objeção quanto à escolha de Isabel no que 70 a s s im co m o d e sd e os te m p o s a n tig o s
diz respeito ao nome da criança baseia-se te m a n u n c ia d o p e la b o c a dos se u s s a n
no argumento de que nenhum parente se to s p r o f e ta s ;
chamava João. Eles não conseguiam en 71 p a r a nos liv r a r dos nossos in im ig o s
e d a m ã o d e to d o s os q u e nos o d e ia m ;
tender que aquela criança fora escolhida 72 p a r a u s a r d e m is e ric ó rd ia co m nossos
por Deus para um papel que a distinguia p a is , e le m b ra r -s e do seu s a n to p a c to
de todos os outros membros da família. O 73 e do ju ra m e n to q u e fez a A b raão ,
seu nome, portanto, não fora escolhido no sso p a i,
por homens, mas determinado por Deus 74 d e co n ced er-n o s q u e , lib e rta d o s d a m ão
d e n o sso s in im ig o s, o s e rv ís s e m o s se m
(cf. Gên. 17:5; 32:28). te m o r,
O castigo pela dúvida demonstrada 75 e m s a n tid a d e e ju s tiç a p e ra n te ele,
por Zacarias foi afonia ou mudez (v. 20). to d o s os d ia s d a n o s s a v id a .
76 E tu , m en in o , s e r á s c h a m a d o p ro fe ta testamentárias. Deus é intimamente
do A ltíssim o ; identificado com Israel, que, por seu
p o rq u e i r á s a n te a fa c e d o S en h o r, a turno, é chamado de seu povo. A reden
p r e p a r a r os s e u s c a m in h o s, p a r a d a r
77 a o se u povo co n h e c im e n to d a s a lv a ç ã o , ção esperada pelos judeus desde 63 a.C.
n a re m is s ã o d o s se u s p e c a d o s, era primordialmente a libertação do
78 g r a ç a s à e n tr a n h á v e l m is e ric ó rd ia do poderio de Roma. A expressão salvação
no sso D eu s, p e la q u a l n o s h á de v is ita r poderosa, no original, é “chifre de sal
a a u r o r a lá do a lto ,
79 p a r a a lu m ia r a o s q u e ja z e m n a s tr e v a s
vação” , pois chifre era, em termos pic
e n a s o m b ra d a m o r te , a fim d e d ir ig ir tóricos, símbolo de força, por ser a arma
os nossos p é s no c a m in h o d a p a z . de vários animais. O povo judaico espe
80 O ra , o m en in o c re s c ia , e se ro b u s te c ia rava que o seu poderoso libertador res
e m e s p írito ; e h a b ita v a n o s d e s e rto s a té o taurasse a dinastia davídica. Um judeu
d ia d a s u a m a n ife s ta ç ã o a Is r a e l.
desconhecido, dessa época, expressou as
Zacarias é a segunda pessoa que se aspirações de muitos dos seus compa
toma profeta nessa nova era, como resul triotas, quando orou: “Senhor, olha para
tado de ter sido cheio do Espírito Santo eles, e levanta-lhes o seu rei, o filho de
(cf. v. 41 e 42). Benedictus, primeira Davi, no tempo que tens visto, ó Deus,
palavra da versão latina deste seu hino, é que ele reinará sobre o teu servo Israel”
o nome pelo qual ele é conhecido. O (Salmos de Salomão XVII. 23). Jesus
Benedictus é dividido em duas partes. A reinterpretou esta esperança, e redire-
primeira (v. 68-75) descreve o papel de cionou-a para alvos espirituais e uni
sempenhado pelo Libertador de Israel, o versais.
Messias de Deus. A segunda (v. 76-79) Os atos do Messias, de acordo com as
descreve o papel do Precursor. Em gran palavras da promessa de Deus, aos pro
de parte, o hino retrata a obra do Mes fetas (v. 70), cumpriram o pacto feito
sias em termos da esperança nacionalista com Abraão (cf. Gên. 22:16-18). Liber
de libertação. Mas há algumas impor tação é produzir uma condição de liber
tantes modificações deste tema na última dade religiosa em que o povo de Deus
parte. será capaz de expressar a sua vida reli
Duas crenças básicas determinam a giosa sem temor de hostilidade e perse
abordagem, que se faz do Velho Testa guição (v. 74 e 75).
mento, nos primeiros escritos cristãos. A
primeira era a convicção de que Deus, Profeta do Altíssimo deve ser contras
que se revelara em Jesus Cristo, era tado com Filho do Altíssimo (v. 32).
também o Deus do Velho Testamento, e Desta forma, o papel de João Batista é
que havia coerência entre a sua revelação delineado como sendo o de mostrar o
em Jesus e a sua atividade na história de significado maior de Jesus. Aqui, como
Israel. A segunda, que os primeiros cris no verso 17, João é identificado com
tãos criam que Jesus Cristo era a revela Elias, identificação que Lucas evita no
ção escatológica ou última de Deus na corpo do seu Evangelho. Nesse ponto, o
história, e, portanto, era a chave para Benedictus avança para um novo nível,
se interpretar o que Deus já fizera ante quando a salvação é mencionada em ter
riormente. Sobretudo, Lucas considerava mos mais espirituais e universais.
a Igreja como o verdadeiro Israel de João deve dar conhecimento da salva
Deus, e entendia passagens como as do ção. Este conhecimento não é a gnose
Benedictus segundo essa perspectiva. ou sabedoria esotérica exaltada no pen
Nos primeiros versículos do Benedic samento gnóstico. Pelo contrário, é aque
tus, a esperança messiânica é expressa le conhecimento que se origina de uma
nos termos nacionalistas mais extrema experiência, a saber, a remissão dos...
dos, baseados em várias fontes vetero- pecados.
Aurora... do alto é difícil de se tra esposado por todos os escritores dos
duzir. Há possibilidades de que ela seja Evangelhos, de que a fase crucial da his
igualada à palavra hebraica traduzida tória de redenção começa com a história
como “ramo” , visto que é usada para de João Batista. A íntima relação entre
traduzir o título messiânico na LXX. 1:80 e 3:2 é um ponto a favor da unidade
Neste caso, significa “Messias de Deus” . original do Evangelho de Lucas, da ma
De acordo com alguns manuscritos, o neira como hoje ele se nos apresenta.
verbo visitar deve ser colocado no pas
sado. No entanto, o texto é, provavel
mente, correto, visto que toda essa frase, 5) O Nascimento de Jesus (2:1-20)
começando com o verso 76, é colocada no
futuro. O objetivo da referência que Lucas faz
A nota universal, tão proeminente no a um censo é mostrar por que Maria e
corpo principal do Evangelho, aflora à José precisaram estar em Belém quando
superfície pela primeira vez nesta con Jesus nasceu. Várias interrogações,
juntura. Lucas identifica os que jazem algumas de natureza relativamente sem
nas trevas com os gentios. O Messias deve importância, têm sido feitas a respeito da
guiar o seu povo no caminho da paz, e exatidão histórica da narrativa. Qual
não em uma guerra de libertação nacio quer acontecimento relacionado com o
nal. nascimento de Jesus deve ser datado
Os desertos são geralmente identifi como sendo pouco antes da morte de
cados com o deserto da Judéia, a oeste do Herodes, o Grande, que ocorreu em
Mar Morto. Há uma grande possibili 4 a.C. Os governadores ou, mais propria
dade de que João, de quem tanto a mo mente, legados da Síria, no período cru
cidade como o ministério são localizados cial de que falamos, eram Sentius Satur-
nos desertos, tivesse mantido alguma ninus 9-6 a.C. e Quintilius Varus, 6-4
espécie de ligação com a seita de Qum- a.C. É fato bem conhecido, portanto,
ran. Essa é a região em que esse grupo que Quirino não se encaixa na sucessão
ascético judeu havia restabelecido a sua de legados no tempo devido.
comunidade, depois da morte de Hero- Além disso, Josefo silencia a respeito
des, o Grande. Mas a proximidade geo de um recenseamento durante o reinado
gráfica não é o único indício de um de Herodes, o Grande. Ele fala de um
relacionamento entre João e Qumran. O realizado por Quirino, em 6 d.C. Esse re
seu ascetismo, sua escatologia, sua diver censeamento, ordenado com o objetivo
gência do judaísmo ortodoxo e a prática de compor relações de impostos, foi,
do batismo podem também consistir em para os judeus, uma expressão enfure-
elos com essa seita. 9 Por outro lado, cedora de sua subjugação a Roma. Ele
João é bem diferente, pelo fato de não ter atiçou um profundo ressentimento, que
procurado formar uma comunidade iso explodiu na revolta abortada, liderada
lada e monástica. Da mesma forma, ele por um certo Judas da Galiléia.
não simpatizava com a ênfase em ritua- Muitos estudiosos crêem que este é o
lismo religioso, especialmente na forma acontecimento descrito por Lucas. Eles
de abluções purificadoras, tão importan afirmam que ele cometeu o erro de fazer
tes para a comunidade do Mar Morto. o censo remontar a vários anos antes, e
Manifestação pode ser entendida como usou-o erroneamente, para responsabi
o início do ofício divinamente ordenado lizá-lo pelas circunstâncias do nasci
de João. Ela enfatiza o ponto de vista, mento de Jesus.
A defesa mais enérgica da exatidão
9 Cf. Charles Scobie, John The Baptist (London: SCM, histórica do relato feito por Lucas foi
1964), p. 37-40, 46,58, 59,102 e ss. feita muitos anos atrás, por Sir William
Ramsay. 10 Ela é fundamentada na pos como soberano semi-independente, difi
sibilidade de que Quirino estava na Síria, cilmente teria permitido uma intromis
encarregado de missões militares contra são dessas nos negócios internos do seu
rebeldes, durante pelo menos parte do reino. Mais uma vez deve ser dito que, na
governo de Saturninas. Ramsay sugere ausência de evidências, o intérprete não
que Quirino e Saturninus desempenha pode afirmar dogmaticamente o que
vam papéis administrativos duplos, na Herodes teria ou não feito. Todo o mun
Síria, ao tempo do recenseamento, o do é uma hipérbole, referindo-se ao Im
primeiro quanto a assuntos militares, e o pério Romano. Mas um recenseamento
segundo, quanto a assuntos internos. O simultâneo, em todo o império, parece
termo governador é susceptível à uma estar excluído, segundo as notícias his
ampla interpretação, e bem pode aplicar- tóricas existentes, que mostram que
se a uma posição de autoridade militar. recenseamentos de diferentes regiões
Ramsay conclui que o censo de Herodes eram realizados em épocas diferentes.
foi “tribal e hebraico, e não antina- Todo o mundo pode ser uma tradução
cional” e que “ele estava completa errada de uma expressão aramaica, que
mente desligado de qualquer esquema de significava “todo o povo” , isto é, todo o
taxação romano” (p. 108). Por que ele povo judeu (Manson, p. 16).
suscitou pequena reação popular, passou Devido a recenseamentos, como o que
despercebido a Josefo. De acordo com começou no Egito em 20 d.C., que eram
esta reconstituição da situação, o nasci usados para computar relações de im
mento de Jesus teria ocorrido, aproxima postos, requeria-se que os habitantes se
damente, em 8 a.C. registrassem onde viviam e possuíam
propriedades. Como tem sido sugerido,
a. Nascido em Belém (2:1-7)
a exigência de que os judeus voltassem ao
1 N a q u e le s d ia s s a iu u m d e c re to d a p a r te seu lar ancestral, como é especificado no
de C é s a r A ugu sto , p a r a q u e to d o o m u n d o relato feito por Lucas, podia ter o desíg
fo sse re c e n s e a 3 õ . 2 E s te p rim e iro re c e n
s e a m e n to foi fe ito q u a n d o Q u irin o e r a g o v e r nio de juntar um a complacência menos
n a d o r da S íria . 3 E to d o s ia m a lis ta r-s e , melindrosa com uma medida desagra
c a d a u m à s u a p ró p r i a c id a d e . 4 S ubiu ta m - dável, dando-lhe forma nacionalista. 11
b é m J o s é , d a G a lilé ia , d a c id a d e d e N a z a ré , José, descendente de DavT, dirigiu-se "à
à J u d é ia , à c id a d e d e D av i, c h a m a d a B e lé m ,
p o rq u e e r a d a c a s a e f a m ília d e D av i, 5 a fim
cidade de Davi (cf. I Sam. 17:12). De
d e a lis ta r-s e co m M a r ia , s u a e sp o sa , q u e acordo com Miquéias 5:2, Belém era a
e s ta v a g rá v id a . 6 E n q u a n to e s ta v a m a li, cidade de que viria aquele que estava
chegou o te m p o e m q u e e la h a v ia d e d a r à destinado a “reinar em Israel” .
luz, T e te v e à se u filho p rim o g ê n ito ; en v o l Sua esposa tem sido traduzido como
veu-o e m fa ix a s e o d eito u e m u m a m a n je
d o u ra , p o rq u e n ã o h a v ia lu g a r p a r a eles. n a- “sua prometida” , versão apoiada pelas
e s ta la g e m . melhores testemunhas do texto. Alguns
poucos manuscritos citam “sua esposa” ,
Jesus nasceu durante o reinado de
que é preferível, por motivos óbvios.
César Augusto, grande gênio adminis A tendência que culminou na doutrina
trativo, que governou o Império Romano da virgindade perpétua explicaria por que
de 27 a.C. a 14 d.C. Não há notícias, a um escriba teria mudado esposa, colo
não ser neste Evangelho, que liguem
cando “prometida” .
Augusto com um recenseamento do Im
Lucas, bem como os outros evangelis
pério, mas um argumento baseado no
tas afirmam que Maria foi mãe de vários
silêncio não é conclusivo. Algumas pes
filhos, de quem Jesus era o primogênito
soas também têm dito que Herodes,
ou mais velho (cf. Luc. 8:20). Nenhum
10 Was Christ Bom in Bethlehem? (New York: Putnam,
1898). 11 Cf. Ramsay, ibid., p. 107
argumento verdadeiro pode ser apresen história dos pastores. Os simples pasto
tado contra o claro sentido do texto res de ovelhas pertenciam ao “povo da
nessas passagens. Se Lucas tivesse dese terra” , aquela multidão de homens
jado dizer que Jesus era filho único, ele comuns que eram considerados como
teria usado uma palavra mais apro estranhos ao pálio da respeitabilidade
priada: monogenés. religiosa. A sua ocupação e forma de vida
As humildes circunstâncias do nas faziam com que fosse impossível que eles
cimento de Jesus são pintadas nesta his satisfizessem os requisitos dos rituais
tória. A palavra traduzida como esta religiosos de pureza cerimonial. Visto
lagem na verdade significa quarto. Como que os pastores estavam apascentando os
um grande afluxo de hóspedes tivesse seus rebanhos durante as vigílias da
ocupado todos os lugares do quarto em noite, a cena não poderia ser possível no
que os viajantes dormiam, os pais de inverno. A tradição que coloca o nasci
Jesus precisaram procurar alojamento no mento de Jesus em 25 de dezembro é
estábulo, ou talvez até em um redil relativamente moderna, atestada apenas
aberto. O primeiro berço a receber o seu depois do quarto século, e não é digna de
filho foi uma manjedoura, literalmente, confiança. 12 Os pastores estavam no
um cocho. Desta forma começou a sua campo de março até novembro.
"vida, esse “Homem para os outros” . E o Só no primeiro capítulo do Evangelho,
fez apropriadamente, pois não existem Lucas menciona os mensageiros celestiais
barreiras em um estábulo. Categorias su que aparecem em sua narrativa. Em
perficiais, de raça e classe, bem como outros lugares, ele segue o costume ju
noções escrupulosas a respeito de germes daico anterior, de designar cada um
e sujeira não têm importância aqui. To como um aiyo do Senhor. A reação à
dos os pobres, insignificantes e esqueci glória do Senhor ou ao fulgor da presen
dos do mundo podem se reunir ao redor ça de Deus, talvez devendo ser entendida
da manjedoura, e podem ousar crer que como uma nuvem luminosa, foi grande
o Menino que ali estava deitado real temor.
mente pertencia a eles. As primeiras palavras do visitante
b. Anunciado a Pastores (2:8-14) celestial trazem confiança; ele é arauto
de novas de grande alegria. Alegria,
8 O ra , h a v ia n a q u e la m e s m a re g iã o p a s tema que se repete constantemente em
to re s q u e e s ta v a m no c a m p o , e g u a rd a v a m ,
d u ra n te a s v ig ília s d a n o ite , o se u re b a n h o . Lucas, é a reação adequada ao ato salva
9 E u m a n jo do S en h o r a p a re c e u -lh e s, e a dor de Deus. O povo (laos) é o povo de
g ló ria do S en h o r os c e rc o u d e re s p le n d o r; Deus. Por ocasião do nascimento de
p elo q ue se e n c h e ra m d e g ra n d e te m o r. Jesus, ele era Israel, e mais tarde se
10 O a n jo , p o ré m , lh e s d is se : N ão te m a is ,
p o rq u a n to vos tr a g o n o v a s d e g ra n d e a le tornou a Igreja, de acordo com a opinião
g ria , q u e o s e r á p a r a todo o p o v o ; 11 È q u e de Lucas, a respeito da história reden
vos n a s c e u h o je , n a c id a d e d e D a v i, ». S a l tora.
v a d o r, q u e é C risto , o S en h o r. 12 E is to vos As boas-novas são o nascimento de um
s e r á p o r s in a l: A c h a re is u m m e n in o envolto
e m fa ix a s , e d e ita d o e m u m a m a n je d o u ra .
Salvador, título incomum para Jesus, nos
13 E n tã o , de re p e n te , a p a re c e u ju n to ao a n jo Evangelhos. No mundo antigo, um sal
g ra n d e m u ltid ã o d a m ilíc ia c e le stia l, lo u vador era primordialmente um libertador
v an d o a D eu s e d iz e n d o : de doenças, de perigo ou das limitações
14 G ló ria a D eu s n a s m a io re s a ltu ra s , humanas, no mundo. Governantes, tanto
e p a z n a t e r r a e n tr e o s h o m e n s de b o a
v o n tad e. gregos como romanos, eram chamados
A verdade de que o evangelho se des 12 Veja o ensaio de Oscar Cullmann: “The Origin of
Christmas”, em The E arlj Church, ed, Á. J. B. Higgins
tinava aos desprezados e economica (ed. resumida; London: SCM, 1966), p. 21 e ss., para
mente oprimidos é levada a efeito pela encontrar uma discussão dessa tradição “cristã” .
de salvadores. Esse título era freqüente vontade entre os homens” , não tem a
mente dado a deuses gregos, especial devida sustentação textual. A paz que o
mente às divindades das religiões dé mis recém-nascido Messias estava paràTrazer
tério. Na LXX, Deus é chamado de Sal pertence
Jsrr"— -■ aos homens^de - '.js boa vontade,7
vador (v. g. Sal. 24:5; assim também em referindo-se àqueles que Deus agradou-
Luc. 1:47). Proclamar Jesus como Salva se em escolher para si como seus (cf.Xiic]
dor, no ambiente helenista da missão aos j3:22). À p azque Jesus trouxe foi recon-
gentios, era afirmar que ele era o Liber Iciliação entre Deus e o homem, e a
tador universal* pelo qual ò povo ansia- I reconciliação corolária entre o homem e
vã, que podia fazer por eles o que nem |o seu próximo. Esta paz é possível aos
governantes nem os seus deuses haviam indivíduos “ de boa vontade” , mesmo em
podido realizar. Só ele podia realmente I meio a caos, tensões e ódios da sociedade
libertar o homem de sua escravidão ao j humana. Não depende de circunstâncias
mal, destino, morte e corrupção. exteriores, mas de uma reação pessoal à
Cristo, o Senhor, é tradução de uma I iniciativa da graça divina.
expressão difícil, que consiste da justa
posição de dois nomes no caso nomina c. A Visita dos Pastores (2:15-20)
tivo, sem um artigo interveniente; literal
mente: “Cristo Senhor” . Muitas conjec 15 E logo q u e os a n jo s se r e t ir a r a m d eles
turas, acerca do significado desta expres p a r a o c é u d iz ia m o s p a s to re s u n s a o s o u
tr o s : V a m o s j á a té B e lé m , e v e ja m o s isso
são, têm sido feitas. Algumas pessoas que a c o n te c e u e q u e o S en h o r n o s d eu a
crêem que a primeira palavra deve ser c o n h e ce r. 16 F o ra m , p o is, a to d a a p re s s a , e
entendida como adjetiva e traduzida a c h a r a m M a r ia e J o s é , e o m e n in o d e ita d o
“Senhor ungido” . Outras a traduzem n a m a n je d o u ra ; 17 e, vendo-o, d iv u lg a ra m a
p a la v r a q u e a c e r c a d o m e n in o lh e s fo ra d i t a ;
“Cristo e Senhor” , levando a expressão a 18 e to d o s os q u e a o u v ira m se a d m ira v a m
significar que o Messias é Yahweh. A do q u e os p a s to re s lh e s d iz ia m . 19 M a ria ,
explicação mais provável e què âconteceu p o ré m , g u a rd a v a to d a s e s ta s c o is a s, m e d i
uma corruptela do original aramaico, ta n d o -a s e m se u c o ra ç ã o . 20 E v o lta ra m os
que devia ser traduzido como “O Cristo p a s to re s , g lo rific a n d o e lo u v a n d o a D eu s p o r
tu d o o q u e tin h a m o u v id o e v isto , co m o lh es
dc Senhor’!* conforme em Lucas 2:26. fo ra dito .
Senhor representa a tradução da Septua-
ginta, do nome divino de Yahweh, e Seguindo as instruções que lhes ha
devia ser entendido aqui desta forma, viam sido dadas, os pastores acharam a
embora em o Novo Testamento esse criança que os anjos haviam descrito.
título seja freqüentemente dado a Jesus. Logo em seguida, divulgaram, aos pais,
O Salvador que nasceu, portanto, é o tudo o que o anjo lhes havia dito acerca
Messias que Deus prometera a Israel. do menino. De acordo com o verso 18,
Quando os pastores encontraram, na outras pessoas também estavam pre
cidade de Davi, o bebê recém-nascido, sentes, e ouviram os pastores contarem a
deitado em uma maiyedoura, souberam sua experiência incomum.
que haviam descoberto a criança da qual A descrição da reação de Maria à
o anjo falara. revelação dos pastores dá a entender que
O coro celestial é composto dos servos Lucas pensava nela como fonte original
celestiais de Deus descritos em Daniel das informações em que o seu relato se
7:10. O seu hino se inicia com uma atri baseou (cf. também 2:51). Naquela hora,
buição de louvor ao Deus transcendental, Maria conseguiu apenas meditar... em
que levara á efeito esse maravilhoso seu coração, isto é, ponderar acerca do
evento. A segunda parte descreve o resul- possível significado dos sinais incomuns
tado do ato redentor de Deus: paz'na que cercavam o nascimento do seu filho.
terra. A tradução alternativa “ paz boa Ela e os outros vieram a entender o mis
tério do papel de Jesus, no propósito De acordo com Levítico 12, o ritual da
redentor de Deus, somente à luz dos purificação tinha lugar trinta e três dias
desenvolvimentos posteriores, especial depois da circugcisitCLda. cria n ça , e acar-
mente a sua morte e ressurreição. retava o sacrifício de um cordeiro de um
ano comõlrferta queimada, e um a pom
2. A Infância de Jesus (2:21-52) ba ou uma rola como oferta pelo pecado.
1) Circuncisão e Apresentação (2:21-40) Aos pobres que não tinham condições de
a. O Nome de Jesus (2:21) oferecer um cordeiro, permitia-se ofere
cer outra pomba ou rola como oferta
21 Q uando se c o m p le ta r a m os oito d ia s queimada. Neste caso, o sacrifício de um
p a r a s e r c irc u n c id a d o o m e n in o , foi-lhe d a d o par de rolas ou dois pombinhos coloca a
o n o m e d e J e s u s , q u e pelo a n jo lh e fo ra p o sto família de Jesus entre os pobres.
a n te s d e s e r co n cebido.
A referência à “purificacão deles” é
Como no caso de João, Jesus foi cir feita em algumas traduções, e é obscura,
cuncidado e recebeu um nome no mesmo visto que, de acordo com a lei, só a mãe
dia (veja 1:59). A nota acerca da circun era considerada impura. Há pequena
cisão mostra que Jesus era uma criança evidencia, em manuscritos, para a reda
genuína da comunidade do pacto. Mas ção “purificação dela” , que seria uma
a atribuição do nome divinamente dado forma correta de entender o ritual. A
é o acontecimento central aqui. As cir redação da maioria dos manuscritos,
cunstâncias que cercaram o ato de se citando a “purificação deles” , pode indi
dar um nome a Jesus dão testemunho car uma relutância, que se desenvolvera
de que a criança tinha um destino divi bem cedo, em relação a Maria como
namente pré-ordenado. pecadora e necessitada de purificação.
Para as exigências referentes à reden
b. O Testemunho de Simeão a Respeito
ção do primogênito, yeja Êxodo 13:2,
de Jesus (2:22-32)
12-16. De acordo com Números 18:16
22 T e rm in a d o s os d ia s d a p u rific a ç ã o , o preço da redenção do rebento macho
se g u n d o a le i d e M oisés, le v a ra m -n o a J e r u era cinco moedas. O cumprimento da~
s a lé m , p a r a a p re s e n tá -lo a o S e n h o r 23 (c o n
j exigência devia ter lugar quando a crian- j
fo rm e e s t á e s c rito n a lei d o S e n h o r: Todo
p rim o g ê n ito s e r á c o n sa g ra d o a o S en h o r), [_ça tinha um mês de idade. Nessa ocasiãoT’
24 e p a r a o fe re c e re m u m sa c rifíc io seg u n d o os pais de Jesus levaram-no a Jerusalém,
o d isp o sto n a ' ei do S e n h o r: u m p a r d e ro la s , ao Templo, coisa que não era necessária,
ou dois pom bL ihos. 25 O ra , h a v ia e m J e r u
s a lé m u m h o m e m cu jo n o m e e r a S im e ã o ; e
mas apropriada. O relato aparentemente
e s te h o m e m , ju s to e te m e n te a D eu s, e s p e funda-0s~J-ituais- de purificacão e de re
r a v a a co n so la ç ã o d e I s r a e l; e o E s p írito denção do primogênito.
Santo e s ta v a so b re e le. 26 E lh e fo ra r e v e Simeão, como Zacarias e Isabel repre-
lad o p elo E s p írito S an to q u e e le n ã o m o r
r e r ia a n te s d e v e r o C risto do S en h o r
• sentava os mais elevados atributos da fé e
21 A ssim , pelo E sp írito foi a o te m p lo ; e moralidade judaicas. A sua devoção era
q u an d o os p a is tr o u x e ra m o m e n in o J e s u s , expressa no cuidado com que ele cum
p a r a fa z e re m p o r ele seg u n d o o c o stu m e d a pria os deveres religiosos prescritos.
lei, 28 S im eão o to m o u e m se u s b ra ç o s , e Além do mais, ele fazia parte de um
louvou a D eu s, e d is s e :
29 A g o ra, S enhor, d e sp e d e s e m p a z o te u
grupo de pessoas zelosas (cf. v. 38), que
se rv o , estavam esperando a consolação de
seg u n d o a tu a p a l a v r a ; Israel. Esta frase era usada, pelos rabis,
30 po is os m e u s olhos j á v ir a m a tu a para designar o cumprimento da espe
sa lv a ç ã o , rança messiânica (cf. Is. 40:1). Visto que
31 a q u a l tu p r e p a r a s te a n te a fa c e de
todos os p o v o s ; o Espírito Santo estava sobre ele, Simeão
32 luz p a r a re v e la ç ã o ao s g en tio s, possuía a energia profética essencial para
e g ló ria do te u povo Is ra e l. discernir os propósitos de Deus que se
estavam desabrochando. O cumprimento são apresentados no verso 32: (1) o alcan
da promessa que lhe fora feita teve lugar ce universal da salvação de Deus, e (2) o
no Templo, onde ele entrou pelo Espí cumprimento da religião de Israel em
rito, o que significa que estava em um Jesus.
estado de êxtase profético.
c. A Predição de Simeão a Maria (2:33-
O breve cântico de Simeão é chamado
35)
o Nunc Dimittis, as primeiras duas pala
vras da tradução latina. O orador declara 33 E n q u a n to isso , se u p a i e s u a m ã e se
a d m ir a v a m d a s c o is a s q u e d e le se d iz ia m .
que agora ele estava preparado para 34 E S im e ã o os a b e n ço o u , e d is se a M a ria ,
morrer, visto que a promessa de Deus, m ã e do m e n in o :
feita a ele, se cumprira. Ele podia partir E is q u e e s te é p o sto p a r a q u e d a e p a r a
em paz, sem pesar nem sentimento de le v a n ta m e n to d e m u ito s e m Is r a e l,
frustração. Ele foi uma das pessoas afor e p a r a s e r a lv o d e c o n tr a d iç ã o ;
35 sim , e u m a e s p a d a tr a s p a s s a r á a tu a
tunadas que chegou ao fim do caminho p ró p r ia a lm a , p a r a q u e se m a n ife s te m os
com a convicção de que a vida não p e n s a m e n to s d e m u ito s co ra ç õ e s .
poderia ter sido mais compensadora e
significativa. Simeão dá a si mesmo o A despeito da inclusão da história a
nome de servo de Deus, literalmente respeito da concepção de Jesus, Lucas
escravo de Deus. Ele parece representar, fala muito naturalmente de José como
em Lucas, o ideal para Israel, o povo pai de Jesus (veja também 2:41,48). A
servo. Em sua fidelidade aos ensina surpresa dos pais é causada pela descri
mentos do judaísmo, e ao reconhecer que ção feita por Simeão acerca do signifi
Jesus era o cumprimento da esperança cado da criança. Aqui, como em 2:18,19
profética, Simeão assume a atitude con e 2:50,51, enfatiza-se o ponto de que
veniente a Israel, nessa crucial conjun Maria e José, na verdade, não enten
tura da história da salvação. De fato, em deram todo o significado do que estava
sua dedicação ao melhor no passado, e acontecendo.
em sua abertura para as surpresas do Notando a surpresa dos pais, Simeão se
futuro de Deus, ele bem podia servir dirige à mãe pela primeira vez. A vinda
como modelo para o servo de Deus em de Jesus introduzira uma crise, que divi
qualquer geração. diria a nação. A sua presença constitui
Em Jesus, Simeão viu a consecução da uma exigência de decisão da parte do
enunciação profética de Isaías 52:10. seu povo. Aqueles que o rejeitarem cai
Aqui o tema universal emerge distinta rão, enquanto aqueles que o aceitarem
mente, em uma passagem entremeada de serão levantados. Isto está de acordo com
textos de Isaias. Alguns paralelos, em o tema da degradação dos orgulhosos e
Isaias (cf. 42:6; 49:6), mostram como o exaltação dos humildes, que é proemi
conceito do Servo Sofredor, ali encon nente em Lucas. Alguns intérpretes
trado, é importante para Lucas entender acham que a “pedra de tropeço” (8:14)
Jesus. e “pedra preciosa de esquina” (28:16)
Todos os povos pode ser usado para de Isaías são a chave para a figura usada
referir-se apenas a Israel, mas neste caso aqui. (Veja Caird, p. 64, para outra
abrange toda a humanidade. A salvação explicação plausível.)
de Deus é definida como luz para os Em sua própria pessoa, Jesus constitui
gentios e glória para os judeus. É a luz o sinal de Deus para a nação, a evidência
que dissipará as trevas em que os gentios ineludível e irrefutável do raiar do go
estavam habitando. É a glória de Israel, verno de Deus. Todavia, este sinal não é
pelo fato de ser a culminação da obra moldado para enquadrar-se com as exi
redentora de Deus através de sua nação gências do homem, e, conseqüente
serva. Dois proeminentes temas de Lucas mente, é inaceitável para muitos.
A mãe participará, em certa medida, que a capital judaica seria libertada dos
do sofrimento do Filho, pois a crueldade seus invasores estava incluída na espe
rança messiânica (v.g. Is. 52:1 e ss.).
a ele dirigida será como um a espada que
traspassará a sua alma. A reação para e. A Volta a Nazaré (2:39,40)
com Jesus será um desvendamento ^do
39 A ssim q u e c u m p r ir a m tu d o seg u n d o a
que o homem é por dentro: “ os pensa lei do S en h o r, v o lta r a m à G a liléia , p a r a su a
mentos secretos de muitos serão expos c id a d e d e N a z a ré . 40 E o m e n in o ia cres-
tos” (NEB). Portanto, já nesta seção, cendo e fo rta le c e n d o -se , fic a n d o cheio de
focaliza-se a atenção na natureza pessoal
da crise que Jesus provocará. Não são as
distinções superficiais de raça ou classe
que farão a diferença, mas a qualidade
da reação da pessoa para com o chamado*
t s a b e d o ria ; e a g r a ç a d e D eu s e s ta v a so b re
ele. —p Jeja-J
Visto que a viagem a Jerusalém é
descrita como uma volta à Galiléia, en
tendemos que Nazaré era o endereço
CnYCà. â&- 4 L
p e la p o r ta e s t r e i t a ; p o rq u e e u v o s digo q u e
reino entrará nele. Porfiai é uma palavra
m u ito s p ro c u r a rã o e n tr a r , e n ã o p o d e rã o . paulina (v. g.: agonizo: I Cor. 9:25; Col.
25 Q uando o dono d a c a s a se tiv e r le v a n ta d o 1:29) que descreve os esforços estrénuos
e c e rr a d o a p o r ta , e vós c o m e ç a rd e s , de exigidos de um atleta, em uma compe
fo ra , a b a te r à p o rta , d iz e n d o : S en h o r, tição. Ê um presente do imperativo:
a b re -n o s ; e ele vos re s p o n d e r: N ão se i d o n
d e vós so is; 26 e n tã o c o m e ç a re is a d iz e r: “continuai porfiando” . A porta é estreita
C om em os e b e b e m o s n a tu a p re s e n ç a e tu no sentido de que por ela se entra tão-
e n s in a s te n a s n o s s a s r u a s ; 21 e e le v o s r e s somente com a exclusão, de todos os
p o n d e rá : N ão se i d onde so is; a p a rta i-v o s de outros interesses. É a g o r t a ^ ^ r e g ^ i ^ i ;
m im , vós to d o s os q u e p r a tic a is a in iq ü id a mento, que vocaciona o homem a renun-
d e. 28 Ali h a v e r á ch o ro e r a n g e r de d e n te s
q u an d o v ird e s A b ra ã o , Is a q u e , J a c ó e todos d a r toda a sua arrogância e obstinação.
os p ro f e ta s no re in o de D e u s, e v ó s la n ç a d o s Aqueles que não dão tudo agora, para
fo ra . 29 M uitos v ir ã o do o rie n te e do o c id e n enírar pela porta estreita, procurarão
te , do n o rte e do su l, e re c lin a r-s e -ã o à m e s a entrar por ela, isto é, depois que o tempo
no re in o d e D eu s. 30 P o is h á ú ltim o s que
se rã o p rim e iro s , e p rim e iro s q u e s e r ã o Ba oportunidade passou (Plummer. p.
ú ltim o s. 346). Se é difícil entrar quando está"! ^
aberta, é impossível entrar por ela quan-J
Em uma nota editorial, somos lembra do estiver fechada. O homem que deixou ■>.•^
dos de que Jesus está caminhando para a oportunidade passar não poderá forçar ■¥—
Jerusalém. Talvez a interrogação, feita a porta fechada a se abrir.
por alguém, tenha sido motivada pela Aquele que abre a porta também a
previsão de que o reino messiânico seria fecha, ou cerra. Então, aqueles que a
inaugurado por ocasião da chegada de haviam desprezado começarão a bater
Jesus ã Jerusalém. O número de pessoas nela. Embora outrora eles tivessem ^es-
13a serem incluídas no reino era um as- carnecido de Jesus como filho de um car-
sünto de aceso debate nos círculos reli pinteiro de aldeia, então eles o chamarão
giosos judaicos. Seriam salvos todos os de Senhor. Qnde uma vez eles o haviam
judeus, ou apenas uns poucos, como 3esprezado, eles estarão procurando di:
djziam certas seitas, quando a crise che zer que têm algum relacionamento com
gasse? Este exercício de futilidade é a iíP ele. Eles o conheciam e haviam ouvido os
3a praticado por certas pessoas que estão seus ensinamentos. Mas as suas declara
ansiosas para estabelecer os limites exa ções superficiais não valerão de nada. A
tos que excluem os perdidos do grupo mera exposição dos ensinamentos de Je-
seleto dos justos. Indubitavelmente, as sus não é suficiente. Agora, aqueles que
"pessoas que se empenham nesse debate o haviam rejeitado, por causa de suas
fútil estão sempre convencidamente se credenciais que não eram adequadas,
guras de que elas fazem parte dos que descobrem que a situação se inverteu.
1 estão do lado de dentro. A resposta de Visto que eles haviam feito pouco caso d a l
I Jesus leva o ouvinte a parar para pensar, oferta de Deus, através de Jesus, para \ é f
^ e destrói toda a sua falsa segurança. Este fazer deles filhos de Deus, o seu passado
| é levado a se classificar juntamente com não os recomenda para as glórias do iu -J
I os que estão do lado de fora, e que devem turo de Deus. A ironia é que, as pessoas
| estar interessados em entrar no reino. que passaram tanto tempo traçando as
Deus abre a porta entre as duas eras. suas árvores genealógicas, que eles acha-
Pe^sua^graça^ é possível passar de uma vam que taziam deles membros da raga
escolhida, não terão a linhagem correta. lé m , J e r u s a lé m , q u e m a t a s os p ro fe ta s , e
Aqueles que deixaram de ser praticantes a p e d re ja s os q u e a ti sã o e n v ia d o s ! Q u a n ta s
T —*■'*•-— ---------- Jr—-— ■ ------------------- ------ .............................___________ _____
v e zes q u is e u a ju n t a r os te u s filh o s, co m o a
da palavra que Jesus havia ensinado nas g a lin h a a ju n ta a su a n in h a d a d e b a ix o d a s
fsuas ruas serão chamados de os que pra a s a s , e n ã o o q u is e s te ! 35 E is a í, a b a n d o n a d a
ticais a iniqüidade. vos é a v o ss a c a s a . E e u v o s dig o q u e n ã o
O povo que se orgulha tanto de ser m e v e re is a té q u e v e n h a o te m p o e m q u e
descendente de Abraão será excluído dos d ig a is : B en d ito a q u e le q u e v e m e m n o m e do
S en h o r.
seus pais, porque o povo de Deus não é
jscolhido devido à raça. Os profetas, Naquela mesma hora liga esta passa
a quem seus pais haviam perseguido e gem à precedente. Não sabemos qual era
cujos ensinamentos eles rejeitavam, ao a relação entre os fariseus e Herodes.
rejeitar Jesus, estarão lá. Mas ogdpe^de Quer estivessem eles sendo amáveis para
será que o corpo de Israel com Jpsus quer fossem instrumentos vo
sera composto dg gentios de nações des- luntários de um governante astuto, não
prezadas e h u m ild e s T ^ ^ ^ V ra jn s w d b o podemos saber. Evidentemente, o es
ãèntes expressará o desespero e a tnsteza. tratagema de Herodes era fazer Jesus sair
.1 - | ------- ...................... .1- 1 ....... .............
dos que ficarão do lado de fora, olhando do seu reino sem suscitar a ira do povo.
de longe. A sua fmstraçjão^será comple Algumas das mesmas razões que o ha
tada pelo fato de que eles, da mesma viam levado a eliminar João podiam tam
forma como o desconhecido inquiridor bém estar fazendo com que ele temesse a
do verso 23, estavam tão certos de esta Jesus, que também se tornara figura
rem entre os eleTFõsT popular.
Jesus enfatiza repetidamente que, na Jesus se recusa a ser influenciado pela
era vindoura, Deus m udará os valores e ameaça. Raposa pode simbolizar astú
categorias desta era. Os justos são os cia. Mais provavelmente, de acordo com
pecadoresj, os^ eca^ ores^ p to^ ju si^ rOs o seu uso mais freqüentemente atestado,
J^íliuSòssãÕ orT nclSdós; e os Incluídos ela descreve Herodes como pessoa in
[ são os excluídos. É sempre verdade que significante, inferior (Strack-Billerbeck,
‘os publicanos e as meretrizes entram no II, p. 200 e ss.). Embora o exato signi
Ir e S o d e D e u s 57 antes dos “religiosos” ficado da resposta de Jesus esteja bastan
(Mat. 21:31), não por causa do pecado te obscuro, a idéia principal é que o seu
deles, mas porque reconhecem que são futuro estava traçado, e que Herodes era
i pecadores. No evangelho de Jesus, o pe- impotente para fazer parar o curso pré-
>cador é alcançado pela palavra da graça; j ordenado por Deus para o seu ministério.
; aquele que se alicerça na justiça própria, Ele completaria o que viera fazer. Pri
[ pela palavra de julgamento. meiro, havia o tempo da proclamação,
caracterizado pelos milagres de sobera
V. Da Galiléla a Jerusalém: Parte nia messiânica. Depois viria a consuma
Dois (13:31-19:27) ção, quando Jesus seria consumado. Isto
se refere aos eventos apoteóticos que te
1. O Destino de Jesus e de Jerusalém riam lugar em Jerusalém. Uma das for
(13:31-35) mas de resolver a falta de clareza do texto
31 N a q u e la m e s m a h o r a c h e g a r a m a l é entender hoje e amanhã como dia a dia,
g u n s fa r is e u s , q u e lh e d is s e r a m : S ai, e e o terceiro dia, como um dia subseqüen
r e tir a - te d a q u i, p o rq u e H e ro d e s q u e r^ m ata r-
te . 32 R esp o n d eu -lh es J e s u s : Id e e d izei a
te a este período. Black traduz assim o
e s s a r a p o s a : E is q u e vou e x p u ls a n d o d e verso 32: “Eis que eu expulso demônios e
m ôn ios e fazen d o c u ra , h o je e a m a n h ã , e no faço curas dia a dia, mas um dia, em
te r c e ir o d ia s e r e i c o n su m a d o . 33 Im p o rta , breve, serei aperfeiçoado.” 25
co ntudo, c a m in h a r h o je , a m a n h ã , e no d ia
se g u in te ; p o rq u e n ã o c o n v é m q u e m o r r a
u m p ro f e ta f o r a de J e r u s a lé m , 34 J e r u s a 25 Ibid., p. 152.
A decisão de Jesus de ir a Jerusalém tou : É líc ito c u r a r no s á b a d o , ou n ã o ? 4 E le s,
é, portanto, não devida à pressão exer p o ré m , fic a r a m c a la d o s. E J e s u s p eg a n d o
no h o m e m , o c u ro u , e o d e sp e d iu . S E n tã o
cida por Antipas, mas à sua dedicação ao lh e s p e rg u n to u : Q u al d e v ó s, se lh e c a ir n u m
seu próprio destino. Morrer em alguma poço u m filho, ou u m b o i, n ã o o t i r a r á logo,
obscura aldeia da Galiléia ou da Peréia m e s m o e m d ia d e s á b a d o ? 6 A isto n a d a
seria relativamente sem significado. A p u d e ra m re s p o n d e r.
morte de um profeta em Jerusalém é um No judaísmo, a observância do sábado
julgamento de toda a nação. Ali está o era colorida negativamente pela absten
centro de sua adoração, o Templo. Ali se ção de atividades classificadas como tra
assenta o seu mais augusto e competente balho pela tradição oral. Mas positiva
concílio, o Sinédrio. mente era um dia de celebração. Fazer
O lamento sobre Jerusalém, provavel festa era uma forma apropriada para os
mente, deve ser entendido como a pala israelitas expressarem a sua alegria por
vra de Deus pronunciada à moda dos serem objetos especiais da graça de
profetas (como em Os. 11:1 e ss., por Deus, pelo fato de estarem incluídos na
exemplo). Deus tentara conduzir Jerusa comunidade do pacto (Jubileus 2:31; 50:
lém para debaixo do seu cuidado sobe 9 e s.). A refeição do sábado, preparada
rano e amoroso, através da palavra dos na sexta-feira, era freqüentemente com
profetas. Considerando-se esta apóstrofe partilhada por hóspedes especialmente
como lamento pessoal de Jesus sobre convidados. Portanto, os costumes da
Jerusalém, vários problemas de interpre época forneceram o pano de fundo para a
tação se levantam. Quantas vezes (v. 34) refeição na casa desse fariseu, que se
pressupõe atividades em Jerusalém, para realizou possivelmente depois da reunião
as quais Lucas não dá suporte. A cita na sinagoga.
ção final também apresentaria dificulda O hospedeiro era um chefe, homem de
des, visto que ela pode referir-se apenas a influência, que pertencia à seita dos fa
uma vinda em juízo, e não à entrada em riseus. Talvez os seus convivas fossem
Jerusalém (19:38). membros, com ele, de uma sociedade
Em vez de receber os profetas, Jeru especial de fariseus. A refeição determi
salém os havia matado e apedrejado. As na o esboço dos acontecimentos seguin
conseqüências desse padrão de rejeição, tes. Antes que ela comece, um homem é
que alcançará o seu clímax na rejeição de curado. Enquanto os hóspedes se recli
Jesus, são o fato de Deus se afastar de nam à mesa, ou logo depois, Jesus dirige
entre o povo. A casa é o Templo, sím repreensões aos hóspedes e ao hospedei
bolo da presença de Deus. Mas ele será ro, cada um por sua vez. A própria par
abandonado. A atividade redentora ces ticipação na refeição fornece a atmosfera
sará, e o juízo virá. Aquele que vem é, para a parábola final.
provavelmente, um título para o Messias O homem doente não era um dos con
(veja 3:16). Mas a sua vinda a Jerusalém vidados. Ele, possivelmente, era uma das
não significa a sua libertação, e, sim, a pessoas curiosas que haviam entrado da
sua destruição. rua, para observar as festividades. Nes
2. Ensinamentos Durante uma Refeição sas ocasiões, a porta da casa ficava aber
(14:1-24) ta para o público. Hidrópico é alguém
que tem excesso de fluídos no corpo.
1) O Hidrópico (14:1-6) A hidropsia pode ser causada por desor
1 T en d o J e s u s e n tr a d o , n u m sá b a d o , e m dens nos rins ou no coração, ou alguma
c a s a d e u m d o s c h e fe s dos fa r is e u s p a r a outra disfunção orgânica. Baseando-se
c o m e r p ã o , e le s o e s ta v a m o b se rv a n d o .
2 A ch av a-se a li d ia n te d e le c e rto h o m e m h i em uma teologia de “ causa e efeito” , ela
d ró p ico . 3 E J e s u s , to m a n d o a p a la v r a , fa lo u era atribuída a alguma imoralidade se
a o s d o u to re s d a le i e a o s fa r is e u s , e p e rg u n xual (Strack-Billerbeck, II, p. 203).
Os convivas o estavam observando, interessado nas pessoas. As duas abor
para ver se Jesus iria desrespeitar as suas dagens invariavelmente se chocam, pois
tradições, curando aquele homem no sá o “status quo” é sempre relativamente
bado. Ã pergunta acerca da legalidade injusto e descaridoso.
de curar no sábado, a resposta foi o
2) Instruções aos Convivas (14:7-11)
silêncio. Do seu ponto de vista, os fari 7 Ao n o ta r c o m o os c o n v id a d o s e sc o lh ia m
seus não podiam dar resposta inequívo os p rim e iro s lu g a r e s , p ro p ô s-lh e s e s ta p a r á
ca. Algumas vezes era lícito curar; mas a b o la : 8 Q uan d o p o r a lg u é m fo re s co n v id ad o
vida da pessoa curada precisava estar à s b o d a s, n ã o te re c lin e s n o p rim e iro lu g a r ;
correndo perigo. Geralmente, não era n ã o a c o n te ç a q u e e s te ja c o n v id ad o o u tro
m a is d ig n o do q u e tu ; 9 e, vin d o o q u e te
considerado lícito realizar atos como co nvidou a ti e a e le , te d ig a : D á o lu g a r a
esse. Quanto a esse assunto, Jesus discor e s te ; e e n tã o , c o m v e rg o n h a , te n h a s de
dava dos seus contemporâneos. A lei do to m a r o ú ltim o lu g a r . 10 M as, q u a n d o fo re s
amor era o mandamento mais ponderá co nvidado, v ai e re c lin a -te no ú ltim o lu g a r,
p a r a q u e , q u a n d o v ie r o q u e te co n v id o u , te
vel, e tinha precedência sobre todos os d ig a ; A m igo, so b e m a is p a r a c im a . E n tã o
outros. Fazer o bem a outro ser humano te r á s h o n ra d ia n te d e to d o s os q u e e s tiv e re m
era sempre correto. Em consonância com co n tig o à m e s a . 11 P o rq u e to d o o q u e a si
este princípio, ele curou o homem anô m e s m o se e x a lt a r s e r á h u m ilh a d o ; e a q u e le
nimo, que saiu da casa. Este é um dos q u e a si m e s m o se h u m ilh a r s e r á e x a lta d o .
cinco atos desse tipo realizados no sá À primeira vista, as instruções dadas
bado por Jesus e relatados por Lucas. por Jesus não são nada mais do que
A cura é saudada com silenciosa con regras de etiqueta, e assim têm sido
denação. Diante disso, Jesus continua interpretadas. Mas, como Lucas diz, as
falando. A lei permitia que um animal palavras de Jesus são um a parábola. Isto
fosse resgatado de um poço no dia de nos coloca de prontidão para o fato de
sábado (aplicação de Deut. 22:4). O tex que essa cena se desenrola em dois ní
to do verso 5 apresenta problemas de crí veis diferentes. Uma refeição é também
tica. A variante “filho”, em lugar de uma figura da festa escatológica no reino
jumento, é bem atestada e, com base em messiânico (cf. Is. 25:6).
bons princípios críticos, provavelmente é Jesus nota que, entre essas pessoas re
a mais antiga. Matthew Black 26 crê que ligiosas, há uma luta pelos primeiros lu
a palavra aramaica genérica que significa gares, os mais próximos do hospedeiro.
“animal de carga” foi entendida errada Este é um exemplo de como a religião
mente como a palavra semelhante que deles falhava, no campo das relações hu
significa filho. Seja qual for a explicação manas, exatamente onde devia ser mais
para o texto grego, Jesus, tendo Deute- eficiente.
ronômio 22:4 em mente, deve ter-se refe Em bodas, o exemplo escolhido por
rido a animais. Todo o desafio ao sistema Jesus, o protocolo social requeria que os
contemporâneo é baseado no dever im hóspedes se sentassem de acordo com a
plícito, que é obviamente maior para ordem de sua importância (Plummer, p.
com um homem que se encontra em cir 357). O tipo de manobras para obter
cunstâncias adversas. boas posições, que Jesus havia observa
Não sendo capazes de refutar o argu do, podia levar a embaraço em público,
mento de Jesus, os hóspedes o sau,daram em ocasião tão formal como essa. Mas
com silêncio. Em nenhum momento há aquilo de que Jesus está realmente falan
louvor a Deus. Em nenhum momento há do é da ordem de Deus para as coisas.
alegria por uma vida recuperada. Os O egoísmo e o desrespeito pelos outros
líderes religiosos estavam interessados desqualificam um homem para uma po
em manter o “ status quo” . Jesus estava sição de honra no banquete celestial.
26 Ibid., p. 126. Esta é simplesmente outra maneira de
dizer que os julgamentos de Deus são um Jesus recomenda que aquele homem
golpe mortal para a arrogância do ho quebre o seu círculo social, e convide
mem. hóspedes de quem não pode esperar re
Por outro lado, a atitude de humilda ceber benefício nenhum (cf. 6:32-36). As
de é uma marca de grandeza. O homem palavras de Jesus causaram um impacto
que nâo procura ser preferido sobre os muito maior, nas sensibilidades sociais,
outros é aquele a quem Deus honra. Ele do que provavelmente imaginamos. Os
será colocado perto da cabeceira da mesa defeitos físicos tinham implicações reli
no banquete messiânico. giosas. Os aleijados, os mancos e os cegos
Isto não significa que a humildade seja eram excluídos da participação plena da
uma atitude fraca, autodepreciadora. O comunidade religiosa. Classificados en
homem humilde sabe que é filho de tre os pecadores, eles não podiam manter
Deus, cujo valor é estabelecido em ter contato íntimo com os justos, que goza
mos deste relacionamento. E, porque vam de posições privilegiadas, em suas
está seguro, ele está livre da necessidade comunidades. Jesus recomenda, ao seu
de se empenhar na luta insana pelos hospedeiro, que convide, para as suas
pequenos rótulos de reconhecimento ou atividades sociais mais íntimas, as pró
torgados pela sociedade humana. E, prias pessoas que o seu grupo teria ex
também, ele não se empenha em ativi cluído completamente.
dades que o exaltem às expensas do seu Se Jesus estivesse falando a nós, usaria
irmão. outras categorias. Mas podemos estar
A aplicação é apresentada no verso 11. certos de que ele nos recomendaria igual
A voz passiva evita o uso do nome divi mente que abríssemos as nossas casas e
no. Deus humilha e exalta; mas ele hu atividades sociais para as próprias pes
milha o orgulhoso e exalta o humilde. soas contra quem temos os mais profun
A maneira como nos relacionamos com o dos preconceitos e excluiríamos da ma
nosso próximo é determinante de nossa neira mais natural.
posição diante de Deus. Os que agem da maneira que Jesus
3) Instruções ao Hospedeiro (14:12-14) aconselha podem esperar ser retribuídos,
pois Deus os recompensará. A primeira
12 D isse ta m b é m a o q u e o h a v ia c o n v i
d a d o : Q uando d e r e s u m ja n t a r , ou u m a c e ia , vista, estes conceitos parecem ameaçar a
n ão co n v id es te u s a m ig o s, n e m te u s irm ã o s , pureza da ética cristã. Mas o seu paga
n e m te u s p a r e n te s , n e m o s v izin h o s ric o s, mento é que eles serão objetos do amor
p a r a q u e n ã o s u c e d a q ue ta m b é m e le s te de Deus, que também se estende a pes
to rn e m a c o n v id a r, e te s e ja isso re trib u íd o . soas que não podem retribuir os seus
13 M a s, q u a n d o d e r e s u m b a n q u e te , co n v id a
os p o b re s , os a le ija d o s , os m a n c o s e os favores. Elas não serão excluídas da festa
c e g o s; 14 e s e r á s b e m -a v e n tu ra d o ; p o rq u e de Deus.
e le s n ã o tê m co m q ue te re t r ib u i r ; p o is r e t r i Em alguns círculos teológicos judai
buído te s e r á n a r e s s u r r e iç ã o d o s ju s to s. cos, havia uma crença de que a ressur
O hospedeiro é tão egocêntrico como reição seria limitada aos justos. Contudo,
os seus hóspedes. As suas relações sociais seria um erro atribuir tal crença a Jesus,
são baseadas no princípio de reciproci Lucas, ou às comunidades cristãs suas
dade. Uma vista d’olhos pela mesa era contemporâneas, baseando-nos nesta
suficiente para mostrar que ele havia frase (veja, v.g., At. 24:15). Jesus afirma
preparado a sua lista de convidados com que amor altruísta e boa vontade trans
um olho em possíveis benefícios pessoais cendem a morte e têm significado eterno.
futuros. Jesus critica a estrutura egocên 4) O Grande Banquete ()14:15-24)
trica da sociedade, da qual o círculo 15 Ao o u v ir isso u m d o s que e s ta v a m com
fechado ao redor da mesa era um micro ele à m e s a , d is se -lh e : B e m -a v e n tu ra d o
cosmo. a q u e le q u e c o m e r p ã o no re in o d e D eu s.
16 J e s u s , p o ré m , lh e d is s e : C erto h o m e m mento com terras, animais e família ti
d a v a u m a g ra n d e c e ia , e co n v id o u a m u ito s. veram prioridade sobre o convite do seu
17 E à h o r a d a c e ia m a n d o u o se u se rv o d iz e r
a o s c o n v id a d o s: V inde, p o rq u e tu d o j á e s tá
hospedeiro. Dessa forma, é esse envolvi
p re p a ra d o . 18 M a s todos à u m a c o m e ç a ra m mento nos negócios deste século que faz
a e s c u s a r - s e . D isse-lh e o p rim e iro : C o m p rei com que os homens tomem as decisões
u m c a m p o , e p re c iso i r v ê -lo ; ro g o -te q u e m e erradas quando o convite de Deus é feito.
d ê s p o r e sc u s a d o . 19 O u tro d is s e : C o m p rei Agora toma-se claro que os que ha~
cinco ju n t a s d e b o is, e vou e x p e rim e n tá -lo s ;
rogo-te q u e m e d ê s p o r e sc u s a d o . 20 A in d a viam recebido o primeiro convite foram
o u tro d is s e : C a sei-m e, e, p o rta n to , n ã o os líderes religiosos" especificamente ÕT
posso ir . 21 V oltou o se rv o e c o n to u tu d o isto íaríseus7 qÚe se orgulhavam de ocupar o
a seu se n h o r. E n tã o o dono d a c a s a , in d ig n a primeiro degrau da escada do judaísmo,
do, d is se a se u s e r v o : S ai d e p re s s a p a r a a s
ru a s e b eco s d a c id a d e e tr a z e a q u i os p o
quanto a categorias religiosas. A história
b re s , os a le ija d o s , os ceg o s e os coxos. r~ãk a entender que bem poucos partici-
22 D ep o is d isse o s e rv o : S en h o r, feito e s tá I pantes da elite religiosa se tomaram se-,
com o o rd e n a s te , e a in d a h á lu g a r . 23 R e s V guidores de Jesus. O convite então é feito
p o n d eu o S en h o r a o s e r v o : S ai p e lo s c a m i ao povo que está nas fraldas sociais e
n h o s e v a ia d o s , e o b rig a-o s a e n tr a r , p a r a
q ue a m in h a c a s a se e n c h a . 24 P o is eu vos religiosas de Israel (veja, acima, o v. 13).
digo q u e n e n h u m d a q u e le s h o m e n s q u e Os que não pòclem participar plenamen
fo ra m co n v id ad o s p r o v a r á a m in h a c e ia . te da adoração em Israel são os que se
apresentarão à mesa, no lugar daqueles
Comer pão no reino de Deus significa que arrogantemente rejeitaram o convite
estar entre as pessoas que participam das de Deus.
alegrias do reino messiânico. A piedosa. Todos os lugares ainda não foram
Observação foi feita por um homem que
■i . Mi. ■■ ■ I. ^ _ — M■ i ■ A—
ocupados por aqueles que respondem ao
estava, certamente, convencido de que convite. Ainda há lugar: Com este “post
estava entre os retos qüeTerão incluídos. scriptum” , a história se move além de
A sua certeza nâogàrãrifída foi desafiada. Israel, ao cõíw 5r FlttÍ5saD~aõs~g^5ps
pelãrpãfâbõla com que íesus respondeu. como participante do divmo propósito.
Para um a história semelhante, veja M a O sigm ficaH õsem elhante à idéia ela
teus 22:1-10. As diferenças são tão gràn7 borada por Paulo em Romanos 11:11 e
des, contudo, que esta parábola deve ter ss. A-jejeição da parte de Israeljsignjfiça
vindo da fonte especial de Lucas. salvação para^õT^éntí^TOsTaminhos e
Os costumes sociais são espelhados os vaiados são as estrãdas que saem da
nesta história. Em primeiro lugar, os cidade, onde viajores de diversas origens
convivas foram convidados para um ban podem ser encontrados. Mas não são tra
quete. Subseqüentemente, os que ha çados limitesV Dêssá’ variegada coleção,
viam aceitado o convite íoram avisados sairão hóspedes para encher os lugares
que o banquete estava pronto. A pará vagos.
bola segue o esboço da história da sa l-. O verbo obriga-os não justifica nenhu-
vação como ela é apresentada em Lucas- ma tentativa de coerção jpara fo rç a ra s,
Àtos. Os mnItos~êm Israel háviam re pessoas, quer por força política quer por
cebido um convite para oTSãnquete mes estratagemas psicológicos, a entrar no
siânico, através dos mensageiros de reino de Deus. O convite finalmente che
Deus, os profetas. Mas quando foi feito o ga a pessoas para quem é uma ocorrência
anúncio de que a hora da festa cHegara, surpreendente eine|perada7ÕserTOpre-
os que haviam sido convidados agiram de cisãToníar as devidas providências para
maneira extremamente insultante. Eles fazer com que essas pessoas tenham, na
todos igualmente começaram a apresen verdade, a certeza de que forãmcõnvida-
tar desculpas. Três exemplos representa- das, vèncérig5^ufM~feTútancia natural
tivos das desculpas são citados. Envolvi para atendèr a convite tão inesperado.
Eu, no verso 24. é Jesus. Ele fala dire j outros relacionamentos, interesses e am-
tamente aos convivas ao redor da mesa. [bições no altar de sua dedicação. J
Receber um convite não garante partici Em M ateus, as exigências de Jesus são
pação no seu banquete. Este foi o presT- expressas~em termos um tanto mais sua:
süpõstò, sem garantias, do homem que ves. Ali encontramos a expressão “amar
fizera aquela observação piedosa (v. 15). mais” , em vez da deÇLucas*^não aborre-
A reação adequada precisa ser exercida cer”(odiar), e também “não é digno.de.
no momento certo e decisivo ."Tesus rei - mim” , em vez da muito mais forte ex
vindica o banquete messiânico, ao cha pressão de ÍLucaf^) não pode ser meu
má-lo de minha ceia. Os israelitas quel discípulo (cf. Mat. 10:37,38). As rela
pião atenderem ao convite que ele está ções familiares podem competir com as
I fazendo não serão incluídos. - —■* reivindicações do reino em vários respei
tos. Õs mais íntimos membros da famí
3. Os Termos do Discipulado (14:25-35)
lia podem ser hostis à dedicação de uma
25 O ra , ia m com e le g ra n d e s m u ltid õ e s; pessoa aõHiscipulado. Ou a família joode.
e , v o ltan d o -se, d is se -lh e s: 26 Se a lg u é m v ie r fazer requisitos que entrem em conflito
a m im , e n ã o a b o r r e c e r a p a i e m ã e , a
m u lh e r e filhos, a ir m ã o s e ir m ã s , e a in d a com as responsabilidades do reino. Em
ta m b é m à p r ó p r ia v id a , n ã o p o d e s e r m e u qualquer caso de lealdades em competi
d iscíp u lo . 27 Q u em n ã o le v a a s u a c ru z e n ã o ção, o problema só pode ser resolvido de
m e se g u e , n ão p ode s e r m e u d iscíp u lo . uma forma. Òjdiscípulo é, além do mais,
28 P o is q u a l de v ó s, q u e re n d o e d if ic a r u m a
to r re , n ã o se s e n ta p rim e iro a c a lc u la r a s
cRãTmãdo a odiar também à própria vida.-)
d e s p e s a s , p a r a v e r se te m co m q u e a a c a HEle precisa estar disposto a afirmar os/
b a r ? 29 P a r a n ã o a c o n te c e r q u e , d ep o is de I interesses do reino, e não as suas pró-|
h a v e r p o sto os a lic e rc e s , e n ã o a poden d o prias ambições, ao ponto de estar pronto i
a c a b a r , todos os q u e a v ir e m c o m e c e m a a morrer, se as circunstâncias assim o \
z o m b a r d e le , 30 d iz e n d o : E s te h o m e m co
m e ç o u a e d if ic a r e n ã o p ô d e a c a b a r . 31 Ou {exigirem.
q u a l é o r e i q u e , in d o e n t r a r e m g u e r r a Sob o domínio, romano, os iudeus ha
c o n tr a o u tro re i, n ã o se s e n ta p rim e iro a viam aprên d iH õ ^ q u es^u Iícav ã levar a
c o n s u lta r se co m de z m il pode s a i r a o e n c o n sua cruz e morrer nela; por isso, a figura
tro do q u e v e m c o n tr a e le c o m v in te m il?
32 No c a s o c o n trá rio , e n q u a n to o o u tro a in d a
usada por Jesus não era estranha aos seus
e s tá lo n g e, m a n d a e m b a ix a d o re s , e p e d e ouvintes. A cruz a ser carregada pelo
con d içõ es d e p a z . 33 A ssim , p o is, todo a q u e le cristão, no entanto, só pode ser entendi
d e n tre v ó s q u e n ã o re n u n c ia a tu d o q u a n to da em relação à experiência de Jesus.
p o ssu i, n ã o p ode s e r m e u d iscíp u lo . 34 B o m é Segui-|g, acarreta entrega, sem vacila-
o s a l; m a s se o s a l se to r n a r in síp id o , co m
ções, à vontade de Deus, para a sua vida,
Í
q ue se h á d e r e s ta u r a r - lh e o sa b o r? 35 N ão
p r e s ta n e m p a r a t e r r a , n e m p a r a a d u b o ;
la n ç a m -n o fo ra . Q uem te m o u v id o s p a r a
o u v ir, o u ç a .
mesmo em face das maiores ameaças e
perigos. Levar a cruz é aceitar plenamen-T
pte as conseqüencias do discipulado — a
A atenção agora se desvia dos fari vergonha, a solidão e a hostilidade que os
seus, a elite religiosa aue não atenderá homens expressam, contra uma vida que
aos convites de Deus, e focaliza-se nas seja canal da verdàde, da justiça e doJ
multidões. (Tj3Õvo.que acompanha Jesus amor de Deus. Portanto, um discípu
tem uma idéia decididamente errônea a l o não é a pessoa que decora, gran-
respeito do seu destino. Eles não tem des quantidades de tradições religio
nem a mais leve suspeita de que algo tão sas, de forma que possa dar as respostas
medonho e terrível como uma cruz esteja ortodoxas a perguntas teológicas. Ele é a
nofim da trilha pela qual Jesus jomãdeia pessoa que segue Jesus, participando ale- *
Assim, os termos"do seu convite devem gremente do seu sofrimento redentor.
ser esclarecidos. Os que o aceitam pre Não desejando fazer discípulos em ba
cisam estar dispostos a oferecer todos os ses erradas, Jesus enfatizou as possibili-
dades inerentes à..decisão de segui-lo. toma imprestável — como o sal que se
Admitimos que nã< T hal^antiade que a tomou insípido. Sem dúvida, o sal puro f ii ■ ----- niiwi
pessoa que considera realisticamente o nunca pode perder o seu sabor; cloreto
custo do discipulado perseverara até o de sódio é sempre cloreto de sódio. Mas o
fim. No entanto, ela estará preparada sal tirado do M ar Morto era adulterado,
para as crises, e mais provave"lmente~as misturado com gesso e outras substân
vencerá. As decisões motivadas apenas cias. Esse sal impuro estava sujeito à
pelas emoções^Têm o condãõ de se eva perda do seu sabor salgado. Enquanto
porarem quando sujeitas aos severos tes era salgado, era bom para os objetivos
tes da realidade quotidiana. com o qué o povo o usava, como condi
' As pessoas não tentam — ou pelo”! mento e preservador. Mas, quando per
menos não devem tentar — empreendi- j dia as suas características de sal, não
mwitMarrisca^gs sem fazer um a estima- prestava para nada, nem mesmo para fer
'tiva realista do que lhes será exigido p a ra j tilizar. Não podia nem ser aplicado dire
levar o projeto até o fim. Jesus ilustra este tamente na terra, nem depositado tem
princípio com dois exemplos. O (prim ei^ porariamente no monte de esterco (veja
é a respeito de um homem que planeja também Mat. 5:13 e Mar. 9:50). A única
edificar uma torre, talvez do tipo que as coisa que se podia fazer com o sal im
pessoas construíam em seus vinhedos. prestável era lançá-lo fora.
Ele primeiramente se senta, para cal
4. A Alegria de Deus com a Recupe
cular as despesas. Ele dedica tempo pen
ração do Perdido (15:1-32)
sando no que gastará. Se não o fizer,
_pode ser que não passe dos alicerces. 1) A Atitude dos Líderes (15:1,2)
O rei que enfrenta a possibilidade de 1 O ra, c h e g a v a m -se a e le to d o s os publi-
guerra mede as suas forças em compara c an o s e p e c a d o re s , p a r a o o u v ir. 2 E os
ção com o desafio que precisa enfrentar. fa ris e u s e os e s c r ib a s m u r m u r a v a m , d iz e n
Í
A moral dessas estórias é a abordagem,""j d o : E s te re c e b e p e c a d o re s , e co m e com
com bom senso, na avaliação dos recur -J e les.
sos disponíveis. Se, em face das proba A inclusão das pessoas rejeitadas de
bilidades desfavoráveis, ele chega à con Israel no reino de Deus é tom ada con-
clusão de que as suas tropas não conse cretamente visível quando Jesus as recebe
guirão fazer frente ao inimigo, o rei pede na comunhão à mesa. O fato de ele
condições de paz, ou “se submete” aceitar essas pessoas não significa menos
(Creed, p. 195). Naturalmente, esta figu do que a extensão até eles da graça
ra não pode ser forçada, porque Jesus perdoadora de Deus. O fato de elas
não aconselha os seus seguidores a se comerem com ele é a nova comunhão
renderem. Mas ele adverte o povo contra estabelecida entre elas sob o reinado de
o ato de segui-lo sem estar cônscio das Deus. Na sua associação com o povo que
conseqüencias e sem disposição^ para estava além das fronteiras da respeita
aceitâ-lasT bilidade, Jesus estava insultando todas as
~ ^ u ^ T o preco^do discipulado? Nada convenções. Ele estava ameaçando os
menos do que a renúnoadeTucIoT Lucas piedosos de tal forma, porque ele, que
dá especrârenfí^seTTtgraca dispendiosa’’ indubitavelmente, não era um pecador e
de Jesus, talvez conuT r e fle x o lS e u m que devia associar-se com pessoas
tempo quando os cristãos estavam fican “boas” , simplesmente ignorava as fron
do medrosos e outros fossem covardes, teiras estabelecidas pelas convenções re
trazendo descrédito para Jesus e a Igreja. ligiosas e sociais.
Quando, por qualquer razão, o dis A alegre comunhão entre Jesus e os
cípulo deixa de manifestar as caracterís- publicanos e pecadores suscitou o desa
ticas do verdadeiro discipulado, ele se grado e a indignação dos fariseus e es-
cribas. A justificativa deles para esta ati lha. Ele a lança sobre os ombros, a fim
tude era de que Jesus estava se conta de apressar a volta para casa, levando-a.
minando com a amizade com os trans Chegando ali, ele chama os seus conhe
gressores da Lei. cidos para participarem de sua alegria.
As três parábolas que se seguem falam A pressuposição destas parábolas é que
a respeito da atitude expressa pelos lí a aceitação da comunhão com Jesus, pelo
deres religiosos. Os versículos 1 e 2 de pecador, é o arrependimento, e que a
vem ser considerados como introdução a aceitação do pecador, por Jesus, é o
cada parábola, especialmente a última, perdão. A vida de Jesus é a busca de
em que os dois filhos representam dois Deus pela sua ovelha perdida. Quando
grupos; os justos e os pecadores. uma delas é achada, há regozijo no céu,
A parábola da dracma perdida e do que é uma circunlocução do nome de
filho perdido se encontram apenas em Deus.
Lucas. Mateus tem a parábola da ovelha Os que se opunham a Jesus se rego
perdida (Mat. 18:12-14). Ali, contudo, zijavam com a recuperação de um animal
ela é dirigida aos discípulos, e ensina perdido, mas ficavam cheios de cons
uma lição diferente: a responsabilidade ternação quando se desejava recuperar
deles para com os “pequeninos” , isto é, um homem. Eles se demonstravam duros
os membros mais fracos e mais humil e ressentidos a respeito daquilo que torna
des da comunidade. A parábola de Lucas Deus alegre! Jesus dá um duro golpe em
vem do seu material especial, provavel seu orgulho. Eles estavam convencidos
mente formando um par com a parábola de que eram mais importantes aos olhos
da dracma perdida, antes de Lucas a de Deus do que aqueles desprezados
usar. publicanos e pecadores. Mas Jesus decla
ra que a recuperação de uma dessas pes
2) A Ovelha Perdida (15:3-7) soas perdidas propicia mais alegria a
3 E n tã o e le lh e s p ro p ô s e s t a p a rá b o la : Deus do que noventa e nove pessoas
i Q ual d e v ó s é o h o m e m q u e , p o ssu in d o c e m
o v e lh a s, e p e rd e n d o u m a d e la s , n ã o d e ix a a s
como eles. Será justos uma expressão irô
n o v e n ta e n ove no d e s e rto , e n ã o v a i a p ó s a nica, significando realmente aqueles que
p e rd id a a té q u e a e n c o n tre ? 5 E , a c h a n d o -a , a si mesmos se chamam de justos? Ê
põ em -n a so b re os o m b ro s, cheio de jú b ilo ; mais apropriado para designar pessoas
6 e ch e g a n d o a c a s a , re ú n e os a m ig o s e que viviam mediante os padrões da pie
v izinhos e lh e s d iz : A le g ra i-v o s com igo,
p o rq u e a c h e i a m in h a o v e lh a q u e se h a v ia dade ortodoxa judia do que para desig
p e rd id o . 7 D igo-vos q u e a s s im h a v e r á m a is nar os que são retos diante de Deus.
a le g r ia no c é u p o r u m p e c a d o r q u e se a r r e Jesus não tinha críticas para os elevados
p e n d e, do q ue p o r n o v e n ta e n o v e ju s to s q u e padrões que governavam a moralidade
n ã o n e c e s s ita m d e a rr e p e n d im e n to .
pessoal dos fariseus. E também não fe
Qualquer pessoa que tenha perdido chava os olhos para o mal que existia nas
alguma coisa que lhe seja preciosa faz outras pessoas. Ele não tinha “predileção
um esforço para recuperá-la. O fato de pela imoralidade” . 27
que ainda tem noventa e nove ovelhas O problema dos fariseus não era a sua
não compensa o sentido de perda e de imoralidade, mas a sua atitude para com
preocupação por parte do proprietário, os seus semelhantes. Da mesma forma
quando ele descobre que um a está fal como muitas pessoas boas e religiosas,
tando. Até que limites vai ele para re eles eram duros, julgadores e não per-
cuperar a ovelha perdida? Jesus diz que doadores. O desprezo que demonstravam
ele não pára de procurar até que a encon por pessoas que não satisfaziam os pa-
tre. Todos podem sentir o súbito alívio
27 Cf. Guenther Bornkamm, Jesus of Nazareth, trad. de
e a alegria que substituem a preocupa Irene e Fraser McLuskey e James M. Robinson para o
ção quando por fim ele encontra a ove inglês (New York: Harper, 1960). p. 79.
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drões que estabeleciam era uma faceta gria, como não deve ser maior a exul-
importante da sua falta de humildade tação de Deus a respeito do grande grupo
diante de Deus. Eles deixavam de re que entrou na comunhão da qual Jesus é
conhecer que também necessitavam da o centro! Esta parábola, na verdade, é
graça. E, não sendo receptores da graça, um convite, um convite para que os crí
eles não tinham graça para dar. ticos líderes religiosos compartilhem de
Portanto, não é o pecado do pecador uma celebração jubilosa, celestial! Em
que causa regozijo, mas o seu arrependi outras palavras, é um convite para que
mento. Não é a justiça do fariseu que o eles também se arrependam.
exclui da grata comunhão do reino, mas
4) O Filho Pródigo (15:11-32)
a sua atitude para com os outros homens.
a. O Pai do Pródigo (15:11-24)
3) A Dracma Perdida (15.8-10)
11 D isse -lh e s m a is : C e rto h o m e m tin h a
8 Ou q u a l é a m u lh e r q u e , te n d o d ez d r a c dois filh o s. 12 O m a is m o ço d e le s d isse ao j
m a s e p e rd e n d o u m a d r a c m a , n ã o a c e n d e a p a i: P a i, d á -m e a p a r te dos b e n s q u e m e
c a n d e ia , e n ã o v a r r e a c a s a , b u sc a n d o com to c a . R e p a rtiu -lh e s , p o is, o s s e u s h a v e re s . w
d ilig ê n c ia a té e n c o n trá -la ? 9 E , a c h a n d o -a , 13 P o u c o s d ia s d e p o is, o filho m a is m oço,
re ú n e a s a m ig a s e v iz in h a s, d izen d o : A le a ju n ta n d o tu d o , p a r tiu p a r a u m p a ís d is
g ra i-v o s com igo, p o rq u e a c h e i a d r a c m a q u e ta n te , e a li d e sp e rd iç o u o s se u s tie n s, v iv e n
eu h a v ia p e rd id o . 10 A ssim digo-vos, h á do d is s o lu ta m e n te . 14 E , h a v e n d o e le d is s i
a le g r ia n a p re s e n ç a dos a n jo s d e D eu s p o r p a d o tu d o , h o u v e n a q u e la t e r r a u m a g ra n d e
u m só p e c a d o r q u e se a rr e p e n d e . fo m e, e co m eç o u a p a s s a r n e c e ss id a d e s.
Uma dracma valia apenas cerca de 13 E n tã o foi e n c o sta r-se a u m dos c id a d ã o s
d a q u e le p a ís , o q u a l o m a n d o u p a r a os se u s
cinqüenta cruzeiros (valor aproximado c a m p o s a a p a s c e n ta r p o rc o s. 16 E d e s e ja v a
em 1982). Algumas pessoas dificilmente e n c h e r o e stô m a g o c o m a s a lf a r r o b a s q u e
sentiriam falta de uma moeda dessas, e os p o rc o s c o m ia m ; e n in g u é m lh e d a v a
gastariam pouco tempo procurando-a, se n a d a . 17 C ain d o , p o ré m , e m si, d is s e : Q u a n
to s e m p re g a d o s d e m e u p a i tê m a b u n d â n c ia
a perdessem. Porém duas coisas preci d e p ã o , e eu a q u i p e re ç o d e fo m e ! 18 L e v a n
sam ser entendidas, a fim de apreciar ta r-m e -e i, ir e i te r co m m e u p a i e d ir-lh e-ei:
mos a angústia dessa mulher. Dez drac P a i, p e q u e i c o n tr a o c é u e d ia n te d e ti;
mas era tudo o que tinha — toda a sua 19 j á n ã o sou d ig n o d e s e r c h a m a d o te u filh o ;
riqueza. Além disso, embora uma drac tr a ta - m e com o u m d o s te u s e m p re g a d o s.
20 L e v a n to u -se , p o is, e foi p a r a s e u p a i.
ma não valesse muito, segundo os pa E s ta n d o e le a in d a lo n g e, se u p a i o v iu ,
drões modernos, ela era o salário de um en ch e u -se d e c o m p a ix ã o e , c o rre n d o , lan -
trabalhador durante todo um dia de ár çou-se-Ihe a o p esc o ço e o b eijo u . 21 D isse-lh e
duo labor. o filh o : P a i, p e q u e i c o n tr a o c é u e d ia n te
d é ti ; j á n ã o so u d ig n o d e s e r c h a m a d o te u
A persistência da mulher é enfatizada. filho. 22 M a s o p a i d is se a o s s e u s se rv o s :
Visto que a sua pequena cabana era mal T ra z e i d e p re s s a a m e lh o r ro u p a , e v e sti-lh a ;
iluminada mesmo durante o dia, foi ne e p o n d e-lh e u m a n e l n o d e d o e a lp a r c a s nos
cessário acender a candeia, a fim de p é s ; 23 tr a z e i ta m b é m o b e z e rro c e v a d o e
achar a moeda. Varrendo o chão de terra m a ta i-o ; c o m a n o s e reg o z ije m o -n o s, 2 i
p o rq u e e s te m e u filh o e s ta v a m o rto , e r e v i
batida, ela eventualmente a traria à luz. v e u ; tin h a -se p erdido» e foi a c h a d o . E c o m e
Outras pessoas foram chamadas para ç a r a m a re g o z ija r-s e .
participarem de sua alegria. Elas sabiam
o que é ser pobre — o quaifto dói perder A terceira parábola desta série repre
uma preciosa dracma — e que sentimen senta, ainda mais vividamente do que as
to de alívio e alegria se tem ao achá-la de duas anteriores, as dinâmicas de uma
novo. situação da qual todas as três falam.
Aquele que se alegra diante das hos O problema todo é de relacionamentos
tes celestiais é o próprio Deus. Se a re — o relacionamento de um pai para com
cuperação de um pecador produz ale- dois filhos, dos filhos para com o pai,
e dos filhos um para com o outro. Os dois gentílico. O pecado desse filho não foi ter
filhos representam “o pecador e o fari pedido a sua parte da propriedade. Foi,
seu” , nenhum dos quais é repudiado por isto sim, que ele se excluiu do amor do
um Deus cujo amor de pai é suficiente seu pai, e negou-lhe os seus direitos
mente amplo para incluir ambos e que é legítimos (Ef. 6:1). Ao fazê-lo, ele tam
expressado por um interesse incessante bém negou a sua própria condição de
e atencioso para com os dois. A história filho. Esta era a condição dos pecadores,
mostra que o amor do homem é estreito, que Jesus havia chamado ao arrependi
míope, contingente, egoísta. Por outro mento. Eles se haviam esquecido de
lado, o amor de Deus é ilimitado, pro quem eram. Esta é um a condição de que
fundo, reconciliador, sem reservas. Cada todos os homens participam, os que, em
iim deles, tanto o fariseu como o peca sua paixão pelos prazeres exóticos de
dor, pecou contra esse amor à sua pró algum país distante ou em sua vontade
pria maneira. própria obstinada, tomam o controle de
Os dois filhos são decisivamente di suas vidas em suas próprias mãos.
ferentes; mas eles têm uma coisa em Visto que ele não tinha mais acesso à
comum, que deve transcender todas as riqueza de seu pai, o jovem estava li
tendências divisórias. Eles têm o mesmo mitado ao que possuía em mãos. Essa
pai. Um dos filhos, o mais novo, é típico quantia foi rapidamente esbanjada. Alie
do adolescente rebelde, levado pelo dese nado de seu pai, e visitado pelas con
jo de escapar às contingências familiares, seqüências de suas próprias opções, o
a fim de ser “ homem” . Precisamos re filho mais novo descobriu que era vítima
conhecer que a história flui em dois ní de sua obstinação e que se enganara a si
veis. Embora um jovem deva estabelecer mesmo. Saíra de casa pensando que iria
a sua própria identidade e independên descobrir o significado e a plenitude da
cia, como adulto amadurecido e respon vida na companhia alegre de novos ami
sável, nenhuma pessoa jamais se torna gos. Pelo contrário, ele agora se encon
tão amadurecida que possa declarar a trava necessitado e abandonado. Ele dei
sua independência de Deus. xara em casa a única pessoa que real
O costume da época era que a proprie mente o amava.
dade fosse dividida entre os filhos depois Os problemas financeiros pessoais do
da morte do pai, de acordo com o seu pródigo são complicados pelas condições
testamento. A propriedade, porém, po econômicas da região em que se encon
dia ser passada para o nome dos filhos, trava assolada pela fome justamente
como presente, durante a vida do pai. quando ele acabava de gastar tudo o que
Depois, mais tarde, eles não poderiam tinha. O seu destino alcançou maré tão
reclamar mais nada das possessões da baixa que ele, um judeu, foi forçado a
família. Geralmente, os lucros ou pro aceitar o tipo mais repugnante de empre
ventos da propriedade adquirida desta go. A atitude dos judeus para com os
forma começavam a ir para as mãos do porcos era governada pela lei que diz:
beneficiário só depois da morte do pai. “Da sua carne não comereis, nem toca
Todavia, nesse caso, o filho adquire o reis nos seus cadáveres; esses vos serão
direito de trocar a sua propriedade ime imundos” (Lev. 11:8). A sua fome era tão
diatamente por valores negociáveis. grande que ele estava pronto a comer as
A ordem para honrar os pais era en vagens da alfarrobeira, que era comida
tendida concretamente como responsabi apenas pelos muito pobres, ou usadas
lidade de cuidar deles na velhice. Mas para alimentar animais domésticos.
esse rapaz cortou as relações com a seu Agora se levanta uma diferença decisi
pai, e viajou para um país distante, isto va entre esta parábola e as duas pre
é, para fora da Palestina, para um país cedentes, que falavam a respeito da per
da e recuperação de coisas e animais. perança e temor. Cada dia traz uma nova
O foco não está mais apenas na busca e esperança da volta do filho; cada mo
na preocupação da pessoa que havia per mento está cheio do medo terrível de que
dido algo. Visto que aquilo que se perdeu o filho possa destruir-se no país distante.
é uma pessoa, ela não pode ser encontra O rapaz nem precisou completar a jor
da enquanto não desejar ser encontrada. nada até o lar. De longe o pai o viu.
Era necessário que o filho caísse em si — Os vizinhos devem ter visto os farrapos, a
emergisse do mundo irreal de sonho e sujeira, os pés descalços. Eles o teriam
ilusão, para o qual ele havia fugido, a fim classificado como apenas outro bêbado,
de se ver e à sua situação sob a verda ou vagabundo, ou “ hippie” , ou seja de
deira luz. Agora ele compreendeu do que que categoria for. Uma tendência huma
havia desistido quando com efeito havia na comum é deixar de ver as pessoas
renunciado à sua filiação. Até as pes como pessoas. Mas o pai viu que era o
soas que trabalhavam em troca de salário seu filho!
na casa de seu pai tinham mais do que o O pai não faz ao seu filho um a re
suficiente para comer. Ele também per cepção relutante, rancorosa, reservada.
cebeu como fora ímpio o orgulho e quão Exatamente o oposto! Ele correu para
egoísta a motivação que o haviam le abraçar e beijar o seu filho. Este começa
vado a dar as costas ao seu pai. o seu pequeno discurso decorado, mas o
pai o interrompe. Não está interessado
Assim, ele toma a decisão de voltar. em discursos. Da mesma forma, nem
Ele ainda usa o título pai, embora re orgulho ferido nem recriminações ressen
conheça que perdera todo o direito de ser
tidas fazem parte da história. Aqui temos
considerado filho. Ele retornará e con
um vislumbre do que significa, para
fessará o seu pecado. Contra o céu signi
Deus, perdoar uma pessoa. Deus pede
fica contra Deus. Um pecado contra o apenas uma oportunidade para esbanjar
pai era também um pecado contra Deus, o seu amor para com os seus filhos
pois um dos mandamentos mais sérios transviados. Tudo o que eles têm a fazer
recomendava honrar os pais. Tendo per é começar a jornada de volta ao Pai, para
dido todos os direitos, ele voltaria a seu receber o seu perdão incomensurável e
pai simplesmente como um homem fa sem reservas. Os farrapos devem ser joga
minto, pedindo trabalho. Ele preferia
dos fora. Um vestido limpo, novo — o me
viver na casa de seu pai como empre lhor — deve ser dado para o filho vestir.
gado a viver em qualquer outra parte Ele é recebido como o pai receberia um
com recursos próprios. Assim, levanta-se honrado hóspede que chegasse cansado e
e começa a difícil jornada de volta ao lar. empoeirado depois de uma longa viagem.
O arrependimento é uma mudança de Um anel, símbolo da filiação, deve ser
direção exatamente assim. É uma mu colocado em seu dedo. Ele chega descal
dança de direção deixando a obstinação e
ço como um escravo, mas essa situação
o comodismo; é voltar-se para Deus em
deve ser mudada. Alparcas são pedidas
alegre submissão ao seu domínio de
para os seus pés. O bezerro que está
amor.
sendo cevado, engordado, reservado para
A espécie de recepção que um filho uma ocasião que demande uma festa,
pródigo pode esperar, ao yoltar, sempre agora precisa ser morto. Uma alegre
depende da espécie de pai que ele tem. celebração deve terminar aquele dia ale
O pai da história simplesmente está es gre e memorável. Mediante tudo isto,
perando que o filho volte. Ele espera concluímos que a filiação não se baseia
naquela agonja peculiar, conhecida ape [no valor do pródigo, mas no amor do pai^
nas pelos pais que amam os seus filhos Aqueles que se ressentiam da recepção
perdidos. É um a agonia formada de es que Jesus dispensava a publicanos e pe
cadores sabiam muita coisa a respeito da Um cabrito tem muito menos valor do
depravação humana, mas nada conhe que um bezerro, mas o pai nunca nem
ciam do amor divino. mesmo lhe dera um desses animais de
Morto é paralelo de perdido; e reviveu menor valor para uma festa. Este teu Fi
de foi achado. Alguém muito amado lho tem um tom ressentido, depreciativo.
levantou-se do túmulo, ressuscitou den Por assim dizer, o filho mais velho culpa
tre os mortos. Algo infinitamente pre o pai por ter um filho daqueles, e ao mes
cioso foi achado. É um dia de celebração, mo tempo nega se relacionar com o seu
e não de cara comprida. irmão.
b. O Irmão Mais Velho (15:25-32) O pai demonstra que a própria fide
lidade do filho mais velho havia excluído
25 O ra , o se u filho m a is v elh o e s ta v a no a necessidade de tal celebração. Nunca
c a m p o ; e q u a n d o v o lta v a , a o a p ro x im a r-s e
d a c a s a , ouviu a m ú s ic a e a s d a n ç a s ; 26 e,
tendo sido perdido, o pai não podia se
c h a m a n d o u m do s se rv o s, p e rg u n to u -lh e que alegrar por tê-lo encontrado. Além disso,
e r a aq u ilo . 27 R esp o n d eu -lh e e s te : C hegou a relação entre pai e filho não havia
te u i r m ã o ; e te u p a i m a to u o b e z e rro c e v a mudado nem um pouco com a chegada
do, p o rq u e o re c e b e u sã o e sa lv o . 28 M a s e le do irmão mais novo. Ele ainda continua
se in d ig n o u e n ã o q u e ria e n tr a r . S aiu e n tã o o
p ai e in s ta v a co m e le . 29 E le , p o ré m , r e s ria a receber tudo o que lhe estava sendo
p o ndeu a o p a i: E is q u e h á ta n to s a n o s te dado como filho mais velho e herdeiro.
sirv o , e n u n c a tr a n s g r e d i u m m a n d a m e n to Da mesma forma como o pai exultava
te u ; co n tu d o , n u n c a m e d e ste u m c a b rito com o fato de ter encontrado o filho
p a r a e u m e re g o z ija r c o m os m e u s a m ig o s ;
30 vindo, p o ré m , e s te te u filho, q u e d e s p e r
perdido, o filho mais velho devia se rego
diçou os te u s b e n s co m a s m e r e tr iz e s , m a zijar por ter encontrado o irmão, perdi
ta s te -lh e o b e z e rro c ev ad o . 31 R ep lico u -lh e o do. O pai não permitirá que ele negue a
o p a i : F ilh o , tu s e m p re e s tá s co m ig o , e tudo sua relação fraternal. Ninguém verda
o qu e é m e u é t e u ; 32 e r a ju s to , p o ré m , re g o deiramente pode dizer “Pai” se não esti
z ijarm o -n o s e a le g ra rm o -n o s, p o rq u e e ste
te u irm ã o e s ta v a m o rto , e r e v iv e u ; tin h a -se ver disposto a dizer “irmão” .
p erd id o , e foi a c h a d o . A história termina com o convite para
ele juntar-se à alegria da festa. Não so
O que estivera fazendo o irmão mais mos informados de que o irmão mais
velho durante a ausência do pródigo? velho aceitou. Talvez ele tenha continua
Como é revelado, ele estivera vivendo do do lado de fora da casa, carrancudo e
segundo as regras: cumprindo os seus ressentido por causa da felicidade que
deveres, conscientemente, sem alegria. havia dentro. Deus não rejeita nenhum
Tipicamente ele estava no campo quando dos dois tipos de filhos — nem o pecador
o seu irmão voltou. Ao descobrir o moti por causa de sua indocilidade, nem o
vo da alegria, ele se recusa a entrar. fariseu por causa de sua justiça própria.
O pai, que havia corrido para se en Há um lugar para ambos à mesa do
contrar com o filho mais novo, agora sai banquete — se houver arrependimento.
para conduzir o filho mais velho à razão. Esta parábola é um convite para os
Mas a inveja faz com que este seja irre freqüentadores de igreja críticos, cheios
dutível. Sirvo é literalmente “ tenho sido de justiça própria, para que se livrem do
teu escravo” . E também, ele não fora seu ressentimento e se juntem, com Je
transgressor dos desejos de seu pai, nun sus, em uma festa alegre com os pródigos
ca tendo desobedecido os mandamentos que voltaram para o Pai. O isolamento
dele. Isto apresenta um retrato típico de deles, à parte do grupo, e o seu res
piedade legalista. sentimento por causa dos relacionamen
Parece-lhe que a devassidão de seu tos de Jesus com essa gente têm impli
irmão tivera recompensa, enquanto a sua cações que vão além do momento pre
própria fidelidade não era apreciada. sente. Ao se excluírem dos seus irmãos
pródigos, eles estão também negando a maritano. Pelo contrário, é um a parábo
sua relação com o seu Pai — que é Deus. la, no seu sentido mais estrito. Há uma
lição que pode ser aprendida até com um
5. Mais Ensinos Acerca da Riqueza velhaco como este. Portanto, a nossa ta
(16:1-31) refa é descobrir o ponto específico que
1) O Mordomo Infiel (16:1-9) Jesus queria que essa história incomum
expressasse. J. Jeremias (p. 127) sub
1 D izia J e s u s ta m b é m a o s se u s d is c í
p u lo s: H a v ia c e rto h o m e m ric o , q u e tin h a entende que essa história não fora produ
u m m o rd o m o ; e e ste foi a c u s a d o p e ra n te ele to da imaginação criativa de Jesus, mas
de e s t a r d issip a n d o os se u s b e n s. 2 ChamoU- uma ocorrência verídica, conhecida do
o, e n tã o , e lhe d is s e : Que é isso q ue ouço povo a quem ele estava falando. Se este é
d izer de ti? P r e s ta c o n ta s d a tu a m o rd o m ia ;
po rq u e j á n ão pnrics m ais sor m m m ordom o.
o caso, Jesus simplesmente escolheu um
3 D isse, p ois, o m o rd o m o co n sig o : Que hei assunto corrente de conversação e usou-o
de fa z e r, j á q ue o m e u se n h o r m e ti r a a para ensinar uma lição importante.
m o rd o m ia ? P a r a c a v a r , n ã o te n h o fo r ç a s ; O mordomo ou administrador de uma
de m e n d ig a r, te n h o v e rg o n h a . 4 A g o ra se i o casa era geralmente um escravo capaz e
que vou fa z e r, p a r a q u e , q u a n d o fo r d e s a
p o ssad o d a m o rd o m ia , m e re c e b a m e m s u a s de confiança. Neste caso, o mordomo ou
c a s a s . 5 E c h a m a n d o a si c a d a u m dos “gerente de negócios” é um homem livre.
d e v e d o re s do se u se n h o r, p e rg u n to u ao p r i Ele tinha responsabilidades excepcional
m e iro : Q u an to d e v e s a o m e u se n h o r? 6 R e s mente grandes, que se estendiam à ge
p o ndeu e le : C em c a d o s d e a z e ite . D isse-lh e
e n tã o : T o m a a tu a c o n ta , se n ta -te d e p re s s a
rência dos negócios do seu patrão. Por
e e s c re v e c in q ü e n ta . 7 P e rg u n to u d ep o is a que ele estava encarregado de proprie
o u tro : E tu , q u a n to d e v e s? R e sp o n d e u e le : dade que não lhe pertencia, a situação do
C em co ro s de trig o . E d is s e -lh e : T o m a a tu a mordomo era paralela a de qualquer
c o n ta e e s c re v e o ite n ta . 8 E louvou a q u e le pessoa que tenha possessões materiais.
se n h o r a o in ju sto m o rd o m o p o r h a v e r p r o
cedido com s a g a c id a d e ; p o rq u e os filhos Seja o que for que possuamos, isso nos
d e ste m u n d o sã o m a is s a g a z e s p a r a co m a foi confiado por Deus, que criou essas
su a g e ra ç ã o do q u e os filho s d a lu z. 9 E u vos coisas, e a quem precisamos dar contas
digo a in d a : G ra n je a i a m ig o s p o r m eio d a s pelo seu uso.
riq u e z a s d a in ju s tiç a ; p a r a q u e, q u an d o Visto que não havia algo semelhante
e s ta s vos f a lta r e m , vo s re c e b a m e le s nos
ta b e rn á c u lo s e te rn o s. a uma auditoria anual de livros, naquela
época, o conhecimento da má adminis
Jesus agora volta-se para os discípulos, tração geralmente chegava ao proprietá
mas os fariseus, para quem as parábo rio na forma de acusações de desonesti
las do capítulo 15 haviam sido dirigidas, dade feitas por terceiros. Parece que não
ainda estão em foco, servindo como real havia dúvidas quanto à culpa desse ho
ce para alguns dos ensinamentos do capí mem. O proprietário a considera prova
tulo 16. O tema unificador deste capí da. e as ações subseqüentes do mordomo
tulo é a atitude correta para com a rique são as de um homem sem defesa diante
za e o seu uso acertado. das acusações. Presta contas é , provavel
O principal personagem da parábola mente. uma ordem para que ele prestasse
do mordomo infiel é uma pessoa de cará contas dos registros dos negócios e tran
ter repulsivo, completamente desprovida sações feitas, como prelúdio do término
de escrúpulos morais e inteiramente de do seu trabalho.
votada ao seu próprio bem-estar. Conse Defrontando-se com as perspectivas
qüentemente, não devemos pensar que negras de desemprego, o administrador
Jesus o está considerando como pessoa incompetente prevê uma verdadeira cri
que deva ser admirada e imitada, como se, em futuro imediato. Ele não tinha
no caso de uma história que serve de condições para trabalhar, e vergonha de
exemplo, como a parábola do bom sa- mendigar. Se ele não pudesse tomar al-
gumas providências que prometessem tória como ela está, a despeito das dificul
certa medida de segurança financeira, dades. O proprietário pode ser aquele
ele morreria de fome. Estando a se esgo tipo de pessoa astuta que aprecia tanto
tar o tempo que lhe restava, ele decide um bom estratagema, mesmo como
aproveitar-se dos poderes que ainda exer aquele inventado pelo seu mordomo, em
cia, para executar atos que colocassem os bora seja às suas custas.
devedores de seu patrão de forma que Pelo uso do adjetivo iiyusto (desones
eles lhe ficassem devendo favores. De to), Jesus indica a sua desaprovação ge
pois, na hora que precisasse, ele poderia nérica dos baixos padrões pelos quais
recorrer a eles. Pode ser que os deve esse homem agira. O comentário feito em
dores fossem meeiros ou colonos, cujo 8 b contém a lição da parábola, a única
débito era a parte do produto da terra coisa que pode ser aprendida de uma
que eles deviam ao proprietário. Mais pessoa que em outros respeitos é comple
provavelmente, eles eram mercadores tamente repreensível. Ã luz dos seus va
que haviam recebido mercadoria dele, lores, necessidades e possibilidades, ele
quanto às quais ainda não haviam acer agiu com sagacidade. O homem sagaz é
tado as contas. aquele cujas ações hoje são baseadas nas
Os débitos eram grandes. Uma me possibilidades do futuro. Naturalmente,
dida de azeite perfazia cerca de quarenta o conceito que esse homem fazia do
litros. O débito do primeiro homem foi futuro era muito limitado. Ele era um
reduzido, dessa forma, de, aproximada filho deste mundo, que agia mediante os
mente, dois mil litros. Um coro de trigo conceitos distorcidos e superficiais desta
media cerca de oitenta litros, o que sig era. Mas ele previu o futuro, tomando as
nifica que a dívida do segundo homem medidas que podia para se preparar para
foi reduzida de cerca de quatrocentos a crise inevitável que se delineava em seu
litros (ou quilogramos). futuro.
Na maneira com está, o verso 8 é es
tranho. A observação de que o senhor Os filhos da luz pertencem à nova era
louvou o mordomo parece estranha, pelo da redenção e governo de Deus. No seu
menos em vista do fato de que ele acaba futuro há um período de crise quando,
ra de ser ludibriado em considerável so como mordomos, lhes será requerido que
ma pelo trapaceiro. A segunda parte prestem contas de sua mordomia. Jesus
(8b) precisa ser entendida como o co os conclama a agirem tão sagazmente à
mentário de Jesus a respeito da única luz deste conhecimento, como agiu o
característica notável desse indivíduo. mordomo desonesto, dentro de sua limi
Esta conclusão está baseada, contudo, tada compreensão do futuro.
no sentido, e não na construção da sen Riquezas da iinjustiça são as possessões
tença. Pelo contrário, a conjunção “por materiais. Em si mesma a riqueza é amo
que nos prepara para ficarmos sabendo a ral, capaz de ser usada para grande bem
razão para a surpreendente recomenda ou grande mal. Devido ao desejo de
ção do mordomo desonesto, feita pelo obter grandes lucros, um proprietário
seu ex-patrão. pode forçar um inquilino a criar os seus
Devido a essas dificuldades, alguns filhos em um ambiente de cortiço, que os
intérpretes tomam senhor como referên marca para o resto da vida. Outro ho
cia a Jesus. Mas a súbita mudança para a mem pode investir o seu dinheiro em
primeira pessoa, no verso 9, é argumento escolas, que ajudem a libertar as mesmas
contra esta interpretação. Tem sido con crianças da ignorância. No entanto, o
jecturado que o verso 9 é uma interpola dinheiro é mais freqüentemente usado de
ção. o que resolveria o problema. Não maneira egoística; e é por isso que ele
obstante, parece melhor considerar a his tem um estigma tão mau.
De acordo com a sua decisão de seguir sa ser fiel no uso dos bens que lhe foram
a Jesus, o discípulo deve usar o seu di confiados, de acordo com a vontade de
nheiro para ajudar as pessoas que o seu Deus, que é o proprietário deles.
Senhor veio libertar. O uso do nosso Nos versículos 10-13, há um jogo de
dinheiro deve ser condicionado pelo fato imagens entre a riqueza mundana e o te
de que sabemos que ele é limitado e souro celestial. O pouco consiste nos
temporário, em sua utilidade. O exem bens materiais pelos quais a pessoa é
plo do fazendeiro rico (12:16 e ss.) mos responsável, no uso dos quais ela precisa
tra exatamente quando estas vos falta provar que lhe pode ser confiado muito,
rem: é quando um homem morre. Usan isto é, as riquezas eternas, que Deus vai
do o dinheiro para fazer amigos, damos a lhe dar. As riquezas iiyustas são as ri
ele um significado perene, pois ele é ives- quezas falsas e ilusórias do mundo, em
tido em relacionamentos que transcen contraste com as verdadeiras, que Deus
dem a morte. Portanto, verificamos que dá, aos servos fiéis, após esta vida. Pen
“o dinheiro pode servir para unir as sa-se, desta forma, na existência terrena
pessoas, embora normalmente ele as di de um indivíduo como o campo de provas
vida” . 28 Eles provavelmente é um cir em que o seu caráter é revelado. Um teste
cunlóquio para o nome de Deus (Strack- básico é a sua atitude em relação às
Billerbeck, II, p. 221). Deus, que tem possessões materiais.
interesse especial pelos pobres, recebe o Mais do que isto: as coisas do mundo
seu mordomo fiel, que tem sido um canal são mencionadas como alheias. Um ho
do amor divino para os pobres, nos ta mem pode ter uma responsabilidade tem
bernáculos eternos. porária, transitória, por uma fração mais
2) O Correto Uso da Riqueza (16:10-13) ou menos pequena do mundo de Deus.
Mas Deus não deu o mundo ao homem
10 Q u em é fie l no p o uco , ta m b é m é fiel no para que seja sua possessão privada. Ele
m u ito ; q u e m é in ju sto no p o u co , ta m b é m é
in ju sto no m u ito . 11 Se, p o is, n a s riq u e z a s retém a propriedade dela. Aquilo que
in ju s ta s n ã o fo s te s fié is, q u e m v o s c o n fia rá Deus dá ao homem depois da morte,
a s v e rd a d e ira s ? 12 £ se no a lh e io n ã o fo ste s contudo, realmente lhe pertence, visto
fiéis, q u e m v o s d a r á o q u e é v o sso ? 13 N e que não haverá limitações temporais
n h u m se rv o p o d e s e r v ir a d o is se n h o re s ;
p o rq u e ou h á de o d ia r a u m e a m a r a o o u tro ,
quanto ao seu uso.
ou h á d e d e d ic a r-se a u m e d e s p r e z a r o O conceito de uma pessoa a respeito
o u tro . N ão p o d eis s e r v ir a D eu s e à s riq u e dos valores da vida é determinado pelo
zas. senhor a quem ela serve. O verbo tradu
Entre as duas parábolas com que se zido como servir (v. 13) é literalmente
inicia e termina o capítulo 16, há uma “ser.escravo” . O princípio é de que ne
coleção de adágios de Jesus, reunidos sob nhum homem pode ser escravizado por
o tema do uso da riqueza (v. 10-18). dois senhores simultaneamente, ou seja,
Devido à circulação originalmente em ele não pode prestar a sua lealdade final
forma isolada, a conexão entre esses adá a duas pessoas ao mesmo tempo. O ho
gios é difícil de se perceber. Especial mem não tem o privilégio de decidir se
mente, isto é verdade em relação aos vai ser servo (palavra de Lucas; cf. Mat.
versículos 16-18, onde não se pode ter 6:24). Inerente ao fato de ele ser cria
certeza nenhuma quanto ao exato signifi tura, está o de que ele não é dono
cado dos mesmos, no contexto de Lucas. completo de sua própria vida. Ele é livre
Antes de tudo, o caráter do mordomo apenas para decidir que o senhor recebe
de Deus é agudamente diferenciado do rá a sua lealdade.
homem da parábola anterior. Ele preci A vida pode dirigir-se em uma de duas
direções, mas não em ambas. Encontra
28 Stagg, Studies in Luke’s Gospel, p. 10S. mos os nossos valores e alvos dentro dos
limites estreitos do nascimento e da mor tão-somente fossem virtuosas e trabalha
te, e nas coisas que são susceptíveis à doras. Os fariseus zombavam da conexão
visão, gosto e toque. Por outro lado, que Jesus traçara entre o uso da riqueza e
podemos dedicar-nos a alvos que trans o serviço de Deus.
cendem as exigências do corpo e do ego. Uma forma pela qual os ricos podem
Se fizermos das coisas materiais o nosso mostrar que são piedosos, isto é, se ju s
deus, gastaremos a vida e as energias tificarem a si mesmos diante dos ho
adquirindo, guardando e usando egoisti- mens, é mediante a realização de atos
camente essas coisas. Mas, se fizermos religiosos prescritos. Em Mateus 6:1 e
do Criador de todas as coisas o nosso ss., Jesus ataca a ostentação da justiça
Deus, seremos libertados, para devotar- expressa em atos piedosos, como esmo
nos a valores mais elevados e mais signi las, oração e jejum. Mas Deus conhece
ficativos. os vossos corações, ou a motivação para
3) Comentários a Alguns Fariseus as coisas que o povo faz. Os atos pie
dosos são despidos do seu significado por
(16:14-18)
causa da motivação errada. Quando uma
14 O s fa r is e u s , q u e e r a m g a n a n c io so s, pessoa age de maneira religiosa, como
o u v ia m to d a s e s s a s c o is a s e z o m b a v a m
d ele. 15 E e le lh e s d is s e : V ós so is o s q u e vos indo à igreja ou dando dinheiro, para
ju s tific a is a vós m e s m o s d ia n te d o s h o m en s, provar aos homens que é justa, escolheu
m a s D eu s c o n h ece os v o sso s c o ra ç õ e s ; p o r um caminho que leva à derrota própria.
que o q u e e n tr e os h o m e n s é e le v a d o , p e r a n Os homens podem exaltá-la, mas, atra
te D eu s é a b o m in a ç ã o . vés do mesmo padrão, ela estará descen
16 A le i e o s p ro fe ta s v ig o r a r a m a té J o ã o ;
d esd e e n tã o é a n u n c ia d o o e v a n g e lh o do do na escala de valores de Deus.
re in o d e D eu s, e tod o h o m e m fo r c e ja p o r Guardar a Lei era o alvo máximo do
e n tr a r n e le . 17 É , p o ré m , m a is fá c il p a s s a r o farisaísmo. Mas este não é mais um alvo
c éu e a te r r a do q u e c a ir u m til d a lei. válido, hoje em dia. A Lei e os Profetas
18 T odo a q u e le q u e re p u d ia s u a m u lh e r e
c a s a c o m o u tr a , c o m e te a d u lté rio ; e q u e m
consistiam em uma fase da história da
c a s a c o m a q u e foi r e p u d ia d a p elo m a rid o , redenção, que terminou com João, últi
ta m b é m co m e te a d u lté rio . mo profeta daquela e r a .29
Agora, contudo, outro período havia
Saem os discípulos; entram os fari começado — a época do cumprimento,
seus. Através desta seção, tanto os fari para a qual apontavam a Lei e os Profe
seus como os discípulos estão presentes. tas. Agora, o evangelho... é anunciado;
Em 17:1 o ensino de Jesus será mais uma a porta do reino está aberta; exige-se
vez dirigido aos discípulos. uma decisão.
Embora o serviço de Deus e o amor ao Todo homem forceja por entrar é uma
dinheiro sejam mutuamente exclusivos, das frases mais difíceis do Novo Testa
isto não é, necessariamente, verdade mento. O verbo traduzido como forceja
quanto à religião e amor ao dinheiro. por entrar, na voz média, geralmente
Aqueles que interpretam a religião de significa “forçar, oprimir, constranger” .
maneira legalista e individualista fre No sentido passivo, significa “ser força
qüentemente não vêem nenhuma contra do” , etc. Black 30 crê que a alocução ara-
dição entre ela e a acumulação de rique maica original, proferida por Jesus, era
zas. Muitos membros de igreja, como os “Todo homem o oprime” , isto é, o reino.
fariseus, atribuem o seu sucesso ao seu
caráter justo, que fez com que Deus os
29 Lucas 16:16 é um dos versículos-chave, em que Conzel-
favorecesse de maneira especial. Eles, mann (p. 16 e s.; cf. p. 20 e ss.) baseia o seu modo de
muitas vezes, guardam rancor contra os entender o ponto de vista de Lucas, acerca da história
pobres, convencidos de que as pessoas da redenção esboçada em seu livro.
desprivilegiadas não teriam problemas se 30 op. c it.,p . 84.
Este verbo, provavelmente, retêm um No seu contexto em Lucas, esta passa
sentido semelhante a este em Mateus gem deve significar que os ensinamentos
5:18, mas a estrutura da frase e o seu de Jesus superam as idéias farisaicas a
contexto são diferentes em Lucas. Aqui, respeito da justiça e da riqueza, basea
provavelmente, deve-se-lhe dar este sen das em sua interpretação da Lei. O mo
tido: “Todo homem está assediando-o mento presente está sob a égide do reino
ansiosamente.” Todo homem é conside de Deus. Os tesouros celestiais precisam
rado como hipérbole, referindo-se ao ser o alvo da vida.
povo, que responde à proclamação do
4) O Rico e Lázaro (16:19-31)
evangelho. Esta interpretação se encaixa
bem na ênfase missionária e universalis- 19 O ra , h a v ia u m h o m e m ric o q u e se v e s
ti a d e p ú r p u r a e d e lin h o fin íssim o , e todos
ta de Lucas (Gottlob Schrenk, TDNT, os d ia s se r e g a la v a e sp le n d id a m e n te . 20 Ao
I, p. 609 e ss.). seu p o rtã o f o r a d e ita d o u m m e n d ig o , c h a
A declaração do verso 17 concorda com m a d o L á z a ro , to d o c o b e rto d e ú lc e r a s ; 21 o
o dogma judaico de que a Torah é eter q u a l d e s e ja v a a lim e n ta r-s e co m a s m ig a
na. Mas a passagem mostra que o pro lh a s q u e c a ía m d a m e s a d o r i c o ; e o s p ró
p rio s c ã e s v in h a m la m b e r-lh e a s ú lc e rá s .
pósito da Lei é interpretado em um sen 22 V eio a m o r r e r o m e n d ig o , e foi lev a d o
tido completamente diferente. A Lei não p elo s a n jo s p a r a o se io d e A b ra ã o ; m o r re u
é considerada a revelação final, última, ta m b é m o ric o , e foi s e p u lta d o . 23 N o h a d e s,
de Deus. Não é questão de a Lei se tom ar e rg u e u o s o lhos, e s ta n d o e m to rm e n to s , e
v iu a o lo n g e a A braà o, e a L á z a ro n o se u
nula, mas do cumprimento do seu propó seio . 24 E , c la m a n d o , d is s e : P a i A b ra ã o ,
sito. A função da Lei é levar e apontar te m m is e ric ó rd ia d e m im , e e n v ia -m e L á z a
para a pregação do evangelho. Til é um ro , p a r a q u e m o lh e n a á g u a a p o n ta do d edo
ornamento florístico, adicionado a uma e m e re f re s q u e a lín g u a , p o rq u e e sto u a t o r
letra (Strack-Billerbeck, I, p. 249). m e n ta d o n e s ta c h a m a . 25 D isse , p o ré m ,
A b ra ã o : F ilh o , le m b ra - te de q u e e m tu a
Cita-se um exemplo que mostra como v id a re c e b e s te os te u s b e n s, e L á z a ro de
a época da pregação do evangelho avança ig u a l m o d o os m a l e s ; a g o r a , p o ré m , e le a q u i
além da época da Lei. De acordo com a é c o n so lad o , e tu a to r m e n ta d o . 26 E , a lé m
Lei, um homem podia divorciar-se de sua d isso , e n tr e n ó s e v ó s e s t á p o sto u m g ra n d e
a b is m o , d e s o r te q u e o s q u e q u is e s s e m p a s
esposa — “por qualquer motivo” , na s a r d a q u i p a r a v ó s n ã o p o d e ria m , n e m o s de
opinião de alguns rabis (Deut. 24:1-4). l á p a s s a r p a r a n ó s. 27 D isse e le e n tã o : R ogo-
Mas a época do reino deverá ser como a te , p o is, ó p a i, q u e o m a n d e s à c a s a d e m e u
época do princípio. E no princípio Deus p a i, 28 p o rq u e te n h o cin c o ir m ã o s ; p a r a que
havia criado homem e mulher, e esta lh e s d ê te s te m u n h o ; a fim d e q u e n ã o v e
n h a m e le s ta m b é m p a r a e s te lu g a r d e to r
belecera uma unidade entre eles, que só m e n to . 29 D isse-lh e A b ra ã o : T ê m M o isés e
seria quebrada com a morte (cf. Mar. os p r o f e ta s ; o u ç a m -n o s. 30 R e sp o n d e u e le :
10:2-12; também Mat. 5:31,32; 19:7-10). N ão! p a i A b ra ã o ; m a s , se a lg u é m d e n tr e os
Jesus insiste que as exigências radicais do m o rto s fo r te r co m e le s, h ã o d e se a rr e p e n
d e r . 31 A b ra ã o , p o ré m , lh e d is s e : Se n ã o
reino de Deus vão além das da Lei. Mas o u v e m a M o isés e a o s p ro f e ta s , ta m p o u c o
estaremos usando erradamente o seu en a c r e d ita r ã o , a in d a q u e r e s s u s c ite a lg u é m
sinamento a respeito do ideal para o d e n tr e o s m o rto s .
casamento, se ele se tornar o ponto de
partida para o estabelecimento de uma Esta parábola é coerente com os temas
nova casuística legalista, a ser usada já apresentados em Lucas, e também os
como base para se distinguir entre pes ilustra. Lembramo-nos, especialmente,
soas “boas” e “más” . Esta armadilha das bem-aventuranças pronunciadas so
sutil do legalismo, que faz com que o bre os pobres, e dos ais sobre os ricos, nc
cristianismo seja a própria espécie de ins grande sermão (6:20 e ss.). Historietas
tituição que Jesus atacou, precisa ser evi acerca de temas similares a este — o
tada. destino do pobre justo e do rico injusto —
eram comuns, tanto no Egito como na der que ele fora repelido, podemos supor
Palestina. Uma dessas deve ter fornecido que se conservava vivo comendo pão re
o esboço para esta parábola de Jesus. jeitado. Tão indefeso e fraco estava o
Essa história tem dois gumes. Ela não pobre mendigo, que não podia afugentar
indica apenas como Deus inverte as cate os cães que vagueavam pelas ruas da
gorias e valores da sociedade humana; cidade e agravavam as suas feridas, lam
também ensina que um sinal, mesmo tão bendo-as.
sensacional como um a ressurreição, não O pobre morreu — para surpresa de
servirá para convencer os incrédulos. ninguém. De fato, era de se admirar que
Com grande economia de palavas, Je tivesse vivido tanto tempo. Uma idéia
sus pinta um quadro vivo de dois homens corrente, entre os judeus, era que aiyos
que representam os extremos da socieda levavam os mortos para o seu destino
de humana. Um deles é rico. Ele se veste eterno. Abraão é o primeiro participante
excepcionalmente bem; suas refeições da festa messiânica, mencionada em 13:
são banquetes diários. Púrpura era a fa 28. A expressão no seu seio significa que
zenda caríssima com que se faziam as o lugar do mendigo era bem ao lado do
vestimentas exteriores vestidas pela rea pai de todo o Israel, em seu peito, no
leza. Essa palavra originalmente desig lugar de honra.
nava o corante caríssimo que era usado Mas o rico não havia seguido o prin
na manufatura da fazenda. A roupa in cípio estabelecido por Jesus (12:33). Ago
terior do rico era feita de linho custoso, ra começamos a ver as conseqüências.
cuja produção se tom ara uma fina arte Morreu também o rico. Aí está o choque.
no Egito. Não nos parece correto que o rico e
O rico é anônimo, bem como todos os poderoso sucumba às mesmas doenças
outros personagens das parábolas de Je que ferem o pobre. Mas a morte é a
sus. A única exceção a essa regra é este grande zombadora das nossas pretensões
pobre mendigo. Em nossa época, sem e arrogância, das nossas insignificantes
dúvida, ficaríamos sabendo o nome do divisões sociais, baseadas em. raça e ri
rico, pois os pobres é que são membros queza. Por fim vemos que todos, igual
anônimos da sociedade humana. O nome mente, somos feitos da mesma substân
Lázaro significa “Deus ajuda” , o que, cia frágil. O rico teve um enterro decen
provavelmente, é significativo. Lázaro é te e honroso, o toque final apropriado
uma dessas pessoas que, em seu deses para um homem “abençoado” tão sin
pero, se voltam para Deus, em quem gularmente. Do nascimento até a morte,
fazem descansar todas as suas esperan a história é a mesma. Nenhuma expres
ças, e assim aceitam sem queixas todas são do juízo de Deus em infortúnio ou
as desigualdades da vida. Visto que ele fracasso terreno é mencionada na histó
fora deitado ao portão, presumimos que ria.
era aleijado ou prejudicado por sua doen Hades é usado aqui, apenas em o Novo
ça. Um sintoma de sua enfermidade era Testamento, como sinônimo de Geena
um corpo coberto de úlceras, condição (cf. 12:5). Ê geralmente o equivalente ao
não incomum a pessoas que subsistem hebraico Sheol, lugar dos mortos. Agora
com dieta extremamente deficiente e vi a situação se inverte. Lázaro estivera do
vem em condições insalubres. lado de fora, olhando de modo como
O pão servia de guardanapo naqueles vente, enquanto o rico se banqueteava.
dias. Depois de usado, era lançado para É a vez do rico estar do lado de fora,
debaixo da mesa. Lázaro se colocara na agora, olhando.
entrada do palácio do rico, a fim de con O rico também era descendente de
seguir algum desse pão. Visto que a Abraão, relação que é reivindicada pelo
linguagem da parábola nâo dá a enten rico e reconhecida por Abraão. Mas a
raça não é fator decisivo para se deter Abraão afirma que as pessoas que são
minar o relacionamento de um homem surdas para Moisés e os profetas dificil
com Deus. Agora chegamos à verdadeira mente serão convencidas, mesmo por
razão para a surpreendente inversão de uma ressurreição. O problema não é que
situações dos dois homens na eternidade. lhes faltem evidências; eles simplesmente
O rico recebera em vida os seus bens. ignoram as evidências que têm. Talvez
Ele não tinha por que se queixar. Tendo esta seja uma explicação por que o Se
feito das roupas boas e da boa comida o nhor ressurrecto aparece apenas a cren
seu alvo, ele gozara de ambos em medida tes. É só para eles que a sua ressurrei
abundante. A sua vida fora um círculo ção tem significado, pois a genuína con
fechado, em que havia dinheiro, comida, versão não é um produto do sensaciona-
roupas, diversão, etc. Mas ele deixara lismo.
Deus de lado. Não que fosse necessaria
6. O Caráter do Discípulo (17:1-10)
mente irreligioso. Ele simplesmente se
havia apropriado do que pertencia a 1) Responsabilidade Para com os Outros
Deus, e permitira que uma das criaturas (17:1-4)
de Deus morresse na miséria à sua porta. 1 D isse J e s u s a s e u s d is c íp u lo s : É im p o s
Todas as suas orações, jejuns, esmolas e sív e l q u e n ã o v e n h a m tro p e ç o s, m a s a i d a
sacrifícios no Templo não podiam mudar q u e le p o r q u e m v ie re m ! 2 M e lh o r lh e fo ra
o fato de que ele era um ateu pratican q u e se lh e p e n d u ra s s e a o p e sc o ço u m a p e d r a
d e m o in h o e fo sse la n ç a d o a o m a r , do que
te. Por outro lado, Lázaro havia espera fa z e r tr o p e ç a r u m d e s te s p e q u e n in o s. 3 T e n
do ajuda de Deus, e também tivera suces d e c u id a d o d e v ó s m e s m o s ; se te u irm ã o
so, pois recebera o que mais queria. p e c a r, re p re e n d e -o ; e, se e le se a rr e p e n d e r,
Um grande abismo faz com que seja p erd o a-lh e . 4 M esm o se p e c a r c o n tra ti se te
impossível que Lázaro chegue até onde v e zes n o d ia , e s e te v e z e s v ie r t e r contigo,
d iz e n d o : A rre p e n d o -m e ; tu lh e p e rd o a r á s .
está o rico. Perguntamos: Quem cavou o
abismo? A resposta é clara: o rico. É o Somos alertados pelo comentário in
abismo que o havia separado, em sua trodutório de que os ensinamentos que se
abundância, de Lázaro, em sua miséria. seguem foram ministrados aos discípu
A única coisa que ele não havia consi los. Neste parágrafo, Jesus fala a respeito
derado era que Deus estava do mesmo do problema de relacionamentos dentro
lado do abismo que Lázaro. Ao fechar da comunidade constituída pelos seus se
Lázaro do lado de fora de sua casa, ele guidores.
fizera o mesmo com Deus. Tropeços é tradução de uma palavra
Agora ele pensa em seus irmãos. Se grega: skandala, que originalmente sig
Lázaro não podia atravessar o abismo que nificava a isca colocada em uma ar
havia entre eles, talvez ele pudesse rea madilha. Em o Novo Testamento, o seu
parecer em vida, para lhes dar testemu significado mais comum é o engodo que
nho, pois eles tinham o mesmo padrão de leva uma pessoa a cair no pecado. A pa
valores pelos quais ele havia vivido. lavra dura, o ato impensado, a observa
Abraão replica que Moisés e os profetas ção frívola, — estas facetas injuriosas das
falariam aos seus irmãos, se eles se dig relações humanas são inevitáveis. Mas
nassem a ouvi-los. Moisés era sinônimo, isso não diminui a seriedade do ato, nem
naquela época, do Pentateuco ou Torah. a responsabilidade do ofensor.
O rico também possuíra essas Escrituras, Teria sido melhor que a pessoa que é
mas se queixa de que elas são insuficien culpada de ações que ferem a outrem
tes. A única coisa que impediria os seus tivesse morrido. A pedra de moinho é
irmãos de terem o mesmo destino que ele aquela para a qual a força motora era
seria um espetáculo grande, sobrenatural fornecida por uma mula ou um burro.
— a ressurreição dos mortos. Mas A pessoa, a cujo pescoço essa pedra fosse
atada, mergulharia rapidamente no fun riedade. O perdão precisa ser dado à
do do mar. Pequeninos provavelmente medida que for pedido.
não se refere especificamente a crian
2) A Necessidade de Fé (17:5,6)
ças, embora elas possam ser incluídas.
Os pequeninos são membros menos im 5 D is s e ra m e n tã o os ap ó sto lo s a o S e n h o r:
portantes, da comunidade, que são mais A u m en ta -n o s a fé , 6 R e sp o n d e u o S e n h o r: Se
tiv é s s e is fé co m o u m g rã o de m o s ta rd a ,
vulneráveis aos atos dos líderes. No texto d iríe is a e s ta a m o r e ir a : D e s a rra ig a -te , e
grego, um é colocado em posição enfá p la n ta -te no m a r ; e e la v o s o b e d e c e ria .
tica. É coisa terrível ofender, mesmo que
seja uma dessas pessoas que podem ser Os discípulos pedem fé, dizendo, “Dá-
consideradas insignificantes pelos pa nos fé” , ou uma fé maior, como no texto.
drões sociais comuns. A divisão em ver O grego permite ambas essas traduções.
sículos não é bom; o versículo 3 é a Talvez o pedido feito pelos apóstolos
conclusão da advertência dos versículos 1 deva ser entendido como uma reação aos
e 2. ensinamentos que requerem tanto, que
eles haviam acabado de ouvir. O relacio-
O discípulo é responsável por comu nar-se com os outros, nos termos esta-
nhão em quaisquer condições, responsá belecidos por Jesus está além da capaci-
vel para que os seus atos não a afetem, e dade humana. Um simples homem pre-
responsável quando outra pessoa a amea cisa de fé para se elevar acima dos pa
ça, òfendendo-o. Não nos é permitido drões costumeiros de relações humanas. J
recuarmos para detrás de muros, para A resposta de Jesus mostra que não é ^
alimentar as feridas feitas pelos outros. questão de peauena fé ou grande fé. O
O ensino de Jesus não nos permite dizer: problema é se uma jpessoa tem . alguma
“Ele é a parte culpada; portanto, é ele
fé. O grão de m ostarda é proverbialmen
que deve vir a m im .” Jesus diz que te pequeno. Conseqüentemente, a_me-'
devemos repreender os nossos irmãos nor quantidade de fé é suficiente para
ofensores. Isto não significa que devemos capacitar a pessoa que a tem a realizar
atacá-los com acusações arrogantes e exi ......... ... ....... ' ■---- ■II II ~— ------ ~ ----------- -
37 Jeremias, ibid. p. 165. 38 Veja Stagg, New T estam ent Theology, p. 236 e ss.
ocorreu, um novo Israel nasceu e uma 20:25-28). Também nos faz recordar os
nova aliança foi instituída. Desta for* ensinamentos de Jesus no relato que João
ma, para a comunidade cristã, a Ceia faz da Ültima Ceia (13:3-16).
tomou o lugar da Pás,a3a j-iidaica. Na sua contenda, os discípulos esta
à narrativa de Marcos começa com a vam seguindo os padrões do mundo pa
predição da traição, que é colocada aqui gão. Nas estruturas da sociedade gentí
por Lucas (Mar. 14:18). A enormidade lica, as pessoas grandes, nobres e honra
da traição é caracterizada pelo fato de das são as que possuem e exercem poder
que ela foi cometida por uma pessoa que sobre os outros. Benfeitores era um título
participava da comunhão à mesa com bastante comum, dado aos governantes
Jesus, isto é, pessoa cuja mão estava com gentios.
ele à mesa (v. 21). Nos círculos sociais Mas os padrões normais da sociedade
semíticos, só um vilão trairia o seu hos devem ser completamente invertidos, na
pedeiro desta forma. Segundo o que está comunhão dos crentes. O maior deve ser
determinado substitui a expressão de como o mais novo. A idade era um fator
Marcos “conforme está escrito a seu res extremamente importante na sociedade
peito” (14:21), mudança característica, antiga, especialmente nos relacionamen
feita, por Lucas, para fortalecer o ensino tos familiares. O mais novo era o mem
de que a morte de Jesus era uma neces bro menos importante da família, aquele
sidade divina. que precisava executar as tarefas mais
Embora Jesus morresse, devido à sua servis e podia esperar a menor recom
obediência à vontade de Deus, isto não pensa. Quem govema como quem serve
diminuía a culpa e responsabilidade do é paralelo à declaração precedente. Des
traidor. Ele precisava arcar com as con te ponto de vista, as maiores pessoas, na
seqüências do seu feito. Judas não é re comunidade cristã, são as que, em hu
tratado como um fantoche, sem vontade mildade e amor, se dedicam a serviço dos
própria, necessário aos propósitos de outros. Ao invés de competir, para estar
Deus. Ele não serviu aos propósitos de à frente dos outros, nós, que seguimos
Deus, mas aos do inimigo de Deus. Deus a Cristo, devemos competir no afã de
não matou Jesus; os homens maus exe servir aos outros. Grande parte das po
cutaram este ato, porque não toleravam líticas denominacionais e eclesiásticas
viver no mesmo mundo com ele. O diá são, desta forma, condenadas pelo ensi
logo em Marcos 14:19 é substituído pela no de Jesus. Muitas pessoas que chega
declaração indireta de Lucas, no verso ram ao topo da escada, em sua deno
23. minação, depois de anos, procurando o
reconhecimento público, podem conside
c. Discussão Sobre Grandeza (22:24-27) rar que possuem um recibo marcado por
34 L e v a n to u -se ta m b é m e n tr e e le s c o n Deus: “pago” (cf. Mat. 6:2,5,16).
te n d a , so b re q u a l d e le s p a r e c ia s e r o m a io r. Na organização normal da sociedade
25 Ao q u e J e s u s lh e s d is s e : Os re is dos humana, o homem que está à mesa é
g en tio s d o m in a m s o b re e le s, e os q u e so b re
e le s e x e rc e m a u to r id a d e sã o c h a m a d o s
considerado superior à pessoa que lhe
b e n fe ito re s. 26 M a s v ó s n ã o s e r e is a s s im ; serve a comida. Porém, a vida de Jesus
a n te s o m a io r e n tr e v ó s s e ja c o m o o m a is instituiu uma nova escala de valores,
n o v o ; e q u e m g o v e rn a co m o q u e m se rv e . uma abordagem completamente revolu
27 P o is q u a l é m a io r, q u e m e s tá à m e s a , ou cionária, quanto às relações humanas,
q u e m s e rv e ? E u , p o ré m , e sto u e n tr e vós
com o q u e m s e r v e . para os seus seguidores. Pois ele esteve
entre os homens como servo (como em
Esta é uma passagem que só Lucas João 13:3 e ss.). Ele veio para ser imi
coloca aqui, mas relaciona-se, em con tado em seu serviço. Ninguém verdadei
teúdo, com Marcos 10:42-45 (cf. Mat. ramente pode chamar-se seguidor de Je-
sus se não estiver disposto a adotar esta fiantemente a respeito de um reino que o
nova escala de valores. seu Pai já lhe havia conferido. Ê de se
Note-se que Lucas não contém nada notar que mesmo ao ele ser chamado
que corresponda à citação de Marcos: para sofrer, ainda chamou a Deus de
“e para dar a sua vida em resgate de Pai. Ao fazê-lo, ele deixou um exemplo
muitos” (10:45). Lucas enfatiza a neces para os, dentre nós, que são mais fracos,
sidade divina, e não o significado divino que algumas vezes se voltam para Deus
da morte de Jesus. só quando a vida se torna difícil. A par
d. Á Promessa do Reino (22:28-30) ticipação na vitória de Cristo está rela
cionada intimamente com a participação
28 M a s vó s sois os q u e te n d e s p e r m a n e nas suas provações (cf. Fil. 3:10,11).
cido co m ig o n a s m in h a s p ro v a ç õ e s ; 29 e
a s s im com o m e u P a i m e c o n fe riu do m ín io ,
O reino que Deus confere a Jesus, isto
eu vo-lo co n firo a v ó s; 30 p a r a q u e c o m a is e é, a sua posição de autoridade e glória, é
b e b a is à m in h a m e s a no m e u re in o , e vos a base para a esperança dos seus dis
s e n te is so b re tro n o s, ju lg a n d o a s doze trib o s cípulos. A nossa confiança quanto ao
de I s r a e l. futuro é, desta forma, ligada ineludivel-
Pelo motivo de ter Jesus escolhido vir mente à nossa confiança de que Jesus é
ao mundo como quem serve, ele precisou de fato o Filho de Deus, cuja ressurreição
aceitar as conseqüências de sua escolha, representa vitória sobre as desigualda
isto é, as suas provações. A mesma pala des e injustiças da vida. A crença no
vra é traduzida como tentação, em 4:13. futuro de Jesus era, para os discípulos,
Ela pode referir-se às pressões contínuas, crença também no futuro deles. Foi no
exercidas sobre ele, para assumir o pa momento em que eles perderam esta fé
pel messiânico elaborado pelo desejo po no futuro dele, que começaram a temer e
pular, como, por exemplo, com o pedido a desesperar quanto ao futuro deles mes
de um sinal. Mais provavelmente, as mos.
suas provações foram a hostilidade e Jesus fez um a dúplice promessa aos
ameaças, que agora o assediavam. Ime doze. Eles participariam da comunhão
diatamente pensamos como Jesus foi do seu reino, isto é, iriam comer e beber
abandonado, até pelos doze, no momen à sua mesa no banquete messiânico. Eles
to de crise, dali a apenas algumas horas. iriam compartilhar da autoridade do seu
Mas o texto enxerga além desse fracasso, governo como juizes das doze tribos de
e vê a lealdade subseqüente desses mes Israel. Provavelmente, há uma analogia
mos homens, cujos sacrifícios apagam o entre a relação dos patriarcas para com o
fato de terem tropeçado tão tragicamen Israel de outrora e a dos discípulos para
te. com o novo Israel. Os doze representa
Satanás havia oferecido um reino a Je vam o começo da nova comunidade; o
sus — um reino deste mundo (4:5-7). povo da nova aliança.
Naquela ocasião, Jesus repudiara os al
vos presentes, tangíveis, mundanos, e e. Á Predição de Que Pedro o Negaria
reafirmara a sua lealdade a Deus. Agora (22:31-34)
ele enfrentava as conseqüências dessa
escolha. Porém, no momento de inde- 31 S im ão , S im ão , e is q u e S a ta n á s vos
p e d iu p a r a v o s c ir a n d a r c o m o t r ig o ; 32 m a s
fensabílidade diante das ondas ameaça e u ro g u e i p o r ti, p a r a q u e a tu a fé n ã o d e s
doras do mal e da paixão humana, ele fa le ç a ; e tu , q u a n d o te c o n v e rte re s , f o r ta
afirmou a sua convicção de que Deus é o le c e te u s ir m ã o s . 33 R esp o n d e u -lh e P e d ro :
rei do universo. Desta forma, ele, que em S en h o r, e sto u p ro n to a i r co n tig o ta n to p a r a
a p ris ã o c o m o p a r a a m o r te . 34 T o m o u -lh e
breve estaria dependurado em uma cruz, J e s u s : D ig o -te, P e d ro , q u e n ã o c a n ta r á h o je
como vítima do ódio e injustiça dos do o g a lo a n te s q u e tr ê s v e z e s te n h a s n e g a d o
minadores do mundo, conversava con q u e m e co n h e c e s.
Marcos coloca, a predição de que Pe causada pela crucificação. O papel de
dro iria negar Jesus, depois da ceia, a Simão como líder da comunidade cristã
caminho do Monte das Oliveiras (14:26- primitiva é atestado por este texto. Mas
31). A repetição Simão, Simão empresta os outros discípulos foram chamados de
solenidade às palavras subseqüentes e irmãos. A relação não é hierárquica, mas
expressa profunda preocupação. Satanás familiar. Todas as distinções artificiais
é retratado, em Jó (1:6-12; 2:1-6), como o entre clero e laicato são uma distorção de
acusador dos homens diante de Deus e nossas relações uns com os outros. Todos
também como alguém que tenta destruir nós somos filhos de Deus; todos somos
a fé que eles têm em Deus, usando os irmãos uns dos outros.
meios que lhe estão disponíveis. Satanás A sugestão de que Pedro falharia no
vos pediu, isto é, pediu a Deus, reforça o teste, logo a seguir, o estimulou a protes
ensinamento de que o mal não é final no tar. Ele estava disposto a ir até a prisão
universo. O poder de Satanás é limitado, ou à morte. Prisão é mencionada apenas
tanto em relação ao tempo quanto ao seu em Lucas (cf. Mar. 14:31). Atos narra
alcance. Cirandar descreve o processo de como Pedro reagiu ousadamente diante
provas pelo qual o genuíno é separado do de prisões e ameaças, depois da ressur
falso, o bom do mau. Vos (v. 31) refe reição (cf. v.g., 4:19 e s.). Mas isso
re-se a todos os discípulos, pois a lealda aconteceu mais tarde, quando ele enten
de de todos eles seria testada pelos acon deu melhor o significado do reino. Agora
tecimentos daquela noite. ele ainda era dominado por idéias de
Contra as demandas de Satanás, são poder e grandeza terrenos. A fim de
colocadas as orações de Jesus pelos seus. ajudar Jesus a ganhar o seu reino messiâ
Jesus é o seu advogado quando Satanás nico, ele estava disposto a morrer. E ele
é o seu acusador (cf. I João 2:1). Desta estava dizendo a verdade. A história está
declaração, não devemos admitir a idéia cheia de nomes de homens que morre
errada ou distorcida de um Deus neutro ram, buscando o poder. Mas aqueles que
ou distante, influenciado por um lado se dispuseram a morrer um tipo de morte
pelas demandas de Satanás, e, por outro, redentora são poucos.
pelas orações de Jesus. A opinião cristã a Jesus prediz que Pedro o negaria antes
respeito de Deus é que ele estava “em do dia raiar. O cantar do galo era a
Cristo, reconciliando consigo o mundo” terceira vigília da noite, de acordo com a
(II Cor. 5:19). Dizer que Cristo veio para contagem romana do tempo. A hora de
os homens que são fracos e pecadores é que se está falando era cerca de 3 horas
dizer que Deus não os abandona na hora da manhã, fim da terceira vigília romana
da necessidade. (veja também Mar. 13:35). Hoje é colo
Jesus havia orado por Simão (singular cado em lugar de “hoje, nesta noite”
ti, no v. 32), que seria o instrumento (Mar. 14:30). O dia judaico começava ao
usado para fortalecer os outros discípu pôr-do-sol.
los. Fé é a espécie de dedicação a Cristo
que faz com que a pessoa o reconheça f. Instruções aos Discípulos (22:35-38)
publicamente, quando for difícil fazê-lo.
35 E p e rg u n to u -lh e s: Q u and o vos m a n d e i
O fato de Simão negá-lo seria apenas um se m b o ls a , a lfo rje , ou a lp a r c a s , falto u -v o s
episódio temporário. Ele voltaria, isto é, p o rv e n tu ra a lg u m a c o is a ? E le s re s p o n d e
renovaria a sua dedicação em seguir a r a m : N a d a . 36 D isse -lh e s, p o is: M a s a g o ra ,
Jesus. Ele seria o primeiro dos doze a se q u e m tiv e r b o ls a , to m e -a , co m o ta m b é m o
encontrar com o Senhor ressurrecto, e a a lf o rje ; e q u e m n ã o tiv e r e s p a d a , v e n d a o
seu m a n to e c o m p re -a . 37 P o rq u a n to vos
entender o fato da ressurreição (cf. 24: digo q u e im p o rta q u e se c u m p r a e m m im
34). E então ele seria capaz de ajudar os isto q u e e s t á e s c r ito : E co m os m a lfe ito re s
que estivessem sofrendo com a dúvida foi c o n ta d o . P o is o q u e m e diz re s p e ito te m
se u c u m p rim e n to . 38 D is s e ra m e le s : Se maneira como Jesus se compreendia a si
n h o r, e is a q u i d u a s e s p a d a s . R esp o n d eu -
lh e s : B a s ta .
mesmo, bem como o retrato que o Evan
gelho apresenta dele sejam grandemente
Esta difícil passagem encontra-se ape influenciados por Isaías 53, esta citação é
nas em Lucas. Bolsa ou alparcas não são a única que provém diretamente desse
mencionadas no comissionamento dos capítulo. A seqüência normal, na exe
doze (cf. 9:3), mas no dado aos setenta cução de um líder rebelde, era que os
(cf. 10:4). Talvez a falta de coincidência seus seguidores fossem caçados e exter
seja devida a um cochilo de editoria, minados. Esse era o perigo, que se tor
quando os materiais, provindos de várias nou tão real para Simão Pedro apenas
fontes, foram colocados em sua forma algumas horas mais tarde. Podemos ima
fin»l. O significado básico deste texto ginar o que teria acontecido se Pedro
não é afetado. Jesus estava colocando em tivesse reconhecido, naquela hora, o seu
contraste a missão anterior com o mo relacionamento com Jesus, em vez de
mento de perigo e conflito em que eles o negar.
agora entrariam. Anteriormente, os dis Os discípulos não entenderam Jesus,
cípulos não haviam necessitado de supri e dificilmente perceberam que duas (ou
mentos para a sua jornada; as casas se onze) espadas não propiciariam prote
lhes abririam e o povo lhes seria hospi ção. Que Jesus não pretendia que armas
taleiro. violentas fossem usadas, é demonstrado
Agora a situação mudara, fato deno claramente nos versículos 49-51, mais
tado pelas referências à renovada ativida adiante. Basta quase não faz sentido, se
de de Satanás (22:3,31). Os discípulos interpretarmos este termo com o signifi
precisavam estar preparados para en cado de que duas espadas eram suficien
frentar hostilidade. Eles descobririam tes. Afinal de contas, Jesus havia acaba
que a mão de seus companheiros estaria do de aconselhar a cada um deles que
contra eles. Agora, as atitudes e atos arrumasse uma espada. Provavelmente,
deles precisavam ser determinados pela podemos entender a resposta com este
nova atmosfera. Jesus os advertiu para significado: “Basta de falar de espadas.”
levarem consigo provisões, e se armarem Jesus encerra abruptamente uma discus
com uma espada, mesmo que para tal são, cujo verdadeiro significado os seus
precisassem vender o seu manto.O man seguidores não haviam conseguido en
to era peça indispensável, de vestuário tender.
exterior, que servia tanto de capa como
de cama. 3) No Monte das Oliveiras (22:39-46)
Aqui encontramos um problema ób 39 E n tã o s a iu e, se g u n d o o se u c o stu m e ,
vio. Como podia Jesus, que havia coe foi p a r a o M o n te d a s O liv e ira s ; e os d is c í
rentemente rejeitado o uso da força, ago p u lo s o s e g u ira m . 40 Q u an d o c h eg o u à q u e le
lu g a r, d is s e -lh e s : O ra i, p a r a q u e n ã o e n tre is
ra aconselhar os seus discípulos a pro e m te n ta ç ã o . 41 E a p a rto u -s e d e le s c e r c a d e
curarem uma espada? É quase certo a u m tiro d e p e d r a ; e, pond o-se d e jo e lh o s,
resposta ser que as suas declarações de o ra v a , 42 d iz e n d o : P a i, se q u e re s a f a s ta de
vem ser entendidas metaforicamente. O m im e s te c á lic e ; to d a v ia , n ã o se f a ç a a
que ele queria dizer é que os discípulos m in h a v o n ta d e , m a s a tu a . 43 E n tã o lh e
a p a re c e u u m a n jo do c éu , q u e o c o n fo rta v a .
estavam diante de graves perigos, e que 44 E , p o sto e m a g o n ia , o r a v a m a is in te n s a
precisavam estar realisticamente côns m e n te ; e o se u s u o r to rn o u -se co m o g ra n d e s
cios disso. g o ta s d e sa n g u e , q u e c a ía m so b re o ch ã o .
O perigo se originava no fato de eles 45 D ep o is, le v a n ta n d o -s e d a o ra ç ã o , v eio
p a r a os se u s d isc íp u lo s, e a c h o u -o s d o rm in
estarem associados a ele. Ele seria con do de tr is te z a ; 46 e d is s e -lh e s : P o r q u e e s ta is
denado à morte como proscrito, ou seja, d o rm in d o ? L e v a n ta i-v o s, e o ra i, p a r a que
contado... com os malfeitores. Embora a n ã o e n tr e is e m te n ta ç ã o .
Deixando o cenáculo, Jesus foi, segun que estava procurando a morte. Ele rogou
do o seu costume... para o Monte das a Deus para que o poupasse da prova que
Oliveiras. Esta frase indica que os seus estava imediatamente diante dele. Em
movimentos não foram furtivos ou secre bora ninguém possa sondar essa prova
tos (Grundmann, p. 411). Ele agora es terrível, a agonia de Jesus no Getsê
tava seguindo o seu curso normal de mane pode ser explicada, em parte, pelo
atividades (como em 21:37,38). Lucas fato de que ele enfrentou a rejeição do
omite Getsêmane (Mar. 14:32), prova seu próprio povo, daqueles a quem ele
velmente em consonância com o seu cos havia-se dado, e a quem ele abrira a
tume de omitir nomes semíticos, e indica porta do reino. Sobretudo, ele estava
apenas o lugar. Ele também não revela amargurado devido às terríveis conse
que Pedro, Tiago e João acompanharam qüências dessa rejeição, que ele retratou
Jesus além do lugar onde os outros dis tão vividamente. Todavia, nessa hora de
cípulos pararam (Mar. 14:33). Em vez de provação, Jesus mais uma vez conquistou
três períodos separados de oração, segui a vitória. Ele não seria dissuadido de sua
dos, em cada caso, por um retorno ao dedicação. E, também, ele não se ame
lugar onde estavam os três discípulos, drontaria diante de suas últimas conse
Lucas condensa o episódio em uma só qüências.
vigília de oração e uma volta. A con Tudo o que Jesus precisava fazer, a
densação de narrativas feitas por Marcos fim de escapar da morte, era sair do Get
é característica tanto de Lucas como de sêmane e procurar algum refúgio seguro
Mateus. — era recusar-se a confrontar o seu povo
Agora que os poderes malignos ha com a necessidade de este fazer a sua
viam-se preparado contra o reino de escolha final, decisiva. Mas, se ele tives
Deus, os discípulos foram conclamados se saído do Getsêmane, não existiriam
para orar, para que não entrassem em evangelho nem Novo Testamento nem
tentação. Tentação aqui refere-se a hos hinos cristãos nem igrejas. O Getsêmane
tilidade, angústia e pressões, a que bem foi o lugar onde a tendência para salvar-
logo os discípulos estariam sujeitos. Em se a si mesmo, por parte de Jesus, entrou
Marcos, Jesus explica a base para esta em direto conflito com o encargo que lhe
pressuposição: “O espírito, na verdade, foi dado por Deus para se doar reden
está pronto; mas a carne é fraca” (Mar. toramente. Nessas situações, geralmente
14:38). Em outras palavras, os discípulos escolhemos nos salvar a nós mesmos.
simplesmente não estavam preparados Mas ele escolheu perder-se, para salvar-
para a crise que estava para irromper. nos. Portanto, a sua oração terminou
Na condição em que estavam, o seu único como deveriam terminar todas as orações
recurso era orar para que não fossem feitas por alguém que é dedicado a Deus:
envolvidos em uma situação que os levas não se faça a minha vontade, mas a tua.
se a pecar. Os versículos 43 e 44 são omitidos de
Jesus então se afastou deles cerca de um alguns manuscritos, inclusive do B (Va
tiro de pedra, ou seja, suficientemente ticano), uma das principais autoridades
perto para que os discípulos pudessem textuais. A maioria dos manuscritos, in
testemunhar a sua luta. Notamos que Je clusive alguns dos melhores, contém es
sus ainda se dirigiu a Deus como Pai. tes versículos. Eles também são bem
Mesmo agora, quando ele era forçado a atestados nos Pais da Igreja. No entanto,
andar como solitário, pela terrível estrada alguns estudiosos têm sugerido que eles
do sofrimento, ele afirmou o relaciona são uma interpolação antignóstica. Con
mento básico dele com Deus. Este cálice tudo, mais provavelmente a sua omissão,
significava o seu sofrimento e morte. Ê em alguns manuscritos, é devida à ten
claro que Jesus não era um masoquista, dência de menoscabar a luta de Jesus.
Eles nos dizem que Jesus não foi abando Jesus, devido à sua íntima relação com
nado na hora da crise, mas que ele ele. A situação exigia que a prisão fosse
recebeu forças celestiais. Eles também consumada com rapidez, a fim de provo
descrevem a profundidade de sua agonia. car o mínimo possível de turbulência.
Agonia significa ansiedade, tensão inte Marcos nos revela que o beijo era um
rior. Não devemos pensar nela como sinal, antecipadamente combinado, de
“medo da morte, mas como preocupação identificação (14:44). Lucas não diz isso,
pela vitória, em face da batalha decisiva apresentando, pelo contrário, a observa
que se aproximava, da qual dependia a ção de Jesus para Judas. Com um beüo
sorte do mundo” (E. Stauffer, TDNT, vem em primeiro lugar, no texto grego —
I, p. 140). posição enfática. O ato de traição foi
Nessa hora crucial, os discípulos não consumado com um gesto ostensivo de
estavam orando: estavam dormindo! E amor.
apenas a um tiro de pedra da arena em Só Lucas menciona a pergunta dos
que Jesus estava se empenhando em companheiros de Jesus: Feri-los-emos a
uma batalha titânica! Lucas, que sempre espada? Sem esperar resposta, o ato foi
tende a defender os discípulos, adiciona consumado. Lucas, bem como João (18:
a expressão de tristeza como explicação 10 ), nos dizem que a orelha diréita do
atenuante. Ele também omite Marcos servo (escravo) do sumo sacerdote foi
14:41,42, talvez devido à sua falta de cortada. Só Lucas nos informa que Jesus
clareza, e encerra o episódio com uma reparou o dano. Basta é uma palavra
repetição da injunção do versículo 40. enigmática, susceptível de várias inter
4) Jesus é Preso (22:47-53) pretações (cf. Plummer, p. 512). Literal
mente, é “permiti-o até aqui” . Com
47 E , e sta n d o e le a in d a a f a la r , e is que
su rg iu u m a m u ltid ã o ; e a q u e le q u e se c h a Creed, podemos interpretar: “Deixem os
m a v a J u d a s , u m d o s do ze, i a a d ia n te d e la , e acontecimentos seguir o seu curso — até
ch eg o u -se a J e s u s p a r a o b e ija r . 48 J e s u s , a minha prisão” (p. 274). É um repúdio,
p o ré m , lh e d is s e : J u d a s , co m u m b eijo tr a is feito por Jesus, desse ato de violência.
o F ilh o do h o m e m ? 49 Q u an d o o s q u e e s t a
v a m co m e le v ir a m o q u e i a s u c e d e r, d is s e
Seja o que for que esteja querendo dizer
r a m : S en h o r, fe ri-lo s-em o s a e s p a d a ? 50 o verso 36, esta passagem mostra que o
E n tã o u m d e le s fe riu o se rv o do su m o s a c e r uso óbvio de uma espada não é o que se
d o te, e c o rto u -lh e a o re lh a d ir e ita . 51 M as tem em vista.
J e s u s d is s e : D eix a i-o s; b a s ta . E , tocando- Lucas difere dos paralelos, incluindo
lh e a o re lh a , o c u ro u . 52 E n tã o d is se J e s u s
a o s p rin c ip a is s a c e r d o te s , o fic ia is do te m p lo elementos do sinédrio, principais sacer
e a n c iã o s, q u e tin h a m ido c o n tr a e le : S a ís dotes e anciãos, no contingente que veio
te s , co m o a u m s a lte a d o r , co m e s p a d a s e prender Jesus. Os líderes são um cons
v a r a p a u s ? 53 T odos o s d ia s e s ta v a e u c o n tante fator nas ações levadas a efeito,
vosco no te m p lo , e n ã o e s te n d e s te s a s m ã o s
c o n tra m im ; m a s e s ta é a v o s s a h o ra e o
desde a prisão de Jesus até a sua cruci
p o d e r d a s tr e v a s . ficação. Os guardas do Templo vieram
armados, para prender Jesus, como se ele
A chegada da multidão interrompeu fosse um salteador. Esta palavra era usa
as injunções de Jesus aos seus discípulos. da para designar os membros dos ban
Ela foi dirigida por Judas, que, desta dos armados, quase revolucionários, que
forma, compriu o seu pacto com os ini consistiam em problema contínuo para o
migos de Jesus. Mais uma vez é-nos feito governo romano, especialmente na Ga-
recordar que ele era um dos doze. Só liléia. Os inimigos de Jesus haviam vindo
ele sabia exatamente onde Jesus estava. preparados como se fossem lidar com um
E, até na escuridão, iluminada insufi revoltoso, que podia ser que fosse de
cientemente pela tremeluzente luz das fendido pelos seus seguidores — uma
tochas, ele pôde identificar facilmente interpretação pervertida, à luz dos ensi
nos e da conduta pública de Jesus. Ele O grande número de aspectos que di
não era um rebelde que estava-se escon ferenciam a narrativa da paixão, feita
dendo das autoridades. por Lucas, constitui um dos argumentos
A falta de convicção moral real, por usados pelos que advogam um Proto-
parte dos líderes judeus, foi demonstrada Lucas (veja Introdução). De acordo com
por não terem conseguido prender Jesus esta teoria, elementos de Marcos foram
enquanto ele aparecera diariamente no interpolados em uma narrativa anterior,
Templo. Apenas sob a capa das trevas da paixão, já composta por Lucas. Lucas
eles haviam ousado levar os seus obje de fato faz extensivo uso de outros ma
tivos a efeito. Esta é a vossa hora indica teriais, nesta seção, mas a estrutura bá
que as forças do mal pareciam estar sica ainda provém de Marcos.
sendo vitoriosas por ora. As forças demo Lucas não identifica o sumo sacerdote
níacas estavam sendo desatadas no mun (cf. 3:2). João diz que Jesus foi primeira
do, cuja autoridade (poder) vinha das mente levado a Anás (18-: 13). Possivel
trevas. Os inimigos de Jesus eram ferra mente, Anás e seu genro, Caifás, sumo
mentas desse poder tenebroso. Mas cada sacerdote naquela época, viviam na mes
fato, cada acontecimento é avaliado à luz ma casa. De acordo com Marcos, houve
da soberania eterna e final de Deus. O uma audiência nessa noite, da qual par
poder (autoridade) das trevas era, por ticiparam “ os principais sacerdotes e
tanto, limitado e temporário; era apenas todo o sinédrio” (14:55). Não há evidên
por uma hora. cias, na literatura rabi nica, de que uma
Lucas não fala da fuga dos discípulos reunião oficial, que seria muito irregu
(Mar. 14:50) nem do estranho episódio lar se realizada de noite. tivesse alguma
da fuga do jovem (Mar. 14:51,52). vez sido convocada para a casa do sumo
sacerdote. Talvez Marcos se estivesse re
ferindo a um interrogatório informal.
VII. A Paixão de Jesus (22:54- Lucas fala de apenas uma reunião do
23:56a) sinédrio, que ele coloca em hora poste
1. O Julgamento de Jesus (22:54-23:25) rior ao romper do dia. Freqüentemente é
seu costume encaixar desta forma o ma
1) Pedro Nega Jesus (22:54-62) terial provindo de sua fonte.
O fato de Pedro ter negado Jesus segue
5 i E n tã o , pred en d o -o , o le v a r a m e o in tr o imediatamente à nota a respeito da pri
d u z ira m n a c a s a do su m o s a c e r d o te ; e
Pe.dro seg u ia-o d e lo n g e. 55 E , te n d o e le s
são e detenção de Jesus na casa do sumo
a c e n d id o fogo no m e io do p á tio e h av en d o -se sacerdote. Seja qual for o juízo que fi
s e n ta d o à ro d a , sen to u -se P e d ro e n tr e e les. zermos de Pedro, precisamos lembrar
56 U m a c ria d a , vendo-o s e n ta d o a o lu m e , que ele pelo menos teve a temeridade de
fixou os olhos n e le e d is s e : E s s e ta m b é m seguir a Jesus, embora furtivamente, de
e s ta v a co m e le , 57 M a s P e d ro o n eg o u ,
d izen d o : M u lh e r, n ã o o c o n h eço . 58 D a í a longe. A Páscoa ocorria em março-abril,
pouco, o u tro o v iu , e d is s e : T u ta m b é m é s época em que as noites eram ainda frias,
u m d e le s . M a s P e d ro d is s e : H o m e m , n ão por vezes. Por esse motivo, eles acende
so u . 59 E , te n d o p a s s a d o q u a se u m a h o ra , ram fogo. Não somos informados como
o u tro a f ir m a v a , d izen d o : C e rta m e n te e s te
ta m b é m e s ta v a co m e le , p o is é g a lile u . 60 foi que a criada identificou Pedro como
M as P e d ro re s p o n d e u : H o m e m , n ão se i o um dos companheiros de Jesus. Apanha
q ue d iz e s. E im e d ia ta m e n te , e s ta n d o e le do, Pedro, pelo brilho que o holofote
a in d a a f a la r , c a n to u o g alo . 61 V iran d o -se o dessa acusação lançava sobre ele, a sua
S en h o r, olhou p a r a P e d r o ; e P e d ro lem b ro u - coragem se foi. Ele nega qualquer rela
se d a p a la v r a do S en h o r, c o m o lh e h a v ia
d ito : H o je, a n te s q u e o g alo c a n te , tr ê s v e z e s cionamento com Jesus. Plummer nota:
m e n e g a rá s . 62 E , h a v e n d o sa íd o , ch o ro u “Não foi Pilatos nem qualquer membro
a m a r g a m e n te . do sinédrio nem um contingente de sol-
dados, mas uma simples criada que ame 2) Zombam de Jesus (22:63-65)
drontou o Apóstolo autoconfiante, levan 63 O s h o m en s q u e d e tin h a m J e s u s z o m b a
do-o a negar o seu Mestre” (p. 516). v a m d ele, e ferla m -n o 64 E , v en d an d o -lh e
Isto é realmente desagradável. Talvez a o s olhos, p e rg u n ta v a m : P ro fe tiz a , q u e m foi
sua fraqueza possa ser melhor descrita q u e te b a te u ? 65 E , b la s fe m a n d o , d iz ia m
como a de um homem desiludido, cujos m u ita s o u tr a s co is a s c o n tr a ele.
sonhos caem em frangalhos diante dele. Os soldados romanos zombaram de
Ao invés de ser levado por Jesus a vencer, Jesus, depois de ter sido julgado diante
parece mais provável que ele foi vítima de Pilatos, de acordo com Marcos 15:16-
dos acontecimentos que, em rápida su 20. Lucas segue Marcos, nesse ponto.
cessão, transformaram esperança em de Diz que os captores de Jesus — talvez os
sespero. Morrer, quando há esperança guardas do Templo — zombaram dele e
de vitória, é uma coisa; morrer por uma o açoitàram. Era evidentemente uma es
causa perdida, é outra, bem diferente. pécie de passatempo cruel, para m atar o
Todos os Evangelhos registram uma tempo até o dia amanhecer. O brinquedo
que eles inventaram, tendo Jesus como
acusação tríplice e uma negação tríplice.
vítima, mostra que ele ganhara a reputa
Há algumas variações quanto aos deta
lhes, particularmente quanto à identida ção, de todos conhecida, de profeta. Um
profeta tem profundo discernimento das
de dos acusadores de Pedro. Outro
atividades e dos propósitos de Deus. De
(v. 58) é a mesma empregada de Marcos
fato, ele vê o que os outros não podem
14:69). Outro (v. 59) substitui “ os que ali
ver, e ouve o que os outros não conse
estavam” de Marcos 14:70. O sotaque
guem ouvir. Mas isso é totalmente dife
regional de Pedro deve ter traído o fato
rente de clarividência ou mágica. Os seus
de que ele era galileu. Era simplesmente
atormentadores participavam da manei
natural concluir-se que um galileu fosse
ra como o povo interpretava mal a ver
seguidor de Jesus. De acordo com a sua
dadeira função de um profeta, O tema
tendência, Lucas poupa o apóstolo, não
principal é a profunda humilhação de
dizendo que ele “começou a praguejar e
Jesus, e a vergonha que ele deve ter
a jurar” (Mar. 14:71).
sentido. Ele estendera aos homens a mão
Só o terceiro Evangelho registra a cena de amor; eles replicavam com o punho
pungente que teve lugar quando o galo fechado de ódio e zombaria.
cantou: Virando-se o Senhor, olhou para
3) Jesus Diante do Sinédrio (22:66-71)
Pedro. De onde? Talvez através de uma
porta ou janela que dava para o pátio. 66 L ogo q u e a m a n h e c e u , re u n iu -se a a s
se m b lé ia d o s a n c iã o s do povo, ta n to os p r in
O canto do galo e o olhar do Senhor c ip a is s a c e r d o te s com o o s e s c r ib a s , e o c o n
fizeram Pedro reconhecer a enormidade d u z ira m a o sin é d rio d e le s , o n d e lh e d is s e
do seu fracasso. Ele não se desculpou, r a m : 67 Se tu é s o C risto , dize-no-lo. R e p li
como bem podia ter feito. Afinal de co u -lh es e le : Se e u vo-lo d is s e r, n ã o o c r e
contas, ele não agira pior do que os r e is ; 68 e se e u v o s in te r r o g a r , d e m o d o
a lg u m m e re s p o n d e re is . 69 M a s d e sd e a g o r a
outros que haviam desertado do Senhor. e s t a r á a s s e n ta d o o F ilh o do h o m e m à m ã o
E, havendo saído, chorou. Este é o mo d ir e ita do p o d e r d e D e u s. 70 Ao q u e p e rg u n
mento quando a graça pode começar a t a r a m to d o s: L ogo, tu é s o F ilh o d e D e u s?
sua obra — quando o homem é despido R e sp o n d e u -lh e s: V ós d iz e is q u e e u sou.
71 E n tã o d is s e r a m : P o r q u e a in d a te m o s
da sua arrogância, e se coloca diante de n e c e ss id a d e d e te s te m u n h o ? p o is n ó s m e s
Deus nu, mostrando a sua necessidade. m o s o o u v im o s d a s u a p ró p r ia b o c a .
O versículo 62, paralelo exato de Mateus
26:75b, é omitido, do texto, por velhos Depois que o dia amanheceu, o siné
manuscritos latinos. Bem pode ser uma drio se reuniu, em sessão oficial. Como já
interpolação. notamos, Lucas encaixa a narrativa, feita
por Marcos, de duas audiências diante poder, a palavra podia ser usada np seu
do sinédrio, fazendo das duas uma. sentido absoluto, como um dos nomes de
Também é possível que ele esteja seguin Deus. Estar sentado à mão direita de
do outra fonte, que citasse apenas uma Deus é ocupar o lugar de maior honra no
audiência. A pergunta, feita em Marcos céu.
14:61, aqui é dividida em duas. Primei Filho de Deus tornou-se o título su
ro, os membros do sinédrio perguntam a premo, para Jesus, na Igreja. Mas a
Jesus se ele é o Cristo (Messias). Segun concepção que a Igreja faz de Jesus,
do, perguntam se ele é o Filho de Deus. como o Filho de Deus, tem o seu fun
Mediante todas as evidências, concluí damento em sua própria consciência,
mos que Jesus não declarou publicamen de uma relação única com Deus, expres
te que era o Messias, durante o seu sa, por exemplo, na maneira como ele
ministério. Ele viveu e agiu de acordo falou de Deus como seu Pai. Para ele,
com o programa retratado em Isaías isso não era um dogma abstrato, meta
61:1,2, e compeliu as pessoas a tomarem físico, da trindade. Era uma convicção
as suas próprias decisões. Faltando-lhes existencial de que a sua vida pertencia
o tipo de evidência direta, de qúe neces unicamente a Deus. Para nós, também,
sitavam, os interrogadores queriam que os dogmas teológicos que procuram deli
Jesus admitisse publicamente que era near o indefinível, são freqüentemente
o Messias. Então eles poderiam interpre sem verdadeiro significado. A convicção
tar essa declaração em termos políticos, de que Jesus é o Filho de Deus pode
acusando Jesus de ser um revolucioná significar muita coisa que não entende
rio. Na audiência realizada durante a mos. Mas pelo menos significa que não
noite, citada por Marcos, Jesus responde há nem pode haver outra revelação de
afirmativamente (14:62). Aqui se recusa Deus, na história, tão clara e tão profun
a responder, dizendo que seria inútil ele da como esta. Jesus é a chave do nosso
tentar defender-se. Não importava o que entendimento, acerca de Deus e do mun
ele dissesse, eles não creriam nele. E, do, de nós mesmos e dos nossos seme
igualmente, eles não responderiam se lhantes, da história e do futuro.
ele, em defesa própria, os questionasse. Vós dizeis que eu sou é difícil. Apa
Era prática processual aceita que se per rentemente, significa: “Vocês é que
mitisse ao acusado levantar questões e usam esta frase, e não eu.” Mas também
fazer perguntas. As autoridades textuais deve, certamente, querer dizer concor
Ocidentais acrescentam “nem me solta dância, porque então os juizes disseram
reis” ao verso 68 , que pode ser a redação que Jesus se incriminou. No caso de
original. O significado da resposta de Je confissão feita pelo acusado, as teste
sus é que a causa movida contra ele já munhas eram desnecessárias. O pecado
fora julgada antecipadamente, de tal for de que Jesus era culpado, aos olhos da
ma que nenhuma decisão honesta podia corte, era a blasfêmia. Este é um crime,
ser feita. segundo a perspectiva da lei judaica, mas
De modo característico, Lucas não essa acusação não podia ser feita diante
menciona a vinda do Filho do homem de uma corte romana.
“com as nuvens do céu” (Mar. 14:62).
Os inimigos de Jesus podiam fazer o que 4) Jesus Diante de Pilatos (23:1-5)
quisessem, mas depois da morte ele se 1 E , le v a n ta n d o -s e to d a a m u ltid ã o d ele s,
assentaria à mão direita de Deus. Ã pala c o n d u z ira m J e s u s a P ila to s . 2 E c o m e ç a ra m
vra “Poder”, citada por Marcos (14:62), a a c u sá -lo , d iz en d o : A c h a m o s e s te h o m e m
p e rv e rte n d o a n o s s a n a ç ã o , p ro ib in d o d a r o
Lucas acrescentou a expressão explana- trib u to a C é s a r, e d izen d o s e r e le m e sm o
tória de Deus, para os leitores gentios. C risto , re i. 3 P ila to s , p o is, p e rg u n to u -lh e :
Visto que Deus era a fonte de todo o É s tu o r e i dos ju d e u s ? R esp o n d eu -lh e
J e s u s : É com o d izes. 4 E n tã o d is se P ila to s dizer: “Você é um revolucionário, pro
a o s p rin c ip a is s a c e r d o te s , e à s m u ltid õ e s:
N ão a c h o c u lp a a lg u m a n e s te h o m e m .
curando estabelecer um estado judeu in
5 E le s, p o ré m , in s is tia m a in d a m a is , d iz e n dependente?” É como dizes. Ou seja:
do: A lv o ro ça o povo, en sin a n d o p o r to d a a “Você está usando esta terminologia com
J u d é ia , co m eç an d o d e sd e a G a lilé ia a té suas implicações políticas, mas eu não.”
aq u i. Essa resposta deve ter sido considera
Como Marcos o descreve, “tiveram da, por Pilatos, como negação da acusa
conselho... todo o sinédrio” , depois do ção, pois agora ele declara a sua convic
que Jesus foi entregue a Pilatos (15:1). ção de que Jesus é inocente. Esta é a
Visto que o sinédrio, evidentemente, não primeira de três declarações assim claras
tinha autoridade para executar a senten de Pilatos, característica de Lucas, na
ça capital, o fato de Jesus comparecer narrativa da Paixão. Todos os Evangelis
diante dele deve ter tido o caráter de tas retratam Pilatos como uma ferramen
audiência informal. Ao invés de ser o ta dos inimigos judeus de Jesus, agindo
juiz de Jesus, o sinédrio fez o papel de de má vontade, mas nenhum dos outros o
promotor diante de Pilatos. Porque o seu faz tão claramente como Lucas.
propósito era assegurar a execução de O seu veredicto não é aceito pelo povo,
Jesus, os líderes judeus precisavam pre que decidira que Jesus precisava morrer.
parar contra ele uma causa que alcanças Insiste que ele é um agitador, que amea
se o fim desejado. Portanto, toda a mul ça a paz dos súditos judeus de Roma.
tidão, isto é, todo o concílio ou sinédrio, Judéia é equivalente a Palestina. De acor
o acusava de crime de traição. do com a acusação feita, Jesus não era
Embora a diferença seja primariamen apenas uma pessoa insignificante, que
te uma questão de ênfase, Lucas enfa podia ser descartada facilmente. A sua
tiza a culpa dos lideres judeus na morte influência foi exercida desde a Galiléia
de Jesus mais do que qualquer outro até Jerusalém, isto é, desde os limites
Evangelista. Marcos diz que eles o acusa externos até o centro da Palestina.
ram de muitas coisas (15:3). Em Lucas,
5) Jesus Diante de Herodes (23:6-12)
três acusações específicas e relacionadas
entre si são proferidas contra Jesus, pelo 6 E n tã o P ila to s , o u v in d o isso , p e rg u n to u
sinédrio. Pervertendo a nossa nação sig s e o h o m e m e r a g a lile u ; 7 e, q u a n d o so u b e
q u e e r a d a ju r is d iç ã o de H e ro d e s, re m e te u -o
nifica que ele estava minando a sua a H e ro d e s, q u e ta m b é m n a q u e le s d ia s e s t a
lealdade a Roma. O pagamento do tri v a e m J e r u s a lé m . 8 O ra , q u a n d o H e ro d e s
buto era um reconhecimento de sobera viu a J e s u s , a le g ro u -se m u ito ; p o is d e longo
nia. Qualquer tentativa para induzir os te m p o d e s e ja v a vê-lo, p o r t e r o uvido f a l a r a
se u re s p e ito ; e e s p e r a v a v e r a lg u m sin a l
cidadãos a não pagá-lo era também um feito p o r e l e ; 9 e fa z ia -lh e m u ita s p e rg u n ta s ;
ato traiçoeiro. Cristo (Messias) foi inter m a s e le n a d a lh e re s p o n d e u . 10 E s ta v a m ali
pretado em seu sentido político. Ele esta os p rin c ip a is s a c e rd o te s , e os e s c r ib a s ,
va procurando tomar-se rei dos judeus. ac u san d o -o co m g ra n d e v e e m ê n c ia . 11 H e ro
Essas três acusações são patentemente d e s, p o ré m , c o m os s e u s so ld ad o s, d e s p r e
zou-o e, e s c a rn e c e n d o d e le , v estiu -o co m
falsas à luz da apresentação que Lucas u m a ro u p a re s p la n d e c e n te e to rn o u a e n v iá-
faz do ensino e dos atos de Jesus. Ele lo a P ila to s . 12 N e sse m e s m o d ia P ila to s e
havia repudiado o nacionalismo extremo, H e ro d e s to m a r a m - s e a m ig o s ; p o is a n te s
e havia, de fato, reconhecido o direito de a n d a v a m e m in im iz a d e u m co m o o u tro .
César de recolher tributos, e interpretara Só Lucas apresenta o episódio em que
a sua missão em termos apolíticos. Jesus compareceu perante Herodes Anti-
O acusado é questionado por Pilatos pas (cf. 3:1). A declaração, a respeito das
com respeito às suas ambições políticas. atividades de Jesus na Galiléia, faz com
Quando ele pergunta a Jesus se é o rei que Pilatos levante a questão da jurisdi
dos judeus, na verdade, está querendo ção. Se ele fosse um galileu, cujas ativi-
dades constituíssem ameaça para a paz jnconseaiiente- Os soldados de Herodes
política da região, o seu caso devia ser (cf. 3:14) fazem de Jesus um deplorável
decidido por Herodes. Possivelmente, o objeto de diversão para o seu coman
tetrarca da Galiléia estava em Jerusalém dante. Jesus é vestido com uma roupa
para a celebração da Páscoa. Os Herodes resplandecente, o manto branco da rea-
eram judeus, embora, por serem descen leza, para zombarem das suas pretens.ões
dentes de um idumeu, cujo povo havia messiânicas. Dépois^deTer^iedivertido
sido forçado a se tornar prosélito, por cÒnTJêsus, Herodes o manda de volta a
João Hircano, a sua linhagem não fosse a Pilatos. Ele chegara à conclusão de que
melhor. Eles eram mais helenistas do que Jesus não consistia em ameaça para o seu_
judeus, em suas vidas e atitudes pessoais, governo. O contato que Herodes e Pilatos
mas não lhes era incomum comparece entabulam, como resultado do seu envol
rem a Jerusalém, para participar de uma vimento no processo movido contra Je
festa religiosa. sus, serve para destruir a hostilidade que
Esta é a segunda referência ao desejo havia entre eles, de sorte que se tornam
de Herodes de ver Jesus (cf. 9:7-9). Agora amigos. Não há outra evidência que lan
se explica por que Herodes queria vê-lo: ce luz sobre este relacionamento entre
queria ver um milagre realizado por Je Herodes e Pilatos.
sus. O helenista Antipas provavelmente^
6) A Condenação de Jesus (23:13-25)
acariciava a idéia de que Jesus devia ser
um ente divino, de determinada espécie, 13 E n tã o P ila to s con v o co u os p rin c ip a is
sa c e rd o te s , a s a u to r id a d e s e o povo, 14 e
que pudesse provar a sua divindade com
d isse -lh e s: A p re se n ta ste s -m e e s te h o m em
uma exibição mágica de poder. Mas os' com o p e r v e r te d o r do p o v o ; e e is q u e , in te r-
milagres não são feitos sob encomenda rog an d o -o d ia n te d e v ó s, n ã o a c h e i n ele
(cf. 4:16-30). Além do mais, Jesus não se n e n h u m a c u lp a , d a s q u e o a c u s a is ; 15 n e m
aproveitaria desse expediente para se sal ta m p o u c o H ero d e s, p o is no-lo to rn o u a e n
v ia r ; e e is q u e n ã o te m feito e le c o isa a lg u
var. O seu poder era usado para ajudar a m a d ig n a d e m o r te . 16 C astigá-lo-ei, po is, e o
redimir os outros, e não em favor de si so lta re i.
mesmo. As perguntas de Herodes foram 17 (E e ra -lh e n e c e s s á rio so lta r-lh e s u m
recebidas por um pétreo silêncio. O si p e la fe s ta .) 18 M a s to d o s c la m a r a m à u m a ,
d izen d o : F o r a co m e s te , e so lta-n o s B a rra -
lêncio de Jesus, diante dos seus acusado b á s! 19 O ra , B a r r a b á s fo ra la n ç a d o n a p r i
res, é mencionado pelos outros sinópti sã o p o r c a u s a d e u m a se d iç ã o fe ita n a c id a d e ,
cos, embora em contexto diferente (cf. e d e u m h o m icíd io . 20 M ais u m a vez, pois,
Mar. 15:5; Mat. 27:14). Sem dúvida, isto falo u -lh e s P ila to s , q u e re n d o s o lta r a J e s u s .
ilustra a referência ao silêncio do Servo 21 E le s , p o ré m , b r a d a v a m , d izen d o : Cru-
cifica-o! cru c ific a -o ! 22 F a lo u -lh e s, e n tã o ,
Sofredor em Isaías 53:7. p e la te r c e ir a v e z : P o is , q u e m a l fez e le ? N ão
Contra o silêncio de Jesus e o fato de a c h e i n e le n e n h u m a c u lp a d ig n a d e m o rte .
ele não se queixar, colocam-se as vee C astig á-lo -ei, p o is, e o s o lta re i. 23 M as ele s
mentes acusações dos principais sacerdo in s ta v a m co m g ra n d e s b ra d o s , p ed in d o que
tes e escribas, membros do sinédrio. Eles fo sse c ru c ific a d o . E p re v a le c e ra m os seu s
c la m o re s . 24 E n tã o P ila to s re s o lv e u a te n
também fazem parte desta nova cena, d e r-lh es o p e d id o ; 25 e so lto u -lh es o q u e fo ra
quando, provavelmente, fazem as mes la n ç a d o n a p ris ã o p o r c a u s a d e se d iç ã o e de
mas acusações. <_ h o m icíd io , q u e e r a o q u e e le s p e d ia m ; m a s
O desprezo de Herodes por Jesus e o e n tre g o u J e s u s à v o n ta d e d e le s.
pequeno crédito que deu às acusações Pilatos convoca os acusadores para a
feitas contra este, são demonstrados no_- sua segunda declaração da inocência de
tratamento que lhe dispensaram. Visto Jesus. Os sacerdotes, as autoridades e o
que ele chega à conclusão de que Jesus" povo, representando a nação de Israel,
não é~cteüs, trata-o como pessoa sem ouvem o pronunciamento. Num estranho
poderes especiais e como ser humano encaminhamento dos eventos, o juiz, o
governador romano, se torna o advogado importantes omitem completamente o
de defesa. Na verdade, não temos evidên versículo 17. Algumas poucas testemu
cias suficientes para sermos capazes de nhas Ocidentais o colocam depois do ver
entender completamente a dinâmica da sículo 19. É uma interpolação feita para
situação. Que impacto Jesus causou so explicar por que o povo exigia a liberta
bre Pilatos? Até que ponto foi Pilatos ção de Barrabás. Mais uma vez o fato de
motivado por um senso de responsabili Pilatos defender Jesus dá de encontro
dade judicial? Considerando-se todas as com oposição ferrenha.
desigualdades e a crueldade do Império De acordo com Marcos 15:7, Barrabás
Romano, o governo exercia fortes pres era participante de um grupo de rebeldes
sões sobre os seus representantes, para que havia sido lançado na prisão. Em
exercer justiça, em suas decisões. Até que outras palavras, Barrabás era culpado do
ponto a antipatia que Pilatos sentia pelos próprio crime de que Jesus estava sendo
judeus influenciou as suas ações? Ele acusado falsamente. Ele se envolvera,
certamente não é justificado pelos Evan talvez, como pretendente messiânico, em
gelistas, mas colocado sob a luz mais uma insurreição. De acordo com Lucas,
favorável possível, em vista das circuns isso aconteceu mesmo em Jerusalém.
tâncias. Sem dúvida, os Evangelistas não O fato de eles terem escolhido. Barra
estavam interessados em reabilitar Pila bás define claramente a posição dos lí
tos. Eles eram motivados por um desejo deres judeus. Eles, que estavam acusan
de mostrar que Jesus não era culpado do do Jesus de hostilidade contra Roma,
crime pelo qual foi executado. Ele era o eram os verdadeiros inimigos de César,
Messias de Deus e o Salvador da huma pois as suas simpatias se voltavam para
nidade, e não um revolucionário desilu um homem que era culpado de uma
dido, derrotado. revolta violenta. A história mostra que o
Lucas mostra que os dois homens que julgamento de Jesus foi a mais grosseira
representam Roma como governantes falha da justiça. Afinal de contas, Pi
das maiores regiões da Palestina chega latos permitiu que fosse executado um
ram à conclusão de que Jesus era ino homem que não tinha ambições de go
cente. De acordo com a lei judaica, o vernar em um reino terreno.
testemunho corroborador de duas teste Os inimigos de Jesus realmente pro
munhas era suficiente. Pilatos entendeu nunciaram a sua sentença. Em oposição
que Herodes não teria mandado Jesus de às tentativas de Pilatos para libertá-lo,
volta a ele se tivesse chegado à conclu eles gritaram para que ele fosse crucifi
são de que era um agitador galileu cado. Pela terceira vez Pilatos declara
(v. 15). que Jesus era inocente. Em resposta ao
O mais suave, castigá-lo-ei, em vez de clamor, pedindo a sua crucificação, o
“açoitá-lo-ei” , é outra indicação da ten governador assevera que ele não havia
dência de Lucas em amenizar a parte que cometido crime capital. Mais uma vez ele
Pilatos teve no sofrimento de Jesus. O fa sugere a sua sentença: ia castigar e soltar
to de que Jesus foi açoitado por ordem de Jesus. Mas a vontade dos líderes judeus
Pilatos (Mar. 15:15), tratamento comum era mais forte do que a vontade de Pi
dispensado aos prisioneiros destinados à latos. O governador promulga uma sen
execução, é omitido em Lucas. Castigar tença que representa os pedidos dos ini
pode significar castigo corporal, mas não migos de Jesus, e não as suas próprias
necessariamente. Pode significar sim convicções. O oficial romano não estava
plesmente advertir. sendo leal aos princípios de justiça que o
A terceira tentativa de Pilatos para seu governo requeria dele. Sobretudo, ele
libertar Jesus traz à baila um criminoso libertou o revoltoso, cuja libertação os
chamado Barrabás. Muitos manuscritos líderes judeus desejavam. Mostra-se a
morte de Jesus, bem cuidadosamente, le v a s s e a p ó s J e s u s . 27 S eg u ia-o g ra n d e m u l
como uma rejeição do seu próprio povo, e tid ã o d e povo e d e m u lh e re s , a s q u a is o
não como a vontade dos administradores p ra n te a v a m e la m e n ta v a m . 28 J e s u s , p o
ré m , v o lta n d o -se p a r a e la s , d is s e : F ilh a s de
de Roma. Aqueles, e não Pilatos, devem J e r u s a lé m , n ã o c h o re is p o r m im ; c h o ra i
carregar o principal peso da culpa. Ao a n te s p o r v ó s m e s m a s , e p o r v o sso s filhos.
mesmo tempo, Pilatos é definitivamente 29 F o rq u e d ia s h ã o d e v ir e m q u e se d ir á :
retratado como mau administrador da B e m -a v e n tu ra d a s a s e s té r e is , e o s v e n tr e s
q ue n ã o g e r a r a m , e os p e ito s q u e n ã o a m a
justiça romana. m e n ta r a m ! 30 E n tã o c o m e ç a rã o a d iz e r a o s
O significado contemporâneo da cruz é m o n te s. C aí so b re n ó s; e a o s o u te iro s:
um julgamento do mal de toda a huma C obri-nos. 31 P o rq u e , se is to se fa z n o len h o
nidade. Durante séculos os homens des v e rd e , q u e se f a r á n o se co ?
tramente evitaram as implicações da
cruz, com uma manobra simples: colo Com exceção do versículo 26, esta des
caram a culpa pelo assassinato de Jesus crição da jornada de Jesus para a cruz
sobre os judeus. Essa idéia tem sido ver se encontra apenas aqui, nos Evange
gonhosamente cultivada: que os judeus lhos. Ela ressalta a relação entre a re
que conspiraram para a morte de Jesus jeição de Jesus, por Jerusalém, e a des
eram uma raça especial de pessoas, ex truição ulterior da cidade — importante
traordinariamente má e perversa. Mas a tema de Lucas.
verdade é que eles eram exatamente pes Simão é identificado como nativo de
soas como todas as pessoas, inclusive a Cirene. Esta cidade, capital do distrito
presente geração — com as mesmas am norte-africano de Cirenaica, tinha uma
bições, as mesmas fraquezas, os mesmos considerável população judaica. Simão
problemas. Preconceito racial, religião estava na Palestina para a celebração da
institucionalizada, injustiça social — es festa da Páscoa, ou havia emigrado para
ses eram os males que Jesus desafiava. a terra de seus pais. Marcos 15:21 o
Quem, entre nós, ousa negar que os identifica como pai de Alexandre e de
mesmos males estão presentes em nossa Rufo, que deviam ser membros conheci
sociedade? dos da comunidade cristã primitiva. A
O próprio povo de Jesus reagiu ao seu conjectura de que Simão subseqüente
desafio, tentanto afastar Deus do seu mente se tornou cristão é, portanto, ló
mundo. Ao invés de abrir-se honesta gica. A cruz é a vigajtransversai, à qual
mente para a palavra de Deus, eles deci eram fixados os braços da pessoa a ser
diram silenciar a voz perturbadora que a crucificada. Os criminosos condenados
proclamava. Nós também tentamos em eram forçados a carregá*la, como parte
purrar Deus para fora do seu mundo, do espetáculo público que compunha a
tomá-lo para nós mesmos e usá-lo para sua execução e como advertência a outros
alcançar as nossas próprias ambições. possíveis criminosos. Por que Jesus não
Isto é o máximo da idolatria. Neste sen carregou a viga de sua própria cruz?
tido a crucificação não é apenas algo que Talvez o açoitamento ao qual fora su
aconteceu há muito tempo; ela tem lugar jeito (Mar. 15:15) tivesse sido tão severo
todos os dias, em nosso mundo. que ele estava fisicamente incapacitado
de fazê-lo. Simão parece representar,
2. A Crucificação de Jesus (23:26-56a) para Lucas, o ideal do discípulo que
segue a Jesus, carregando a sua cruz.
1) As Mulheres Que Choravam Nenhum discípulo estava ali para fazer o
(23:26-31) que um estranho foi compelido a fazer,
26 Q uando o le v a r a m d a li, to m a r a m u m Era uma procissão funeral para Jesus,
c e rto S im ão , c ire n e u , q u e v in h a do c a m p o , e antes de sua morte. As mulheres desem
p u se ra m -lh e a c ru z à s c o s ta s , p a r a q u e a penhavam um papel importante no ritual
do funeral judaico. Eram elas que can seco? Primavera é a estação da semea
tavam as elegias ou cânticos fúnebres . 39 dura; outono, época de colheita. Jerusa
Algumas mulheres, na multidão pran lém estava plantando sementes agora,
teavam e lamentavam por Jesus. Isto sig que produziriam uma colheita de frutos
nifica que elas batiam no peito, pro amargos. Só três cruzes rasgavam o hori
nunciavam as lamentações costumeiras e zonte, naquele dia fatídico. Mas somos
choravam (de acordo com o v. 27). Isto informados que os conquistadores roma
chegava a ser uma aclamação pública a nos crucificaram incontável número de
Jesus, que ia de encontro a todo o tra judeus, depois da queda de Jerusalém.
tamento costumeiro dispensado a um
2) A Execução de Jesus (23:32-38)
condenado.
Se elas realmente entendiam o signi 32 E le v a v a m ta m b é m co m e le o u tro s
ficado do evento que suscitava as suas dois, q u e e r a m m a lfe ito re s , p a r a s e re m
m o rto s. 33 Q u an d o c h e g a r a m a o lu g a r c h a
lamentações, estariam clamando a Deus, m ad o C a v e ira , a li o c r u c ific a ra m , a e le e
pedindo misericórdia para si mesmas e ta m b é m a o s m a lfe ito re s , u m à d ir e ita e
para seus filhos. Jesus rejeita a lamenta o u tro à e s q u e rd a . 34 J e s u s , p o ré m , d iz ia :
ção das mulheres por ele, fazendo uma P a i, p e rd o a -lh e s ; p o rq u e n ã o s a b e m o q u e
proclamação para que lágrimas fossem fa z e m . E n tã o r e p a r ti r a m a s v e s te s d e le,
d e ita n d o s o rte s so b re e la s . 35 E o povo e s t a
derramadas sobre uma cidade condena v a a o lh a r. E a s p ró p ria s a u to rid a d e s z o m
da. Isto era, com efeito, uma conclama- b a v a m d e le , d iz e n d o : A os o u tro s sa lv o u ;
ção profética ao arrependimento. Elas e sa lv e -se a s i m e s m o , se é o C ris to ; o e s c o
todos os circunstantes deviam reconhe lhido d e D e u s. 36 O s so ld a d o s ta m b é m o
e s c a r n e c ia m , c h e g an d o -se a e le , o fe re c e n
cer a sua própria culpa, a sua solidarie do-lhe v in a g re , 37 e d iz e n d o : Se tu é s o re i
dade com a rejeição que aquela cidade dos ju d e u s , s a lv a -te a ti m e s m o . 38 P o r c im a
dispensava a Jesus, e a inevitabilidade do d ele e s ta v a e s t a in s c riç ã o (e m le tr a s g r e
juízo. g a s , ro m a n a s e h e b r a ic a s :) E S T E É O R E I
Aguardavam a Jerusalém dias de terrí DOS JU D E U S .
vel sofrimento e tragédia. Naqueles dias Jesus é acompanhado, ao lugar de
a esterilidade seria considerada uma bên execução, por dois malfeitores, destina
ção, e a maternidade uma maldição — dos à mesma sorte. Eles são chamados de
exatamente o oposto da atitude normal. salteadores, por Marcos (15:27). O lugar
As mulheres sem filhos ficariam conten da crucificação é desconhecido, mas era
tes por não terem dado à luz e não es fora da cidade (Heb. 13:12 e s.), perto de
tarem amamentando um filho, só para uma estrada de muito movimento. Lucas
experimentar as torturas que cercariam a omite o nome semita Gólgota, e apresen
morte dessa cidade. Os habitantes em ta apenas a tradução: Caveira. Talvez o
vão procurariam um lugar para se es outeiro tivesse configurações que lembra
conderem de sua sorte, pedindo, em de vam um crânio.
sespero, a proteção de montes e outeiros A crucificação era método para a apli
(cf. Os. 10:8). cação da pena capital, emprestado, pelos
A partícula se (v. 31) deve referir-se romanos, dos fenícios e persas. Esta for
aos senhores romanos de Jerusalém. Se ma de execução extremamente bárbara
esses gentios estavam crucificando uma era geralmente reservada para os não-
pessoa como Jesus na primavera, quando romanos. As mãos e os pés da vítima
o lenho era verde, o que não acon eram pregados ou amarrados com cordas
teceria no outono, quando ele estivesse à cruz. O seu corpo era sustentado por
uma cavilha, afixada à parte principal
39 Veja os artigos de Gustav Itahlin, em TDNT, III, da cruz (a vertical), em que o condenado
p. 148-155 e 830-860, para a discussão dos termos
gregos traduzidos como “pranteavam” e “lamenta literalmente montava. Muitas vezes ele
vam” . ficava dependurado ali, vivo, durante
vários dias, sujeito à tortura dos elemen Os soldados que levaram a efeito a
tos, insetos, o escárnio dos passantes e a crucificação também juntaram-se à zom
dor e exaustão físicas. A morte era cau baria. Vinagre era o vinho azedo e ba
sada pela fome, sede, estado de choque e rato bebido pelo populacho. Aqui, ele foi
fadiga, pouco sangue, ou mesmo, ne oferecido como escárnio a Jesus, acom
nhum sangue era derramado. Dizer que panhado por um desafio zombeteiro. Os
Jesus “ derramou o seu sangue” significa soldados romanos entendiam Rei dos Ju
que ele deu a vida. Os criminosos foram deus no sentido político. Pensavam em
crucificados um de cada lado de Jesus. Jesus como um pretendente frustrado e
A oração de Jesus pelos seus inimigos derrotado, ao governo de um hipotético
(v. 34) está ausente em várias autorida reino judaico. Este era um Rei do tipo
des excelentes, e alguns estudiosos a jul que não pode salvar-se a si mesmo!
gam uma inserção, feita no texto ori Era costume escrever a acusação, que
ginal. Grundmann (p. 432 e ss.), toda se fizera contra a pessoa executada, em
via, argumenta, persuasivamente, basea uma placa, e afixá-la à cruz, ou depen
do nas evidências intrínsecas, que ela é durá-la ao redor do seu pescoço. De
genuína. Há, por exemplo, uma íntima acordo com a acusação, Jesus foi exe
relação entre as orações de Jesus e de cutado como um rebelde contra Roma.
Estêvão (At. 7:60). A pregação apostóli 3) O Ladrão Penitente (23:39-43)
ca também declara que o povo judeu 39 E n tã o u m d o s m a lfe ito re s q u e e s ta v a m
tinha outra oportunidade para se arre p e n d u ra d o s , b la s fe m a v a d e le , d iz e n d o : N ão
pender, porque a crucificação foi trama é s tu o C risto ? s a lv a -te a ti m e s m o e a n ó s. 40
da em ignorância (At. 3:17). E, sobretu R esp o n d en d o , p o ré m , o o u tro , re p re e n d ia -o ,
do, a oração estava de acordo com o d iz e n d o : N e m a o m e n o s te m e s a D eu s,
e sta n d o n a m e s m a c o n d e n a ç ã o ? 4 1 E nó s, n a
caráter e os ensinamentos de Jesus (cf. v e rd a d e , c o m j u s t i ç a ; p o rq u e re c e b e m o s o
Luc. 6:28), da maneira como são retra q u e o s n o sso s fe ito s m e r e c e m ; m a s e s te
tados nos Evangelhos. Enquanto Jesus n e n h u m m a l fez . 42 E n tã o d is s e : J e s u s ,
ora, os endurecidos soldados decidem, le m b ra -te d e m im , q u a n d o e n tr a r e s no te u
re in o . 43 R e sp o n d e u -lh e J e s u s : E m v e rd a d e
lançando sortes, qual deles ficaria com as
te d ig o q u e h o je e s t a r á s co m ig o n o p a ra ís o .
roupas dele.
O povo observa; as autoridades zom Este é outro episódio contado apenas
bam — a distinção é um toque carac por Lucas, declara: “Também os
terístico de Lucas. Uma vida redentora que com ele foram crucificados o inju-
não era prova suficiente, para os líderes, riavam” (15:32b). (^Aicapconta-nos que
de que Jesus era o Messias. Se ele era o üm deSstes homens percebeu^ auem era
Cristo, precisava prová-lo, usando o seu Jesus. Ele repreendeTTfseíTcompanheiro
poder a favor de si mesmo. Eles não po a ecm n ê^ - dizendo que a hora da morte
diam conceber poder, ou posição, que não é momento apropriado para um cri
não fosse usado em proveito próprio. minoso injuriar um homem inocente.
E, também, não entendiam que salvar-se Tendo sido sentenciados pela corte ro-
é incompatível com salvar os outros. Da mana, eles logo iriam entrar no juízo de
mesma forma, não conseguiam crer que Deus, pelas portas da morte.
Deus permitisse que o seu Escolhido “ t, efffâõ"õ^ãIíèHd5rpêinii1tente se volta
fosse tão humilhado. O seu Deus era para Jesus com um pedido para ser lem
uma projeção dos interesses próprios e brado quando ele vier em seu reino. Al
das idéias deles mesmos. Assim, eles guns bons manuscritos dizem “quando
presumiam que ele agiria da mesma for vieres em teu poder real” . O texto se
ma como eles o fariam, nas mesmas cir guido pela versão da IBB é apoiado por
cunstâncias. excelentes autoridades e se enquadra me-
lhor no contexto. O moribundo pede “o poder das trevas” (22:53) parecia estar
para ser lembrado por ocasião da Parou- sendo vitorioso. O véu do santuário sepa
sia, o que era uma expressão de fé”emj rava o Santo dos Santos do restante do
I Jesus7 como o Messias. {< santuário. O sumo sacerdote o ultrapas
Em sua resposta,(Jesus dá-lhe a certe sava uma vez por ano, para fazer expia
za de que ele não precisava esperar até ção pelos pecados do povo. A ruptura do
data futura, a fim de ser lembrado. véu significou que abrira-se, através de
E possívSTcolòcar a virgula depois de Cristo, um acesso direto a Deus, tornan
hoje, mas a pontuação constante do texto do desnecessária a instituição do sacer
T~è mais apropriada. Portanto, qualquer"! dócio. E, também, isso pode ser conside
\ pessoa que se volta para Jesus, mesmo I rado como augúrio do juízo de Deus
1 que seja no último momento, recebe o J sobre um Templo condenado.
|privilégio de comunhão com ele. A morte A morte de Jesus foi invulgarmente
ê apresentada sob nova luz, visto que ela rápida. Talvez isso se devesse ao efeito do
era necessária para o cumprimento da açoitamento efetuado pelos soldados ro
palavra de Jesus para o moribundo. T a n r manos. Alguns homens morriam sob a
to Jesus como o homem precisavam m oi- chibata. Lucas omite o grito de desam
rer, para que se encpntrassem no Paraí paro, tirado de Salmos 22:1 (cf. Mar.
so, palavra de origem persa, que"significaT 15:34). A última palavra de Jesus, no
céu. Assim, a mcyte não é um a deçreta. terceiro Evangelho, é uma citação de
TelcTcontrári<yé uma^^ext^nencianeces- Salmos 31:5. Mesmo nesta hora final,
sária. se alg u éj^ d e^ ejjy y ^ Jesus não vacila em sua confiança de que
I X“morte é interpretada como entrada n a ! Deus é seu Pai. Além da dor e do deses
I presença de Deus, tanto para Jesus comoí pero, além da solidão e do ódio, estava
I para aqueles que nele crêem. * Deus, esperando para receber o seu Fi
lho.
4) A Morte de Jesus (23:44-49) O centurião era o oficial que havia
supervisionado a execução de Jesus. Ele
44 E r a j á q u a s e a h o r a s e x ta , e h ouve
tr e v a s e m to d a a t e r r a a té a h o ra n o n a , p o is acrescenta o seu veredicto ao de Pilatos e
o sol se e s c u r e c e r a ; 45 ra s g o u -s e a o m e io o Herodes: Na verdade, este homem era
v éu do s a n tu á rio . 46 J e s u s , c la m a n d o co m justo (cf. Mar. 15:39). Desta forma, to
g ra n d e voz, d is s e : P a i, n a s tu a s m ã o s e n dos os representantes oficiais da presença
tre g o o m e u e sp írito . E , h a v e n d o d ito isso , de Roma na Palestina, mencionados na
e x p iro u . 47 Q u an d o o c e n tu riã o v iu o q u e
a c o n te c e ra , d e u g ló ria a D eu s, d iz en d o : N a narrativa, estavam de acordo que um
v e rd a d e , e s te h o m e m e r a ju s to . 48 E to d a s homem inocente fora executado. As mul
a s m u ltid õ e s q u e p r e s e n c ia r a m e s te e s p e tidões deixam a cena, batendo no peito,
tá c u lo , v en d o o q u e h a v iá a c o n te c id o , v o l que era uma expressão de remorso. Os
ta v a m b a te n d o n o p eito . 49 E n tre ta n to ,
todos os co n h ecid o s de J e s u s , e a s m u lh e re s
seguidores de Jesus galileus estavam de
q ue o h a v ia m seg u id o d e sd e a G a lilé ia , e s t a longe, e testemunhavam a crucificação
v a m de lo n g e, v en d o e s ta s c o isa s. e morte de Jesus. As qualificações dessas
testemunhas do Ressuscitado são cuida
Marcos nos informa que Jesus foi cru dosamente indicadas por Lucas: elas o
cificado à “hora terceira” , isto é, às 9 vêem morrer; vêem-no sendo sepultado;
horas da manhã. De acordo com Lucas, e descobrem o seu túmulo vazio. As
dois sinais significativos ocorreram, en mulheres mencionadas aqui eram as re
quanto Jesus estava na cruz. O sol se es feridas em 8:2, e outra vez em 23:55 e
curecera desde o meio-dia até as 3 horas 24:10 (veja o comentário sobre 8:2). Um
da tarde (a hora nona), o que enfatiza o tema antignóstico provavelmente está
significado cósmico da morte de Jesus. presente aqui, pois Lucas empenha-se
Este era um momento fugaz, em que em estabelecer solidamente a identida-
de dAquele que morreu, foi sepultado e dos mortos. Mateus nos diz que José era
ressuscitou. rico (27:57), o que se supõe pelo fato de
que ele possuía um sepulcro escavado em
5) O Sepultamento de Jesus (23:50-56a) rocha. Lucas faz um comentário adicio
50 E n tã o u m h o m e m c h a m a d o J o s é , nal: onde ninguém ainda havia sido pos
n a tu r a l d e A rim a té ia , c id a d e d o s ju d e u s ,
m e m b ro do sin é d rio , h o m e m b o m e ju s to , 51
to. Visto que era novo, era apropriado
o q u a l n ã o tin h a co n sen tid o no c o n selh o e nos para uso tão sagrado.
a to s d o s o u tro s, e q u e e s p e r a v a o re in o de Preparação é a palavra judaica para
D eu s, 52 c h e g a n d o a P ila to s , p e d iu -lh e o sexta-feira. Nessa época do ano, o sá
co rpo d e J e s u s ; 53 e, tira n d o -o d a c ru z , bado começava, aproximadamente, às
envolveu-o n u m p a n o d e lin h o , e pô-lo n u m
se p u lc ro e s c a v a d o e m ro c h a , o n d e n in g u é m 18 horas. Todos os Evangelhos concor
a in d a h a v ia sido p o sto . 54 E r a o d ia d a p r e dam que Jesus foi crucificado na sexta-
p a r a ç ã o , e ia c o m e ç a r o s á b a d o . 55 E a s feira, e que descobriu-se que o túmulo
m u lh e re s q u e tin h a m v in d o c o m e le d a G ali- estava vazio no primeiro dia da semana.
lé ia , se g u in d o a J o s é , v ir a m o se p u lc ro , e
co m o o co rp o foi a li d ep o sita d o . 56 E n tã o As mulheres verificaram Jesus ser sepul
v o lta ra m e p r e p a r a r a m e s p e c ia ria s e u n tado (veja, acima, o v. 49). Especia
g u en to s. rias e ungüentos, substâncias aromáticas
usadas para ungir o corpo dos mortos,
Os cuidados para com o corpo de Jesus foram por elas preparadas antes do sá
foram tomados por parte de uma fonte bado, enquanto esperavam um a primeira
inesperada: de um membro-do próprio oportunidade para uma visita ao túmulo.
sinédrio que haviâ tramado á'crucifica
ção. Geralmente, localiza-se Arimatéia VIII. A Ressurreição de Jesus
na região montanhosa da Judéia, ã no (23:56b-24:53)
roeste de Jerusalém, mas a sua locali
zação exata é desconhecida. A piedade A narrativa da ressurreição, feita por
de José não era parcial ou superficial. Lucas, está dividida em três episódios,
Ele era bom para com os seus conci que são reunidos de forma a formar uma
dadãos, e justo para com Deus; em ou unidade literária conexa, excelentemen
tras palavras, classificando-se com Zaca te construída. Só no primeiro episódio
rias (1:6) e Simeão (2:25). Lucas explica se encontram paralelos com os outros
que José não havia concordado com os Evangelhos, mas até esta unidade é pe
outros membros do sinédrio, no planeja culiar. Em dois lugares significativos,
mento e execução do seu plano de se encontramos variações da história, con
livrarem de Jesus. Além do mais, como tada por Marcos, a respeito do sepulcro
Simeão (2:25), ele estava esperando an vazio: (1) em Marcos, o anjo diz, às
siosamente o cumprimento das palavras mulheres, para contarem aos discípulos a
proféticas a respeito do reino de Deus. mensagem de que Jesus os encontraria na
Isto pode explicar o seu interesse em Galiléia (Mar. 16:7; cf. Luc. 24:6,7).
Jesus, que havia proclamado a proximi (2) De acòrdo com Marcos 16:8, as mu
dade do reino. lheres “não disseram nada a ninguém,
Como homem justo, pode também ser porque temiam” (cf. Luc. 24:9). Mas o
que José tivesse sido motivado pelo man relato feito por Marcos naturalmente
damento para não se deixar o corpo de pressupõe que as mulheres mais tarde
um homem executado dependurado no contaram a história, pois, se não, ela não
madeiro de um dia para outro (Deut. poderia ter encontrado maneira de figu
21:23). Ele requisitou e recebeu permis rar no Evangelho.
são de Pilatos para sepultar Jesus. O cor As histórias restantes são encontradas
po nu foi envolvido em um pano de li apenas em Lucas. Elas têm como palco
nho, lençol com que se envolvia o corpo Jerusalém ou suas circunvizinhanças.
A forma de apresentação é determinada, maior do que a jornada de um sábado do
em grande parte, por certos temas e lugar onde estavam hospedadas.
conceitos de Lucas. Em Lucas, as ações De acordo com Lucas e Marcos, o ob
na vida de Jesus se movem da Galiléia jetivo, para as mulheres se dirigirem ao
para Jerusalém. A capital judaica, des túmulo, foi embalsamar o corpo de Jesus
ta forma, se tom a o centro, do qual com especiarias. Marcos diz que elas
começa o testemunho da igreja primitiva. “passado o sábado... compraram aro
O fluxo da ação se faz de Jerusalém para mas” (16:1). Elas foram bem de m a
Roma, no livro de Atos. Conseqüente drugada, logo que houve um pouco de
mente, Lucas não relata nenhum apare luz que as capacitasse a ver. O primeiro
cimento de Jesus na Galiléia. Se tivésse dia da semana havia começado às seis
mos apenas este Evangelho, seriamos horas da tarde do sábado, cerca de doze
forçados a concluir que Lucas concebia horas antes.
que todas as experiências que registrou A pesada pedra colocada na entrada
haviam ocorrido no domingo da ressur do túmulo protegia o corpo da profana
reição, chegando ao apogeu na ascensão. ção por animais; ela estava afastada da
Mas, em Atos, ele fala de aparições entrada, quando elas chegaram. Dentro,
durante um período de quarenta dias, não havia corpo nenhum. Muitas autori
antes da ascensão. dades fazem seguir a palavra corpo pela
frase “ do Senhor Jesus” , título que não
1. As Mulheres Vão ao Sepulcro
(23:56b-24:ll) se encontra em outros lugares, nos Evan
gelhos. Esta é a primeira, de várias re
E n o s á b a d o re p o u s a ra m , c o n fo rm e o
m a n d a m e n to .
dações deste capítulo, omitidas pelas
1 M a s j á no p rim e iro d ia d a s e m a n a , b e m fontes textuais Ocidentais, a maior parte
d e m a d r u g a d a , fo r a m e la s a o se p u lc ro , das quais se julga, geralmente, que sejam
le v a n d o a s e s p e c ia r ia s q u e tin h a m p r e p a interpolações.
ra d o . 2 £ a c h a r a m a p e d r a re v o lv id a do O fato de não terem encontrado o
se p u lc ro . 3 E n tra n d o , p o ré m , n ã o a c h a r a m
o c o rp o do S e n h o r J e s u s . 4 E , e sta n d o e la s corpo produz perplexidade, e não fé.
p e rp le x a s a e s s e re s p e ito , e is q u e lh e s a p a A narrativa da ressurreição, em Lucas,
r e c e r a m d o is v a rõ e s e m v e s te s re s p la n d e enfatiza que a tumba vazia, por si mes
c e n te s : 5 e , fic a n d o e la s a te m o riz a d a s e ma, não é prova de ressurreição. A cren
a b a ix a n d o o ro s to p a r a o c h ã o , e le s lh e s
d is s e r a m : P o r q u e b u s c a is e n tr e os m o rto s
ça na ressurreição é baseada no apare
a q u e le q u e v iv e ? 6 E le n ã o e s t á a q u i, m a s cimento do Senhor ressurrecto. Mas
re s s u rg iu . L e m b ra i-v o s d e c o m o v o s fa lo u , também era importante que a igreja mos
e sta n d o a in d a n a G a lilé ia , 7 d ize n d o : I m trasse que fora o próprio corpo de Je
p o r ta q u e o F ilh o do h o m e m s e j a e n tre g u e sus de Nazaré que ressuscitara, a fim de
n a s m ã o s d e h o m e n s p e c a d o re s , e s e ja c ru c i
ficad o , e a o te r c e ir o d ia r e s s u r ja . 8 L e m contrariar as especulações dos gnôsticos.
b r a r a m - s e , e n tã o , d a s s u a s p a la v r a s ; 9 e, Dois homens vestidos como mensagei
v o ltan d o do s e p u lc ro , a n u n c ia r a m to d a s ros celestiais explicam o significado do
e s ta s c o is a s a o s onze e a to d o s os d e m a is. sepulcro vazio. Marcos 16:5 diz “um
10 E e r a m M a r ia M a d a le n a , e J o a n a , e
M a ria , m ã e d e T ia g o ; ta m b é m a s o u tr a s
moço” . Lucas tem predileção por pares,
q u e e s ta v a m c o m e la s r e l a ta r a m e s ta s em consonância com o tema de testemu
c o is a s a o s a p ó sto lo s. 11 E p a re c e r a m -lh e s nhas, tão proeminente em seus escritos.
com o u m d e lírio a s p a la v r a s d a s m u lh e re s e Por ocasião da ascensão, “ dois varões
n ã o lh e s d e r a m c ré d ito . vestidos de branco” também aparecem
de novo (At. 1:10), para definir a atitude
Ê explicado que a obediência à lei adequada da igreja em relação à partida
judaica a respeito do sábado impediu que e à volta do seu Senhor. Leaney (p. 291 e
as mulheres se dirigissem ao sepulcro, s.) sustenta que os dois homens servem
talvez porque ele ficasse à distância para ligar a ressurreição com a transfi
guração. Ele os identifica com Moisés e vêem-no ser sepultado e descobrem a
Elias. sepultura vazia. O versículo 12 , omitido
Os mensageiros disseram às mulheres nas autoridades Ocidentais, é, provavel
que elas se dirigiram para o lugar errado, mente, uma interpolação, baseada em
ao procurarem Jesus. Visto que ele estava João 20:4-6.
vivo, não devia ser procurado em um
2. A Aparição a Dois Discípulos
sepulcro. Algumas autoridades incluem:
(24:13-35)
“ele ressurgiu; não está aqui” , uma in
terpolação clara de Marcos 16:6. 1) A Conversa no Caminho de Emaús
Em Marcos as mulheres recebem ins (24:13-27)
truções para dizerem aos “seus discípu 13 N e sse m e s m o d ia , ia m d ois d e le s p a r a
los e a Pedro” que Jesus os encontraria u m a a ld e ia , c h a m a d a E m a ú s , q u e d is ta v a
na Galiléia (16:7). Lucas, todavia, res de J e r u s a lé m s e s s e n ta e s tá d io s ; 14 e ia m
c o m e n ta n d o e n tr e si tu d o a q u ilo q u e h a v ia
tringe a sua narrativa da ressurreição a su c e d id o . 15 E n q u a n to a s s im c o m e n ta v a m e
Jerusalém. As mulheres são levadas a d is c u tia m , o p ró p rio J e s u s se a p ro x im o u , e
lembrar que Jesus havia predito a res ia co m e le s ; 16 m a s o s olhos d e le s e s ta v a m
surreição durante o seu ministério na com o q u e fe c h a d o s, d e s o r te q u e n ã o o re c o
Galiléia (Luc. 18:32,33). Elas lembra n h e c e ra m . 17 E n tã o e le lh e s p e rg u n to u : Que
p a la v r a s sã o e s s a s q u e , c a m in h a n d o , tr o
ram-se, entio, das suas palavras, isto é, c a is e n tr e v ó s? E le s e n tã o p a r a r a m tr is te s .
então elas interpretaram o túmulo vazio 18 E u m d e le s , c h a m a d o C leo p as, resp o n -
à luz da profecia de Jesus. As mulheres d e u -lh e : É s tu o ú n icó p e re g rin o e m J e r u
entenderam que o corpo não fora removi s a lé m q u e n ã o so u b e d a s c o is a s q u e n e la tê m
do, mas que Jesus ressuscitara. Mediante su ced id o n e s te s d ia s ? 19 Ao q u e e le lh e s
perguntou*: Q u a is? D is s e ra m -lh e : A s q u e
a narrativa, presumimos que os discípu d iz e m re s p e ito a J e s u s , o n a z a re n o , q u e foi
los haviam estado juntos durante aquele p ro fe ta , p o d e ro so e m o b ra s e p a la v r a s d i
período. Voltando a eles, aos onze e a n te d e D e u s e d e to d o o p o v o ; 20 e c o m o os
todos os demais, elas divulgaram o que p rin c ip a is s a c e r d o te s e a s n o ss a s a u to r i
d a d e s o e n tr e g a r a m p a r a s e r c o n d e n a d o à
haviam experimentado. Mas a sua narra m o rte , e o c ru c ific a ra m . 21 O ra, n ó s e s p e r á
tiva foi recebida como fantasia. Pode v a m o s q u e fo sse e le q u e m h a v ia d e r e m ir
mos ver aqui uma expressão da polêmica I s r a e l; e, a lé m de tu d o isso , é j á h o je o
que havia na igreja primitiva. Os ini te r c e ir o d ia d e sd e q u e e s s a s c o is a s a c o n te
c e ra m . 22 V e rd a d e é, ta m b é m , q u e a lg u m a s
migos do cristianismo possivelmente ca m u lh e re s do n o sso m e io n o s e n c h e ra m de
racterizaram o relato da ressurreição e s p a n to ; p o is fo r a m d e m a d r u g a d a a o s e
simplesmente como um conto emocional p u lc ro 23 e , n ã o a c h a n d o o c o rp o d ele , v o lta
de mulheres emocionadas, iludidas. A r a m , d e c la ra n d o q u e tin h a m tid o u m a v isã o
narrativa revela que esta foi exatamente d e a n jo s q u e d iz ia m e s t a r e le vivo. 24 A lém
d isso , a lg u n s d o s q u e e s ta v a m conosco
a reação dos primeiros discípulos. Eles fo ra m a o se p u lc ro , e a c h a r a m s e r a s s im
não creram nas mulheres enquanto não com o a s m u lh e re s h a v ia m d ito ; a e le , p o
se convenceram da ressurreição por sua ré m , n ã o o v ir a m . 25 E n tã o e le lh e s d is s e :
experiência pessoal, deles mesmos. Ó n é scio s, e ta r d o s d e c o ra ç ã o p a r a c re r d e s
tu d o o q u e os p ro f e ta s d is s e ra m ! 26 P o r v e n
Três das mulheres são mencionadas tu r a n ã o im p o rta v a q u e o C risto p a d e c e s s e
nominalmente, duas das quais haviam e s s á s c o is a s e e n tr a s s e n a s u a g ló ria ? 27 E ,
sido jâ nomeadas em 8:3. Marcos men c o m e ç a n d o p o r M o isés, e p o r to d o s os p r o
ciona Maria Madalena, Maria, mãe de fe ta s , e x p lic o u -lh e s o q u e d e le se a c h a v a e m
Tiago, o Menor, e de José, e Salomé, to d a s a s E s c r itu r a s .
como testemunhas da crucificação (15:
40). Sô Lucas menciona Joana, ao mes O restante da narrativa de Lucas, a
mo tempo que não se refere a Salomé. respeito da ressurreição, é peculiar a
Estas são as testemunhas galiléias que o Lucas. Dois deles fazem parte do grupo
seguem até Jerusalém, vêem-no morrer, de discípulos que havia ouvido a narra
tiva das mulheres, mas não iazem parte a missão do Messias como sendo a reden
dos onze (v. 33, adiante). Nesse mesmo ção de Israel de sua sujeição a Roma.
dia é o dia em que se descobrira que o Para eles, portanto, a sua morte sig
sepulcro estava vazio. A localização de nificou que ele não era o redentor de
Emaús é incerta, mas pode ser a aldeia Israel.
moderna de Kolonieh. Havia um outro elemento na história.
Quando Jesus se aproximou dos discí O corpo imolado de seu líder não fora
pulos no caminho de Emaús, eles não o achado no sepulcro. As mulheres o ha
reconheceram. O relato de Lucas acerca viam encontrado vazio, e haviam relata
da ressurreição enfatiza a continuidade do um encontro com aitfos, que afirma
entre o Jesus crucificado e o ressurrecto, ram que Jesus estava vivo. Alguns dos
mas também indica que havia uma dife que estavam conosco, a saber, dos dis
rença. Aqui a interpretação é de que os cípulos, haviam verificado que pelo me
olhos deles estavam como que fechados, nos parte da história das mulheres era
de sorte que não o reconheceram, ou verdade: de fato o túmulo estava vazio.
seja, isso fazia parte do plano divino. A Mas um túmulo vazio não fora conside
sua ignorância a respeito da identidade rado como prova de que Jesus ressusci
do seu companheiro propiciou uma opor tara dentre os mortos.
tunidade para que ele lhes expusesse o Jesus acusou os dois discípulos de não
significado das experiências acerca das terem conseguido crer tudo o que os pro
quais eles estavam falando. fetas disseram. Por essa razão, eles ti
Os dois ficaram admirados por neces nham um conceito distorcido a respeito
sitar o estranho perguntar acerca do as da vida e da missão do Messias. Duas
sunto de sua discussão. Ês tu o único coisas eram essenciais: (1) que o Cristo
peregrino também pode ser traduzido padecesse e (2) que entrasse na sua gló
como: “és tu a única pessoa de tal forma ria. Jesus então ensinou o que as Escri
estranha em Jerusalém” , etc. A sua apa turas dizem, isto é, expôs a necessidade
rente ignorância fez com que eles con do sofrimento como um prelúdio para a
cluíssem que ele chegara depois que ha glória. Moisés era uma designação con
viam acontecido esses fatos, que haviam temporânea da Torah. Os profetas eram
perturbado a cidade. a segunda das três principais seções das
A reação deles, ao pedido de infor Escrituras Hebraicas aceitas, como sen
mações, demonstra que eles haviam en do de autoridade, pelos fariseus e pela
tendido a crucificação como a frustração maioria do povo judeu. Em cada seção
das grandes esperanças que haviam sido das escrituras há coisas que se acham ali,
inspiradas por Jesus. Ele era um profeta; a respeito de Jesus (cf. v. 27, o que dele se
a sua morte não mudou neles essa convic achava), à luz das quais os discípulos
ção. Ele demonstrara ser profeta tanto podiam interpretar os acontecimentos re
em obras quanto em palavras. Diante de centes.
Deus e de todo o povo significa aos olhos 2) O Reconhecimento em Emaús
de Deus ou segundo a sua estimativa, (24:28-35)
tanto quanto conforme a opinião públi
28 Q u ando se a p r o x im a r a m d a a ld e ia
ca. O poder evidente de Deus, expresso p a r a o n d e ia m , e le fez co m o q u e m ia p a r a
na vida de Jesus, era um sinal de apro m a is lo n g e. 29 E le s , p o ré m , o c o n s tra n g e
vação divina para o seu ministério. r a m , d iz e n d o : F ic a c o n o sc o ; p o rq u e é ta r d e ,
A responsabilidade pela morte desse pro e j á d eclin o u o d ia . E e n tr o u p a r a f ic a r com
feta é colocada, mais uma yez, sobre os e les. 30 E s ta n d o co m e le s à m e s a , to m o u o
p ã o e o a b e n ç o o u ; e p a rtin d o -o , lho d a v a .
ombros dos líderes judeus. 31 A b rira m -s e -lh e s e n tã o os o lhos, e o re c o
Os discípulos haviam esperado que ele n h e c e ra m ; n is to e le d e s a p a r e c e u d e d ia n te
fosse o Messias. Mas eles concebiam d e le s. 33 E d is s e ra m u m p a r a o o u tro : P o r
v e n tu r a n ã o se n o s a b r a s a v a o c o ra ç ã o , as aparições aos doze, a “mais de qui
q u an d o p elo c a m in h o n o s fa la v a , e q u an d o nhentos irmãos” , a Tiago, a “todos os
n os a b r i a a s E s c r itu r a s ? 33 E n a m e s m a
h o ra le v a n ta ra m -s e e v o lta ra m p a r a J e r u apóstolos” e depois ao próprio Paulo.
sa lé m , e e n c o n tr a r a m re u n id o s os onze e os 3. A Aparição em Jerusalém (24:36-53)
q ue e s ta v a m co m e le s, 34 os q u a is d iz ia m :
R e a lm e n te o S en h o r r e s s u rg iu , e a p a re c e u 1) A Prova da Ressurreição (24:36-43)
a S im ão . 35 E n tã o os do is c o n ta r a m o que
a c o n te c e ra no c a m in h o , e co m o se lh e s fi 36 E n q u a n to a in d a f a la v a m n isso , o p ró
z e ra co n h e c e r no p a r t i r do p ã o . p rio J e s u s se a p re s e n to u no m e io d e le s, e
d is se -lh e s: F a z s e ja co n v o sco . 37 M a s e les,
e s p a n ta d o s e a te m o riz a d o s , p e n s a v a m que
O “ desconhecido expositor” das Es v ia m a lg u m e sp írito . 38 E le , p o ré m , lh e s
crituras foi constrangido a ficar com os d is s e : F o r q u e e s ta is p e rtu rb a d o s ? e p o r que
discípulos em Emaús, pois o (lia estava su rg e m d ú v id a s e m v o sso s c o ra ç õ e s ? 39
quase terminado. E só quando ele estava O lh ai a s m in h a s m ã o s e o s m e u s p é s , q u e
sou e u m e s m o ; a p a lp a i-m e e v e d e ; p o rq u e
à mesa com eles, e foi restaurada a velha u m e s p írito n ã o te m c a rn e n e m o sso s, com o
comunhão, é que os dois homens final p e rc e b e is q u e eu te n h o . 40 E , dizen d o isso ,
mente reconheceram Jesus. Quando ele m o stro u -lh e s a s m ã o s e os p é s. 41 N ão a c r e
havia alimentado as multidões, revelara, d ita n d o e le s a in d a , p o r c a u s a d a a le g r ia , e
aos discípulos, quem era, ao abençoar e e sta n d o a d m ira d o s , p e rg u n to u -lh e s J e s u s :
T e n d es a q u i a lg u m a c o is a q u e c o m e r? 42
partir o pão (9:16). Esta foi a maneira E n tã o lh e d e r a m u m p e d a ç o de p e ix e a s s a
pela qual ele foi conhecido na comunhão do, 43 o q u a l e le to m o u e c o m e u d ia n te d e le s.
da ressurreição. Quando os crentes se A
reúnem ao redor da mesa, conhecem-no Enquanto ainda falavam nisso, coloca,
como o centro- 3e” sua” comunhão e a_ a aparição de Jesus aos discípulos reuni
essência de seu ser. Quando o seu corpo dos, na noite da primeira Páscoa. Ê Je
saiu da tumba, o seu corpo, a Igreja, sus que se apresenta no meio deles. O
também recebeu vida. O testemunho principal objetivo da passagem é enfati
desta alegre comunhão com ele e de uns zar a corporalidade do corpo ressuscita
com os outros é, até hoje, a maior “pro do e a identidade entre o Ressuscitado e o
va” da ressurreição. Depois de abençoar Jesus de Nazaré. De acordo com alguns
e partir o pão, Jesus desapareceu. Como manuscritos, Jesus saudou os discípulos
resultado de sua morte e ressurreição, a com a fórmula: “Paz seja convosco.”
comunidade cristã não depende mais da Mais provavelmente, isto é uma interpo
sua presença física (Leaney, p. 293). lação de João 20:19b.
à luz desta nova revelação, os dois Os discípulos a princípio pensaram
discípulos se recordaram dos aspectos que um espírito lhes aparecera. Esta
incomuns de sua experiência com Jesus idéia era idêntica ao dogma gnóstico, que
na estrada de Emaús: os seus corações negava qualquer relação entre o Cristo,
haviam-se abrasado dentro deles, en que é puro espírito, e a carne, que é
quanto ele lhes interpretava as Escritu essencialmente má. Mas isto é apresenta
ras. Imediatamente eles voltaram a Jeru do claramente como um erro. O verbo
salém, para compartilhar com os outros pensavam ver enfatiza que essa idéia
discípulos as alegres notícias de que Jesus inicial era contrária aos fatos. Este episó
estava vivo. No entanto, eles descobri dio participa dos temas da literatura joa
ram que os outros também criam que nina, que também repudiava o erro gnós
Jesus ressuscitara, devido ao testemunho tico. Os discípulos foram convidados a
que Pedro lhes dera (cf. 22:32). Na lista, verificar e sentir e apalpar, a fim de con
feita por Paulo, das aparições do Cristo cluir que se tratava realmente um corpo
ressuscitado a discípulos, ele menciona, de carne e ossos, e não de um espírito (cf.
em primeiro lugar, a aparição a Cefas I João 1:1). O versículo 40 é rejeitado por
(I Cor. 15:5). Em seguida, ele menciona algumas traduções, por estar ausente em
algumas testemunhas Ocidentais, sendo por se cumprir. O evangelho precisava
considerado uma interpolação de João agora ser pregado a todas as nações.
20:20. A época da igreja também é prevista nas
Mas o convite para olhar e apalpar Escrituras (cf. Luc. 2:32; 3:6; At. 13:47,
não convenceu totalmente os discípulos etc.). Lucas não compreende a história
de que a sua suposição inicial estava da salvação em termos dos três períodos
errada. Não acreditando eles ainda, por (Conzelmann, p. 16), mas em termos de
causa da alegria é característica do Evan apenas dois períodos. O primeiro é o
gelho, que mostra os apóstolos sob a luz tempo da profecia. O segundo, o tempo
mais favorável possível. Eles tinham difi do cumprimento, que tem higar em dois
culdade em aceitar o fato incrível, mara estágios. Primeiro há o cumprimento da
vilhoso, da ressurreição. As dúvidas deles Escritura na vida de Jesus. Subseqüente
só se dissiparam quando Jesus comeu um mente, há o cumprimento na vida da
pedaço de peixe assado... diante deles. Igreja. É claro que isto tem o efeito de
2) Interpretação da Escritura (24:44-49) separar a vida de Jesus da Parousia.
É digno de nota o fato de que em toda
44 D epois lh e s d is s e : S ão e s ta s a s p a la v r a s esta seção pós-ressurreição, em Lucas,
que v ó s fa le i, e s ta n d o a in d a convosco, q u e não há absolutamente nenhuma palavra
im p o rta v a q u e se c u m p ris s e tu d o o q u e d e
m im e s ta v a e s c r ito n a L e i d e M o isés, n o s
a respeito da vinda de Jesus. A ênfase é a
P ro f e ta s e no s S a lm o s. 45 E n tã o lh e s a b r iu o sua entrada na glória, e não a sua volta
e n te n d im e n to p a r a c o m p re e n d e re m a s esperada. No desvendamento do plano
E s c r itu r a s ; 46 e d is se -lh e s: A ssim e s t á e s divino, a Igreja precisa desempenhar pa
c rito q u e o C risto p a d e c e s s e , e a o te rc e iro
d ia re s s u rg is s e d e n tr e os m o r to s ; 47 e que
cientemente a sua parte, e deixar o fim
e m se u n o m e se p re g a s s e o a rre p e n d im e n to da história nas mãos de Deus (At. 1:7,8).
p a r a re m is s ã o d o s p e c a d o s, a to d a s a s n a O evangelho deve ser pregado aos gen
ções, c o m e ç a n d o p o r J e r u s a lé m . 48 Vós so is tios em seu nome. Como apóstolos para
te s te m u n h a s d e s ta s c o is a s. 49 E e is q u e as nações, os crentes sãó representantes
so b re v ó s en v io a p ro m e s s a d e m e u P a i ;
ficai, p o ré m , n a c id a d e , a té q u e d o a lto
do seu Senhor. A sua missão se processa
s e ja is re v e s tid o s d e p o d e r. debaixo da autoridade dele. Eles não
precisam apelar para nenhuma autori
Em sua última reunião com os discí dade mais alta, como justificação para
pulos, registrada no terceiro Evangelho, o fato de estarem conclamando os ho
Jesus lhes apresentou a perspectiva cor mens ao arrependimento (At. 2:38). Na
reta para a interpretação da Escritura. pregação do evangelho, eles estão agindo
Este é o único lugar em o Novo Testa de açordo com a vontade dele. Jerusa
mento em que os salmos são menciona lém devia ser o ponto de partida para a
dos juntamente com a lei e os profetas. missão que alcançaria todas as nações do
Eles constituíram uma das mais abun mundo.
dantes fontes de textos messiânicos para Aqueles que haviam acompanhado Je
a igreja primitiva. Naturalmente, nem sus desde a Galiléia, que o haviam visto
todas as escrituras hebraicas podem ser morrer, e a quem ele aparecera, tinham
relacionadas com o sofrimento e ressur uma função especial na obra redentora
reição de Jesus. O que Jesus ajudou os de Deus. Eles eram as testemunhas des
discípulos a entender foi o que dele se tas coisas, o fundamento para a confia
achava em todas as Escrituras. bilidade histórica do evangelho. Que um
Porém agora o tema da profecia e seu homem como Jesus viveu, que ele mor
cumprimento foi levado um passo adian reu, e que ele ressurgiu dentre os mortos,
te. O que fora escrito a respeito de Jesus era fato autenticado pelo seu testemu
se cumprira. Ainda permanecia, contu nho. Lucas declara que o fundamento do
do, uma expectativa profética que estava seu Evangelho é a mensagem dessas “tes-
temunhas oculares e ministros da pala rativa acerca da ressurreição, encontra
vra" (1:1-4). da no Evangelho, o autor não é governa
O Senhor enviará da glória a promessa do pelo desejo de apresentar uma se
de meu Pai. Como é interpretado em qüência cronológica, das experiências
Atos, esta promessa é a mensagem de pós-ressurreição dos discípulos, à manei
Joel invocada por Pedro no dia de Pente ra de uma reportagem noticiosa moder
costes (At. 2:16 e ss.). O Senhor da Igreja na. Ele é dominado principalmente pela
está na glória, mas a Igreja não é deixada necessidade de concluir a história de
sem direção. O vácuo deixado pela remo Jesus de maneira apropriada, focalizan
ção da presença física de Jesus será pre do certos temas indispensáveis.
enchido pelo Espírito. Os discípulos fo Jerusalém e o Templo ainda eram os
ram instruídos para não saírem de Jeru centros da vida e da adoração dos cren
salém enquanto não fossem revestidos de tes. A comunidade cristã ainda era judai
poder do alto. Jerusalém, a cidade na ca. A instituição central do judaísmo
qual a Igreja precisava começar a sua ainda era de grande importância para a
missão, era também o lugar onde ela sua vida e adoração. E também, a pri
seria equipada para tanto. Depois da ex meira tarefa da comunidade seria con
periência do Pentecostes, os crentes pos frontar Jerusalém com a mensagem do
suiriam recursos de forças e liderança evangelho, e dar à cidade que crucifi
para a sua tarefa. cara Jesus ainda outra oportunidade
3) A Despedida Final (24.50-53) para se arrepender e reivindicar a pro
messa de Deus, tornando-se parte do
50 E n tã o os lev o u fo r a , a té B e tã n ia ; e, Novo Israel (At. 2:38,39).
le v a n ta n d o a s m ã o s , o s ab e n ç o o u . 5 1E a c o n
te c e u q u e , e n q u a n to os a b e n ç o a v a , a p a rto u - Desesperança e frustração se transfor
se d e le s ; e foi ele v a d o a o cé u . 52 E , d ep o is de maram em alegria, verdadeiro júbilo,
o a d o r a r e m , v o lta ra m co m g ra n d e jú b ilo pela fé, da parte dos discípulos, na res
p a r a J e r u s a lé m ; 53 e e s ta v a m c o n tin u a surreição. Agora eles compreendiam
m e n te no te m p lo , ben d ize n d o a D eu s.
como a vontade e o propósito de Deus
A narrativa da ressurreição foi encai eram melhores e mais altos do que a sua
xada no Evangelho, no que parece ser o própria compreensão inicial, limitada e
período de um dia — a primeira Páscoa. distorcida, a respeito dela. E, assim, eles
Depois de abençoar os discípulos, Jesus ofereceram o sacrifício de louvor ininter
apartou-se deles. Alguns manuscritos rupto a Deus, que lhes mostrara como o
acrescentam a frase: e foi elevado ao céu. sofrimento e a glória estão ligados indis
Esta interpolação provavelmente inter soluvelmente. O seu Senhor fora exal
preta corretamente o verso 51, como uma tado à mão direita de Deus. De lá, ele
descrição da ascensão de Jesus, embora lhes acenava, enquanto eles também ca
não possamos tirar uma conclusão dog minhavam, através do sofrimento, para a
mática. Em sua recapitulação do minis glória, em obediência ao propósito que
tério de Jesus aos discípulos depois da ele havia colocado diante deles (cf. Rom.
ressurreição, Lucas diz que as suas apari 8:17). A história dessa peregrinação
ções a eles aconteceram durante um pe triunfante ainda está por ser contada no
ríodo de quarenta dias (At. 1:3). Na nar livro de Atos.
- » cr foui'
flW Sidon /í s v . SÍRIA
D am asco •
: -■: - t iSàt&ft,
■'T* J A r ' - ^ '4
|# T i r o
O Grande Mar
(Mediterrâneo)
João
João
WILLIAM E. HULL
j- Possivelmente, João escreveu logo após a |^_8:48) compartilha, com alguns elementos
E r Q-j* Tl CO -> D fz -lr Císs *rv%
<<^.4-fa) ■fjUTfafaj
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/
V de Lucas (9:52; 10:30-37; 17:11-19), é passou o judaísmo da Diáspora, isto é, de
& um interesse pelos samaritanos (sò men trazer não-judeus a uma religião radica
•Ng cionado aqui, exceto a referencia nega da na fé hebraica do Velho Testamento,
tiva de Mateus 10:5). Morando nas re e, ao mesmio tempo, tentar convertej;
giões montanhosas centrais da Palestina, judeus helenistas. Há muitas indicações
8 entre a Judéia e a Galiléia, este grupo foi de que o QuãrtcT Evangelho, mais que
sempre marginalizado pelo judaísmo qualquer outro, adaptou alguns dos mé-
^ a d O éü s casamentos todos que tinham sido desenvolvidos pelo p i L-
mter-raciais, sua teologia sincretista e[ judaísmo helerilsta como resposta ao seu '
seu desafiador centro de cultos. Como os a mbiente pagã o .I s to pode ser visto me-
tf
sectários essênios, os samaritanos diziam íhor mediante uma comparação entre.
conservar a fê israelita delorm a mais fiel João e a Sabedoria de Salomão (na Apó
que qualquer outro grupo judeu; eles, crifa do Velho Testamento) e os escritos
por exemplo, veneravam a edição que de Filo, ambos produzidos pelo judaísmo
fizeram da Torah (Pentateuco) como a alexandrino, pouco antes e durante o
única expressão verdadeira das Escri primeiro século cristão. A doutrina do
turas. Lógos, no Prólogo, por exemplo, partURar'
Diferentemente da comunidade de “com estas obras a preocupação de falar
Qumran, todavia, não foram aceitos, dos atributos e dos atos divinos de uma
pelos judeus, como membros legítimos forma tão perfeita que permitisse fazer
m Pcasa de Israel: assim é que Josefo a passagem para o mundo dÕ~pensa
pensou seriamente em tornar-se um mento pagão (veia o comentário sobre
essênio (Vida, 10-12), embora nunca 1:1-18).
tenha pensado em ser um samaritano.
Como os primeiros cristãos tiveram que 3. O Cenário Greco-Romano
se separar do judaísmo, eles se viram na r 1oão entendeu que traduzir uma men
mesma~posiçao que os samaritanos, no sagem para uma nova situação exige uma
s"entido deferem considerados nem to adaptação criativa dos elementos con^
talmente judeus e nem totalmente pa _ceituais presentes nesse ambiente. Che
gãos. gamos, agora, ao ponto em que o Quarto
-3 É digno de nota que o interesse pri-, Evangelho interagiu com certos quadros
■<3 meiro de, João pelos samaritanos gira em do pensamento pagão, a tim ae penetrar^
a torno da transformação do culto dò tem lhe de modo cabal com os_ ensinos de
plo (4:16-26), que é tambem o mesmo Cristo, j—p IrcsS e
interesse de Qumran. Os estudiosos A Filosofia Grega — No primeiro sé
Ci começam a compor as peças das evi culo, a filosofia clássica de Platão tinha-
dências, o que poderá estabelecer os se tornado uma visão quase religiosa, que
liames históricos entre os samaritanos, superava cada vez mais as mitologias
os helenistas de Estevão, o judaísmo não- politeístas. Este monismo popular, em
conformista de Qumran e o grupo joa bora fosse disseminado por intérpretes
nino responsável pelo capítulo 4, espe itinerantes, não chegou a ser uma reli
cialmente no ponto em que há uma ati gião institucional, mas fez um contun
tude comum em relação ao Templo . 4 dente apelo aos cidadãos instruídos dos
O Judaísmo Helenista — Quando a centros cosmopolitas do mundo hele-
Igreja começou a entrar no mundo greco- nístico.
romano, seus primeiros missionários Há muitas indicações de que o Evan
enfrentaram o mesmo desafio por que gelho de João foi sensível a esta situação.
Para dialogar com o conceito platônico,
4 Oscar Cullmann, “ A New Approach to the Interpreta*
tion of the Fourth Gospel” , The Expository Times, 71
de um mundo invisível de realidades eter-
(1959), p. 8-12, 39-43. nas,■em ^posição ao mundo visível, que
era sua reprodução imperfeita e efêmera, mento aparentes no mundo, com um
Jesus é apresentado, em 8:23, como “de
cima” (ek tõn anõ), e seus adversários para com os outros.
como “ de baixo’’ (ek tõn katõ). Idéias O quarto evangelista parece ter real
semelhantes aparecem em 3:31 e em çado as características de Cristo que
18:36. O adjetivo “verdadeiro” (aléthi- confirmassem as melHÕres^expressoes do
nos), usado com muita frequência, pode estoicismo. Neste ~ Evangelho. Tesus é
ter tomado a conotação de “real” ou apresentado fundamentalmente não
“arquétipo” , quando empregado junto como um H Õ ^inêirW Tns^^F^^gÕ fêr
com luz (1:9). pão (6:32) e vinho (15:1). (o termo “compaixão” não ocorre ne- -
Ao mesmo tempo, d sentí3õ~?ilosófico nhuma vez em João) mas como um Filho ^
não era a primeira preocupação, porque j divino e auto-suficiente (10:17,18), que 3^ 5f
a intenção centrãT~era ligar a luz, ao tinha o controle de todas as suas mani-
pão e o vinho “verdadeiros” não ao festações humanas (2:4; 6:15; 7:3-9; .1
mundo ideal, de cima, mas à pessoa 11:3-7), que enfrentou todas as s u a s ^ '|
histórica de Jesus Cristo. dores com o equilíbrio de um rei (como, |
Esta cautela sugere que o Evangelho por exemplo, no Getsêmane; veja o co- 5^
de João não estava interessado em pêdir mentário sobre 18:1-19:42), que, e m " W
emprestado e em polemizar. Um filósofo meio às tribulações, outorgava “paz” í*
r i cépticÕf compreenderia que seu autor aos seus discípulos (14:27; 16:33), e 3.“
estava consciente de e interessado em seus que se entregou completamente aos seus
problemas, mas sabia também que estai irmãos (13:1, 34) e ao bem dos outros \
va apresentando uma resposta decisi (5:17).
vamente nova. Esta inclepincfência, en Nada disto quer dizer, no entanto, que
tretanto, não se constituiu, de modo
algum, uma indiferença para com outros O Deus deste Evangelho é claramente
esforços de resolver os grandes proble pessoal,
-- e nãofpanEêüfãn
I -- --- -- t Embora l ---- ^ ^
mas da existência humana. O evangelis- nente/no mundo num sentido revelatorio
r ta encontrou ”nÕ™platonismo popular,
elementos que realçavam sua apresen
(1:3, 4,9), primeiramente ele se encar £ sA ‘
nou, no mundo, num sentido redentor,
fWtí 'Lt
tação de Cristo aos gregos, sem com- que conheceu a realidade total da dor e
premeter a integridade de sua mensa da angústia (11:33, 35, 38; 12:27; 13:21).
gem. — O ministério de Jesus foi conduzido pela
O Estoicismo 5 — Fiel ao espírito vontade de Deus (4:34), e não por algum
eclético 1 do período neotestamentário, determinismo natural. O evangelista^ M
uma espécie de “estoicismo platonizan- aproxim ou-se propositadam ente do / 0 1C)4 _
Todos os quatro Evangelhos começam idéia começou com Marcos 1:1-13, foi
com uma introdução cuidadosamente usada em Mateus 1:1-2:23 e em Lucas
elaborada, para esclarecer o contexto 1:1-2:52, chegando ao seii clímax em
teológico a fim de facilitar a compreen João 1:1-51, Aí o testemunho de João
são do ministério histórico de Jesus. Esta Batista é mais completo que em qualquer
outro lugar (1:19-36), ao que é acres outro lado, ele ousou declarar a palavra
centado o testemunho de quatro outros vivificante de Deus (cf. 3; 34; 5:24; 6:63,
seguidores (1:37-49) e do próprio Jesus 68; 8:31, 47, 51; 12:48; 17:8, 14), que o
(1:50, 51). Os fundamentos do ministério próprio Pai autenticara (cf. 5:32, 37;
público de Jesus remontam a um tempo 8:18). Mais ainda, ele era apenas uma
anterior a João, a Abraão, e mesmo a testemunha modesta, que nada poderia
Adão e à própria eternidade (1:1). Isto fazer à base de sua própria autoridade
significa que as palavras com que Jesus (5:30,31; 18:37). Nestes dois papéis,
pretendeu revelar Deus (1:51) não eram Jesus confrontou os homens com a rea
apenas uma extensão da mensagem de lidade de Deus e, ao mesmo tempo,
João (1:15) nem apenas o cumprimento levou-os a confessar que aceitavam a sua
da palavra de Deus na lei mosaica (1:17). divindade.
Mais do que isto, expressavam o Verbo
primordial pelo qual Deus sempre se
refere a seus próprios pensamentos (1:1) I. O Verbo de Deus: Prólogo
e pelo qual Jesus se expressou na cria (1:1-18)
ção do universo (1:3).
A introdução do Evangelho divide-se A forma de começar este Evangelho
claramente em duas partes: (1) um pró deve ser compreendida antes de seu
logo majestoso, em 1:1-18, que é uma conteúdo ser considerado, i O estilo é o
meditação poética sobre a Palavra de da poesia semítica, em que se faz uso
Deus; (2) uma narrativa histórica, em freqüente de artifícios rítmicos como o
1:19-51, que relata os diversos testemu paralelismo climáticos, em que um novo
nhos dos homens. Há um profundo sig verso traz um elemento-chave do verso
nificado teológico para a forma simétrica anterior; um exemplo disso está na tra
se seqüencial destas seções. A Palavra de dução literal do versículo 1:
Deus é fundamental; se Deus não falou, No princípio era o Verbo,
os homens não podem dar testemunho e o Verbo estava com Deus,
algum. As múltiplas confissões, em 1:19- e o Verbo era Deus.
51, são as reações humanas à ação divi Ou ainda (v. 4 e 5):
na, apresentada em 1:1-18. Por outro Nele estava a vida,
lado, a Palavra de Deus não tem qual e a vida era a luz dos homens;
quer sentido para os homens, sem teste e a luz resplandece nas trevas,
munho terreno. Toda descoberta de uma e as trevas não prevaleceram contra
realidade espera a espontaneidade de um ela.
testemunho para compartilhar o que se As imagens poéticas do prólogo suge
viu e ouviu. rem que este material foi adaptado, para
A unidade das duas seções é dada por ser usado como hino no culto cristão
Jesus mesmo, que era o Verbo divino em primitivo. Como indicam claramente os
1:1-18 e o testemunho humano supremo Salmos, o antigo Israel geralmente pu
em 1:19-51. Esta perspectiva dual e um nha-se a recitar os atos salvíticos de
tema que se faz presente em todo o Deus (exemplo: Sal. 78). Aqui, o novo
Evangelho, onde Jesus é a revelação e o Israel resumia a história sagrada de seu
revelador da verdade, o objpto e o sujeito Messias numa forma hinódica, impu
da fé. Como Filho de Deus (1:18) e Filho tando-lhe, assim, uma dignidade trans
do Homem (1:51), ele era alguém em cendente, semelhante à atribuída à sa
quem a realidade divina descera dos céus
à terra como era também aquele em 1 Sobre a poesia semítica e quatro estrofes no prólogo,
veja Joachim Jeremias, The Central Message of the New
quem a realidade humana subia da terra Testament (New York: Charles Scribner’s Sons, 1965)»
aos céus (1:51; cf. 3:13; 6:51,62). Por p. 71-90.
bedoria nos exaltados panegíricos de Pro conta a história do evangelho de Jesus,
vérbios 8, Eclesiástico 24 e Sabedoria numa seqüência organizada, como um
de Salomão 7-9. Isto significa que estes episódio histórico entre duas eternida
versos refletem não apenas uma preo des. Em certo sentido, portanto, o pró
cupação filosófica e uma afirmação teo logo se assemelha aos hinos judaicos da
lógica, mas também uma adoração sabedoria, com suas descrições de atri
doxológica de um Senhor pessoal, cuja butos “infinitos” (exemplo: Sabedoria
vida levou seus seguidores a irromper em de Salomão 7:24-8:1), enquanto em
louvor. outro, ele se aproxima mais dos hinos
O padrão poético, encontrado na litúrgicos de confissão do Velho Testa
maior parte do prólogo, é interrompido mento, que repetem os atos “eternos”
pelas referências, em forma de prosa, de Deus na história (exemplo: Sal. 105
a João Batista, especialmente nos versos ou 106). Sozinhos, os versos podem, si
6-9,15. Tão prosaicas são estas seções, multaneamente, retroceder ao passado,
que elas mais parecem uma intromissão exteriorizar para o presente e apontar
na rapsódia lírica que as cerca. Mesmo para a eternidade (ex.: v.5), mas o es
assim, os dois estilos são parte integral boço geral dos versos 1-18 leva o leitor
da fé cristã. Neste início somos introdu continuamente através dos principais
zidos à poesia e a prosa do Evangelho, estágios da época definitiva da redenção.
à glória do Verbo eterno e ao testemu Esta estrutura externa do prólogo se
nho singelo de um profeta mortal. assemelha ao arco de um pêndulo ou à
Depois de reconhecido o estilo basica curva de uma parábola, que é a mesma
mente do prólogo, não surpreende a forma refletida em alguns dos outros
descoberta de que sua estrutura interna hinos cristãos primitivos. 2 Filipenses
se organiza em quatro estrofes ou estân 2:6-11, por exemplo, descreve a condes
cias hinódicas, que correspondem às cendência e a vindicação de Cristo Jesus
divisões do texto, como seguem: o Verbo em dois movimentos: primeiro, a descida
é sucessivamente apresentado em relação do pêndulo, na humilhação (v. 6-8);
a Deus e ao seu universo (v. 1-5), a João depois, a subida do pêndulo, na exalta
Batista (v. 6-8) e ao mundo dos homens ção (v. 9-11). Esta estrutura simétrica
(v. 9-13) e à igreja comungante (v. 14- invertida, chamada quiasma, era uma
18). Como a sequência destas estâncias é forma literária muito usada na litera
mais tópica (de assunto) do que crono tura antiga especialmente quando se
lógica, é errôneo pensar que certos versos queria exprimir o paradoxo ou a “grande'
se refiram exclusivamente ao Verbo inversão” no âmago do evangelho (cf.
preexistente, e outros, somente ao Verbo II Cor. 8:9).
encarnado. Do mesmo modo como qual Foi a ênfase sobre este movimento du
quer pessoa pode ser conhecida melhor à plo de descida e subida que determinou a
luz de seus vários papéis ou relaciona estrutura toda do Evangelho. Desse mo
mentos (exemplos: à família, ao traba do, não surpreende que o resumo de
lho, aos inimigos e aos amigos), o pro abertura adotasse o modelo geral. Enten
pósito básico aqui é explicar a pessoa do dido assim, o prólogo se assemelha a
Verbo através da descrição dos seus uma porta para Deus, com suas colunas
envolvimentos mais importantes, sejam fincadas na eternidade acima e não no
eles anteriores, contemporâneos ou pos tempo finito. A humilhação do Filho de
teriores à sua encarnação. Deus se esboça nos versos 1-11, seguida
Ao mesmo tempo, embora as decla
rações separadas dentro das quatro 2 Sobre o caráter de hino ou parabólico do prólogo, veja
M. E. Boismard, St. John’s Prologue, Carisbrooke Do
estâncias não formem uma linha crono minicans, trans. (London: Blackpriars Publications,
lógica progressiva muito clara, o hino 1957), p. 73-81.
ver não apenas pelas palavras idênticas ato. Isto é indicado não somente pela
iniciais (“No princípio”), mas pelo con primeira frase do versículo 1 — literal
teúdo, que tem paralelismos bem ínti mente, “o Logos existiu antes de qualquer
mos. Em ambos os casos, o Verbo de coisa começar” — mas também pela
Deus criou um mundo que a luz e as relação do versículo 1 com o 3, cuja
trevas foram diferenciadas. O Evangelho seqüência sugere que Deus tinha uma
de João começa como um novo Gênesis, palavra antes de ter feito um mundo. Há
que apresenta a obra redentora de Cristo uma espécie de empirismo pragmático,
como conduzindo a criação à sua consu que aceita que o significado emerge
mação prevista (cf. 5:17;9:4-5). simplesmente dos acontecimentos. João,
1 )0 Logos e Deus (v. 1 e 2) entretanto, está certo de que Deus pri
meiro planejou, para depois fazer, e que
O primeiro versículo faz três afirma esta Palavra da verdade fundamentou
ções sobre o Logos, que são apresentados aquilo que depois aconteceu e deter
simetricamente, pela forma verbal era/ minou seu sentido profundo.
estava, repetida três vezes. A Versão Um dos propósitos básicos do prólogo
Inglesa de Hoje Today’s English Version é identificar o Jesus histórico com o
parafraseia assim: Logos eterno, e, a partir daí, argumentar
“Desde o princípio, que aquilo que os homens ouviram, em
quando Deus era, o Verbo também seu breve ministério, é o que Deus sem
era; pre quis dizer ao mundo. Esta ênfase
onde Deus estava, o Verbo estava com sobre a preexistência do Verbo não era
ele; especulativa, mas prática, na intenção de
o que Deus era, o Verbo era também.” enfrentar dois problemas de então:
No inicio, o prólogo afirma a eterni Primeiro, os judeus estavam inclinados
dade, a proximidade e a identidade do por venerar a Escritura, por causa de sua
Logos com Deus. O versículo 2 repete antiguidade, acima mesmo dos ensinos
selenemente a ênfase das declarações de Jesus. João argumentou que a revela
centrais do verso 1, como se estivessem ção dada em Jesus era algo mais velho
titubeantes para serem assimiladas com que o Velho Testamento, pois ela existia
fundamento numa simples afirmação. com Deus antes da história primeva
Como “no princípio” sugere não só o com que Gênesis 1:1 começou. Jesus
começo da história do evangelho (cf. pode ter aparecido como um jovem
Mar. 1:1), mas da própria criação do (8:57), mas ele se apresentou como o
mundo (cf. Gên. 1:1), a conseqüência é Verbo, que antecedeu e inspirou as
que o Verbo sempre foi uma realidade, palavras de Isaías, Moisés e Abraão.
antes mesmo que o tempo tivesse come Na realidade, eles falaram dele, e assim é
çado. Isto quer dizer que, por natureza em função dele que devem ser compre
eterna, Deus não é mudo, mas, antes, é endidos (5:39-47; 8:53-58; 12:37-41).
um Deus capaz de falar. Diferentemente Como Logos eterno, Cristo é a norma
dos ídolos, que são mudos (I Reis 18: pela qual se deve aferir toda a revelação
26-29; Sal. 115: 3-8; 135:15-18; Hab. bíblica.
2:18,19; I Cor. 12:2), Deus sempre teve Segundo, muitos gregos, em oposição
uma palavra. O Poderoso não é inco aos judeus, não atribuíram qualquer
municável; todos os significados pro autoridade absoluta às escrituras anti
fundos da vida não são, portanto, nega gas. Em suas mitologias populares, os
dos por um silêncio definitivo. deuses eram volúveis e excêntricos, pelo
Ademais, a mensagem anunciada aqui que suas palavras não mereciam crédito.
é que o Verbo precedeu a criação, o que Para João, o “estar-com” do Verbo
quer dizer que o pensamento antecedeu o garantia a fidedignidade do Verbo. O
Logos é sempre constante, e não se con da. Como enfatiza o versículo 3b, “ne
diciona pela contingência dos fatos. Po nhuma coisa” veio à existência — muito
demos parafrasear a primeira parte do menos adquiriu significado — a não ser
versículo 1 do seguinte modo: “Quando como uma expressão criativa de Deus.
Deus começou a se expressar, o conteúdo A relação do Verbo com a criação não
desta revelação não se constituía numa deve ser compreendida, todavia, em
inovação ou reflexão tardia, mas na co termos de um dualismo cósmico, que
municação de sua realidade imutável.” proponha um antagonismo absoluto
As duas expressões finais do versículo entre o espírito e a matéria. Antes, a
1 permanecem numa tensão criativa compatibilidade total entre Deus e o seu
entre si, dando ênfase, como se ambas mundo se estabelece pelo envolvimento
fizessem a separação e a conexão do Ver do Logos nas duas esferas. O mesmo
bo com Deus. Por um lado, o Logos estava Verbo que foi associado a Deus por três
face a face com ou “na companhia” de vezes, nos versos 1 e 2, é associado ao
Deus. Embora esta proximidade sugira mundo três vezes nos versos 3 e 4 (“por
uma intimidade filial (cf. “ no seio” , v. intermédio dele” , “sem ele” , “nele”).
18), a preocupação fundamental era Este Logos não é um ser intermediário
insistir sobre uma distinção adequada inferior entre um Deus perfeito e seu
entre o Logos e Deus (cf. Prov. 8:30). imperfeito mundo, como queriam os
Por outro lado, em acréscimo a esta gnósticos. Ao contrário, o Logos que
diferença, havia uma igualdade entre os deveria ser identificado com a totalidade
dois; pois, como a New English Bible da ordem divina (v. lc), era o agente de
(Nova Bíblia Inglêsa) belamente indica, Deus na emergência da totalidade (todas
“o que Deus era, o Verbo era” . O Verbo as coisas) da ordem criada (v. 3a.). Desse
não era apenas um atributo de Deus, modo, os dois extremos são recusados:
mas, antes uma expressão do verdadeiro o mundo não é eterno, e, portanto, defi
ser de Deus. nitivo, e nem mau, e, portanto, despre
Estas duas expressões equilibrada- zível.
mente aqui colocadas, preparam para os O que significa, então, confessar que
dois ensinos cristãos de que (a) Jesus e este universo é cristocêntrico (cf. I Cor.
Deus distintos em pessoa e em função 8:6; Col. 1:16; Heb. 1:2)? Três conclusões
(exemplo: Jesus não conversou consigo podem-se tirar daí:
mesmo quando orou; cf. 17:4,5) e, O sentido é anterior à matéria; assim
ainda, que (b) eles eram idênticos em as coisas tomam sua importância dos
natureza e em propósito (isto é, Jesus' propósitos espirituais intentados. Esta
não só revela algo sobre Deus, mas, argumentação opõe-se a qualquer mate
antes, revelou-se Deus; cf. 14:9). rialismo que veja a realidade como tan
gível, o mundo como de importância
2) O Logos e a Criação (v. 3 e 4)
mais intrínseca do que instrumental e a
O ser eterno do Logos, destacado pela vida como alcançada pelas experiências
tríplice repetição do verbo era/estava do sensoriais.
versículo 1, contrapõe-se, agora, à trans A criação, como uma atividade do
formação temporal de todas as coisas, Logos, é parte do esforço de Deus para se
destacada pelo tríplice fez (literalmente, comunicar com o homem (cf. Rom. 1:20;
“ tornou-se” ou “ tem-se tornado”) do At. 14:17). A significação do físico reside
versículo 3. Ao afirmar que a ordem em sua capacidade de significar ou servir
inteira criada veio a ser através da ins- como um sinal do espiritual. Se o uni
trumentalidade do Verbo, a implicação verso foi fundado pelo Logos, então pode
do prólogo é que a matéria não é eterna haver uma analogia adequada entre o
e auto-suficiente, mas limitada e causa visto e não visto. É por isso que Jesus
falou de Deus em termos de símbolos, 8:12; 12:46). Em outras palavras, cada
como vinho (2:1-11), água (4:7-15) e pessoa (v. 9b) deve perceber que Deus é o
pão (6:25-59). criador poderoso e zeloso do universo, à
Como agente da criação, Cristo pode luz do milagre da vida, que transborda
reivindicar o universo como aquele que o na experiência humana (cf. Gal. 36:9).
recriou e redimiu (cf. Col. 1:15-18). Sua 3) O Logos e as Trevas (v. 5)
presença terrena no mundo que fez (v.
10) foi uma descida às “suas próprias Por que, então, tantos compreendem
coisas” (v. 11a). O Logos encarnado foi mal e até se opõem à luz ativa da vida na
investido com uma autoridade cósmica ordem criada? Por que é a vida tão
(3:35; 13:3; 17:2), porque toda a ordem barateada pelo preconceito, pela escra
criada foi uma projeção perfeitamente vidão, pela guerra e por uma hoste de
incorporada em sua vida. Isto significa outros inimigos? Mais ainda, por que o
que nenhuma área de nossa existência, mundo destrói com tão brutal rapidez
mesmo mundana, está isenta de buscar uma vida tão iluminada pela luz de Deus
sua coerência na submissão a ele. (cf. 1:10, 11; 8:12-59; 12:35-50)? A res
Uma interpretação correta do verso 4 posta dada é que a luz não brilha num
é extremamente difícil, porque nenhum vácuo moralmente neutro, mas no con
texto exato ou nenhuma pontuação é flito cósmico com o poder das trevas.
possível, à base dos manuscritos dispo Somos, então, repentinamente introdu
níveis. A Revised Standard Version zidos no problema do mal.
apresenta o dilema da tradução, ao ofe Logo depois de tratar da obra divina
recer uma leitura (marginal) alternativa, da criação (v. 3 e 4), a questão natural
que junta o último trecho do verso 3 ao mente, suscitada é se o mal também teve
verso 4. Como seria necessário uma dis origem em Deus. É o Logos, que fez
cussão técnica complexa para evidenciar todas as coisas, também responsável
todas as possibilidades exegéticas, pode pelas trevas? Neste trecho, a resposta não
mos seguir a linha geral de pensamen parece ser sim. Ao contrário, as trevas
to, que não é afetada seriamente por são admitidas e apresentadas sem qual
decisões sobre palavras e expressões quer ligação com a luz. A situação é a
individuais.4 mesma em Gênesis 1:1-5, onde “no prin
Como inteligência pessoal em comu cípio” , antes que Deus proferisse sua
nhão com Deus, o Logos, ao funcionar palavra criadora, “ havia trevas sobre a
como o agente da criação, era funda face do abismo” .
mentalmente o colaborador da vida. O propósito básico do verso 5 não é
Qualquer ato criativo envolve mais que explicar nem amaldiçoar as trevas, mas
a fabricação de moléculas. A matéria afirmar a penetrante convicção de que a
tem sentido apenas enquanto vive, e a luz prevalece ao final (cf. I João 2:8).
afirmação aqui é de que nele estava a Isto foi verdade na criação, quando as
fonte da vida, por que todas as coisas trevas saíram de diante das palavras
tiveram a oportunidade de vir a ser. Em “haja luz” (Gên. 1:3). Foi verdade em
certo sentido, o Logos tinha o mesmo Cristo que, embora rejeitado por muitos
propósito na criação como na redenção: (1:10,11), chegou a ser a Luz do Mundo
“Eu vim para que tenham vida” (cf. (8:12). É verdade na Igreja, cujo teste
5:26;5:40; 10:10; 14:6). Como dom munho não pode ser extinguido pela
divino, esta vida torna-se a luz, pela qual perseguição (cf. 9:22; 12:42; 16:2). Mais
os homens são indicados para Deus (cf. claramente, as trevas existirão enquanto
os homens preferirem o mal (cf. 3:19-21)
4 Para uma discussão mais detalhada, veja Bosmard, e, como elas coexistem com a luz, é
p.12-19. necessário que se tome uma decisão por
uma ou pela outra. O resultado, porém, nham transferido sua lealdade a Jesus e
da luta jamais esteve em questão, ficando precisavam ser lembrados que seu mestre
sempre claro que as trevas não domi jamais apontara para si mesmo (cf. At.
narão a luz. 18:24-26; 19:1-7).
Ao mesmo tempo, a humildade de
2 .0 Verbo e João (1 ;6-8) João deu o cenário para que se revelasse a
6 H ouve u m h o m e m en v ia d o d e D eu s, cu jo sua verdadeira grandeza. Embora fosse
n o m e e r a Jo ã o . 7 E s te v eio co m o te s te m u um solitário arauto sem credenciais, ele
n h a , a fim de d a r te s te m u n h o d a lu z, p a r a ousou ser profeta num tempo que a
que todos c re s s e m p o r m eio d e le . 8 E le n ão
e r a a lu z, m a s v e io p a r a d a r te s te m u n h o d a
profecia estava relegada a um passado
luz. ideal. Sua única motivação era o sentido
de missão para a qual veio; seu único
Este segundo parágrafo do prólogo objetivo era indicar para além de si mes
mostra uma ligação bem estreita e um mo como testemunha; sua única mensa
contraste forte com o parágrafo anterior. gem era a da luz. Na primeira estrofe do
A coesão é estabelecida com a referência prólogo, fomos alçados a alturas enor
à “luz dos homens” (v. 4) como tendo-se mes, mas nesta não se faz por menos:
cumprido num homem que veio teste um homem em contato com a transcen
munhar da luz. Ademais, em João as dência, um homem preocupado com a
trevas encontraram uma testemunha luz num tempo em que os demais ho
(v. 6-8), uma preocupação presente neste mens se contentavam em viver nas trevas,
capítulo e em todo o Evangelho. O Verbo um homem capaz de renunciar às como
divino foi fundamental em que “todas as didades do status quo e de contar com o
coisas” vieram a existir “através dele” futuro para justificar a sua esperança.
(v. 3a.), mas o testemunho humano
apontava para o propósito redentor da 3. O Verbo e o Mundo (1:9-13)
criação, em que todos os homens seriam 9 P o is a v e rd a d e ira lu z, q u e a lu m ia a todo
chamados a crer através dele. h o m e m , e s ta v a ch e g a n d o a o m u n d o . 10 E s
Paralelamente, porém, a desconti- ta v a e le no m u n d o , e o m u n d o foi feito p o r
nuidade é tão evidente, que saltamos in te rm é d io d e le, e o m u n d o n ão o co n h eceu .
11 V eio p a r a o q u e e r a se u , e o s se u s n ã o o
subitamente, da eternidade para o tem r e c e b e ra m . 12 M as, a to d o s q u a n to s o r e c e
po, do universo para o deserto, das afir b e ra m , a o s q u e c rê e m no se u n o m e , d eu -lh es
mações exaltadas para as retratações o p o d e r d e se to r n a re m filh o s d e D e u s ; 13 os
insistentes (v. 8). Note-se como as duas q u a is n ã o n a s c e r a m do sa n g u e , n e m d a v o n
ta d e d a c a rn e , n e m d a v o n ta d e d o v a rã o ,
estrofes começam de modo diferente m a s d e D eus.
(v. 1 e 6). Jesus era o Verbo (lógos); João
era um homem (anthropos). Jesus con A forte negativa com que a segunda
vivia em intimidade “com” (pros) Deus; estrofe do prólogo termina (v. 8) prepara
João era um enviado de (para) sua parte. para a igualmente forte afirmação com
Jesus sempre “era” (ên) sem começo ou que a terceira começa (v. 9). Embora
fim; João “veio a ser” (egeneto) na ple João, em si, não fosse a luz prometida,
nitude do tempo (A RSV obscurece este da revelação final de Deus (cf. Is. 9:2;
final contrastante, ao traduzir os dois 42:6; 60:1-3, 19-20, o Logos, que era
verbos diferentes nos versos 1 e 6 como a verdadeira luz, preencheu a ardente
“era”). Estava clara a necessidade que se expectação do seu precursor, ao entrar
sentia de subordinar João a Jesus, como no mundo dos homens de forma tão
se vê particularmente na eloqüente ne nova. Isto é logo indicado pelo verso 10a,
gativa do verso 8a (cf. 1:15; 1:19-34; onde a ênfase do verso 9 é repetida (ele
3:22-30; 4:1; 5:33-36; 10:40,41). Parece realmente estava no mundo), como tam
que alguns seguidores de João não ti bém no "ele veio” do verso 11 e no “a
todos quantos o receberam” do verso 12. pelas obras entreviam .uma tendência
O terceiro parágrafo resume, assim, o para definir"’o objetivo da existência hu
ministério terreno do Logos encarnado mana em termos daquilo que se alcan t f
e, ao fazê-lo, antecipa as linhas da his çava. e não em função daquilo que se
tória evangélica, que logo será contada recebia. Eles não viam a luz diante deles
(v.9=cap. 1; v,10=cap.2-4; v. ll= c a p . como dádiva absoluta, isto porque esta
j>-12;v. 12 e 13=cap. 13-21). vam ocupados em tentar elaborar esta
O próprio prólogo deixa claro o quão graça em suas próprias mentes e em seus
incrível foi esta intervenção divina nos proprios cultos. Para descobrir a ver
negócios do homem. A luz universal, que dade, nada é tão necessário quanto a
brilha em todo o homem, transformou-se^ abertura. Pálpebras cerradas obscure
num homem particular. Aquele que cem todo o fulgor de um resplandecente
sempre existiu, antes mesmo de o mundo sol de meio dia. Assim, o prólogo aponta~
começar, veio agora, participar da histó ^diretamente para o c e n tr o d e u m ^ re s ;
ria. O agente aue criara o cosmo inteiro posta positiva na palãvrarecemda e liga
ocupa, agora, um lugar no esoaco da esH- rècepfivi3a3e^~natureza da fé, ao
terra. Um tjja, tudo tomara vida nele; identificar todos aqueles que o recebe
agora, porém, ele vivia no mundo. ^Dè ram como aqueles que creram em seu
um ponto de vista humano, seria bas nome. O cristianismo é, desse modo,
tante difícil crer que Deus tenha prepa "~3efinidoT fundàmentaíminte, em termos
rado esta vinda apoteótica apenas com de graça (deu-lhes), que é, sobretudo, a
um arauto obscuro como João Batista. unica maneira pela qual o Logos e a luz
Seria também impensável que o evento — seja terrenal ou celestialmente —
escatológico envolvesse o eterno se trans podem se comunicar com o homem. Há
formando em temporal, o infinito em uma espécie de passividade humana cria
espacial e o espiritual em material; é tiva, uma audição e uma visão aguçadas,
precisamente por isso que acontece o que permitem a atividade divina de falar
reverso do processo, pelo qual se descreve e brilhar.
geralmente a redenção. Não surpreende que a dádiva primeiro
Não surpreende, então, que os homens seia descrita como direito, ou privilégio,
estivessem tão despreparados para a (e não como poder, conforme em algu
chegada da luz. A rejeição é descrita em mas versões) de se tomarem filhos de
dois estágio§JL_No /pnmeírdx o mondo, Deus. Esta figura sugere a comunhão da
que lhe pertencia através^aa criação, família da fé. Implica também a noção
compreendia aqui como a vida organi de um novo começo. A coisa mais carac
zada da humanidade, não o conheceu terística, de um filho, é que sua vida está
com gratidão e reconhecimento. No sempre diante dele, o melhor está sempre
( slgõndoT^embora tenha vindo especial por vir. Neste contexto, .o mais^imppr%_
mente para o seu próprio lar, em Israel, o tante é a implicação de que os homens
povo de Deus, que lhe pertencia por con não são filhos de Deus por natureza,
certo, não o aceitou. A contundente afir-'l quer pertençam ao mundo criado através
\~ínação, feita agora, é que nem o mundo, do Logos quer ao povo escolhido, do
que vive na luz da razão natural, nem a Messias, como descendentes de Abraão.
religião, que vive na luz da revelação Ao contrário, eles se tornam filhos de
divina, podiam ver a verdadeira Luz do Deus através de uma nova criação, que
mundo, quando esta se incorporou na transcende todas as distinções nacionais,
vida humana! raciais e religiosas (cf. 8:39-47).
Qual era a razão básica dessa ce- ) Esta mudança inicial, no verso 12, é
gueira? Tanto o interesse dos gregos pela / melhor esclarecida depois como de ori
Sabedoria como o interesse dos judeus/ gem divina, no verso 13. Três expressões
negativas, na realidade, de sentidos seqüência atrapalha a simetria da frase e
semelhantes, insistem que este nascimen altera sua linha de pensamento.)
to não é, de modo algum, o resultado de Observa-se inicialmente, as três limi
uma reprodução biológica. A forma tações atribuídas ao Logos. no verso 14.
como Cristo nasceu, neste mundo, dá, o em comparação com o verso 1:
modelo como qualquer homem pode (1) O Verbo, que sempre “estava" em
tomar a nascer: não pela hereditarie- seu ser eterno, com Deus (v. 1), trans
% dade ou pelo esforço humano, mas de
Deus (cf. o comentário sobre 3:1-15).
forma-se agora, num evento temporal.
num ponto da história, limitado à cir
cunstância do tempo, como João Batista
4. O Verbo e a Igreja (1:14-18) asteve, conforme o verso 6. (O verbo
14 E o V erbo se fez c a rn e , e h a b ito u e n tre
grego egeneto, usado no verso 6, para
nós, cheio d e g r a ç a e d e v e r d a d e ; e v im o s a contrastar o João histórico com o Logos
s u a g ló ria , com o a g ló ria do u n ig én ito do eterno, do verso 1, é empregado, agora,
P a i. 15 J o ã o d eu te s te m u n h o d e le , e clam o u , para o Logos histórico, no verso 14.)
dizendo: E s te é a q u e le d e q u e m e u d is se : Ele, através de quem toda a criação
O q ue v e m dep o is de m im , p a ss o u a d ia n te de
m im ; p o rq u e a n te s d e m im e le j á e x is tia . ganhou a existência (v. 3), toma-se,
16 P o is todos nó s re c e b e m o s d a su a p le n i agora, uma criatura finita.
tu d e, e g r a ç a so b re g ra ç a . 17 P o rq u e a lei foi (2) Ademais, o Verbo, que “era Deus”
d a d a p o r m eio de M o is é s ; a g r a ç a e a v e r (v. lc), agora torna-se como carne: isto é,
d a d e v ie r a m p o r J e s u s C risto . 18 N in g u ém
ja m a is viu a D eu s. O D eu s u n ig én ito que
ele começou a existir como um ser hu
e s tá no seio do P a i, e ss e o d e u a co n h e ce r. mano (cf. I João 4:2; II João 7). O último
meio escolhido para comunicar a mensa
A referência ao novo nascimento, no gem divina não era uma idéia, uma
final "da terceira estrole, leva, natural- emoção ou uma organização; antes, a
mente, a uma discussão sobre a vida revelação se incorporava numa pessoa.
cristã na estrofe final, mas com uma Não significa isto que o Verbo deixou de
diferença de perspectiva de grande im ser Verbo quando se fez carne, mas
portância. Pela primeira vez, no prólogo, que a realidade última e a existência
os pronomes mudam da terceira pessoa terrena fundiram-se perfeitamente na
(eles), de uma descrição objetiva, para vida de uma só pessoa.
a primeira pessoa (nós), de uma confis (3) Finalmente, o Verbo, aue estava
são subjetiva (cf. 21:24b; I João 1:1-4). eternalmente com (pros) Deus (v. lb).
^No climax do hino, uma comunidade( agora tornou-se do (para) Pai e habitou
daqueles que se tornaram “filhos de( temporariamente entre nós. O verbo
'D eus” (v. 12 e 13) celebra a encarnacão( habitar pode sugerir a idéia de fincar
do Logos (v. 14) à luz da dádiva que uma tenda, reminiscência do tempo em
receberam. que Deus tabernaculou com seu povo no
Este testemunho nasce, entretanto, de deserto (Êx. 25:8; 40:34).
um realismo de enorme sobriedade. Esta tríplice humildade não obscure
O paradoxo do Verbo se fazer_carae. que ceu sua verdadeira grandeza, mas, antes,
pervade o prólogo, alcança sua expressão forneceu o contexto, a partir do quaTos
mais eloqüente no verso 14, quando as olhos da fé poderiam ver mais clara
três marcas da condescendência, na mente. Q sentido último do Logos é
primeira parte do versículo, são justa agora afirmado em~tres'fãses~súcessivas.
postas a três marcas de exaltação, na Nós vimos sua glória — Glória é um dos
última parte (A versão bíblica usada termos mais ricos do vocabulário teológi
alterou a ordem do texto grego, ao passar co da Bíblia, referindo-se basicamente às
cheio de graça e de verdade do fim para o manifestações visíveis do poder de Deus.
centro do versículo; esta mudança na à vida de Jesus brilhou, com a já referida
presença da majestade divina. Através dó" parecer algo de inflexível rieidez. Ao '
ministério terreno do Verbo, Deus con declarar sua natureza divina, Jesus com
vocou os homens para uma nova cons- binou uma infinita ternura pelo pecador
:iência de seu propósito e de seu pres com uma inabalável fidelidade ao que é
tígio. direito.
O unigénito do Pai — A palavra tra Revendo-se o verso l^çom jijitratado,
duzida como unigénito (monogenous) 5 as duas partes dão a impressão inicial de
poderia dar a idéia de ‘,‘úniço gerado” . absoluta incoerência. A primeira metade"
como está na versão King James, visto descreve a ação divina na história como a
que o relacionamento pai-filho se esta vinda do Verbo, enquanto, a segunda,
belece pelo processo do nascimento. O descreve a reação humana em termos
sentido inicial do termo, entretanto, é de nós temos visto. Porém, uma palavra é
‘^o único de sua,espécie” , e a ênfase do algo que comumente não se vê, mas se
prólogo, sobre o “ser/estar” do Verbo, ouve; contrariamente, glória é geral
sugere — ao contrário do que faz supor a mente compreendida como algo que não
King James — que a diferença desse tem som. A inusitada combinação de
Filho residia em não ser gerado. Ha -audição e visao, no verso 14, evidencia a
realidade, um contraste^deliberado entre verdade profunda de que~ em Jesus,
o verso 13 e o verso 14 pode implicar num Deus tornou-se_agessíyel à^vidajiumana, 4 ^
quiasmo: “Nós, homens da terra, que jilravés^iajjorta^o^rvido e^daj)orta dos
[nascemos na carne/ Fomos privilegiados olhas (cf. LJoão J :l)D e sse modo, ele
í em nos tornarmos filhos de Deus/Por í apelava tanto ao intelecto quanto à ima
I procedermos não de um homem, mas de/ ginação. tanto ao sentido humano de
Deus/ Como não necessitasse ser nascido reflexão quanto de celebração. Ademais,
' de Deus/ Já que era o Filho incompa o Logos visível transcendeu a tradicional
rável e eterno Deus Ele desejou nascer da dicotomia entre palavra e acão. Havia
carne, em nosso favor. uma coerência total entre o que os ho
Cheio de graça e de verdade — Como mens ^ v iã m T e s ü £ d 5 iF ê o que eles o
homem, o Logos não estava vazio da viam fazer. E m outras palavras, eles
realeza divina (como às vezes é erronea “viam” o que ele “ dizia” , porque ele
mente interpretado Fil. 2:7), mas cheio praticava de modo perfeito aquilo que;
de amor misericordioso e da impertur pregava. I
bável fidelidade, elementos centrais da A vinda da revelação divina em forma
compreensão veterotestamentária de de vida humana não era nada evidente
Deus (Êx. 34:6,7; Sal. 85:9-10; 89:14; por si mesma, uma vez que uma afirma
108:4). Observe-se o equilíbrio alcançado ção dessa natureza não tinha paralelo
com as combinações desses dois termos.. algum com nenhuma outra religião.
Graça é uma compulsão irresistível aos Assim, o Verbo dõverso 14 está intima
homens, mais do que eles merecem, e mente associado ao retumbante teste
que flui espontaneamente da ilimitada munho de João, no verso 15. Esta cone-
!generosidade de Deus. Verdade, por xão se fez necessária, porquê João fora a
outro lado, finca-se na determinação primeira ligação decisiva entre Jesus e a
divina de ser coerente, inteligível e, por ininterrupta corrente de crentes incluída
conseguinte, digna de crédito no seu no nós deste parágrafo.
relacionamento com a humanidade. Talvez se devesse tomar o presente do
Graça sem verdade não passa de senti indicativo do verso grego (obscurecido
mentalismo; verdade sem graça pode pelo “ deu testemunho” de nossa versão)
literalmente, no sentido de que o profeta
5 Dale Moody, “God's only Son” , Journal of Biblical morto há bom tempo, continuava dando
literature, 72(1953), p. 213-219. testemunho, através das páginas de seu
Evangelho (como, por exemplo, nos v. adequado que os mandamentos escritos
19-36). Seu corajoso grito, dado por oca sobre as tábuas de pedra.
sião do seu breve ministério, continuava Nos versos 14-18 reside implícita a
a ecoar uma geração depois, uma vez que superioridade de Cristo sobre Moisés.
suas palavras tinham sido registradas, Em Êxodo 33 e 34, Moisés, a quem Deus
João, a exemplo de Abel, embora morto, falou “face a face” (33:11), pediu que a
“ainda fala” (Heb. 11:4). presença divina também acompanhasse o
O conteúdo deste testemunho relacio povo em sua peregrinação à terra pro
nava-se ao problema da precedência na metida (33:14-17). Quando Deus con
prática religiosa judaica. Uma vez que cordou, Moisés pediu-lhe para ver sua
Jesus era mais jovem que João e viera a glória (33:18), mas recebeu apenas uma
ele a fim de ser batizado, pode-se pre revelação oculta, “porquanto homem
sumir que pretendeu ser seu seguidor, nenhum pode ver a minha face e viver”
pois, no judaísmo, a expressão aquele (33:20). A despeito desta limitação, o
que vem após mim geralmente designava povo pôde conhecer o “nome” (natureza)
um discípulo (cf. Marc. 1:17; 8:34). do Senhor como aquele que transborda
João, entretanto, inverteu a relação ao em “beneficência e verdade” (34:6); foi
insistir que Jesus lhe passasse à frente, esta a base do concerto lavrado sobre as
por que ele era um ser preexistente (cf. tábuas de pedra (34:1,10,27,28). No
v. 30). prólogo, entretanto, o Logos, que esteve
face a face com Deus (v. 1), habitou entre
Ê importante que a súbita entrada nós, como o “tabernáculo do encontro” ,
parentética do verso 15 não obscurece a em que a glória de Deus foi vista e onde a
íntima relação entre o verso 14 e o verso plenitude de sua graça e verdade foi
16. Como fé é uma questão de aceitar recebida, não como uma lei, sobre pedra,
aquele que estava cheio de graça e de mas como uma vida na carne.
verdade, segue-se naturalmente que Esta comparação chega ao seu climax
recebemos da sua plenitude, e graça no verso 18, onde a impossibilidade de
sobre graça. A curiosa expressão graça Moisés “ver a Deus” (cf. ainda Juí. 13:22;
sobre graça significa, literalmente, graça Is. 6:5; João 5:37; 6:46; I João 4:12,20)
“em troca por” ou “em substituição a” é substituída pela obra do Unigénito, que
mais graça (cf. Rom. 1:17; II Cor. 3:18); o fez conhecido. A força maior desta
em outras palavras, como belamente afirmação torna-se confusa, por algumas
traduz a Bíblia na Linguagem de Hoje, variantes textuais, em que alguns ma
“bênção e mais bênçãos” . Isto significa nuscritos falam em “unigénito” (mono-
que podemos tirar, de sua plenitude, genès huios), como acontece em nossa
como de uma fonte inesgotável. Uma vez versão, e outras em “único Deus” (mo-
que a graça foi recebida, ela não cessa de nogenês theos), como ocorre em notas
crescer. Recebemos “graça em lugar de marginais. Conquanto seja impossível
graça” . escolher com absoluta certeza entre
Para ser mais claro, Deus tem sido estas duas alternativas, as evidências
sempre um Deus de graça. No período do internas do contexto favorecem Filho
Velho Testamento, a lei foi dada por (para combinar com no seio do Pai); as
meio de Moisés; na era cristã, sua imu evidências externas dos manuscritos,
tável graça e verdade vieram por lesus porém, favorecem Deus (especialmente
Cristo. A diferença reside não apenas na os manuscritos mais antigos). Com cer
natureza de Deus, como doador, mas teza, no pensamento do Quarto Evan
nas potencialidades da graça, para gelho, estas opções não se excluem mu
fazê-lo conhecido. Uma pessoa viva, tuamente, mesmo porque Jesus é com
cheia da realeza divina, é um meio mais preendido tanto em termos de Deus
(como em 1:1; 20:28) como de Filho (a Jesus vindo ao seu encontro, e se dirige
exemplo de 3: 16-18; 5:19-23). De qual diretamente a ele, mas Jesus permanece
quer modo, se a palavra monogenés quer em segundo plano. No terceiro dia (v.
dizer “unigénito” , como nossa versão 35-42), entretanto, os dois aparecem
traduz o verso 14, uma combinação com juntos, e os discípulos de João começam
theos permitiria a seguinte tradução: a transferir para Jesus a sua lealdade.
“Deus, o unigénito” . Por igual modo, a No último dia (v. 43-51), João não é
expressão completa poderia ser parafra mencionado, enquanto Jesus domina a
seada assim: “Aquele que é o Filho cena. Para usar as palavras do próprio
único, porque só ele pode ser identifi João, são quatro os passos para que “ele
cado com Deus.” cresça e que eu diminua” (3:30).6
A referência a no seio do Pai remete-se Dentro da forma deste ciclo de quatro
à expressão “com Deus” , do verso 1. dias, o conteúdo central do testemunho é
Visto que, entre estes dois versículos apresentado por dez confissões cristoló-
paralelos, a vida terrena de Jesus foi gicas,7 nos lábios de cinco testemunhas:
descrita (v. 9-14), podemos aceitar, en João (v. 19-36), André (v. 37-42), Filipe
tão, que o verso 18 refere-se ao Senhor (v 43-46), Natanael (v. 47-49) e o próprio
exaltado, que realizou a parábola da Jesus (v. 50 e 51). Já no prólogo, termos
redenção e se encontra agora “à destra” como “Verbo” , “Deus” , “vida” , “luz” e
do Pai, na glória (At. 2:33-34). A ascen “unigénito” foram usados. Agora mesmo
são não é enfatizada, entretanto, porque Jesus é identificado como:
este versículo pretende antecipar a histó 1. Aquele (maior) que viria depois de
ria do evangelho, que logo seria contada João (v. 27 e 30)
e interpretada como um registro dos 2. O Cordeiro de Deus (v. 29 e 36)
meios pelos quais o “ unigénito... deu a 3. Aquele (que preexistia) antes de
conhecer (o Pai)” . A vida de Jesus era João (v. 30)
uma revelação do ministério divino (cf. 4. Aquele que batiza com o Espírito
12; 45; 14:9), um comentário visível (li Santo (v. 33)
teralmente: “exegese”) do Deus invisí 5. O Filho (ou Eleito/Escolhido) de
vel, um Verbo que explicava a pessoa de Deus (v. 34 e 49)
Deus, que ele desde a eternidade tão 6. O Rabi/Mestre (v. 38)
intimamente conhecia. 7. O Messias/Cristo (v. 41)
8. Aquele de quem Moisés e os profe
II. O Testemunho dos Homens tas escreveram (v. 45)
(1:19-51) 9. O Rei de Israel (v. 49)
10. O Filho do Homem (v. 51)
Para equilibrar o hino poético ao Diferentemente de alguns títulos usa
Verbo de Deus, de 1:1-18, a introdução dos no prólogo, esses dez são designações
ao Evangelho conclui, agora, com uma mais tradicionalmente judaicas, tiradas
narrativa, em forma de prosa, sobre o amplamente do Velho Testamento e da
testemunho dos homens, em 1:19-51. literatura intertestamentária. Tomados
A apresentação deste testemunho orga juntos, formam uma fotomontagem do
niza-se em torno da relação de João libertador esperado do povo de Deus. É
Batista com Jesus. Toda a seção se divide importante compreender, entretanto,
em quatro cenas, que se desenvolvem
cronologicamente.
Na primeira (v. 19-28), João ocupa 6 T. F. Glasson, “John The Baptist in the Fourth Gos
pel", The Expositor; Times, 67 (1956), p. 245 e 246.
sozinho o lugar central, enquanto Jesus
7 Rudolf Schumackenburg, The Gospel According to St.
é o desconhecido, que ainda não apa John, traduzido para o ingles por Kevin Smyth (New
receu. No dia seguinte (v. 29-34), João vê York: Herder and Herder, 1968), I, p. 507-514.
que somente em Jesus as imagens foram espiritual, foi torturantemente devagar e
fundidas e atribuídas a uma pessoa histó marcada por muitos falsos começos e
rica. Somente ele satisfaz todas as neces muitos retrocessos.
sidades que tinham produzido estas ima Por que, então, não há indício desta
gens durante diferentes períodos da his luta em 1:19-51? Simplesmente, porque
tória de Israel. aí a fé está sendo apresentada à luz da
Isto significa que a cristologia é clara perspectiva do fim a que conduz. Certa
mente distorcida, quando alguns desses mente, é importante compreender quão
papéis são enfatizados, com a exclusão modestamente a fé pode começar, mas é
de outros. Por exemplo: Jesus é, ao mes também importante entender o vasto po
mo tempo, o Cordeiro, que resolve o tencial inerente no mais humilde com
problema do pecado, o Rabi, que respon promisso. Nesta seção, somos levados a
de ao problema da ignorância, e o Mes tratar não da insignificância da semente
sias, que satisfaz o problema da falta de quando plantada, mas da grandeza da
liderança. Quando apenas algumas des floresta já latente nela. Não quer isto
tas funções são salientadas, limita-se a dizer, no entanto, que o Quarto Evange
apreciação da variada gama de necessi lho se interesse apenas pelos efeitos, e
dades humanas que ele veio atender. não pelas causas. No contexto mais am
Estes títulos não só foram enriqueci plo, por exemplo, mantém um belo equi
dos, como portadores das esperanças de líbrio entre a fé como ponto climático em
Israel há muitos séculos, mas penetra 1:19-51 (exemplos: 1: 29,41, 45,49) e a fé
ram paulatinamente na piedade cristã. como um processo crescente em 2:1-4:54
Ao tempo em que o Quarto Evangelho foi (exemplos: 2:224:41, 42, 50-53).
escrito, cada frase passava a ter um Numa arrumação literária, em 1:19-51
significado mais amplo do que poderia é dividido em duas grandes partes: 1:19-
ter tido para os novos discípulos no início 34, em que João dá testemunho, e 1:35-
do ministério de Jesus. As implicações 51, em que os discípulos testemunham.
totais, destas palavras, podem ser perce Através do recurso da repetição, em
bidas apenas por uma revisão das suas 1:35-36, estabelece-se uma relação ínti
raízes na fé de Israel e por uma previsão ma entre as duas partes. Cada uma é
de seus frutos na fé da igreja primitiva. subdividida em duas seções, chegando a
Entendidas assim, elas oferecem, a cada um total de quatro unidades em 1: 19-51,
leitor do Evangelho, uma oportunidade que correspondem à estrutura cronológi
de fazer sua própria profissão de fé cons ca dos quatro dias (v. 19,29,35, 43). Esta
ciente em Cristo. bem elaborada organização do material
A menos que entenda que um longo sugere um possível uso, em algum grupo
processo de evolução foi desenvolvido, no confessional da liturgia cristã antiga (cf.
uso destes títulos, como uma espécie de especialmente o v. 20a).
taquigrafia, o leitor concluiria, equivoca-
1. O Testemunho de João Batista
damente, que os primeiros seguidores de
(1:19-34)
Jesus eram pessoas espiritualmente re
nascidas e plenamente amadurecidas, Esta seção começa com um título in
que a sua fé foi sazonada de uma vez, trodutório bem formal (“Este foi o teste
que sua clara compreensão da natureza munho de João”) e por conclusão tam
da pessoa de Jesus existia desde o início. bém clara: “Eu mesmo vi e já vos dei
Temos provas suficientes, tiradas do testemunho”). No grego, a simetria da
Evangelho (16:29-31, por exemplo) e dos organização é ainda mais óbvia, porque
Sinópticos (Mar. 8:27-33, por exemplo) as palavras “depoimento” e “testemu
de que não foi esta a realidade. A pere nho” vêm da mesma raiz. Os Sinópticos
grinação, em busca de uma iluminação apresentam João como um precursor do
Messias, como um pregador de arrepen negou, fortemente reminiscente de Ma
dimento, como um mestre de ética e teus 10:32,33. Missionários cristãos, sob
como o batizador de uma nova comuni oposição ou mesmo sob perseguição, au
dade remanescente (Mat. 3:1-12; Mar. feriram coragem deste relato de inabalá
1:1-8; Luc. 3:1-18). Estas funções, no vel confissão sob pressão.
entanto, ou são totalmente subordinadas Embora João com certeza não negou a
ou são ignoradas, a fim de que seu papel fé, como veremos mais adiante (v. 29-
se concentre exclusivamente como teste 34), ele achou necessário o preparo, para
munho de Jesus. sua afirmação positiva de Cristo, por
1) O Testemunho Negativo Sobre Si meio de uma negação tríplice de si mes
mo, que é progressivamente mais enfáti
Mesmo (1:19-28)
ca (literalmente: “Eu não sou” ... eu
19 E e s te foi o te s te m u n h o d e Jo ã o , q u an d o não... não!). Ao negar ser O Cristo, Elias
os ju d e u s lh e e n v ia r a m d e J e r u s a lé m s a ou o profeta, João contribuiu enorme
c e rd o te s e le v ita s p a r a q u e lh e p e rg u n ta s
s e m : Q uem és tu ? 20 E le , pois, confessou e mente para a dissociação de sua pessoa
n ão n eg o u : s im , co n fesso u : E u n ão sou o de qualquer figura escatológica esperada
C risto. 21 Ao q u e lhe p e r g u n ta r a m : P o is ao fim do tempo. Muitos judeus ansia
q u ê? É s tu E lia s ? R esp o n d eu e le : N ão sou. vam não só pelo Cristo, como o filho
É s tu o p ro fe ta ? E re s p o n d e u : N ão . 22 D is
se ra m -lh e , p o is: Q uem é s? p a r a p o d erm o s
ungido de Davi (Is.9:2-7; 11:1-9), mas
d a r re s p o s ta a o s q u e n o s e n v ia r a m ; que por Elias (Mal. 4:5,6) e pelo profeta
d izes d e ti m e s m o ? 23 R esp o n d e u e le : E u mosaico (Deut. 18:15, 18). Estas duas
sou a voz do q u e c la m a no d e s e r to : E n d i figuras veterotestamentárias tinham dei
r e ita i o c a m in h o do S enh o r, co m o d isse o xado este mundo em situações inusitadas
p ro fe ta Is a ia s . 24 E os q u e tin h a m sido
e n v iad o s e r a m d o s fa ris e u s . 25 E n tã o lh e (II Reis 2:9-12; Deut. 34:5-12) e se espe
p e rg u n ta ra m : P o r q ue b a tiz a s, pois, se tu rava que retornassem antes ou durante a
n ão é s o C risto , n e m E lia s , n e m o p ro fe ta ? nova era (cf. Mar. 8:28; 9:4).
26 R espo n d eu -lh es J o ã o : E u b a tiz o e m João repudiou qualquer conexão com
á g u a ; no m eio d e vó s e s tá u m a q u e m vós
n ão co n h eceis, 27 a q u e le q u e v e m dep o is
estas três figuras, destes atores principais
de m im , d e q u e m e u n ão sou d ig n o d e d e s a do teatro messiânico. De modo insisten
t a r a c o rr e ia d a a lp a r c a . 28 E s ta s c o isa s te, ele desviou a atenção de sua pessoa
a c o n te c e ra m e m B e tâ n ia , a lé m do Jo rd ã o (“Quem és?”), não porque as perguntas
onde J o ã o e s ta v a b atiz a n d o . não tivessem importância, mas simples
Sugere-se uma situação de inusitada mente para que as pessoas atentassem
solenidade, com o anúncio de que uma para a elevada posição indicada por estes
comitiva oficial de autoridades sacerdo títulos. Como testemunha, o papel de
tais foi enviada, pela liderança religiosa João não era o de receber (v. 19-28), mas
judaica de Jerusalém, para um lugar o de dar títulos (v. 29-34)!
especial próximo ao rio Jordão (v. 28), Depois de negar as três propostas da
para averiguar a identidade de João (v. delegação judaica (v. 19-21), João apro
19). É como se eles viessem intimar este veitou suas insistentes perguntas (v. 22 e
depoimento (v. 19, 22, 24, 25) como o 25) para fazer três distinções acerca do
primeiro testemunho do grande sofri seu ministério. (1) João mesmo não era o
mento pelo qual Jesus passaria em seu “Verbo” do Senhor, mas apenas uma voz
ministério (cf. 3: 1, 2; 5:19-47; 7:14-52; ou porta voz das Escrituras (Is. 40:3),
8:12-20; 9:13-34; 10:19-39; 11:45-53; convocando o povo para preparar uma
12:44-50), e como base para a acusação estrada reta para a chegada de Deus. (2)
formal que determinaria sua crucificação Ademais, ele batizava somente com
(18: 19-19:16). A introdução à resposta água, que não passava, obviamente, de
de João, no verso 20, é prefaciada por um rito exterior e antecipador, como
uma terceira fórmula Ele confessou e nSo uma espécie de purificação, que os sacer
dotes e levitas usavam nos cultos do teológicos do Velho Testamento como
Templo. (3) Finalmente, ele não era dig aplicados ao ministério de Jesus pela
no, sequer, do trabalho próprio de um reflexão cristã antiga.
escravo, de desatar a correia da alparca, No judaísmo, o cordeiro ou um animal
do Messias oculto, quando ele aparecesse semelhante, como a cabra — era: (1) o
em glória. principal culto sacrificial na oferta Quei
2) O Testemunho Positivo Sobre Jesus mada diária (Ex. 29:3-42) e em muitas
(1:29-34) ocasiões especiais (Núm. 28,29; Lev.
1-7); (2) a vítima que carregava os peca
29 No d ia se g u in te Jo ã o v iu a J e s u s , que dos do povo no Dia da Expiação (Núm.
vin h a p a r a e le, e d is s e : E is o C o rd eiro de 29:7-11; Lev. 16:20-22); (3) ritualmente
D eus, q u e ti r a o p e cad o do m u n d o . 30 E s te é morto, assado e, então, comido na cele
a q u e le d e q u e m e u d is s e : D epois de m im
v e m u m v a rã o q u e p a sso u a d ia n te d e m im ,
bração pascoal (Êx. 12:1-11); (4) o sím-
p o rq u e a n te s d e m im e le j á e x is tia . 31 E u bolo do silencioso Servo sofredor, que
n ão o c o n h e c ia ; m a s , p a r a q ue e le fo sse carregava as ofensas do povo e o pecado
m a n ife sta d o a Is r a e l, é q u e v im , b atiza n d o de muitos (Is. 53); (5) o carneiro apoca
e m á g u a . 32 E J o ã o d eu o te ste m u n h o
d izendo: Vi o E s p írito d e s c e r do c é u com o
líptico, que conduziria vitoriosamente o
p o m b a , e re p o u s a r n e le . 33 E u n ão o c o n h e rebanho de Deus (Enoque 90:38; Testa
c ia , m a s o q u e m e en v io u a b a tiz a r e m á g u a , mento de José 19:8).
e sse m e d is s e : A quele so b re q u e m v ire s Uma visão diver^ificada_do cordeiro
d e s c e r o E sp írito , e so b re e le p e rm a n e c e r,
e sse é o q ue b a tiz a no E s p írito S anto. 34 E u estava bem presente em todas as três
m e sm o v i e j á v o s dei te s te m u n h o d e que grandes tradições subjacentes ao ministé
e s te é o F ilh o d e D eus. rio de João: a cúltica, a profética e a
apocalíptica.
João não era negativo acerca de si
mesmo, por causa de um senso exagera Em todas estas variações de uso judai
do de modéstia, mas por causa de ter co, entretanto, é importante observar
algo mais importante a dizer sobre Jesus. que nenhuma delas dá o antecedente
As negativas do primeiro dia, no versos prçciso de um cordeiro (amnos) que tira
19-28, sao agora equilibradas pelas afir o pecado do mundo. Jesus cumpriu mui-*"
tas das funções espirituais simbolizadas .
mações do segundo dia nos versos 29-34.
[
O forte sentido de uma dramática revela pelo cordeiro no Velho Testamento, em-J
ção nova é evidenciada pela ausência de bora a todas transcendesse. Ele era o J
qualquer referência geográfica local (em ) Servo que sofria como um cordeiro (At.
contraste com o v. 28) e pelo uso repetido \ 8:32-35), o verdadeiro sacrifício da Pás-
de termos para uma revelação visível: i coa (I Cor. 5:7), a oferta sem mácula (I
João viu Jesus vinSo, e gritou: Eis aí. Ele i Ped. 1:19) e o líder morto, mas vencedor
batizava com água, através do que Jesus ^(A poc. 5:6,12; 7:14,17; 17:14; 22;1,3).
poderia ser revelado a Israel. Ele viu Não podemos determinar agora quantas
(literalmente, “notou” ou “observou”) o destas visões foram reunidas em tomo do
Espírito descer como Deus prometera. conceito no pensamento do próprio João.
Por último, a base para todo o testemu Possivelmente, o evangelista pretendia
nho de João residia sobre sua solene elevar a alusão pascoal ao centro de sua
insistência: Eu vi (v. 34). reflexão (cf. 19:36 e Êx. 12:46). O leitor!
O conteúdo desta visão foi resumido cristão instruído que considera o Velho
numa série de afirmações positivas, que Testamento e celebra a Ceia do Senhor é
equilibraram as negativas dos versos 19- herdeiro de todos os múltiplos significa
28. A primeira delas, o Cordeiro de dos que pertencem a este rico símbolo. I
Deus, que tira o pecado do mundo (v. A segunda confissão de João (v. 30)
29), ilustrou a fusão de vários temas era reminiscência de um dito já lembrado
no prólogo (v. 15). Embora o judaísmo 2. O Testemunho dos Primeiros Discí
aceitasse sem problemas que qualquer pulos (1:35-51)
homem que viesse após um líder religioso
tornava-se seu subordinado, João insistiu Esta seção desenvolve, em três seg
que entre seus seguidores estava um que mentos, o tema central de um testemu
lhe era, como sempre fora, superior, nho, que penetra todo o trecho (1:19-51).
antes dele, no tempo e em dignidade. Primeiro, nos versos 35-37, o testemunho
Consciente de seu próprio papel limita de João, dado anteriomente no verso 29,
do, como testemunha, João estava tam é cuidadosamente repetido, com a transi
bém convencido de que Deus enviara ção fundamental para uma nova série de
alguém maior, antes que ele ou outra confissões, que se seguem. Segundo, nos
pessoa soubesse de quem se tratava. versos 34-49, um grupo de discípulos
A terceira e mais importante confissão ultrapassa o trabalho preparatório do
(v. 31-33) centralizava-se no relaciona Batista, ao expressar sua aliança sob a
mento de Jesus com o Espírito, pois só o base de uma ligação pessoal com Jesus.
Espírito poderia revelar o Messias oculto Finalmente, nos versos 50 e 51, o próprio
já presente. Apesar de sua vocação profé Jesus profere o testemunho maior, acerca
tica, João não o conhecia, nem podia do futuro com ele, reservados aos seus
com o seu batismo simplesmente com novos seguidores.
água fazer com que Jesus fosse revelado a Desse modo, esta unidade se divide em
Israel (v. 31). Qualquer ritual externo, duas partes iguais (v. 35-42; 43-51), que
mesmo de origem divina, é de valor se constituem na realidade de ciclos
limitado sem a ação concomitante do paralelos, que descrevem como dois
Espírito. João, todavia, preferiu a pro pares de discípulos mencionados, junto
messa de que um dia veria a carne e o com uma pessoa cujo nome não é men
espírito permanentemente unidos e nessa cionado, vêm a Jesus. Esta seqüência é
esperança ele batizou fielmente com tremendamente semelhante a Marcos 1:
água, até que o Espírito descesse de forma 16-20, onde primeiro Simão e André,
tão real como uma pomba, a voar e depois Tiago e João, foram chamados
repousar sobre Jesus. Este repousar do para seguir a Jesus. Estas apresentações
Espírito (cf. 3:34) significou que aquele estão na raia do método inalterado de
que tinha vindo batizaria (ministraria) Jesus em fazer adeptos e mostrar, de
não com água, mas com o Espírito San maneira a mais simples possível, os com
to. O dom do Espírito Santo era a marca ponentes básicos de um compromisso
distintiva da nova dispens^ção, a ser cristão. É como se a narrativa dissesse:
inaugurada por Jesus (cf. 3:5-8; 3:34; 4: em várias situações, foi esta a forma pela
23,24; 6:63; 7:37-39). qual Jesus se tomou Senhor dos homens.
A confissão final, de que Jesus era o 1) André e o Outro Discípulo (1:35-
Filho de Deus, pode significar não outra 42)
grande afirmação de João, mas apenas
seu testemunho sobre a voz celestial ouvi 35 No d ia se g u in te J o ã o e s ta v a o u tr a v ez
da no batismo de Jesus, que autenticava a li, co m d o is d o s se u s d isc íp u lo s 36 e , o lh a n
do p a r a J e s u s , que p a s s a v a , d is s e : E is o
este como o “Filho amado” (cf. Mat.
C ord eiro d e D e u s; 37 a q u e le s d o is d is c íp u
3:17; Mar. 1: 11; Luc. 3:22). Uma im los o u v iram -n o d iz e r isto , e s e g u ira m a
portante variante textual substitui o Fi Je s u s . 38 V oltando-se J e s u s e v endo q u e o
lho por “o Eleito” (ou o Escolhido), se g u ia m , p e rg u n to u -lh e s: Q ue b u sc a is? D is
talvez como um antigo esforço por tornar se ra m -lh e e le s : R a b i (q u e , tra d u z id o , q u e r
d iz e r M e s tre ) o n d e p o u sa s ? 39 R espondeu-
mais explícita a relação de Jesus com o lh e s : V inde, e v e re is. F o ra m , p o is, e v ir a m
Servo na descida do Espírito, no seu o nde p o u s a v a ; e p a s s a r a m o d ia c o m e le ;
batismo (Is. 42:1). e r a c e r c a d e h o ra d é c im a . 40 A n d ré, irm ã o
de S im ão P e d ro , e r a u m dos d o is que o u v i seqüência do seu encontro com Jesus,
ra m Jo ã o f a la r , e qu e s e g u ira m a Je s u s . uma testemunha. Ele encontrou imedia
41 E le a c h o u p rim e iro a se u ir m ã o S im ão,
e d isse-lh e: H av em o s a c h a d o o M essia s
tamente o seu irmão carnal, porque já
(q u e, tra d u z id o , q u e r d iz e r C ris to ). 42 E o havia encontrado seu líder espiritual
levou a J e s u s . J e s u s , fix an d o n e le o o lh a r, (Messias é a palavra hebraica, e Cristo, a
d is s e : T u és S im ão, filho de J o ã o ; tu s e r á s palavra grega equivalente, para referir
c h a rh a d o C eias (q u e q u e r d iz e r P e d r o ) . alguém designado, por unção, para uma
Depois de ter dirigido um testemunho missão especial). A palavra-chave acha
geral ao seu povo, Israel, João oferece o do (v. 41, 43, 45) evidencia uma singular
mesmo testemunho, dirigido agora espe experiência, em que todos os esforços
cificamente aos seus discípulos. É raro despendidos em descobertas humanas
alguém demonstrar uma convicção segu são associados ao reconhecimento da dá
ra às massas e logo abrir mão voluntaria diva completa, que fora colocada “lá”
mente de seus adeptos. João, entretanto, por Deus, para ser descoberta.
não titubeou em desmantelar o seu movi André tinha já aprendido, com João
mento, em franca expansão, que lhe dera Batista (v. 36 e 37), que dar testemunho
fama e seguidores (cf. 3:22-30). Foi uma de Cristo jamais era tarefa completa,
marca de eficácia (de João como teste enquanto o ouvinte, além de ser teste
munha, o fato de que dois discípulos seus munha, não houver sido conduzido à
ao ouvirem ele falar seguiram a Jesus. realidade viva descrita por seu testemu
Logo estes atribuíram a este os muitos nho. Assim, ele não só compartilhou sua
títulos e grande honra que João recusara descoberta com Simão, mas também o
para si (cf. v. 20 e 41). levou a Jesus. Possivelmente, não foi
Note-se o cuidadoso equilíbrio entre a fácil, para este obstinado pescador, acei
iniciativa divina e humana, no encontro tar o fato espetacular de que seu menos
de Jesus com seus dois primeiros discípu agressivo irmão, André, havia encontra
los. Do lado humano, dois discípulos de do a suprema esperança dos séculos.
João agiram com decisão, depois de ouvi Além do mais, entusiasmos messiânicos
rem o seu testemunho e seguiram a Jesus, equivocados aconteciam com freqüência
num esforço por descobrir onde ele, um na Palestina.
Mestre itinerante, habitualmente ficava. Não obstante, quando Simão concor
Ao mesmo tempo, o impulso inicial que dou em vir e ver por si mesmo, Jesus não
receberam de João (v. 37) radicava-se, o elogiou por sua resposta, mas, antes,
em última instância, na revelação de olhou para ele com um olhar penetrante
Deus a ele (v. 33), representando, assim e lhe deu um novo sentido de identidade,
um sinal divino. Ademais, Jesus respon na troca do seu nome. Antes ele se
deu à sua pergunta com um convite, definia em termos do passado, como o
Vinde e vereis, que lhes soou tão cativan filho de João. Agora iria compreender
te que aceitaram de imediato, embora já sua personalidade em termos do futuro:
fosse tarde (a décima hora situa-se por Tu serás chamado Cefas. Esta palavra
volta das 16 horas). aramaica, traduzida para Pedro do gre
Quando a corrente viva das testemu go, não era um nome próprio muito
nhas começou a crescer, o mesmo equilí usado, mas um apelo forte que anuncia
brio entre a iniciativa divina e a humana va Simão como um discípulo que se
se manteve de forma cuidadosa. A pri tornaria um “homem-rocha” (cf. Mat.
meira coisa que André fez foi comparti 16:18).
lhar, com seu irmão Simão, o grande Novamente, aqui, a reciprocidade da
“eureka” do evangelismo cristão: Have graça e da fé apresenta-se com clareza.
mos achado! Este discípulo protótipo de Simão veio a Jesus como conseqüência da
cidiu tomar-se voluntariamente, em con iniciativa de André. Jesus, por seu lado,
respondeu com a dádiva inesperada de também no âmago da chamada ao com
uma nova identidade, para alguém que promisso, nos Evangelhos” Sinópticos
procurava tão ansiosamente por ele. Esta (exemplÔTMar. 1:17; 2:14; 8:34; 10:21)^
reciprocidade de tratamento, no encon Ela define discipulado em termos mais
tro divino-humano, caracteriza todo ver relacionais do que intelectuais, emocio-
dadeiro evangelismo. jiais ou funcionais. Não foram oferecP
dos a Filipe uma idéia para refletir, uma
2) Filipe e Natanel (1:43-51) palavra de ânimo para experimentar
ou uma tarefa para executar, mas uma
43 No d ia se g u in te , J e s u s re so lv e u p a r t ir
p a r a a G aliléia, e, a c h a n d o a F ilip e disse- pessoa a quem obedecer. Em lugar da lei
lh e : S eg ue-m e. 44 O ra , F ilip e e r a d e B et- das Escrituras Sagradas ou do ritual
sa id a , c id a d e de A n d ré e d e P e d ro . 45 F ilip e do Templo santo, Jesus ousou identifi
ach o u a N a ta n a e l, e d isse-lh e : A c a b a m o s de car-se como a fonte da orientação para
a c h a r a q u e le de q u e m e s c r e v e ra m M o isés,
n a lei, e os p ro f e ta s : J e s u s d e N a z a ré , filho
Deus. Além do que, seus convites toma
de J o s é . 46 P e rg u n to u -lh e N a ta n a e l: P o d e vam o futuro em conta. Seguir implica
h a v e r c o isa b o a v in d a de N a z a ré ? D isse-lhe em uma peregrinação livre e dinâmica,
F ilip e : V em e v ê . 47 J e s u s , v en d o N a ta n a e l não numa posição fechada e estática.
a p ro x im a r-se d e le , d isse a se u re s p e ito : O cristianismo não é um lugar para
E is u m v e rd a d e iro is ra e lita , e m q u em n ão
h á dolol 48 P erg u n to u -lh e N a ta n a e l: D onde permanecer, mas uma estrada para se
m e co n h eces? R espondeu-lh e J e s u s : A ntes caminhar num belo companheirismo
que F ilip e te c h a m a s s e , e u te vi, q u an d o com o “Líder” da vida (cf. At. 3:15;
e s ta v a s d eb aix o d a fig u e ira . 49 R espondeu- Heb. 12:2).
lhe N a ta n a e l: R a b i, tu é s o F ilh o d e D eu s, tu
é s R ei d e I s ra e l. 50 Ao q u e lh e d isse J e s u s :
A relação com Jesus, entretanto, não
P o rq u e te d is se : V i-te d eb aix o d a fig u e ira , tira uma pessoa do mundo, mas a envia
c rê s ? c o is a s m a io re s do q u e e s ta s v e rá s . com a responsabilidade de testemunhar
5 1E a c re s c e n to u : E m v e rd a d e , e m v e rd a d e aos outros. Assim, Filipe logo achou
vos digo q u e v e re is o cé u a b e rto , e os a n jo s a Natanael, um judeu das proximida
d e D eu s subin do e d escen d o so b re o F ilh o do
h o m em . des de Caná da Galiléia (21:2), conhe
cido de nós apenas no Quarto Evangelho
Ao deixar o cenário da Judéia, onde e que compartilhava, com ele, da fé de
João batizava (1:28), Jesus decidiu viajar um grupo de discípulos em formação.
pelo norte, para a Galiléia, um território Filipe diria: Nós o havemos encontrado,
amplamente pagão, sobre a~"penFería dà ' porque Jesus achara primeiro Filipe.
Palestina judaica (o nome Galiléia sieni- O conteúdo do depoimento que identi
fica literalmente “círculo dos gentios” ficou Jesus como aquele de quem escre
òu “distrito de estrangeirõs^TTOTêncon- veram Moisés, na lei, e os profetas pode
trou Filipe, um judeu de nome grego e ser uma alusão específica ao profeta
procedente de Betsaida, cujo berço esta mosaico descrito em Deuteronômio
va numa cidade fortemente helenizada, 18:15-18 (cf. Deut. 34:10), embora seja
sobre a margem norte do M ar da Gali mais comum apenas apresentar Jesus
léia. Talvez Jesus tivesse sido levado a como o cumprimento de todo o Velho
Betsaida (literalmente, “casa do pesca Testamento.
dor”), por ser a cidade de André e Pedro. A identificação da esperança bíblica
De qualquer modo, encontraria lá cida preferida com um homem Jesus, conhe
dãos cosmopolitas, capazes de fazer a cido apenas como o filho de José, da
mediação entre os mundos judaico e o obscura vila de Nazaré, inspirou Nata
grego (cf. 12:20-22). nael para a réplica incrédula: Pode haver
A chamada de Filipe, como registrado coisa boa vmda de Nazaré? Uma vez que
aqui, foi reduzida ao seu elemento mais a rivalidade entre as cidades era prover
essencial: Segue-me. Esta frase consta bialmente forte, Natanael pode ter reve-
lado institivamente o desprezo de Caná uma referência possivelmente ridicula-
pela vizinha Nazaré. Mais provavelmen rizadora (cf. 6:42; 8:19,41), mas com
te, porém, reagiu como um estudioso o Filho de Deus, um título relacionado,
sério das Escrituras, que sabia que ne no Velho Testamento, com o Rei de
nhum filho de José de Nazaré, fora ante Israel (Sal. 2:7). Para Natanael, Jesus
cipado nas promessas das Escrituras (cf. tornou-se o grande mestre (Rabbi), com
7:41,52). De qualquer modo, a resposta quem estudaria as Escrituras debaixo da
de Filipe possibilitou uma resposta di figueira, e o Messias real, que inaugura
reta, sem o preconceito prejudicial ou o ria uma nova era de paraíso, em que a
literalismo bíblico: Vem e vê. “árvore do conhecimento” floresceria.
A estratégia de Jesus mostrou-se mais A confissão feita por Jesus foi ainda
interessante do que a de Filipe. Tão logo mais supreendente do que a exaltada
viu Natanael aproximar-se dele, ele o exclamação de Natanael. Agora que o
elogiou, este que era exatamente aquele mestre estava certo da adesão total dos
que desprezara suas origens: Eis um seus discípulos, poderia conduzí-los para
verdadeiro israelita, em quem não há além dos fundamentos judaicos, sobre o
dolo! Esta imagem do modelo do judeu qual a sua fé primeiro sè baseara. Pois na
piodoso confrontou Natanael com o mais realidade, ele não veio apenas para
profundo sentido de sua identidade, com cumprir o Velho Testamento, conforme
o estilo de vida que tão insistentemente interpretado pelo pensamento judaico
buscava igualar. Não é de admirar-se, contemporâneo, mas para realizar coisas
então, que, diante de revelação tão fan maiores do que estas.
tástica, de seus próprios anseios, tenha Aqui, como em Cesaréia de Filipe
exclamado: Donde me conheces? (cf. (Mar. 8:29,31), Jesus se opôs a uma in
2:25) terpretação tipicamente judaica, de sua
A chave desta claravidência era algo missão, compreendida em termos de um
que Natanael desejava muito. Jesus pôde messianismo político, que substituirá o
identificá-lo como a verdadeira incorpo conceito mais espiritual do Filho do
ração da religião veterotestamentária, homem, desenvolvido na última parte do
porque o viu debaixo da figueira. Esta Velho Testamento. Mais ainda, ele rela
referência, seja estendida num sentido cionou este título com a conhecida his
literal ou simbólico, tratava das condi tória do sonho de Jacó, em Betei, em
ções espiritualmente ideais para o estudo que, por uma escada que tocava os céus,
da lei de Deus (Miq. 4:4; Zac. 3:10). os aitfos de Deus subiam e desciam (Gên.
Jesus atribuiu um significado extremo a 28:12). Uma diferença decisiva, no en
um estudo sincero das Escrituras por tanto, está na afirmação de que o Filho
aqueles que buscavam com sinceridade do homem era a própria escada. Jesus
o reino messiânico da paz (cf. 5:39,46). se apresentou como o canal pessoal da
Jesus tinha compreendido e atingido revelação entre Deus e o homem.
de modo tão perfeito os profundos an Para os discípulos, o ponto crucial
seios de lealdade de vida de Natanael, desta apresentação estava na promessa,
que a dúvida neste, deu lugar à fé confes duas vezes repetida, vereis, mais tarde
sada assim: Rabi, tu és o Filho de Deus, reforçada pela solene fórmula introdu
tu és Rei de Israel. As origens terrenas tória, Em verdade, em verdade. Não se
foram esquecidas, como se Jesus estivesse tratava de uma “volta a Betei” , experi
num contexto inteiramente novo. Foi ele, ência na qual todos os verdadeiros isra
então, visto não como procedente de elitas, como Natanael, eram convidados
Nazaré, mas como alguém de quem es a sonhar os sonhos dos patriarcas anti
creveram Moisés, na lei, e os profetas. gos. Ao contrário, a afirmação era que
Não era mais visto como o filho de José, sua peregrinação futura de discipulado,
que fora apenas um sonho para Jacó, se quia da burocracia judaica, enquanto os
transformaria em realidade visível para Sinópticos apresentam-no num cenário
eles. Não era mais necessário esperar mais provinciano e rural, envolvido com
muito. Como indica o versículo seguinte os líderes locais da religiosidade judaica
(2:1), somente três dias depois eles co popular.
meçaram a perceber que os céus tinham- Em sua sequência literária, João,
se aberto permanentemente e foram capítulos 2 a 12, parece ter surgido de
unidos à terra na pessoa de Jesus. Esta "um núeleõ de histórias de milagres reu
idéia de Jesus, como o elo aberto entre nidas nnmrf “fonte de. sinak” Pelo me
céus e terra, como aquele que tornou nos é o que sugere a enf ática enumeração
realidade os sonhos do passado, domina dos sinais em 2:11 e 4íS4, como também
o resto do Evangelho, particularmente as insistentes referências a milagres em
o “livro dos sinais” . Desse modo, 1:51 1:50,51 e em 20:30,31 (cf. 12:37), prin
serve, na realidade, como um texto para cipalmente se esses versículos original
tudo que se seguirá nos capítulos 2 a 12. mente prefaciaram e concluíram tal
fonte. Muito embora João, capítulos 2
Primeira Parte: O Livro dos Sinais a 12 incluísse menos relatos de milagres
2:1-12:50 do que qualquer registro sinóptico, eles
são apresentados numa forma literária e
O Evangelho de João se divide em duas teológica elaborada não vista em ne
grandes partes, capítulos 2 a 12 e 13 a 20, nhuma parte dos outros Evangelhos.
servindo o capítulo 1 como introdução Muitos comentaristas acham que os
e o 21 como conclusão. Esta estrutura sinais, nos capítulos 2 a 12, se tornaram
literária corresponde ao duplo movi mais comoventes por terem sido redu
mento teológico do Evangelho, que des zidos a sete, número que, na mentali
creve a “ descida” e a “subida” do Logos dade bíblica, geralmente significa pleni
encarnado, numa “parábola de reden tude. Podemos, então, apresentar os sete
ção” entre os céus e a terra. A primeira sinais: a transformação de água em vinho
parte ocupa-se do mistério público de (2:1-11), a cura do filho do oficial (4:
Jesus ao velho Israel, enquanto, a segun 46-54), a cura do homem paralítico
da, trata fundamentalmente de seu mi (5:1-9), a multiplicação dos pães (6:1-
nistério particular ao novo Israel (cf. 15), a caminhada sobre o mar (6:16-21),
o sumário, em 1:11,12). a devolução da vista a um homem cego
João, capítulos 2 a 12, diferentemente de nascença (9:1-7) e a ressurreição de
dos Sinópticos, centraliza as atividades Lázaro (11:1-44).
de Jesus no sul de Jerusalém, e não no No entanto, a palavra sinal (sémeion)
norte de Cafarnaum. A conseqüência não é referida em dois desses episódios
disso é o aumento das diferenças entre (5:1-9; 6:16-21), ao passo que o plural
os dois relatos, o que é melhor entendido sinais (semeia) é usado em vários outros
se aceitar-se que João trabalhou, basi acontecimentos (2:23; 3:2; 6:2; 6:26;
camente, a partir de fontes da Judéia, ao 7:31; 9:16; 11:47; 12:37). Assim, de duas
passo que os Sinópticos usaram, em sua uma: ou o número exato de sinais não
maioria, material proveniente da Gali- teve qualquer importância ou estes sete
léia. sinais foram desenvolvidos de uma fonte
Os dois enfoques não se completam mais antiga e mais simples, que se referia
nem se contradizem propositalmente, genericamente a muitos sinais.
mas seguem linhas bem independentes. O conteúdo de João, capítulos 2 a 12,
*■-= - ' '• ~ I | ir*
João, capítulos 2 a 12, por exemplo, indica_a recusa iudaica do Messias, em
coloca Jesus num cenário mais cosmo três estágios sucessivos, jr r tfliêíforyãs
polita e urbano, em luta contra a hierar capítulos f T T i n S E m a bol recepti
vidade que teve como portador dos Do ponto de vista da forma, 2:1-4:54
poderes da nova era (2:11,23; 3:2,26; é uma das seções mais cuidadosamente
4:l,45,53)(j5èjxn§^ nos capítulos 5 a 10. organizadas do Evangelho. Ela começa
a entusiástica, embora superficial acei- (2:1) e termina (4:54) propositadamente
taçao, muda para um tom de opinião na Galiléia, o que pode evidenciar o
conflitante ^e_de_Jiostilidade profun da conhecimento do enfoque sinóptico. Os
(5:16,18,43; 6:41,52,66; 7:1,12,13,19, relatos de abertura e conclusão em Caná
20,25,30-32,43,44,48; 8:13,37,59; 9:16, servem como grampos que permitem à
22; 10:19,21,31,39). (finalmente^ nos seção inteira formar uma unidade lite
capítulos 11 e 12, o ritmo da. apologética rária. Entre eles estão quatro ' outros
se acelera rapidamente, até que uma incidentes, localizados em Jerusalém,
decisão irrevogável é tomada, para des Judéia e Samária. A rápida sucessão de
truir Jesus, e se completa a ruptura entre seis narrativas é prevista para dar um
ele eT srael (11:8.16.50.53.54.57: 12: impacto ainda maior, na intenção de
7,24,33,37,42,48). Em nenhum lugar do confrontar o leitor com uma ilustração
Novo Testamento se analisa de modo tão abrangente da era agora manifesta. Em
profundo como aqui a dinâmica da de todos os casos, o dramático relato da
cisão e a ironia da rejeição. Embora de obra redentora de Jesus é alternado com
perspectiva diferente, o problema aqui uma palavra interpretativa, pelo evan
é o mesmo que angustiou Paulo, de gelista, que procura dar, ao leitor, uma
acordo com Romanos 9 a 11: Por^queji oportunidade de pausa para reflexão
religiãoAg.goloça* à£vezes,_comp o maior (cf. 2:11,12; 2:21-25; 3:16-21; 3:31-36;
obstáculojpara a fé em Cristo?^ 4:43-45; 4:54).
O propósito de 2:1-4:54, na estrutura
I. A Chegada do Revelador do Evangelho, pode ser compreendido
(2:1-4:54) com base em sua relação com a seção
preparatória que a antecede (1:19-51).
Todos os Sinópticos começam com Lá, a pessoa de Jesus foi elucidada pela
uma elevada introdução teológica, se atribuição, a ele, de dez títulos muito
guida de uma seção geral, sobre o pode comuns na evolução do Velho Testa
roso início do ministério público de Jesus mento e na devoção dos primeiros cris
(cf. Mat. 4:23-9:34; Mar. 1:14-45; Luc. tãos. Aqui, a obra de Jesus é resumida
4:16-44). Todos concordam em que o em seis narrativas altamente simbólicas,
começo na Galiléia foi bem sucedido, que relembram a forma como ofereceu,
embora não tenha estado ausente um ao judaísmo, as profundas realidades
tom de incompreensão. O Evangelho de espirituais, antecipadas por sua velha
João levou este modelo de apresentação a religião. Um sentido de plenitude per-
um clímax, ao seguir, sua majestosa vade toda a seção.
introdução (1:1-51), com um claro relato É muito interessante, porém, que estes
(2:1-4:54) da nova era anunciada por sinais da consumação da esperança de
Jesus. Esta última seção serve como um Israel não vieram de forma catastrófica,
comentário vivo a 3:17. A oferta inicial como muitos judeus supunham que
de Deus, ao homem, é a salvação, e não viriam, mas lhes abriram os olhos da fé.
a condenação. A primeira palavra do Em todas as seis partes desta seção, a
Evangelho é sempre graça, e não juízo. A fé é apontada como ponto crucial da
rejeição de Jesus, mostrada nos capítulos resposta humana à atividade salvadora
5 a 12, foi essencialmente uma conse de Jesus (cf. 1:7,12).
qüência da resistência humana à oferta Em Caná, os discípulos não se alegra
de uma nova maneira de viver, apresen ram com a nova porção de vinho, mas
tada nos capítulos 2 a 4. “creram nele” , que isto fizera (2:11).
A purificação do Templo só teve razão de ram, depois de vários momentos, a uma
ser, para eles, depois da ressurreição, fé profunda (4:15,19,29,39,42). Final
quando “creram na Escritura, e na mente, os últimos três níveis de fé são
palavra que Jesus havia dito” (2:22). identificados na história do oficial de
Nicodemos foi desafiado a crer nas Cafarnaum (4:48,50,53).
“coisas celestiais” (3:12), isto é, a ter Isto não quer dizer, entretanto, que a
fé naquele que “desceu do céu, o Filho fé seja sempre incompleta, uma tenta
do homem” (3:13), pois somente aquele tiva feita na intenção de mostrar que a
que “nele crê tem a vida eterna” (3:15; verificação de que a relatividade da exis
v. 16,18). João Batista insistiu que seus tência humana jamais poderá ser esta
seguidores transferissem sua lealdade belecida. Antes, como 1:35-51 clara
para Jesus, e este apelo foi reafirmado mente evidencia, a fé pode surgir como
pela declaração de que “aquele que crê uma convicção absoluta, mesmo quando
no Filho” já se livrou da ira de Deus estiver longe da maturidade. Assim como
(3:36). Jesus segou uma generosa co o verdadeiro casamento envolve a pro
lheita humana quando “muitos sama- messa de votos irrevogáveis, por duas
ritanos... creram nele” , quer pelo tes pessoas cujo crescimento em direção a
temunho de uma mulher ou de sua uma entrega mútua e amadurecida já
própria palavra (4:39-42). Como um começou, o discipulado se baseia na fé
oficial “creu na palavra que Jesus lhe entendida como obediência total e como
dissera” (4:50), seu filho foi salvo da franqueza completa. Ê por isso que a
morte, gerando grande fé (4:53). ênfase sobre a fé, como um início deci
Esta singular concentração sobre fé no sivo, em João, capítulo 1, deve ser sem
clímax de cada unidade mostra a impor pre equilibrada com a ênfase sobre a fé,
tância da fé para a salvação e seu caráter como uma peregrinação interminável,
essencial de abertura obediente para os em João capítulos 2 a 4.
poderes da nova era, agora manifestada
no ministério de Jesus. 1. A Nova Alegria (2:1-12)
Mais do que isso, esta fé é descrita
sempre, em João mais pela forma verbal A referência a “Três dias” (2:1), no
(pisteuein) do que pelo substantivo início desta passagem, faz a ligação com
(pistis), nunca usado. Isto significa que a seção anterior. Lá, Jesus tinha reunido
o ato de crer é visto fundamentalmente um grupo de seguidores, que confessa
como uma resposta mais ativa do que ram crer que a esperança messiânica de
uma atitude imutável. É isto que explica Israel se cumpria nele (1:36,41,45,49).
por que a fé é freqüentemente apresen Dificilmente compreenderiam eles, no
tada com um processo, em João, capí entanto que este processo começaria em
tulos 2 a 4. apenas “ três dias” , uma expressão bí
Segundo a resposta da fé em Caná blica usada para indicar um curto perío
(2:11), os discípulos só passaram a com do de tempo (ex. Os. 6:2). Logo depois
preender o significado da purificação do de Jesus ter garantido, aos discípulos,
Templo depois de um longo processo de que veriam “coisas maiores” (1:50),
reflexão e de estudo bíblico (2:17,22). este apocalipse, ou visão dos “céus aber
Nicodemos foi convidado a passar da fé tos” , começou a ser entendido (cf. Mar.
nas coisas terrenas para a fé nas coisas 14:62).
celestiais (3:12). João Batista procurou Estamos diante de um primeiro mo
diminuir a dedicação para consigo mes mento do uso criativo da expressão “três
mo e aumentar a dedicação para com dias” , para sugerir a rapidez com que
Jesus (3:22,23,26,30; 4:1). A mulher Jesus, parecia, que estabeleceria a nova
samaritana e seus compatriotas chega era (cf. 2:19; Mar. 8:31). Esta forma de
expectação iminente esteve presente em implícito. Não podemos determinar, por
todo o seu ministério. exemplo, se foi uma discreta sugestão de
que o tempo chegara ou, já que esta
1) O Primeiro Sinal: Ãgua Transforma narrativa ocupa uma posição, em João,
da em Vinho (2:1-11) semelhante à da tentação, nos Sinópti
1 T rê s d ia s d epois, houve u m c a sa m e n to cos, se pode ter sido um impaciente
e m C a n á d a G a liléia, e e s ta v a a li a m ã e de esforço maternal de encorajar seu filho
J e s u s ; 2 e foi ta m b é m co n v id ad o J e s u s , co m a exercitar seus notáveis poderes. O
se u s d iscípulo s, p a r a o c a sa m e n to . 3 E ,
ten d o a c a b a d o o vinho, a m ã e d e J e s u s lhe
ponto importante é a compreensão, por
d is s e : E le s n ã o te m vinho . 4 R esp o n deu -lh e parte de Jesus, que ele e sua mãe pensa
J e s u s : M u lh er, q u e te n h o e u co n tig o ? A inda vam de maneiras completamente dife
n ão é c h e g a d a a m in h a h o ra . 5 D isse e n tã o rentes. Isto é indicado por todas as três
s u a m ã e a o s s e r v e n te s : F a z e i tu d o q u a n to partes de sua resposta.
e le vos d is s e r. 6 O ra, e s ta v a m a li p o sta s
se is ta lh a s de p e d ra , p a r a a s p u rific a ç õ e s (1) Ao dirigir-se a ela como mulher,
dos ju d e u s , e e m c a d a u m a c a b ia m d u a s ou ele não estava sendo grosseiro ou indi
tr ê s m e tre ta s . 7 O rdenou-lh es J e s u s : E n c h e i ferente. O termo poderia significar uma
d e á g u a e s s a s ta lh a s . E e n c h e ra m -n a s a té resposta dura, como em 19:26. Antes, ele
e m c im a . 8 E n tã o lh e s d is s e : T ira i a g o ra , e
estava definindo formalmente seu rela
le v a i a o m e s tre -s a la . E e le s o fiz e ra m .
9 Q uando o m e s tre - s a la p ro v o u a á g u a to r cionamento, mais que na incrível per
n a d a vinho, n ã o sa b e n d o d o n d e e r a , se b e m gunta sinóptica: “Quem é minha mãe?”
que o s a b ia m os s e rv e n te s q u e tin h a m tira d o (cf. Mar. 3:33). O uso de mulher, por um
a á g u a , ch a m o u o m e s tre -s a la a o noivo 10 filho, para se referir à sua mãe não tinha
e lhe d is s e : T odo h o m e m põe p rim e iro o
vinho b o m e , q u a n d o j á te m b eb id o b e m ,
precedentes no judaísmo. Em certo sen
e n tã o o in f e r io r ; m a s tu g u a rd a s te a té a g o ra tido, ela teria que perdê-lo como filho,
o b o m vinho. 11 A ssim d e u J e s u s início a o s para encontrá-lo como Salvador.
se u s sin a is e m C a n á d a G a liléia, e m a n i (2) A expressão idiomática, que tenho
festo u a su a g ló ria ; e os se u s discíp u lo s
c r e r a m n ele.
eu contigo? não era um tratamento hostil
(cf. Juí. 11:12; I Reis. 17:18; Mar. 1:24;
A cerimônia festiva de casamento era Mat. 8:29), mas servia como uma de
uma das ocasiões mais importantes e claração eficiente de independência,
alegres da vida da família judaica. Como como uma clara alusão de que ela não
os casamentos eram geralmente contra deveria reivindicar autoridade sobre ele.
tados com bastante antecedência, a mi Sua mãe não devia compreender o que se
núscula vila de Caná da Galiléia deve ter seguiu meramente como um esforço
antecipado ansiosamente esta celebra obediente de um filho em fazer a vontade
ção. Sem dúvida alguma, um grande dela.
número de amigos e parentes foi convi (3) Este surpreendente desinteresse foi
dado, inclusive a mãe de Jesus, da vizi motivado pelo fato de que sua mãe se
nha Nazaré. Como os festejos continuas preocupava com o estoque de vinho,
sem, ela percebeu a seriedade de um enquanto Jesus estava absorvido no seu
possível transtorno, quando as reservas destino vocacional, chamada, aqui, de a
do selecionadíssimo vinho começaram hora que não havia chegado (cf. 7:30;
a escassear. Dirigindo-se ao seu filho, 8:20; 12:23,27; 17:1). O que fizesse em
que também fora convidado e se fazia Caná deveria ter relação — como parte
acompanhar dos seus discípulos, ela integral — com o ministério que teria
pediu indiretamente a sua ajuda, ao seu clímax na cruz.
dizer-lhe que as talhas tinham-se esva à luz deste impasse entre mãe e filho,
ziado (v. 3). por que Jesus acabou por superar logo
Não há qualquer indicação sobre o pro sua repulsa e concordar em resolver o
pósito ou o espírito deste seu- pedido problema das reservas de vinho? Este
comportamento aparentemente incoe tirassem a água e a levassem ao mestre-
rente faz parte de um significativo mode sala. Que esta água devia ser tirada de
lo, sempre recorrente no Evangelho. um poço, e não das talhas de pedras,
Em 7:1-10, por exemplo, os irmãos de parece evidenciado por três razões, pelo
Jesus sugeriram-lhe que fosse a Jerusa menos: (1) a água originariamente co
lém; ele recusou a proposta, mas depois locada nas talhas possivelmente acabara
foi. Novamente, em João 11:1-7, as irmãs por ter sido usada antes da hora, pelos
de Lázaro procuraram por Jesus; de convidados; (2) o verbo “tirar” (antleõ)
início, ele não atendeu, mas logo depois significa, geralmente, “tirar de um
insistiu em fazer a viagem. poço” , e é usado nesta acepção, neste
Estes não foram momentos de hesita Evangelho (cf. 4:7,15).8
ção da parte de Jesus, mas reflexos de Nesta linha, o simbolismo, indicado por
sua tríplice disposição: (1) não ser diri estas estranhas instruções, era coerente e
gido por pressões humanas, mesmo revelador ao mesmo tempo. As talhas de
quando fundadas em necessidades ver pedra representavam o sistema cerimo
dadeiras; (2) mas, antes, relacionar seus nial judaico; o fato de serem seis pode
problemas à sua compreensão da von também indicar a insuficiência da velha
tade de Deus, e (3), ao mesmo tempo, ordem. Jesus, entretanto, não ignorava
tratar desses assuntos num nível mais esta herança, mas, antes, realizou-a
profundo do que poderiam imaginar (i. é: ao seguirem suas instruções, os
aqueles que estivessem com problemas. servos encheram as talhas até em cima).
Jesus não se mantinha indiferente diante Então, ao servir-se do poço, como uma
das indagações, mesmo as mais mun sétima e derradeira fonte, ele deu aos
danas ou mesquinhas. Ao contrário, servos, a oportunidade de prestarem uma
estava interessado em descobrir formas decisiva contribuição à festa. Esta não
criativas, pelas quais respondesse, a era água estagnada das talhas de pedra,
essas indicações, num contexto de re mas água viva, tirada de uma fonte
denção. abundante e corrente (cf. 4:14; 7:38,
Neste sentido, Jesus viu, no estoque de Jer. 2:13). Segundo esta interpretação,
vinho, uma oportunidade segura para Jesus teria querido mostrar, aos seus
ensinar, aos seus discípulos, uma ver discípulos, que estava preocupado com a
dade fundamental acerca de seu minis religião judaica, de outro modo, por que
tério. Com a cooperação graciosa de sua encher as seis talhas de pedra? (Note-se o
mãe, ele começou por instruir os servos paralelo dos doze cestos cheios, em
a encherem, com água, seis talhas de 6:13). Ao mesmo tempo, procurou indi
pedra, tradicionalmente usadas, pelos car que podia ir além do sistema de
judeus, para banhos cerimoniais, a fim então, que previa a purificação através
de se purificarem de qualquer profa de práticas rituais.
nação pagã. Encher estes recipientes A lição final, para os discípulos, teve
até em cima deve ser entendido de forma lugar a seguir. O mestre-sala provou a
mais simbólica que prática, pois este não água e descobriu que ela se transformara
era costume então, já que os ritos judai em vinho. Sem nada saber a respeito dos
cos de purificação requeriam a imersão atos de Jesus, ele chamou o noivo de
da parte inferior de ambos es braços na imediato e, ao mesmo tempo que o re
água (o sentido aparente de Marcos
8 A idéia de que a água tom ada vinho foi retirada do
7:3,4). poço, e não dos jarros, foi popularizada por B.F.
Embora os discípulos já tivessem fica Westcott, em The Gospel According to St. John.
do intrigados com procedimento tão (London, James Clark & Co., 1958, reimpressão da
edição de 1880), p. 37 e 38. Contestaram*na eruditos
estranho, seu assombro aumentou quan de renome, como C.K. Barreti, em The Gospel Accor-
do Jesus ordenou, aos servos, para que ding to St. John (London, S.P.C.K., 1955), p.160.
preendia, parabenizou-o por deixar o água em vinho foi absolutamente sin
melhor para o fim. A partir daí, a desa gular. As diferenças fundamentais entre
nimada festa recebeu uma nova vida, o cristianismo e as religiões de mistério
como conseqüência da transformação estavam no próprio Jesus e na qualidade
operada por Jesus. da fé que ele despertou.
Mais importante que a mudança de O verdadeiro contexto para se com
espírito, na festa de casamento, foi, na preender o simbolismo vinho-casamento
verdade, a mudança da fé por parte dos da história de Caná vem do Velho Testa
discípulos. Eles entenderam que esta mento e do ministério de Jesus. Três
nova alegria, que começava a jorrar em temas dessas fontes se misturaram nesta
Caná, era apenas um sinal da glória narrativa de alto sentido teológico.
(significado divino) do próprio Jesus. (1) O vinho estava intimamente ligado
Assim, a resposta realmente valiosa que à alegria, tanto física como espiritual. Na
deram não foi o desfrutar do dom, mas criação, era uma dádiva de Deus para
o crer no doador. Para eles, Jesus era alegrar o coração (Gên. 27:28; Sal. 104:
muito mais que “a vida da festa’’. No gesto
15; Ecl. 9:7). Quando a terra era devas
simbólico de Jesus, eles viram que um
tada e o vinhedo destruído, a alegria tra
começo decisivo ou um novo princípio zida pelo vinho tornava-se uma espe
tivera lugar, pelo que a alegria escato- rança futura (Os. 14:7; Jer. 31:12; Zac.
lógica da era messiânica se manifestava. 10:6,7). Na nova era, esperava-se que o
Observe-se que o incidente se concen Senhor fizesse uma festa de vinho, em
tra totalmente sobre o operador do mi sua montanha santa (Is. 25:6). Por isso,
lagre, e não no milagre propriamente. Jesus relacionou o reino com um ban
O texto afirma, de modo simples, que quete ou uma festa de casamento (Mat.
a água se tornara vinho, mas não há 8:11; 22:1-10; 1-13; 26:29) e seus segui
informação sobre como isto aconteceu. dores com os amigos do noivo (Mar.
Jesus também não comentou a forma da 2:19; cf. João 3:29). Para tristeza de cada
operação do milagre. O mestre de ceri estraga-festa religiosa, ele celebrava
mônias e o noivo nada compreenderam. abertamente a alegria da salvação de
O milagre em si ficou à margem do Deus com coletores de impostos e peca
palco, fora dos refletores. Até os servos dores (Mat. 11:19). Ele derramou vinho
sabiam apenas de onde tinham tirado novo (Mar. 2:22) e ao mesmo tempo era
a água. Ao contrário da maioria das sua fonte (João 15:1). Em Caná, os dis
histórias de milagres, não houve um cípulos viram que, quando Cristo inter
reconhecimento público de que uma veio, os homens foram “surpreendidos
poderosa operação ocorrera. O relato pela alegria” (C.S. Lewis).
não interessa pelos métodos usados, para
transformar a água em vinho, mas (2) Relacionado com a ênfase sobre o
apenas pelos efeitos dessa mudança na vinho como alegria, estava o tema pró
fé dos discípulos.9 ximo da abundância. Os profetas em
particular anteviram não só o “envio de
A modéstia com que é tratado o mila
vinho” como uma dádiva divina (Joel
gre contrapõe-se claramente à história do
2:19), mas a sua profusa presença (Joel
culto a Dionísio (Baco), em que eram
2:24), quando as próprias montanhas
comuns os mais extravagantes anúncios
de produção sobrenatural de vinho. No “destilarão vinho doce” (Joel 3:18; Am.
mundo antigo, o comportamento de 9:13,14). Uma expressão pouco comum
informar apenas que Cristo transformou deste tema aparece em II Baruque 29:5,6
onde, no tempo vindouro, quando tudo
9 C.H. Dodd, Historical Tradition in the Fourth Gospel se consumar” (v. 3), e “o Messias come
Cambridge, University Press, 1963), p. 223*228. çar a ser revelado” (v. 3), “a terra tam
bém produzirá o seu fruto em dez mi 2) Â Visita a Cafarnaum (2:12)
lhares e em cada videira haverá mil
12 D epois d isso d e sc e u a C a fa rn a u m , e le,
ramos, e todo ramo produzirá mil cachos su a m ã e , se u s irm ã o s , e se u s d isc íp u lo s; e
e cada cacho produzirá mil uvas, e cada f ic a ra m a li n ã o m u ito s d ia s.
uva produzirá cor de vinho” (cor = 120
galões). Em Caná, o fato de os servos Esta breve notícia histórica estabelece
terem voltado ao poço, depois de já terem um claro contraste com a elaborada nar
retirado água suficiente para encher seis rativa teológica anterior. Esta referência
talhas, com a capacidade de 80 a 120 mundana serve, entretanto, para recor
litros cada (v. 6), mostra que o novo dar, ao leitor, que aquele que manifesta
vinho de Jesus é retirado de uma fonte sua glória através de obras poderosas
que jamais se esgota. (v. 11) não era uma aparição celestial,
mas um homem terreno, com mãe, ir
(3) Ã luz destas ênfases sobre a alegria
mãos e discípulos, e que vivia em lugares
abundante, é de se estranhar que o vinho
determinados, como Cafarnaum. No
fosse também associado ao sofrimento
exato momento em que o caráter sobre
e à morte. Não somente sua cor sugere
natural de Jesus parecia se evidenciar,
sangue, mas sua produção envolve o
o evangelista estava preocupado em dar
esmagamento do cacho de uva no lagar.
uma atenção igual à sua historicidade.
Beber os resíduos amargos do vinho do
Vários problemas surgiram desde o iní
sofrimento era uma forma de castigo
cio, devido a esta transição editorial; os
divino (Sal. 60:3; 75:8). Jeremias reuniu
vários esforços para resolvê-los ficaram
esta imagem ao conceito próximo de
refletidos nos manuscritos mais antigos
copo (Jer. 49:12; cf. Is. 51:17,22), para
dar à admirável expressão “copo de disponíveis.
Primeiro, foram estes apontados aqui
vinho da ira” (25:15), um quadro vivo da
como “seus irmãos” (hoi adelphoi)
vingança de Deus relacionado ao poema
carnais, por terem a mesma mãe? (A
do lagar (Is. 63:1-6).
palavra seus é omitida de vários manus
Jesus compreendeu as conseqüências critos e é de leitura difícil) A posição
explosivas de ofertar vinho novo num católica romana, da perpétua virgindade
sistema religioso que era frágil como o de Maria, exige a pressuposição de que
velho odre de vinho (Mar. 2:22). As eram filhos de um casamento anterior de
sim como João Batista fora tirado de José ou que eram primos de Jesus por
seus discípulos, Jesus passaria pelo mes parte de um irmão de José ou uma irmã
mo destino, e a alegria de seus convi de Maria. Embora a doutrina da virgin
dados teria um fim abrupto (Mar. 2:20). dade perpétua de Maria tenha surgido
Em Caná, com receio de que sua mãe cedo, na história da Igreja, não há evi
supusesse equivocamente, que a nova era dência para tal afirmação em o Novo
da alegria messiânica sobreviria sem Testamento. O quadro uniforme, nos
dificuldades, Jesus não transformou o Evangelhos, é que Jesus teve quatro
vinho até ser lembrado por ela de que irmãos carnais (Mar. 6:3), que são ge
sua hora tinha chegado, a hora quándo o ralmente mencionados junto com sua
copo seria seu “sangue... derramado por mãe Maria (Mar. 3:31) e coerentemente
muitos” , até a morte (Mar. 14:24). A apresentados como não tendo crido nele
alegria que irrompeu em Caná teve curta durante seu ministério terreno. (João
duração, já que era mais a antecipação 7:5).
da alegria duradoura, que Jesus e seus Segundo, quem permaneceu em Ca-
discípulos conheceriam apenas quando famaum por não poucos dias? O “eles”
bebessem do “vinho no reino de Deus” da tradução da Imprensa Bíblica Brasi
(Mar. 14:25). leira traduz uma leitura que inclui mãe,
irmãos e discípulos com Jesus, em sua mou o novo vinho da alegria messiânica,
breve jornada. Outros textos rezam que enquanto em Jerusalém ele desafiou o
apenas “ele” permaneceu, implicando velho odre de vinho de um tradiciona-
que Jesus saiu logo para Jerusalém lismo frágil. Ê irônico que na pequena
(2:13), mas que o grupo inteiro não foi Caná, na periferia do judaísmo Jesus
com ele. A confusão surge inicialmente tenha encontrado uma resposta obedi
de uma comparação com a evidência ente, de servos humildes, enquanto, na
sinóptica em três pontos: (1) Jesus mon Cidade Santa, não conseguiu ser ouvido
tou seu quartel-general em Cafarnaum, pela alta liderança religiosa. Como resul
para um longo ministério galileu, (2) sem tado, a alegria que nascera de uma sim
sua mãe e seus irmãos, (3) depois de João ples celebração de casamento não pene
Batista ter sido preso (Mat. 4:12,13; trou no pátio do culto. A seqüência,
Mar. 1:14,21,29; 2:1; Luc. 4:23,31). porém, tem sentido: alegria foi a pri
Segundo João, entretanto, (1) ele nunca meira palavra do evangelho, demons
fez de Cafarnaum a sede de seu trabalho, trando mais uma infinita misericórdia do
mas visitou-a uma única vez, (2) com sua que uma vingança severa no julgamento
mãe e seus irmãos, (3) antes de João que se seguiu.
Batista ser preso (cf. 3:22-24). No contexto maior, o lugar dado por
Duas importantes conclusões podem João à purificação do Templo, no início
ser tiradas dos dados. Primeiro, o Quarto do ministério público de Jesus, bem
Evangelho é amplamente independente antes da sua entrada triunfal (12:12-19),
dos Sinópticos, nos materiais sinópticos estabeleceu um claro confronto com a
usados para apresentar o ministério de apresentação sinóptica, onde está perto
Jesus. Depois, como apenas uma peque do fim do ministério público, após a
na porção do material relevante seria entrada triunfal (Mat. 21:1-13; Marc.
usada (20:30; 21:25), a estrutura do 11:1-10; Luc. 19:28-46). A hipótese tra
Quarto Evangelho é basicamente tópica dicional de duas purificações parece im
e teológica, e não cronológica e geográ provável para tão crucial evento, em cujo
fica. Isto significa que 2:12 pode pre caso a simples solução de aceitar ambas
servar um pouco de informação histó as datas fica excluída. Não devemos tam
rica, independente do fato de que a bém optar por uma das datas, uma vez
família de Jesus estivesse intimamente que, ao organizarem seus materiais, nem
ligada ao seu ministério, antes de um João nem Sinópticos nutriam qualquer
período de desilusão que se iniciava preocupação cronológica.
(cf. 7:5; Marc. 3:21,31). Ao mesmo Desse modo, a purificação pode ter
tempo, este versículo fixa o tempo da sido colocada em lugares diferentes, na
permanência de Jesus em Cafarnaum narrativa evangélica, segundo estas duas
como se localizando apenas na primeira perspectivas, pela mesma razão, isto é,
fase do seu ministério. de sublinhar sua importância funda
mental. Os Sinópticos colocam o inci
2. O Novo Culto (2:13-25)
dente ao final, porque decidiram con
Uma das imagens mais dramáticas e centrar todo o ministério de Jesus na
significativas desta seção é sua localiza semana climática final, e este era obvia
ção na estrutura geral do plano do livro. mente o único contexto em que a ativi
No contexto imediato, o ligamento de dade no Templo aconteceu. Ao proceder
purificação do Templo com a transfor assim, expressaram a convicção de que
mação da água em vinho equilibra admi todo o ministério de Jesus se encami
ravelmente os temas dialéticos da alegria nhava para esta prova decisiva final,
e do juízo. Eis um comentário revelador que, por sua vez, precipitou a cadeia
de Marcos 2:22. Em Caná, Jesus derra de eventos relacionados com a cruz. Do
mesmo modo, João colocou este mesmo tu a c a s a m e d e v o ra r á . 18 P r o te s ta r a m , pois,
evento no início, devido à preocupação os ju d e u s , p e rg u n ta n d o -lh e : Q ue s in a l de
a u to rid a d e nos m o s tra s , u m a v ez q u e fa z e s
que sempre temos de dissociar o fim do isto ? 19 R esp o n d eu -lh es J e s u s : D e rrib a i
princípio. No que segue Jesus irá várias e ste s a n tu á rio , e e m tr ê s d ia s o le v a n ta re i.
vezes a Jerusalém — a maior parte do seu 20 D iss e ra m , p o is, os ju d e u s : E m q u a re n ta e
ministério terá lugar aí — e o fim con se is a n o s foi ed ific a d o e s te s a n tu á rio , e tu
o le v a n ta rá s e m tr ê s d ia s ? 21 M a s e le fa la v a
dutor de toda a controvérsia desenvol do s a n tu á rio do se u co rp o . 22 Q uando, pois,
vida a partir daí será sempre conhecido re s s u rg iu d e n tre os m o rto s, os se u s d is c í
do leitor, desde este episódio. pulos se le m b r a r a m d e q u e d is s e ra isto , e
Enquanto a história de Caná aponta c re r a m n a E s c r itu r a , e n a p a la v r a que
para a cruz, através da imagem do vinho J e s u s h a v ia dito.
e da referência à “hora não chegada” , a Jesus aproveitava as grandes oportu
purificação antecipa explicitamente o nidades históricas para confrontar Israel
tempo quando os inimigos de Jesus o com seu destino religioso. A Páscoa era a
“devorarão” (v. 17) e “destruirão” (v. maior celebração pública dos judeus, que
19). Isto leva a transformar a narrativa tinha lugar uma vez por ano na prima
do Evangelho numa longa narrativa da vera, levando multidões de peregrinos
paixão. De uma perspectiva, Jesus pare devotos a Jerusalém. Numa estação em
ce estar constantemente em dificuldade que a sensibilidade espiritual alcançava
(veja o comentário sobre 1:19-28), en seus momentos mais elevados, entretanto
quanto, de outro lado, é o judaísmo que Jesus encontrou nos recintos exteriores
está em julgamento; isto é: Jesus está do templo, os comerciantes de animais
“purificando” (testando ou peneirando) sacrificados, que estavam vendendo bois,
o velho Israel, para que o novo Israel ovelhas e pombos, bem como os cambis
pudesse emergir. Marcos indica o mes tas, que mediante uma taxa, trocavam a
mo ponto, ao principiar seu Evangelho moeda romana, com sua odiada imagem
com um ciclo de controvérsias (2:1-3:6), de César, por uma moeda tíria, com a
que termina com referência explícita à qual a taxa do Templo poderia ser paga.
paixão (3:6). O que todos os Evangelhos Esta atmosfera “comercial” , com seu
estão procurando mostrar é a certeza de abuso da piedade, em busca de lucro,
que Jesus não morreu por um acidente era tão incompatível com o fervor esca-
sem razão, mas que todo o seu ministério tológico de Jesus que ele fez um chicote
foi uma luta entre a vida e a morte, em de cordas... lançou-os todos para fora do
que seu compromisso, diante dos gran templo.
des problemas, acabou por selar seu A imagem de Jesus com um azour-
destino nas mãos daqueles que sabiam rague em suas mãos é uma das figuras
muito bem o que ele e eles estavam mais provocantes e perturbadoras dos
fazendo. Evangelhos. Os críticos têm distorcido
o episódio, dizendo que Jesus perdeu
1) A Purificação do Templo (2:13-22)
o equilíbrio, apelou para a força bruta,
13 E s ta n d o p ró x im o a p á s c o a d o s ju d e u s , perturbou o culto publico e por cima
J e s u s su b iu a J e r u s a lé m . 14 E a ch o u no contradisse os mais elementares princí
te m p lo o s q u e v e n d ia m bois, o v e lh a s e p o m
b a s , e ta m b é m os c a m b is ta s q li se n ta d o s;
pios por que se bateu. Para responder
15 e , te n d o feito u m a z o rra g u e d e c o rd a s , a estas acusações infundadas, precisa
lan ço u to d o s fo ra do te m p lo , b e m co m o a s mos esclarecer três pontos do relato.
o v elh as e o s b o is ; e esp alh o u o d in h e iro dos Primeiro, o chicote de cordas não tem
c a m b is ta s , e v iro u -lh es a s m e s a s ; 16 e d isse a crueldade do chicote de couro, como o
a o s qu e v e n d ia m a s p o m b a s ; T ira i d a q u i
e s ta s c o is a s ; n ã o fa ç a is d a c a s a d e m e u que hoje conhecemos. Como não era
P a i c a s a d e negócio. 17 L e m b r a r a m e n tã o os permitido, aos fiéis, levar varas ou armas
se u s d iscíp u lo s d e q u e e s t á e s c r ito : O zelo d a aos recintos do templo, o chicote deve
ter sido improvisado às pressas, mate com o culto foram expulsos, para que ele
riais disponíveis, nas adjacências, isto pudesse ter redescoberto o seu verda
é, de talos usados no culto (algo seme deiro propósito, o de cultivar um zelo
lhante às palmas bentas atuais de nossos real pelo próprio Deus.
Domingos de Ramos) ou para alimento A palavra traduzida por devorará re
ou cama dos animais. 10 feria-se não apenas à intensidade do zelo
Segundo, o texto grego bem repre sagrado interno, mas também a hosti
sentado pela versão da Imprensa Bíblica lidade que este zelo provocaria externa
Brasileira, em que se afirma: “lançou mente (cf. Sal. 69), pelo que ela pode
todos fora do templo, bem como as ser traduzida por “ destruirá” (confor
ovelhas e os bois.” Jesus afugentou os me, por exemplo, a Nova Bíblia Inglêsa).
animais com uma vara ponteaguda e Jesus não açoitou simplesmente o Tem
expulsou os homens com uma palavra plo como seu Senhor (cf. Mal. 3:1; I Ped.
igualmente pungente: “Tirai daqui estas 4:17); antes, estava desejoso de ser açoi
coisas” . tado e destruído na condição de templo
Por fim, Jesus não interrompeu o vivo, através do qual a- glória de Deus
culto, mas procurou limpar o lugar onde tinha tabernaculado entre os homens
este seria realizado. Como este incidente (cf. v. 19a.).
se deu dentro dos limites do Templo, Sem o auxílio desta perspectiva bíblica
o comércio deve ter sido permitido na (Sal. 69), os judeus não poderiam com-
Corte exterior dos Gentios. Nessa área, prender a purificação, para a qual pe
reservada para o culto a Deus por outras diam um sinal que legitimasse ato tão
raças, Jesus descobriu que a casa do arrogante. Em resposta, Jesus inverteu a
meu (não nosso) Pai tinha-se transfor ordem das coisas, ao dizer-lhes que eles
mado numa casa de comércio (literal mesmos destruiriam o Templo, caso se
mente, empório). Assim, num ato cheio recusassem a atentar para sua purifica
de sentido escatológico, ele repudiou na ção; isto pois, aconteceria se continuas
base um estabelecimento onde o co sem a fazer da casa de Deus um san
mércio usurpara o lugar do culto e o tuário privilegiado do exclusivismo na
sacrifício substituíra a misericórdia cionalista, em lugar de um centro aberto
universal. para a evangelização universal. Os ju
Os discípulos ficaram tão chocados deus tinham acusado Jesus de ameaçar o
com o seu furioso ataque contra o Templo de Jerusalém, ao passo que ele
status quo eclesiástico, que buscaram a insistia em dizer que eram as suas prá
Bíblia, para uma explicação. A pesquisa ticas que acabariam por levá-lo à ruína.
os capacitou a se recordarem de uma Nem isto, porém, impediria a realiza
passagem, em Salmos 69:9, onde está ção final dos propósitos de Deus. No
escrito: “Pois o zelo da tua casa me curto espaço de três dias, em uma enig
devorou” Jesus acabara de desafiar a mática referência à sua obra final de
instituição suprema da vida judaica, com morte e ressurreição (cf. Marc. 8:31),
um entranhado amor pelo verdadeiro Jesus, numa forma inteiramente nova,
propósito do Templo. Ele não pegou o iria colocar no seu devido lugar a reali
chicote para conquistar, mas para puri dade que os judeus estavam querendo
ficar. Aqueles que nada tinham a ver destruir. Através de seu corpo, a Igreja,
iria transformar-se nó centro, em torno
10 A tradução da IBB da phrageilion ek schoinión para do qual todo o culto a Deus deveria ser
“azourrague de cordas” pode confundir o leitor. Phra- prestado. Isto significava que a catás
gdlion vem do latim flagellum, que se refere a um trofe humana que sobreviria ao Templo
chicote para tanger gado. Scboinión é o diminutivo
de schoinos, que significa “ caniço'* e se refere a qual terreno — o que aconteceria em 70 d.C
quer pequena corda de caniços trançados. — não interromperia a continuidade
divina da presença de Deus entre os plo, mesmo que tenham sido colocadas
homens (cf. Marc. 14:58; 15: 29-30). cuidadosamente durante 46 anos!
A passagem termina com uma expli
Diante de uma resposta enigmática,
cação do processo pelo qual os discípulos
de óbvia profundidade espiritual, os
perceberam o significado maior deste
judeus não encontraram resposta melhor
incrível acontecimento. Em síntese,
do que uma referência ao seu programa
sua fé se firmava numa fusão de “ des
de construção! Herodes, o Grande, pla
cobertas” de três fontes: (1) lembra
nejara uma ambiciosa ampliação do
ram-se do que Jesus dissera quando
centro nacional de culto, entre 20 e 19
ainda vivo;
a.C. Desde então haviam passado 46
(2) voltaram ao Velho Testamento, e
anos (tomando-se a data de 26/27), e
creram na escritura que prepara para
o projeto total continuava inacabado e
não estaria pronto 40 anos depois! Uma esta transformação (exemplos: Am. 5:21-
comparação deste seu esforço monu 25; Jer. 7:1-15; Ez. 40-48; Is. 2:2-4;
66:1-4);
mental com o breve e insignificante mi
(3) beneficiaram-se da interpretação do
nistério de Jesus, colocava uma questão
Espírito Santo, recebido quando ele res
acerca de um dos últimos temas da reli
suscitou dentre os mortos (cf. 14:16,17,
gião institucionalizada: poderia um
26; 15:26; 16:13,14. Em certo sentido,
homem que não estivesse imbuído de
toda a teologia cristã se baseia numa
zelo pela casa de Deus fazer em três dias
orientação formada a partir da herança
mais pela verdadeira adoração do que
de Jesus, da Bíblia e do Espírito do
todo o esforço dispendido por toda uma
Senhor ressurrecto.
nação durante 46 anos?
A resposta a esta pergunta teve que 2) A Reação à Purificação (2:23-25)
esperar o veredicto da história, dado pelo 23 O ra , e sta n d o ele e m J e r u s a lé m p e la
evangelista a partir de sua perspectiva fe s ta d a p á sc o a , m u ito s, v en d o os sin a is que
meio século depois (v. 21 e 22). O templo fa zia , c r e r a m no seu n o m e . 24 M a s o p ró p rio
a que Jesus se referia era o seu próprio J e s u s n ã o se c o n fia v a a e le s, p o rq u e os co
corpo. Na carne, este corpo seria des n h e c ia a to d o s, 25 e n ã o n e c e s s ita v a de que
a lg u é m lh e d e sse te s te m u n h o do h o m em ,
truído pelos adversários judeus, aniqui pois e le b e m s a b ia o q u e h a v ia n o h o m e m .
lando eles assim, o verdadeiro templo
onde a glória de Deus residia na terra Esta síntese editorial faz uma eficiente
(1:14). Mas quando ele ressuscitou den transição entre o relato da purificação e a
tre os mortos, a Igreja se tornou o corpo história seguinte, de Nicodemos. Ao
de Cristo. Durante os três dias de sua desafiar o santuário supremo, Jesus con
morte e ressurreição, Jesus transformou clamou o imo do judaísmo a uma reno
um grupo de discípulos judeus numa vação radical. Como, porém, uma reli
comunidade universal, que constituia o gião antiga se livraria das estruturas tra
próprio templo, onde todos os homens dicionais, acumuladas durante um mi
poderiam cultuar a Deus sem as limita lênio de existência nacional? Esta seria a
ções que frustravam os elevados propó preocupação central do líder judeu, Ni
sitos do Templo de Jerusalém (cf. I Cor. codemos, para ir ter com Jesus como
3:16, 17; 6:19,20; II Cor. 6:16; Ef. representante da religião estabelecida.
2:11-22; I Ped. 2:4-10; Heb. 10:19-22). A urgência desta visita foi instigada não
Ao rejeitarem o zelo purificador de Jesus, só pela tática de confrontação usada por
os guardiães do Templo escolheram, ao Jesus, no templo, como também pelo
contrário, um caminho que lhes traria apoio popular que tal protesto lhe trou
a ruína, por mãos dos romanos, em sua xera: Ora, estando ele em Jerusalém pela
própria geração. Pedras não fazem tem festa da páscoa, muitos... creram.
Nicodemos, na realidade, refletiu este boa e, daí, fora do alcance da crítica.
amplo sentimento público em suas pala Ao dar valor absoluto à ação de Deus e
vras iniciais. Como muitos creram no seu valor relativo à reaçao do homem, este
nome, ele afirmou que Jesus era digno Evangelho dirige-se contra um disci-
dos títulos de “ Rabi” e “mestre que veio pulado temporário, baseado numa fé
de Deus” (3:2). Ademais, como muitos, instável (exemplo: 2:24; 6:66; 7:6-8).
vendo os sinais que fazia, creram, Nico Ao mesmo tempo, encoraja os crentes
demos também justificou os títulos superficiais a procurarem um compro
dados a Jesus, argumentando que “ nin misso mais maduro, centrado no próprio
guém pode fazer estes sinais que tu fazes, Cristo (10: 37, 38; 14: 10-11; 20:29-31).
se Deus não estiver com ele.” (3:2).
3. O Novo Nascimento (3:1-21)
Mas o próprio Jesus não se confiava a
eles, diante de uma fé baseada apenas Esta passagem divide-se em duas par
em sinais. Ele sabia que seria fácil tor tes: um diálogo histórico entre Jesus e
nar-se um herói popular. Outros tinham Nicodemos (v. 1-15) e um monólogo
conseguido a simpatia das multidões teológico do evangelista (v. 16-22). Em
alegres ao protestarem contra a hierar bora seja difícil precisar onde uma parte
quia aristocrática do Templo, mas ele acaba e a outra começa, a Revised Stan
não se satisfazia com uma fé assim tão dard Version deve estar certa, ao colocar
superficial. Porque conhecia os seus um parágrafo separando os versos 15 e
motivos interiores, Jesus não necessitava 16. Neste ponto, as referências a Jesus
do testemunho do homem, celebrado mudam claramente para o passado e
dentro dos limites de seus entusiasmos para a terceira pessoa, não fazendo mais
externos. Desse modo, não se impres nenhuma menção a Nicodemos. Este
sionou nem com as altas credenciais nem arranjo ilustra a característica funda
com a confissão de Nicodemos; ao con mental do Evangelho como uma coleção
trário, respondeu, ao seu cumprimento, de eventos históricos únicos, arrolados
com um imperativo divino, que tocava segundo convicções contemporâneas do
em suas necessidades maiores. Como o autor.
encontro vai ilustrar, Jesus bem sabia Devido à sua natureza, estas duas
o que havia no homem! partes refletem uma tensão criativa entre
A espécie de fé com que muitos crêem a ambigüidade e a grandeza da fé. Na
(v. 23) é entendida como estando entre a situação histórica concreta (v. 1-15),
verdadeira fé, mostrada pelos discípulos Nicodemos ilustra, de modo coerente, a
em Caná (v. 11) e a absoluta falta de fé ambigüidade da resposta judaica oficial
encontrada entre as autoridades do ao ministério de Jesus (cf. o comentário
Templo em Jerusalém (v. 18). Este sobre 2:23-25). Embora incapaz de negar
Evangelho interessa-se por distinguir os a força do impacto exercido por Jesus,
vários níveis de fé e particularmente em sobre o povo, ou a autenticidade de sua
descrever um tipo de fé superficial, des motivação, como homem de Deus, Nico
pertada pelos sinais que não iam além demos resiste em aceitar a radicalidade
do seu simbolismo exterior, e então das exigências de Jesus sobre as insti
alcançar a substância espiritual interior tuições sagradas do judaísmo e sobre seu
e reconhecer em Jesus a verdadeira reve próprio papel como líder dos judeus.
lação de Deus (cf. 4:45,48; 6:26, 36; Dividido entre esta atração por Jesus
7:3-5). (3:2) e suas responsabilidades diante do
A clara preocupação de Jesus com a aparato religioso (cf. 12:42), Nicodemos
qualidade de fé apresentada serve como parecia manifestar uma probabilidade
corretivo à presunção popular de que de fé que vagava entre a coragem e o
qualquer tipo de fé é intrinsicamente medo (cf. 7:50-52; 19:38,39). Por isso,
jamais ficou claro se ele se tornou ou não com o c re r e is , se vos f a l a r d a s c e le stia is?
um cristão. 13 O ra , n in g u é m su b iu a o céu, se n ã o o q u e
d e sc e u do céu , o F ilh o do h o m em . 14 E ,
Na meditação que se segue (v. 16 a 21), com o M o isés le v a n to u a se rp e n te n o d e se rto ,
entretanto, não há lugar para uma fé que a s s im im p o rta q u e o F ilh o do h o m e m s e ja
fique no meio do caminho. A escolha é le v a n ta d o ; 15 p a r a q u e todo a q u e le que
clara: ou se crê e se alcança a vida eterna n ele c rê te n h a a v id a e te rn a .
(v. 16) ou não se crê e se entra na conde Em todos os Evangelhos, este diálogo,
nação (v. 18). Os dois parágrafos não se travado entre Jesus e uma pessoa espe
contradizem, e, sim, refletem, antes, cificada, é o mais bem desenvolvido de
duas perspectivas diferentes. Num dado todos. Como Nicodemos é tão clara
momento histórico, de uma perspectiva mente identificado, é possível traçar-se
humana, a fé pode parecer vaguear, uma clara imagem de sua personalidade
quando examina as evidências e luta e do propósito de sua visita. Como um
contra as forças inimigas. No retros dos principais dos fariseus, pertencia à
pecto da perspectiva divina, comparti fraternidade mais profundamente reli
lhada pela comunidade de fé, porém, a giosa de todo o judaísmo. Como líder dos
decisão tomada é vista como tendo con judeus, integrava o supremo organismo
seqüências duradouras. O Quarto Evan jurídico permitido pelos romanos, o
gelho é profundamente realista, ao falar Sinédrio, encarregado da liderança espi
de como os homens são geralmente con ritual e moral da nação. Como mestre de
frontados com uma decisão absoluta, Israel, era um teólogo preocupado com
que lhes parece, no entanto, uma situa a verdadeira compreensão e ensino da
ção altamente ambígua. revelação dada por Deus.
Como o relato destaca os grupos nos
1) O Diálogo com Nicodemos (3:1-15) quais Nicodemos exercia liderança,
1 O ra , h a v ia e n tr e o s fa ris e u s u m h o m e m conclui-se que ele veio visitar Jesus não
c h a m a d o N icodem os, u m dos p rin c ip a is dos apenas como uma pessoa isolada, mas
ju d e u s . 2 E s te foi te r co m J e s u s , d e n o ite, e como um representante da religião judai
d isse-lh e: R a b i, sa b e m o s q u e é s M e stre , ca estabelecida. Não teria sentido investi
vindo d e D e u s; pois n in g u é m p o d e fa z e r gar a vida de um jovem desconhecido e
e ste s sin a is que tu fa z e s, se D eu s n ã o e s tiv e r
co m e le . 3 R esp o n d eu -lh e J e s u s : E m v e r ignorante, que de repente aparecesse
d a d e , e m v e rd a d e te digo q u e , se a lg u é m diante de um mestre popular que atraía
n ão n a s c e r d e novo, n ã o p ode v e r o re in o muitos adeptos (2:23), especialmente de
d e D eu s 4 P e rg u n to u -lh e N ic o d e m o s: C om o pois de sua dramática intervenção nos
pode u m h o m e m n a s c e r , sen d o v elh o ? P o r
v e n tu ra pode to m a r a e n tr a r no v e n tre d e negócios do Templo (2:13-20). O judaís
su a m ã e , e n a s c e r ? 5 J e s u s re s p o n d e u : E m mo permitia variações nas crenças e prá
v e rd a d e , e m v e rd a d e te digo q u e, se a lg u é m ticas individuais, mas não perdoaria um
n ão n a s c e r d a á g u a e do E s p írito , n ã o pode movimento popular que parecia ameaçar
e n tr a r no re in o d e D eu s. 6 O q u e é n ascid o
d a c a rn e é c a rn e , e o q u e é n a scid o do
os caros fundamentos da vida religiosa
E s p írito é e sp írito . 7 N ão te a d m ire s d e eu institucional (cf. comentário anterior,
te h a v e r d ito : N e c e ssá rio vos é n a s c e r de em 1:19,24).
novo. 8 O v en to s o p ra onde q u e r, e ou v es Não significa isto, todavia, que Nico
a s u a v oz; m a s n ã o s a b e s d onde v e m , n e m demos era necessariamente hostil a
p a r a o nde v a i; a s s im é todo a q u e le q u e é
n ascid o do E s p írito . 9 P e rg u n to u -lh e N ico Jesus. Há quem sustente que ele veio
d em o s: C om o p ode s e r isto ? 10 R espondeu- numa visita de caráter puramente indi
lh e J e s u s : T u é s m e s tr e e m Is ra e l, e n ã o vidual, posição reforçada pelo interesse
e n te n d e s e s ta s co isa s? 11 E m v e rd a d e , e m demonstrado por Nicodemos, em outra
v e rd a d e te digo q u e nós dizem o s o q u e s a b e
m o s e te s te m u n h a m o s o q u e te m o s v isto ; e circunstância (7:50,51; 19:39). As duas
n ão a c e ita is o nosso te ste m u n h o ! 12 Se vos abordagens não são incompatíveis, uma
fa le i d e c o isas te r r e s tr e s , e n ã o c re d e s , vez que Nicodemos pode ter contribuído
para esta situação, ao manifestar espe bulário religioso, sendo usado, em he
cial simpatia pela causa esposada por braico, grego, latim e em muitas línguas
Jesus. De qualquer modo, Jesus tratou-o modernas, como uma expressão de con
como uma pessoa isolada e como alguém firmação de uma verdade enunciada na
profundamente envolvido em desin- pregação, na oração ou no louvor. Só
cumbir-se de seu papel de líder. que, enquanto nós colocamos o “amém”
Diante destas situações tão diferentes, ao final de nossas convicções mais pro
não surpreende ver-se um conflito básico fundas, Jesus o colocou no início de suas
de temperamento entre estes dois ho declarações mais graves, indicando,
mens, refletido em duas expressões con assim, que o que seria dito era divina
traditórias, que pervadem toda a nar mente legitimado por sua própria auto
rativa. ridade de porta-voz. Este uso distinto
De um lado, Nicodemos parecia estar deu, à fórmula, uma força equivalente à
preocupado com a arte do possível. Co da frase profética encontrada no Velho
meçou por admitir que Jesus podia fazer Testamento: “Assim disse o Senhor.”
sinais, ao que Jesus replicou que o mais Qualquer problema que Nicodemos sus
importante era determinar se Nicodemos citasse, Jesus atendia com sua plena
podia ver ou não o Reino de Deus. De certeza de que a palavra do Senhor esta
volta com a Palavra, Nicodemos per va sendo revelada através de suas exi
guntou como poderia um homem atender gências.
à exigência de nascer de novo se não Esta diferença fundamental entre os
poderia entrar outra vez no ventre de sua dois homens é ainda mais esclarecida
mãe. A este dilema, Jesus respondeu que pelo uso que fazem dos pronomes du
ninguém podia entrar no reino, se não rante o diálogo. A idéia aqui é que Nico
nascesse divinalmente da água e do demos falou no plural, como represen
Espírito. A indagação final de Nicode tante dos grupos dirigentes de onde
mos caracterizou sua atitude durante viera: “Rabi, nós sabemos.” Contra esta
toda a entrevista: Como pode ser isto? teologia do consenso, elaborada pelos
O verbo grego, traduzido por “pode” líderes do judaísmo, Jesus investiu com
(dunamai), aparece seis vezes, nos versos um potente singular: “Na verdade, na
2 e 9, como uma marca de um realista verdade, (eu) te digo” . Embora desa
prático e cauteloso, se não cético, em fiasse Nicodemos diretamente (“Eu te
todos os esforços humanos em transfor digo”), com verdades que qualquer um
mar a natureza humana nesta vida. pode aplicar a si mesmo (“se alguém não
Por outro lado, ao falar, cheio de nascer”), Jesus ampliou sua fala para
autoridade divina, Jesus estava pouco incluir toda a liderança religiosa judaica.
preocupado com a capacidade humana. Isto fica claro na mudança de sua exi
Diante das perguntas de Nicodemos, gência do singular para o plural: “Vós
com relação ao que o homem pode fazer, (isto é, todos vós) necessitais nascer de
ele fixou seu discurso no que Deus pode novo.” Como se dirigia a Nicodemos e,
fazer. Todas as três réplicas se iniciaram através dele, a toda a comunidade reli
pela fórmula solene: Na verdade, na giosa, Jesus incluiu até o testemunho de
verdade, a repetição, em cada caso, ser seus próprios discípulos, sem afetar,
vindo para reforçar a afirmação que viria porém, sua autoridade: “Eu vos digo:
a seguir. nós dizemos o que nós sabemos’’.
No original, a palavra (amen) 11 é Se esta reconstrução da situação his
um dos termos mais vigorosos do voca- tórica está correta, o episódio de Nico-
Jeremias, T he Prayers of Jesus, “ Studies in Biblical
11 P ara maiores detalhes sobre o am en, confira H. Thealogy” , 2d series, 6 (London: SCM Press, Ltd.,
Schlier, em K ittel, TDNT, I, p. 335-338; Joachim 1967), p. 112-115.
demos não se limitou a um encontro veniência para consumo do público. A
entre duas pessoas. Antes, envolveu Jesus hierarquia judaica não podia negar que
como líder de um movimento dinâmico Jesus realizara obras de evidente poder,
de renovação dentro do judaísmo, ins provando ao povo que Deus estava com
tando Nicodemos, guardião do aparelho ele, mas não tinha ficado claro, para os
religioso, a introduzir, na vida de Israel, estudiosos, o propósito preciso dos enig
o poder do Espírito, já em operação no máticos sinais do seu ministério, tão dife
seu meio. Esta insistente sugestão não rente (cf. Mar. 11: 27, 28; 12:14, 18, 28).
apenas prenunciou a confrontação pos Jesus — A descontinuidade entre as
terior da Igreja com a sinagoga, mas declarações de Nicodemos e a resposta
tambéçi antecipou a dinâmica pela qual de Jesus é flagrante. Jesus, por completo,
o povo de Deus seria constantemente não tomou conhecimento dos atributos
chamado ao reavivamento nas diferentes de seu distinto visitante, e, em vez disso,
fases de sua jornada. Para ser mais claro, confrontou-o com a única condição
a passagem é de crucial importância através de que, este, ou qualquer outra
para a questão da salvação individual, pessoa, perceberia o Reino de Deus nos
mas sua aplicação pode ser dirigida tam assuntos humanos. Era como se Jesus
bém para a transformação da vida reli tomasse a palavra de Nicodemos e a
giosa daqueles que são contados entre os restabelecesse sobre novos fundamentos.
líderes do Israel de Deus. A hora era grave demais para ser gasta
Como diálogo dramático, os versos em cumprimentos. Ele, ou outra pessoa
1-15 se constróem, com cuidado, em que tivesse ido à sua presença, para
tomo de três momentos, todos iniciados conhecer a essência da mensagem de
por Nicodemos e encerrados por Jesus, Jesus e o sentido do seu ministério, sairia
tendo como temas: (1) a exigência divina; com uma convicção simples: Se alguém
(2) a dificuldade humana; e (3) o cami não nascer de novo, não pode ver o reino
nho da libertação. de Deus.
Ao utilizar a analogia básica do nasci
a. O Primeiro Momento (v. 2 e 3)
mento, Jesus lembrou, a Nicodemos, que
Nicodemos — A indicação de que a tudo o que vive se renova. Assim como
ocasião deste encontro se deu à noite a raça humana envelheceria e acabaria,
sugere que: (1) Nicodemos viera discutir se não nascesse criança, as instituições
teologia com Jesus, já que a noite era o religiosas de Israel, como o Templo,
momento, separado pelos homens ocupa por exemplo, logo ficariam senis, se
dos, para estudar a Lei, depois que o dia não fosse a dádiva de uma nova vida
de trabalho tivesse terminado; (2) a visita espiritual, proveniente de sua única
de um líder de tanto prestígio a alguém fonte: Deus. Por isso Jesus insistiu tanto
que acabara de purificar o Templo devia que o reino de Deus se destina somente
permanecer em segredo, por causa da àqueles que se fazem como crianças
controvérsia que suscitaria entre o povo; (Mat. 18:3; Mar. 10-15). O fato de maior
(3) ao visitar Jesus, Nicodemos vinha das significado, em tomo de um bebê recém-
trevas espirituais para a luz (cf. 13:30). nascido, é que toda a sua vida está diante
Fiéis a esta missão, as palavras de dele (cf. 1:13).
abertura do velho homem foram um Ao conclamar a uma nova vida, entre
modelo de diplomacia e cautela, além de tanto, Jesus estava ferindo o orgulho
servirem como cumprimento. Ao admitir espiritual de um bom fariseu, como
que Jesus era um rabi ou mestre vindo de Nicodemos, que firmara sua confiança
Deus, Nicodemos sugeria, de modo religiosa no fato de ser “um hebreu
implícito, que eles discutiam as linhas nascido de hebreus” (Fil. 3:5). João Ba
gerais de seu ensino, bem como sua con tista já desafiara os fariseus, os quais,
diante da catástrofe iminente, deveriam Para um velho, o fato mais)inexorável /
dizer a si mesmos: “Temos por pai a da vida é que o calendário não pode
Abraão” (Mat. 3:9). A iniciação pela retroceder, por mais que se queira.
circuncisão, na “ comunidade de Israel” Há quem ache que Nicodemos foi por
(Ef. 2:12), porém, não era suficiente demais estúpido, ao compreender “de
(cf. 1:11 com 1:13). Diante de um ho novo” como “outra vez” e não como “de
mem orgulhoso de sua formação reli cima” ; isto, porém, não era possível para
giosa, Jesus insistiu com ele que deveria um líder religioso acostumado a usar a
nascer de outra forma, não “da vontade linguagem simbólica. Outros enten
do varão, mas de Deus” (1:13). Sem dem que ele tentou ridicularizar Jesus,
menosprezar o valor de uma sólida reduzindo seu ensino ao absurdo; isso,
herança religiosa, Jesus entendia que o no entanto, não encontra respaldo na
orgulho devido a uma genealogia era sinceridade por ele manifestada através
incorreto, que a descendência física não do Evangelho (cf. 7:50,51; 19:38,39).
garantia herança espiritual e que até Muito provavelmente, o procedimento de
mesmo o melhor cordão umbilical jamais Nicodemos era de incredulidade, diante
levaria Israel a Deus (cf. 8:37-44). do desafio de Jesus para ele começar
Da forma mais clara, os fariseus pres a viver tudo de novo. Um entusiasmado
sentiam que, no dia do Messias, toda a estrangeiro, com um punhado de discí-
nação seria renovada, pelo que chama pülos, poderia desejar novos empreen
ram esta transformação de “renasci dimentos; isto, entretanto, não seria fádl
mento” (cf. paliggenesia, em Mat. 19: para um mestre de Israel, com respon
28). Jesus porém, entendia que esta rea sabilidade diante dos fariseus e do si
lidade escatológica tornava-se uma rea nédrio.
lidade concreta agora, numa pessoa real, Portanto, em seu contexto, a pergunta
e não depois, num tempo universal. de Nicodemos deve ter tido duas apli-
Toda a herança judaica do passado e a cações. Pessoalmente, era a réplica
esperança do futuro deviam ser perce ansiosa de um homem cujos hábitos esta
bidas de modo pessoal, como uma nova vam cristalizados, cujo papel era clara
possibilidade no presente. Os rabinos mente visível e cujas responsabilidades
geralmente comparavam a conversão de estavam definidas de modo preciso. Seu"
um gentio ao judaísmo como um “novo rproblem a não era a falta de interesse'pôF
nascimento” . Aqui, Jesus concitou j um novo nascimento, mas uma cons- í7 *
Nicodemos a entender que ser israelita \ ciência realista das dificuldades de se)
não era suficiente. O novo e decisivo libertar de anos de envolvimento no |
começo, exigido por Deus, era necessário status quo.
não apenas para os prosélitos pagãos, Profissionalmente, sua resposta pare
mas também para os mais importantes cia relembrar, ao purificador do templo,"
e eminentes líderes religiosos de Israel. quê a religião de Israel era já velha e
estava comprometida como o peso da
b. O Segundo Momento (v. 4-8) tradição. [alvez Jesus tenha visto coí-
Nicodemos — A locução “de novo” Irupção no santuário, mas isto se formou
durante um milênio e não seria refor
mado da noite para o dia. Refletindo
mais teológica do que metaforicamente,
cima” . O primeiro seritidíy parecia con~J Nicodemos queria indagar se a ordem
frontar Nicodemos com uma impossi escatológica realmente começaria a
bilidade; ele já era velho e nãó podia penetrar na ordem estabelecida, como
alterar o processo da vida, para entrar Jesus achava, ou se a velha primeiro mor
uma segunda vez no ventre de sua mãe. reria, para depois a nova ter começo.
Jesus — Diante da pergunta de Nico- estas conotações, o que não é possível em
demos, que não era nem idiota nem português. Isto acontece, por exemplo,
irônica, mas relevante e profunda, Jesus em Ezequiel 37:1-14 onde Israel, no exílio
respondeu prontamente, esclarecendo (v. ll), fõTcompãrado a “oisos secos”
que nascer de novo significava nascer da (os espiriTuMffíenTé mortos) qu'e‘poJeiri
água e do Espírito. Quando enviaram “viver” (serem renovados) "quando o
representantes, para investigarem o dos quatro “ventos” vai em sua
ministério de (Joao)(l:19, 24, 25), os direção (v. 9), istoé., quando Deus coloca
fariseus aprenderam que ele batizava o seu “Espírito” dentro deles (v. 14). Ao
“com água” , em prenúncio dAquele que comentar o poder renovador do Espírito
batizaria “com o Espírito Santo” (1:26, Santo, Jesus não estava anunciando uma
31,33; cf. Mar. 1:8). Agora, um fariseu nova doutrina, mas tratando de um
se encontrava — diante de seus próprios problema tão velho quanto o exílio e nos
olhos! — com aquele sobre quem João mesmos moldes indicados pelas Escri
falara, de modo que a renovação, pre turas, que Nicodemos e seus amigos
parada por João através da águá, sé conheciam tão bem.
tornara uma possibilidade presente, por É possível que, neste instante da con
meio dê Jesus, como portador do Espírito versação, uma leve brisa tenha começado
(d. Ât. 1:5). 12 a soprar, dando-lhe o pretexto sobre o
Uma outra explicação, da pergunta de qual construir sua analopia do sopro/
Nicodemos, se obtém pela diferença fun vento/espírito,. Nicodemos. e claro, não
damental entre o domínio terreno da sabia de ondevinha nem para onde ia o
carne e o domínio celestial do espírito. vento, mas estava certo de sua existência
A natureza opera em seu próprio reino. real, porque podia ouvir o seu som. Do
Toda produção da carne (isto é, do ho mesmo modo, pode-se experimentar o
mem) é carne, que por sua vez, se desen efeito do Espírito sem que se compreenda
volve, envelhece e morre. Ser nascido do a sua origem ou o seu destino. Há uma
Espírito (isto é, de Deus), porém, é viver sõberania espontânea, tanto no domínio
espiritualmente numa esfera que trans do espiritual quanto dó físico: o vento
cende a ordem temporal. Nicodemos e soprava onde quer. Só Deus controla este
seus proeminentes amigos não deviam poder vital, pelo qual o povo de Deus não
ficar maravilhados diante deste tríplice fenece nem “dá seu último suspiro” ,
imperativo do novo nascimento pelo mas “respira novamente” e começa a
Espírito, uma vez que esta era uma espe viver de modo novo.
rança bem urdida em suas Escrituras
(exemplo: Is. 11:2; 32:15; Joel 2:28,29; c. O Terceiro Momento (v. 9-15)
Ez. 36:25-27). Nicodemos — Fiel ao realismo caute
Neste momento, o diálogo passa len loso, que caracterizou sua participação
tamente da analogia do nascimento para no diálogo desde o início, Nicodemos
a n a l ^ ^ ^ ^ r á m a ^ ^ ^ ^ ^ já que a concluiu com a pergunta inevitável do
maior evidencia "da vida é a capacidade pragmático: Como pode ser isto? Pos
de respirar. Tanto em hebraico (ruach) sivelmente, este gesto não significava
como em grego (pneuma), a mesma incredulidade, mas uma preocupação
palavra pode significar sopro, vento e verdadeira, pois Jesus tomou sua per
espírito, permitindo um jogo sutil com gunta como séria. Talvez desejasse ele
uma lista de reformas específicas, que ele
12 Sobre as m uitas interpretações do v. 5, veja Ray e seus companheiros pudessem realizar
Summers, “ Born of W ater and the Spirit” , The Tea- no Templo. Nicodemos dificilmente
cher’s Yoke: Studies in Memory of Henry Trantham,
eds. E. J. V ardanian e J. L. G arret, Jr. (W aco: Baylor questionaria a afirmação de Jesus de que
University Press, 1964), p. 117-128. o Espírito de Deus operava o novo nasci
mento, mas estava preocupado com a presença divina, a incorporação das
responsabilidade humana (judaica) de coisas celestiais.
sua realização.
Em outras palavras, crer não é o resul
Jesus — Como mestre de Israel, Nico-
tado da subida do homem de algum
demos devia ser capaz de entender que
modo, ao céus, graças à sua ingenuidade
esta espécie de transformação jamais
espiritual, e de sua descida à terra com a
poderia ser empreendida por homens; o
fé que descobrir lá. Precisamente ao
máximo que estes poderiam fazer era
contrário, o Filho do Homem primeiro
dar testemunho do que Deus tem feito.
vem dos céus, traz Deus ao homem,
Ao mudar para o pronome no plural nós,
tornando para lá depois e levando o
Jesus envolveu seus discípulos, nesse
homem a Deus. Falando de modo figu
testemunho, convidando, assim, Nico-
rado, o portão, para Deus, é um arco
üemos e seus companheiros (o vós, no
firmado de cima para baixo e ancorado
v. 11, também está no plural) a parti
na eternidade, e não firmado debaixo
ciparem da vida comum, em que as
para cima e firmado na terra (cf. intro
forças da nova era já estavam em opera
dução a 1:1-18).
ção.
Mas, como Deus renovara este grupo Estes movimentos para cima e para
remanescente de discípulos? Como o baixo, do pêndulo divino, caracterizaram
judaísmo não aceitaria seu testemunho, todo o ministério de Jesus (cf. 1:51;
para uma transformação divina, Jesus 17:11,13), mas a descida foi definitiva
procurou, através de um líder de valor, mente inaugurada com a encarnação e a
Nicodemos, levar este povo (as referên subida culminou com a expiação ou
cias a vós, no v. 12, estão no plural) a “elevação” na cruz. Aqui o inverso
crer, falando de coisas terrenas, isto é, divino do esforço humano alcançou seu
discutindo símbolos comuns, como paradoxo final. Os homens tentaram
ventre, água e vento, para ilustrar como subir pelos vôos do êxtase místico ou da
Deus age. Mas, se eles não podiam mes especulação apocalíptica, mas o Filho do
mo crer com base no que tinham visto, Homem teve de descer, deixando-se
como poderiam alcançar a realidade das “levantar” numa morte brutal que,
coisas celestiais invisíveis? paradoxalmente, era a sua glória maior.
A única resposta possível era compre Novamente, uma coisa terrena servia
ender que o próprio Deus resolvera o como analogia preparatória: a serpente
problema da mudança das coisas terre que Moisés levantou no deserto (Núm.
nas para coisas celestiais, ao inventar 21:9). E isto não passava de um símbolo,
o processo e fornecer algo maior que uma que se fez realidade na morte de Jesus.
analogia humana. Em última análise,
ninguém ascendeu aos céus (cf. 1:18), O diálogo termina com uma transição
isto é, o homem não pode alcançar a geral que, ao mesmo tempo, resume o
realidade' divina diretamente sem a ajuda ponto final da passagem e prepara para a
de Ilustrações comuns. Aqueles que meditação que segue. Todo aquele que
crêem mediante o auxífio de coisas ter cresce em coisas celestiais, a única forma
renas só conhecem a Deus indiretamente pela qual o novo nascimento pode come
(anologicamente). Mas agora a verdade çar, deveria crer no Filho do Homem. Ele
última descera dos céus numa forma é o único em quem a analogia terrena
pessoal como o Filho do homem (cf. e a realidade celestial se encontra de
1:51). Ao contrário do vento, Jesus era modo perfeito. Assim, tornar-se seu
mais que uma metáfora sobre Deus. discípulo aqui e agora, num momento da
Embora descesse e assim se tornasse história, é, ao mesmo tempo, ter a vida
uma coisa terrena ele era o centro da eterna de Deus. »
2) O Monólogo do Evangelista (3:16-21) é verdadeiro e então venha para a luz.
Este parágrafo, portanto, se bate pela
16 P o rq u e D eu s a m o u o m u n d o d e ta l
m a n e ira que d eu o seu F ilh o u n ig én ito , p a r a unidade da teologia e da>aim onden}
que todo a q u e le que n ele c rê n ã o p e re ç a , Cristo, ao "representa-lo como a chave“|
m a s te n h a a v id a e te r n a . 17 P o rq u e D eu s tanto para a ação de Deus na conversão ^
enviou o seu F ilh o a o m u n d o , n ã o p a r a que
!
J u lg a s s e o m u n d o , m a s p a r a q u e o m u n d o
fosse salv o p o r e le. 18 Q uem c rê n e le n ã o é
como para a reação do homem em suaj
conduta.
ju lg a d o ; m a s q u e m n ã o c rê , j á e s tá ju lg a d o ; A iniciativa divina é, deste modo,
p o rq u a n to n ão c rê no n o m e do u n ig én ito interpretada pelo modo mais claro e
F ilh o d e D eus. 19 E o ju lg a m e n to é e s te :
a luz veio ao m u n d o , e os h o m en s a m a r a m abrangente do que nos versos 16 a 18.
a n te s a s tr e v a s q ue a luz, p o rq u e a s s u a s Apesar das muitas dificuldades que o
o b ra s e r a m m á s . 20 P o rq u e to d o a q u e le ministério de Jesus representava para o
que faz o m a l a b o rre c e a luz, e n ã o v e m p a r a judaísmo (2: 1543715), sua vida era uma
a luz, p a r a qu e a s s u a s o b ra s n ão s e ja m
re p ro v a d a s . 21 M as q u em p r a tic a a v e rd a d e dádivairresistível, fe ita p o F D e u s em j
v e m p a r a a luz, a fim d e qu e s e ja m a n ife sto j seüTflHõ (dtlT!4T, um ato de graça que ( *
que a s s u a s o b ra s são fe ita s e m D eu s. I visava fortalecer a fé, a fim de que até
1mesmo os líderes religiosos (como Nico-,i
NicodemosNestá agora totalmente fora \ demos, por exemplo) não perecessem.
3e cena, enquanto o escritor leva seus ' O fato de Deus prodigalizar seu amor
leitores a uma reflexão sobre o signifi a todo o mundo (Kosmos) que obvia
cado de uma fé centrada inteiramentejia mente não o amava, ao invés de limitá-lo
pessoa de Jesus (v. 15 — '“nele crê”). ao seu povo escolhido, significava que a
A terminologia d~os versos 16 a 21 é graca eterna, derramada em Cristo, 7
^ac^niHcamen^~Io5ímiãr~sugennflb j a p - — ...................— -—
Tinha agõrã“'iIltrapassado os limites do
que d~êvarigdl¥tã~~mostra~~sua própria antigo concerto com Israel. (O amor
compreensão da grandeza de Cristo. O divino no Velho Testamento, chesed, era
parágrafo em muito se assemelha com o basicamente amor do concerto e não
resumo de um sermão sobre as palavras amor cósmico.) O propósito desse amor
de Jesus registradas em 12:44-50 (outros era que o mundo fosse salvo de seu
fragmentos podem ser' encontrados em perverso artíòr às trevas.ÇjCnsta^ com a
3:31-36). Deste modo, comenta não encarnacão do amor, perdoou e aceitou
apenas o episódio de Nicodemos, mas todos os homens que viessem a ele em
todo o ministério de Jesus como apre fé, libertando-os', assim, do temor dõ
sentado no “livro dos sinais” (cap. 2 'juízo (I João 4:17,18) e levando-os a
a 12). cíãmãr com Paulo: “Portanto, nenhuma
O parágrafo se divide em duas partes condenação há” (Rom. 8:1).
cuidadosamente organizadas. Nos versos Embora não fosse o propósito da vinda _
16 a 18, o conteúdo é fortemente cris- de Cristo, o juízo foi a sua conseqüência
tológico, mencionando-se o Filho (obser inevitável. IstoTporque a vida humana \
ve-se a designação elaborada do verso ) está desgraçadamente afetada pela re- [
18c: o nome do unigénito de Deus). í cusa dõ~homein de ser amado ü~ãmar.'y
A expressão “nele crê” estabelece a ’ Visto queljCrístõ~)confrontou a humani-
relação com a seção anterior. Tudo dade com a última manifestação do ^
depende da fé naquele que Deus enviou amor de Deus, %_salyagão^ou a condena- ^
pat^sarvaroimundo. Nosvéfsos ção é determjnada agora, por^aqtlele
porém, o Filho é referido apenas em que crê ou não crê. ^Nicodemos aprendera ,
relação com a luz, que possui um caráter > acerca da possibilidade de um nasci- |
fortemente ético, em contraste com as ) mento espiritual, mesmo depois de se já ' f
trevas/mal. Aqui, tudo depende ~3õs i ter nascidoTísicamente. Agora, o leitor ,
feitos dos homens, oü'que'êIeTSça cTque »aprende o anverso: a possibilidade da \
morte espiritual bem antes da mor ter' gelho agora explica sua preeminência
física. O juízo não é distribuído arbi- \ sobre João Batista, em 3:22-36.
trariamentè pór Deus, na vida futura, ( Como aconteceu nos dois capítulos
mas é claramente determinado pelos/ anteriores, as duas partes do capítulo 3
homens na vida presente, com 5 ã s e e m \ mantém um claro equilíbrio teológico.
sua resposta ao unigénito de Deus. J Nos versos 1-21, a ênfase recai sobre o
Os versos 19 a 21 traçam cuidadosa- novo nascimento, isto é, sobre a trans
mente a dinamica desta decisão crucial. formação exigida para ter início a nova
O tema envolve não a ostentação,, de um vida de discipulado, e sobre a ruptura
código legal ou moral, mas o amor, do desta vida com o passado. Nos versos
coração humano pelas trevas, em lugar 22-36, entretanto, a ênfase reside na
da luz que veio ao mundo. Em vez de um crescente centralidade de Cristo sobre o
desespero total, por parte do homem, já crente, isto é, sobre a mudança gradual
que suas obras são más oferece-se uma de lealdades, do líder terreno, em água,
opção,, apresentada em forma dialética, para o Senhor celestial, com quem é
bem semelhante às descrições dos. “.dois possível desenvolver-se em espírito (cf.
çamiijhosf ’ familiares ao judaísmo e ao 3:5). Em outras palavras, os versos 1-21
Novo Testamento (exemplo: Mat. 7:13- enfocam o novo nascimento, e os versos
27). Em vez de ser cativo de um deter- 22-36, a nova transformação. Ambos
minismo fatalista, cada pessoa pode compõem igualmente a vida cristã, pois a
escolher entre ser (1) alguém que faz o fé verdadeira inclui um momento de
mal e odeia a luz ou alguém que faz o que compromisso irrevogável e um processo
é reto; (2) alguém que não vem para a luz de crescimento contínuo, uma revisão da
ou alguém que vem para a luz; (3) al certeza de uma conversão inicial e uma
guém cujas obras são reprovadas ou antevisão do cumprimento de suas ine
alguém cuja obras são claramente feitas vitáveis implicações.
em Deus. Deus determina a necessidade, Traduzido em termos contemporâ
as alternativas e as conseqüências da neos, a preocupação dos versos 22-36,
decisão, mas isto apenas reforça a urgên em transferir lealdades de João para
cia e a gravidade com que cada homem Cristo, fala de uma das mais urgentes
determina que resposta dará. tarefas a desafiarem a Igreja: a condução
de crentes imaturos para além de um
4. O Novo Mestre (3:22-36) estado de dependência de algum pre
cursor, de cujo testemunho resultou a fé
Como u Igreja depois dele, Jesus pre nAquele que é o objeto de todo teste
cisava definir seu ministério não apenas munho e o conteúdo da verdadeira fé.
em relação ao judaísmo oficial, mas Deus usa muitos intermediários, geral
também em relação a João Batista. mente pregadores abençoados, que exer
Numa primeira instância, o perigo era cem um grande impacto sobre aqueles a
esperar pouco demais, permitindo que o quem batizam. A obra do batizador,
peso da tradição absolutizasse a situação todavia, não termina quando serve de
presente e assim sufocasse os ventos de instrumento humano para um novo nas
renovação, que começavam a soprar. cimento, pois ele deve, em seguida,
Depois, o perigo era esperar demais, levar o feliz converso para além de um
ensejando que João Batista se tornasse o compreensível, mas indevido orgulho de
agente da nova era, uma vez que fora o herói espiritual recente, isto é, a uma
primeiro a pedir uma reforma radical do dedicação particular e total a Cristo.
aparelho religioso. Depois de definir Nesta passagem, o profeta, com mais
superioridade final de Jesus sobre o direito do que qualquer outro, para rei
judaísmo farisaico, em 3:1-21, o Evan vindicar seus próprios seguidores, deixa
claro por que qualquer forma de com João antecedeu Jesus, ao ministrar nessa
petição com Cristo é inadmissível. área(cf. 4:38b).
Duas importantes inferências podem
1) João Batista e Jesus (3:22-24) ser derivadas destes dados. Para come
çar, parece que no início do seu minis
22 D epois d isto foi J e s u s co m se u s d is c í
pulos p a r a a t e r r a d a J u d é ia , o nde se d e tério Jesus esteve mais ligado a João do
m orou com eles e b a tiz a v a . 23 O ra, Jo ã o que informam os Sinópticos. Desta
ta m b é m e s ta v a b a tiz a n d o e m E n o m , p e rto descrição, parece que formava seu pa
d e S alim , p o rq u e h a v ia a li m u ita s á g u a s ; e o drão de ação a partir de seu predecessor.
povo ia e se b a tiz a v a . 24 P o is Jo ã o a in d a
n ão fo ra la n ç a d o no c á rc e r e .
Talvez João tivesse se mudado da região
popular da Judéia (Mar. 1:5) para a
Este resumo de caráter editorial con menos promissora, de Samária, a fim de
tém três itens de informação histórica dar ao seu sucessor uma oportunidade
sobre o ministério de Jesus, ainda novos máxima para estabelecer seu próprio
na narrativa evangélica: (1) Jesus e seus ministério.
discípulos desempenharam um antigo Este Evangelho registra as sobreposi
ministério na terra da Judéia (isto é: nos ções dos dois ministérios concomitantes,
arredores afastados de Jerusalém). Os a fim de estabelecer de modo mais seguro
Sinópticos falam apenas de um minis que os Sinópticos o elo original existente
tério tardio, na Judéia, pouco antes de entre eles. Isto se fazia necessário devido
sua visita a Jerusalém (Mat. 19:1; Mar. ao fato de que o movimento principiado
10:1; cf., porém, Luc. 4:44 e Mat. 23: por João não tinha ainda sido comple
37). (2) Jesus exerceu um ministério tamente assimilado pelo movimento
público antes de João ter sido preso. Os conduzido por Jesus (cf. Mar. 2:18; At.
Evangelhos principiam com o ministério 19:1-7), trazendo como conseqüência,
de Jesus na Galiléia, “depois que João foi uma divisão que nenhum fundador de
preso” (Mar. 1:14). (3) Jesus batizava sejava.
adeptos (isto é esclarecido em 4:2, onde Ao mesmo tempo que mostra quão
se informa que Jesus aprovava essa ati semelhantes eram aí João e Jesus, este
vidade dos seus discípulos, não sendo o Evangelho nos ajuda a compreender
rito administrado por ele mesmo). Os quão diferentes eles acabaram por se
Sinópticos em lugar algum mencionam tornar. Depois da prisão de João, Jesus
que Jesus batizou ou autorizou alguém a abandonou de imediato o modelo de seu
fazê-lo durante seu ministério público. antecessor, dirigindo-se para uma região
Além do mais, dois outros itens novos onde João jamais atuara, inaugurando
sobre o ministério de João são sinteti ali um novo tipo de ministério, em que o
zados aqui: (1) João, ao contrário da batismo em água não acontecia. Talvez
impressão deixada em 1:29-37, conti esta mudança deliberada na estratégia
nuou um movimento batismal indepen tenha contribuído para a incerteza
dente, mesmo depois que Jesus começou evidenciada na pergunta do encarcerado
a reunir discípulos. Isto fica implícito João a Jesus (Mat. 11:2-6). De qualquer
pela ausência de qualquer menção ao modo, estes versículos nos ajudam a
fato de que as pessoas que vieram a João compreender o sentido da continuidade
foram transferidas para Jesus e pela e da ruptura entre Jesus e João.
referência aos discípulos de João. (2)
João passou a batizar em Enom, perto de 2) A Subordinação de João (3:25-30)
Salim. É questionável a identificação
25 S u rg iu e n tã o u m a c o n ten d a e n tre os
deste lugar onde havia muitas águas, discíp u lo s d e J o ã o e u m ju d e u a c e r c a d a
mas é provável que ficasse em Samária, p u rific a ç ão . 26 E fo ra m te r co m Jo ã o e
ao norte da Judéia, o que significava que d is s e ra m -lh e : R a b i, a q u e le q u e e s ta v a con-
tigo a lé m do J o rd ã o , do q u a l te n s d a d o te s res que ele sempre dissera: Eu não
tem u n h o , eis que e s tá b atiz a n d o , e todos vão
te r com ele. 27 R e sp o n d eu J o ã o : O h o m e m sou o Cristo, mas fui enviado para ir
n ão pode re c e b e r co isa a lg u m a , se n ão lhe adiante dele (cf. 1:15,20,30).
fo r d a d a do c é u . 28 Vós m e s m o s m e so is João depois explicou seu verdadeiro
te s te m u n h a s d e qu e e u d is s e : N ão sou eu o papel, ao comparar-se ao amigo do
C risto, m a s sou en v iad o a d ia n te d e le . 29
A quele q ue te m a n o iv a é o no iv o ; m a s o
recém-casado. Segundo a prática nupcial
a m ig o do noivo, q u e e s tá p re s e n te e o ouve, judaica, este era o padrinho do noivo,
reg o zija-se m u ito co m a voz do noivo. A s que levava a noiva ao noivo e depois
sim , p ois, e s te m e u gozo e s tá com p leto . montava guarda sobre a câmara nupcial.
30 £ n e c e ss á rio que ele c re s ç a e q u e eu Embora pudesse ouvir a voz do noivo
d im in u a.
expressando sua alegria pela consuma
Ao tempo de Jesus, muitos grupos ção de sua união, ele não pensava em
sectários praticavam rituais de purifica interferir na intimidade do aconteci
ção no vale do Jordão, originando uma mento. 13 Na realidade, os códigos do
enorme discussão sobre os méritos destes antigo Oriente Próximo proibiam estri
gestos, na tentativa de satisfazer às exi tamente a entrega da noiva a este “me
gências bíblicas de purificação. No con lhor homem” (cf. Juí. 14:20 — 15:6;
texto deste debate, um judeu não inden- II Cor. 11:2). Por isso, João jamais
tificado deve ter proposto que o rito de aceitaria cortejar a noiva, Israel, em
Jesus era superior ao de João, uma vez lugar de Jesus (cf. Is. 54:5; 62:4,5; Jer.
que ele estava ali batizando, e todos iam 2:2; 3:20; Ez. 16:8). Ao contrário, esta
ter com ele. Este argumento era de difícil espécie de alegria, que só um mestre de
aceitação para os discípulos de João, cerimônias conhecia, já era plena agora,
porque se lembravam que seu mestre devido ao seu-bem sucedido trabalho de
começara sua obra primeiro, que Jesus intermediário. Realizada esta tarefa de
fora até ele, do outro lado do Jordão, e transição, Jesus devia crescer, em influ
que o testemunho que João deu dele era o ência, enquanto João devia diminuir,
fundamento sobre o qual Jesus fizera como uma luz que brilhou intensamente,
seus primeiros discípulos (cf. 1:35-37). mas que agora começava a se apagar
É impressionante como um argumento (cf. 5:35).
teológico sobre formas religiosas pode
degenerar numa disputa sobre persona 3) A Superioridade de Jesus (3:31-36)
lidade!
A disposição de espírito de João, em 31 A quele q u e v e m d e c im a é so b re to d o s ;
a q u e le q u e v e m d a t e r r a é d a t e r r a , e fa la d a
tratar do orgulho ferido de seus segui te r r a . A quele q u e v e m do céu é so b re todos.
dores, auxilia-nos na compreensão da 32 A quilo que e le te m v isto e ouvido, isso
natureza da graça. Nenhum dos dois, te s tific a ; e n in g u é m a c e ita o se u te s te m u
nem ele nem Jesus, recebeu coisa alguma nho. 33 M a s o q u e a c e ita r o seu te stem u n h o ,
em forma material (seja popularidade, esse c o n firm a q u e D eu s é v e rd a d e iro . 34
P o is a q u e le q u e D eu s enviou fa la a s p a la
seguidores ou aprovação teológica), v ra s de D e u s; p o rq u e D eu s n ã o d á o E s p í
a não ser aquilo que foi dado por Deus, rito p o r m e d id a . 35 O P a i a m a a o F ilh o , e
dos céus. Assim, João se contentava em to d a s a s c o isa s e n tre g o u n a s s u a s m ã o s.
que um pequeno grupo o seguisse e que 36 Q uem c rê no F ilh o te m a v id a e te r n a ;
o q u e, p o ré m , d e so b e d ec e a o F ilh o n ã o v e rá
um número maior seguisse a Jesus, pois
todo crente é uma dádiva divina, a ser
13 Quanto aos detalhes sobre os costumes nupciais implí
celebrada, e não um troféu humano, a citos, aparentemente, no v. 29, ver J. Jeremias em Kit
ser ostentado (cf. 6:37,44; 17:6). Em tel, TDNT, IV, p. 1.101; A. Van Selms “The Best Man
lugar de tomar lugar de primazia sobre and Bride — From Sumer to St. John” , Journal of
Near Eastern Studies, 9 (1950), p. 65-75; J.D.M.
Jesus, por tê-lo precedido no tempo, João Derrett, “ Water into Wine", Biblische Zeitschrift,
simplesmente lembrou aos seus seguido Neve Folge, 7 (1963), p. 81-83.
a v id a, m a s so b re ele p e rm a n e c e a ir a de Terceira: João nada mais podia fazer
D eus. senão preparar para o juízo iminente;
Do mesmo modo como a relação de Jesus, no entanto era o fundamento sobre
Jesus com o judaísmo (3:1-15) se encer o qual o juízo se faria. Atender a João
rou com uma meditação teológica (3:16- significava estar pronto para um novo
21), esta seção sobre a relação de Jesus dia; atender a Jesus, entretanto, signi
com João Batista (3:22-30) termina com ficava decidir seu destino final: aquele
uma passagem impressionantemente que agora crê já tem a vida eterna,
semelhante (3:31-36) que deve muito à enquanto aquele que não obedece agora
mesma fonte. A transição do verso 30 pa já experimenta a ira de Deus (cf. Rom.
ra o verso 31 é tão discreta que o leitor 1:18) sobre sua vida (cf. 3:18). A razão
pode até imaginar que João Batista conti por que a escatologia se realiza de modo
nua a falar, embora sejam já evidentes o tão decisivo é que em Jesus a salvação já
estilo e a teologia do Evangelista. Ê como veio. Embora um julgamento final seja
se estivéssemos diante do testemunho que reservado para o futuro (exemplo: 5:25-
João gostaria de dar, caso fosse um cris 29), ele não oferecerá quaisquer oportu
tão contemporâneo da elaboração do nidades ou novidades que já estejam
evangelho. Neste sentido, os versos 31 presentes em Jesus. Apesar de não se
a 36 sintetizam um sermão, em seu texto excluir a possibilidade de novas decisões,
do verso 30, apontando três razões por o veredicto final dos céus fica anteci
que Jesus devia crescer e João, diminuir. pado, em função da resposta dada a
Primeira: Como aquele que veio do Cristo na terra.
alto Ccf. 1:51; 3:13), Jesus está acima de
tudo, enquanto João, como um homem 5. A Nova Comunidade (4:1-42)
(1:6) da terra, pertence à terra. Como A cena agora muda para Samária,
alguém que só testemunha daquilo que uma região no planalto central da Pales
viu e ouviu, João estava limitado ao que tina, entre a Judéia e a Galiléia, cujos
Deus lhe revelava na terra, enquanto habitantes eram de particular interesse
Jesus podia testificar diretamente do para este Evangelho e também para
mundo transcendente de onde veio. Nin Lucas-Atos. Depois da conquista do
guém recebe testemunho celestial com Reino do Norte pela Assíria, em 722
base numa compreensão terrena, a me a.C., a ampla recolonização, por parte
nos que ele se convença e se certifique de israelitas e estrangeiros, resultou em
(ponha seu selo) de que Jesus revelou a casamentos mistos e na infiltração de
verdade de Deus (cf. Mat. 16:17b). influências religiosas pagãs, ambos
Segunda: Para João, como para os intoleráveis para os líderes religiosos
profetas do Velho Testamento, Deus judeus de Jerusalém (II Reis 17). Séculos
concedia seu Espírito sob medida, isto de hostilidade culminaram na construção
é, na hora em que falavam sob inspira de um templo rival, pelos samaritanos,
ção divina (Núm. 11:25; I Sam. 10:5-11; no monte Gerizim, destruído por João
Jer. 1:4-10). Jesus, porém, não proferia Hircano em 128 a.C. Ao tempo de Jesus,
as palavras de Deus apenas num momen Samária tinha-se transformado num
to, pois não era sob medida que Deus lhe desdenhado gueto, com uma cultura
concedia o Espírito (cf. l'31-34). Na própria, uma religião separada e uma
realidade, tão grande era o amor do Pai teologia estática. 14
para com o Filho que todas as coisas lhe
foram dadas (cf. Mat. 28:18). Em Jesus, 14 Sobre os samaritanos, veja James A. Montgomery
o paradoxo da graça atingiu sua mais The Samaritans (New York: Ktav Publishing House,
1968, reimpressão da edição de 1907); John Macdo
perfeita expressão: sem nada pedir, tudo nald, The Theology of the Samaritans (Philadelphia:
lhe foi dado. Westminster Press, 1964).
Isto, portanto, significava a existência ficava que ambos estavam com sede. Se
de obstáculos intransponíveis em qual admitisse, que tcdas as pessoas, embora
quer tentativa de contato entre o judeu diferentes, tinham as mesmas necessi
Jesus e uma mulher samaritana. Três dades físicas básicas, a mulher poderia
barreiras maiores são identificadas nesta reconhecer a possibilidade de que todos
narrativa. partilham também das mesmas necessi
Racial — Mesmo os judeus tolerantes dades espirituais.
para com outras raças eram abertamente (2) Usou a incapacidade de os recursos
preconceituosos para com os samarita- terrenos satisfazerem as necessidades
nos, como descendentes miscigenados físicas como o ponto de partida para
das antigas dez tribos de Israel, cuja apresentar os recursos celestiais na satis
pureza racial fora corrompida por colo fação das necessidades espirituais. A
nos estrangeiros (II Reis 17:24). Nada mulher sabia que o problema da sede
enfurecia mais os judeus do que afirmar física só podia ser resolvido temporaria
que os seus queridos patriarcas eram mente, pela retirada de um balde de
também ancestrais dos samaritanos. água de um poço profundo. Jesus trouxe
Sexual — Os rabinos detestavam ver novas esperanças, ao dizer que esta limi
um homem conversando com uma mu tação não se aplicava à satisfação da sede
lher em público — mesmo que esta fosse espiritual, porque devia uma quantidade
sua própria esposa: “Aquele que con inegostável de água “fluído para a vida
versa muito com uma mulher traz o mal eterna” .
sobre si e negligencia o estudo da lei e, (3) Estendeu o âmbito das preocupa
por fim, herdará a Geena” (Aboth 1:5). ções religiosas da mulher, ao lhe lembrar
Sentar-se num lugar estranho, numa seu relacionamento pecaminoso com
hora pouco comum, com uma mulher de outros. Em vez de procurar bênçãos
reputação duvidosa apenas complicava o espirituais apenas para si, ela seria pre
problema para Jesus. Por seu turno, a parada para compartilhá-las com seus
mulher tinha bons motivos para descon amigos mais achegados.
fiar dos homens, já que muitos deles se (4) Satisfez sua necessidade de perdão,
descartavam delas como se fossem sapa através de um culto baseado numa com
tos velhos. preensão dinâmica de Deus. O passado
Religiosa — Como Deuteronômio tinha forçado a localização dos atos de
27:4 identificava o monte Ebal (ao lado culto em uns poucos centros geográficos,
do monte Gerizim, perto de Siquém) co mas o futuro encontraria um Pai uni
mo o lugar onde devia ser construído um versal, cultuado em qualquer lugar onde
altar, os samaritanos se aborreceram as pessoas estivessem abertas para o
com a centralização posterior do san poder do Espírito divino.
tuário no monte Sião, em Jerusalém. (5) Apontou para si como a incorpo
Numa certa feita, por exemplo, eles se ração destas realidades espirituais que
vingaram, esparramando ossos humanos oferecia aos outros. Isto explica não só
nos pórticos e no Templo, quando tinha a natureza da “água viva” , como tam
lugar a Páscoa principal (Josefo, Anti bém sua fonte como “a água que eu lhe
guidades, XVIII, 29,30). der” .
Como Jesus poderia superar o ódio e o É instrutivo observar que Jesus tratou
preconceito, acumulado durante séculos com esta heterodoxa mulher samaritana
entre judeus e samaritanos? Cinco ca (4:1-26) do mesmo modo como fizera
minhos foram indicados, em sua estra com o ortodoxo Nicodemos (3:1-15). Em
tégia evangelística: ambos os casos, ele começou com uma
(1) Ele tocou no ponto da necessidade realidade básica, pela qual a vida física é
física comum. “Dá-me de beber” signi sustentada (nascimento/água), que-
rendo, com isto, sugerir, por analogia, as A palavra-chave “nem aqui neste mon
realidades religiosas correspondentes que te nem em Jerusalém” retoma o elo
renovam a vida espiritual (novo nasci essencial entre esta história e o relato de
mento/água viva). Em resposta, as duas Nicodemos. Proibir o monte Gerizim
pessoas logo identificaram a dificuldade aos samaritanos era o mesmo que o
de seu ensino, a partir de uma perspec monte Sião aos judeus. Na nova era,
tiva terrena (nascer quando se é velho?/ estes dois centros de cultos seriam “puri
água quando o poço é profundo?). Sem ficados” de providencialismos estreitos.
se embaraçar, Jesus resolveu o dilema, Os fariseus sofriam de um sentimento de
encaminhando sua analogia para novas superioridade religiosa, pelo que colo
direções (o vento sopra/a água flui) e caram barreiras para se protegerem dos
explicando que o Espírito de Deus é a outros. Os samaritanos sofriam de um
fonte deste poder dinâmico (3:8; 4:24). sentimento de inferioridade religiosa,
Quando o interlocutor questionava como pelo que erigiram defesas, para se de
o Espírito prometido, da nova era, pode fenderem. Nenhum destes limites per
ria operar já no presente (3:9:4:25), Jesus maneceria na nova era do Espírito. Nem
ia além da analogia, apresentando-se os judeus nem os samaritanos confina
como o agente escatológico que começara riam Deus em suas estruturas religiosas,
a realizar o futuro aqui e agora (3:13- do mesmo modo que não podiam con
15; 4:26). Estes impressionantes para- trolar nem o sopro do vento a céu aberto
lelismos indicam, em ambos os casos, nem a torrente de água que flui de fontes
que o tema central permaneceu o mes subterrâneas.
mo: pode a situação religiosa presente 1) Introdução e Cenário (4:1-6)
abrir-se para uma renovação por meio do
1 Q uando, pois, o S en h o r so u b e que os
Espírito operante no ministério de Jesus? fa rise u s tin h a m ouvido d iz e r q u e e le, J e s u s ,
A mudança fundamental que Jesus la z ia e b a tiz a v a m a is d iscíp u lo s do que Jo ã o
propôs, nessa situação particular, está 2 (a in d a que J e s u s m e sm o n ão b a tiz a v a ,
evidenciada na resposta que conseguiu m a s os se u s d isc íp u lo s), 3 d eix o u a J u d é ia ,
e foi o u tr a vez p a r a a G aliléia. 4 E e ra -lh e
da samaritana. De início, a mulher o viu n e c e ss á rio p a s s a r p o r S a m á ria . 5 C hegou,
apenas em termos de sua raça (como pois, a u m a c id a d e d e S a m á r ia , c h a m a d a
“um judeu”), ao passo que agora ela era S ic a r, ju n to d a h e rd a d e q u e J a c ó d e ra a seu
forçada a reconhecê-lo como “um pro filho J o s é ; 6 a c h a v a -s e a li o poço de J a c ó .
feta". Continuando o diálogo, ela ousou Je s u s , pois, c a n sa d o d a v ia g e m , sentou-se,
a s s im , ju n to do p o ço ; e r a c e rc a d a h o ra
indagar se ele poderia ser “o Cristo” , se x ta .
mas os aldeões samaritanos que ouviram
seu testemunho passaram logo a confes A relação com a seção anterior (3:26-
sar que era realmente “o Salvador do 36) se estabelece pelos versos 1-3, que
mundo” . indicam que Jesus deixou a Judéia, por
A questão para eles não era se podiam que os fariseus tinham ouvido dizer que
crer, mas em que crer. Os samaritanos ele fazia e batizava mais discípulos do
eram um povo profundamente religioso, que João (cf. 3:26). Diferentemente de
até fanáticos, aos olhos de alguns, mas a João, Jesus não pôs fim e estas insidiosas
conseqüência de sua piedade foi o reco comparações, para o que poderia utilizar
lhimento em seu próprio^ isolamento a própria subordinação do precursor
espiritual. Ao lhes oferecer uma fé (cf. 3:28-30); antes, preferiu remover
abrangente num Deus Pai, cujo culto era a aparência de disputa e partiu para
tão universal como seu Espírito, Jesus a Galiléia. Uma vez que agora seus dis
poderia ser visto, à luz de sua profunda cípulos eram os únicos que administra
religiosidade, como o Salvador do mun vam o batismo dos que vinham ter com
do. Jesus, poderiam ter sucumbido diante de
uma arrogância mesquinha — como co m id a . 9 D isse-lh e e n tã o a m u lh e r sa m a -
aconteceu a alguns seguidores de João r i t a n a : C om o, sen d o tu ju d e u , m e p e d e s de
b e b e r a m im , q u e sou m u lh e r s a m a rita n a ?
(3:25,26) — ficando impossibilitados de (P o rq u e os ju d e u s n ão se c o m u n ic a m com
continuar a trabalhar numa atmosfera os s a m a rita n o s .) 10 R esp o n d eu-lh e J e s u s :
contaminada pela intriga. Se tiv e sse s co nhecido o d o m de D eu s e q u em
Ao levar seus discípulos para o norte, é o que te d iz : D á-m e d e b e b e r, tu lh e te r ia s
pedido e e le te h a v e ria d a d o á g u a v iv a . 11
Jesus teve que passar pela Samária, não D isse-lhe a m u lh e r — S enhor, tu n ã o te n s
como uma necessidade geográfica, mas co m q u e tirá -la , e o poço é fu n d o ; donde
como uma compulsão divina. O pere pois, te n s e s s a á g u a v iv a ? 12 É s tu , p o r
grino judeu típico evitava deliberada v e n tu ra , m a io r do q u e o n o sso p a i J a c ó , que
mente essa rota direta, viajando pela n os d e u o poço, do q u a l ta m b é m e le m e sm o
b e b eu , e os se u s filhos, e o se u g a d o ? 13
Transjordânia, ao oriente; Jesus, no R eplicou-lhe J e s u s : Todo o q u e b e b e r d e s ta
entanto, sabia que seus discípulos pre á g u a to r n a r á a te r s e d e ; 14 m a s a q u e le
cisavam aprender a testemunhar não que b e b e r d a á g u a q u e e u lh e d e r n u n c a te r á
somente em Jerusalém (2:13-3:21) e em s e d e ; pelo c o n trá rio , a á g u a que eu lh e d e r
toda a Judéia (3:22-36), mas também em se f a r á n ele u m a fo n te d e á g u a que jo r r e
p a r a a v id a e te r n a . 15 D isse-lh e a m u lh e r:
Samária (cf. At. 1:8). S enhor, d á-m e d e ss a á g u a , p a r a q u e n ão
Lugar apropriado para o cenário foi m a is te n h a se d e , n e m v e n h a a q u i tirá -la .
uma cidade de Samária, chamada Sicar,
junto da herdade que Jacó dera a seu A exemplo da conversa com Nicode-
filho José (Gên. 48:22). Não é possível mos (3:1-15), esta parte do encontro é
identificar com segurança essa aldeia, descrita na forma de um diálogo, com
a menos que Sicar (sucher) seja uma cor três momentos. No primeiro caso, Nico-
ruptela de Siquém (suchem); porém sua demos tomou a iniciativa, porque tinha
localização geral não é problema, já vindo suscitar uma questão com Jesus;
que, obviamente, ficava próximo ao poço neste caso, todavia, Jesus conduziu a
de Jacó, que até hoje está ao pé dos discussão, já que era o intruso judeu na
montes Ebal e Gerizim, pouco mais de 60 Samária hostil.
quilômetros ao norte de Jerusalém. a. Primeiro Momento (v. 7-9)
A distância, coberta por Jesus a pé,
explica por que estava cansado da via Jesus — Reunindo simplicidade com
gem, alcançado o poço no calor do meio- surpresa, Jesus espantou a mulher com o
dia. O tempo judaico ia do nascente ao pedido: Dá-me de beber. Ã primeira
poente, cerca da hora sexta era próxima vista, isto parece uma sugestão mais do
ao meio-dia, uma referência bastante que natural, já que estava com calor,
sugestiva para o drama que logo come cansado e com sede, além de tempora
çaria (cf. o cenário do episódio de Nico- riamente sem a assistência dos seus dis
demos à noite, em 3:2). No primeiro cípulos, que tinham ido à cidade com
século, como hoje, as mulheres tinham o prar comida. Pode parecer, a nós, que a
hábito de tirar água no frescor da manhã cortesia habitual ditaria uma resposta
ou da noite, nunca ao meio-dia. Por afirmativa ao pedido de ajuda.
acaso, era a mulher com quem Jesus se A mulher — Nesta circunstância,
encontrou tão abominável que tinha de porém, era inimaginável que um judeu
evitar as multidões que se ajuntavam ao pedisse água a ela, uma mulher de Sa
redor do poço nas outras ocasiões? mária, pela razão que o Evangelista
parenteticamente explica: Porque os
2) O Oferecimento da Àgua Viva (4:7-15) judeus não se comunicam com os sama
7 V eio u m a m u lh e r d e S a m á r ia t i r a r á g u a . ritanos. Isto não quer dizer que os judeus
D isse-lhe J e s u s : D á-m e de b e b e r. 8 P o is jamais mantivessem qualquer contato
seu s d iscíp u lo s tin h a m ido à c id a d e c o m p ra r direto com os samaritanos, mas que eles
não partilhavam do mesmo prato com nascimento a alguém que já era velho,
eles, com medo de uma contaminação devido à dificuldade de um retorno ao
ritual (cf. Biblia na Linguagem de Hoje. ventre (3:4), a mulher duvidava da capa
“Os judeus não usavam os mesmos cidade dele de conseguir água viva do
pratos que os samaritanos usavam”). poço, já que era fundo e ele não tinha
A intenção de Jesus era surpreender, com que tirá-la.
porque os judeus não bebiam de um copo Posteriormente, assim como Nicode
tocado por lábios samaritanos e Jesus mos permanecera cético quanto à capa
não tinha vasilhas próprias.15 cidade de Jesus de mudar o status quo
b. Segundo Momento (v. 10-12) religioso existente desde os dias dos pa
triarcas, a mulher também questionava:
Jesus — De modo peculiar, Jesus res És tu, porventura, maior que do nosso
pondeu a este dilema com uma compa pai Jacó? O venerável patriarca fora
ração divina: Se tivesses conhecido o dom obrigado a retirar água de uma mina
de Deus (cf. 3:16,27,35). Com tanta fre profunda, e durante mais de um milênio
qüência, e aqui também, a natureza do este cuidadoso sistema não fora alterado.
homem é recusar, mas a de Deus é de O comentário acerca de uma fonte tor
conceder. Se tão-somente a mulher sou rencial era um tanto problemático para
besse quem era Jesus (um agente da uma mulher cansada, assim como seu
generosidade celestial, e não da mesqui comentário sobre um recém-nascido o
nhez judaica), ela lhe teria pedído, em fora para um homem idoso.
vez de ele pedir-lhe, e ele lhe haveria
dado, em vez de ela recusar-lhe a água c. Terceiro Momento (v. 13-15)
viva ou fluente da fonte inesgotável, e Jesus — Havia necessidade de se re
não apenas uma pequena porção como a solver as limitações da fonte literal, pois,
que ela podia tirar do poço. quaisquer que fossem os problemas para
A mulher — Como no caso de Nico- alcançar sua profundeza, o mais sério
demos, a mulher de início recusou-se a estava no fato óbvio de que todo o que
explorar o sentido espiritual das palavras beber desta água tornará a ter sede
simbólicas de Jesus, devido às suas difi (cf. 6:26,27). A única resposta adequada
culdades ao nível físico ou literal. Sabia era descobrir a água viva que o próprio
ela que o poço de Jacó era alimentado Jesus poderia dar, e todo aquele que dela
por uma fonte subterrânea (pege), enten beber nunca terá sede (cf. 6:35) — ou,
dida por ela mesma como a água viva literalmente: “jamais terá sede durante a
a que Jesus se referia, mas esta fonte no (nova) era” . Longe de deixar alguém
fundo de um poço ou mina (phrear) pro sedento de novo, esta água, uma vez
funda 16 . Como poderia Jesus tirar água bebida, não se perde, mas se fará nele
viva de lá se não tinha com quê? Do uma fonte permanente. O “novo Jaçg”
mesmo modo como Nicodemos questio não escavou seus poços na'têfraTmas no
nou se Jesus providenciaria um novo fundo do coração humano. Adeníàis.
como dinamismo “vivo” , esta realidade
15 Sobre esta interpretação do verso 9, veja David Daube,
espiritual no centro da vida não se acu
“Jesus and the Samaritan Woman; The Meaning of mula como a áeua numa cisterna, mas
sugchraomai", Journal of Biblical Literature, 69 jorra poder como uma fonte... que jorre
(1950), p. 137-147.
para a vida eterna.
16 A fonte hoje.tem 75 pés de profundidade, mas está
parcialmente preenchida de entulho. Portanto, pode ‘ A mulher ^—Levada da necessidade ao
ter tido, aproximadamente, 100 pés de profundidade desejo, através da curiosidade, a mulher
no tempo de Jesus. Veja D.C. Pellett, "Jacob’s Well" se exprimiu nas mesmas palavras com
JDB, II, p. 787 J. N. Sanders. The Gospel According
to St. John (New York: Harper & Row Publishers, que Jesus principiaria o diálogo: Dá-me
1968), p. 140, fn. 1, e p. 142, fn. 1. dessa água. Quão rapidamente os papéis
I se inverteram! No início, aquele que veio íi o, porém, à satisfação de sua própria
|j do alto falou de coisas terrenas, para que sede e ao término daquela tarefa diária
j aquela que era da terra pudesse crescer I de ir obrigatoriamente ao poço ao meio-
| em suas aspirações e aprendesse a pedir( dia. Como resposta, Jesus fez-lhe uma
Jcoisas celestiais (cf. 3:12,13, 31). O fun surpreendente sugestão: Vai chama o teu
damento de seu pedido era superficial sê marido e vem cá. Como não se disse a
nâo egoísta: para que não mais tenha razão deste pedido, há quem suponha
sede, nem venha aqui tirá-la. Por fim, que ele estava tentando vencer o egocen
porém, ela começou a procurar por algo trismo dela, lembrando-lhe seus compro
melhor e, o mais importante, aprendeu missos com os outros. Neste sentido,
com a pessoa certa (cf. v. 10). “ “vai e chama teu marido” significa:
3) O Oferecimento de Culto Espiritual “Você não quer que sua família parti
(4:16-26) cipe da descoberta da água viva?” Ou
tros, no sentido, entendem que Jesus já
16 D isse-lhe J e s u s : V ai, c h a m a o te u sabia de seus fracassos sexuais e estava
m a rid o e v e m c á . 17 R esp o n d eu a m u lh e r: tentando expor o problema da culpa não
N ão te n h o m a rid o . D isse-lh e J e s u s : D isse ste
b e m : N ão ten h o m a rid o ; 18 p o rq u e cinco resolvida. Neste sentido, sua sugestão
m a rid o s tiv e ste , e o qu e a g o ra te n s n ão é te u acabou por quebrar suas defesas, le
m a rid o ; isto d is se ste com v e rd a d e . 19 D is vando-a à confissão do pecado.
se-lhe a m u lh e r: S en h o r, v ejo q u e é s p ro
fe ta . 20 N ossos p a is a d o r a r a m n e s te m o n te ,
A mulher — Confrontada de modo tão
e vós dizeis qu e e m J e r u s a lé m é o lu g a r onde repentino com o desafio que o dom de
se dev e a d o ra r . 21 D isse-lhe J e s u s : M u lh er, Deus punha diante dela, a mulher tentou
c rê-m e, a h o ra v e m , e m q u e n e m n e ste fugir ao problema com uma resposta
m o n te , n e m e m J e r u s a lé m a d o ra re is o evasiva: Não tenho marido. Como vere
P a i. 22 Vós a d o ra is o q u e n ão c o n h e c e is; nós
a d o ra m o s o qu e c o n h e c e m o s: p o rq u e a sal- mos, num certo sentido, a resposta esta
v a ç ã o v e m dos ju d e u s . 23 M as a h o ra v e m , va tecnicamente correta, já que fora
e a g o ra é , e m qu e os v e rd a d e iro s a d o r a casada com muitos maridos; isto, porém,
d o re s a d o ra r ã o o P a i e m e sp írito e e m v e r não altera a possibilidade de que estava
d a d e ; p o rq u e o P a i p ro c u ra a ta is q u e a s s im
o' a d o re m . 24 D eu s é E s p ír ito , e é n e c e ss á rio tentando enganar premeditadamente.
que os q ue o a d o ra m o a d o re m e m e sp írito Na sua ética imatura, a verdade foi deter
e e m v e rd a d e . 25 R eplicou-lhe a m u lh e r: E u minada mais pela exatidão das palavras
sei q u e v e m o M e ssia s (q u e se c h a m a o do que pela integridade do motivo.
C ris to ); q u an d o e le v ie r, h á d e n o s a n u n c ia r
to d a s a s c o isa s. 26 D isse-lhe J e s u s : E u o
sou, e u q u e falo contigo.
b. O Segundo Momento (v. 17b-20)
Texto e Comentário (7:53-8:11) alguma marca especial (um asterisco, por exemplo) ou em
lugares diferentes (como depois de João 21:24 ou Lucas
53 E cada um foi para sua casa. 1 Mas Jesus foi para o 21:38, por exemplo). Embora totalmente desconhecida no
Monte das Oliveiras. 2 Pela manhã cedo voltou ao templo e Oriente durante o primeiro milênio de nossa era, a passa
todo o povo vinha ter com ele; e Jesus, sentando-se, o gem aparece primeiro na tradição textual ocidental ou
ensinava. 3 Então os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma latina e é reconhecida pela maioria dos manuscritos gregos
mulher apanhada em adultério; e pondo-a no meio, 4 dis medievais tardios. Destas duas fontes, entretanto, a
seram-lhe: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagran passagem entrou na Vulgata e na versão do Rei James
te adultério. 5 Ora, Moisés nos ordena na lei que as tais (King James Version), a partir das quais espalhou-se por
sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? 6 Isto diziam toda a cristandade.
eles, tentando-o, para terem de que o acusar. Jesus, A evidência interna confirma o veredicto da evidência
porém, inclinando-se, começou a escrever no chão com externa de que este trecho não integrava originalmente o
o dedo. 7 Mas, como insistissem em perguntar-lhe, ergueu- Quarto Evangelho. O estilo da estória é mais lucano do que
se e disse-lhes: Aquele que dentre vós que está sem pecado joanino. O ambiente coaduna-se muito bem com as descri
seja o primeiro que lhe atire uma pedra. 8 E, tornando a ções sinópticas das últimas semanas de Jesus em Jerusa
ínclinar-se, escrevia na terra. 9 Quando ouviram isto foram lém (compare-se as vivas semelhanças entre João 8:1,2 e
saindo um a um, a começar pelos mais velhos, até os Lucas 21:37,38). E possível que o relato tenha sido enxer
últimos; ficou só Jesus, e a mulher ali em pé. 10 Então, tado aí por ter ocorrido no Templo (8:2; cf. 7:14,28;
erguendo-se Jesus e não vendo ninguém senão a mulher, 8:20,59) e por ilustrar a forma como Jesus a ninguém
perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusado julgava(8:15).
res? Ninguém te condenou? 11 Respondeu ela: Ninguém, Nào há razão para se duvidar da autenticidade substan
Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu te condeno; vai-te, e não cial da história. Embora provavelmente não tenha sido
peques mais. intencionalmente parte de nenhum dos quatro Evangelhos
canônicos, a igreja antiga encontrou nele um valor tão
Esta passagem aparece entre colchetes na versão da IBB significativo que o incluiu em vários pontos do relato, para
porque as evidências disponíveis demonstram conclusiva garantir sua sobrevivência. Ao estudar o Evangelho de
mente que foi uma interpolação posterior ao Evangelho João, no entanto, o leitor deve ir direto de 7:52 para 8:12,
de João. A maioria dos melhores manuscritos gregos omite não permitindo que esta inserção obscureça a íntima
toda esta seção; os poucos que a incluem, fazem-no com relação entre estes dois capítulos.
suicidas (v. 22), de ser bastardo (v. 19 e enviou. 17 O ra , n a v o ss a lei e s tá e sc rito que
41) e de insanidade (v. 48 e 52). Jesus, o te ste m u n h o d e dois h o m en s é v e rd a d e iro .
18 Sou e u qu e dou te s te m u n h o d e m im m e s
por seu turno, os acusou de não conhe m o, e o P a i, q u e m e en vio u , ta m b é m d á
cerem a Deus (v. 19), de morrerem em te ste m u n h o de m im . 19 P e rg u n ta v a m -lh e ,
seus pecados (v. 21) e — como filhos do p o is: O nde e s tá teu p a i? J e s u s re sp o n d e u :
Diabo — de serem assassinos e menti N ão m e co n h eceis a m im , n e m a m e u P a i ;
rosos (v. 37,40,44). Embora este estilo se vós m e c o n h ec ê sse is a m im , ta m b é m
co n h e c eríe is a m e u P a i. 20 E s s a s p a la v r a s
polêmico não apareça apenas neste p ro fe riu J e s u s no lu g a r do te so u ro , q u an d o
Evangelho (cf. Mat. 23:15), é aqui que e n sin a v a no te m p lo ; e n in g u ém o p re n d e u ,
encontra um lugar de destaque, porque po rq u e a in d a n ã o e r a c h e g a d a a s u a h o ra .
João 8 foi escrito quando o conflito entre
a sinagoga e a igreja estava em seu auge. Num momento não especificado, du
Num tempo quando o cristianismo come rante a festa dos Tabernáculos, Jesus
çava a delinear sua independência e o voltou a desafiar seus ouvintes no Tem
judaismo lutava para sobreviver, não era plo com uma afirmação semelhante à de
difícil relembrar e exprimir, na forma 7:37, ao anunciar: Eu sou (egõ eimi)
mais extremada possível, estas rupturas, a luz do mundo (cf. 9:5; 12:46). Contra
que tinham produzido a indelével sepa o panorama da rejeição, por parte dos
ração entre Jesus e seus contemporâneos. líderes de Israel (7:45-52), Jesus provoca
Devido ao caráter compilativo do ma doramente insistiu que quem me segue
terial, é difícil determinar a forma ori (cf. 1:43), em vez de seguir autoridades
ginal interna. Visto como um todo, 8:12- judaicas, não andará nas trevas espiri
59 é uma sucessão de cinco cenários, nos tuais destas mesmas autoridades (como
quais cada uma das controvérsias é res está bem claro em 7:52), mas terá a luz
pondida por uma ou mais frases provoca da vida (cf. 1:4,5).
tivas por parte de Jesus. O tema unifi Ao debaterem estas primeiras palavras
cador é o juízo. Depois de um pará (Eu sou), os fariseus viram nelas não
grafo de abertura, sobre a autoridade e uma velada reivindicação de divindade,
validade de Jesus para julgar (v. 12-20), mas uma expressão de egoísmo pessoal:
o roteiro passa a considerar a urgência Tu dás testemunho de ti mesmo. Em res
(v. 21-30), os efeitos (v. 31-38) e os posta, Jesus argumentou que mesmo que
padrões (v. 39-47) de seu juízo. A seção o fizesse — certamente não numa feição
termina, então, com a afirmação de que egocêntrica (cf. 5:30,31) — seu testemu
o juízo de Jesus é uma questão de vida ou nho era definitivamente verdadeiro, por
morte, devido ao seu relacionamento sin que, diferentemente deles, ele sabia de
gular com Deus (v. 48-59). onde tinha vindo e para onde ia (dois
temas melhor explicados em 7:25-36).
1) As Credenciais do Juiz (8:12-20) A maioria dos homens faz juízos indig
12 E n tã o J e s u s to rn o u a fa la r-lh e s, d ize n nos porque, como criaturas do presente,
do: E u sou a luz do m u n d o ; q u e m m e seg u e, não podem reconstruir o passado e nem
de m odo a lg u m a n d a r á e m tr e v a s , m a s t e r á antecipar o futuro. Por conseguinte, jul
a luz d a v id a. 13 D lsse ra m -lh e , pois, os f a r i gam segundo a carne, isto é, à luz do que
seu s: T u d á s te ste m u n h o d e ti m e s m o ; o
te u te ste m u n h o n ão é v e rd a d e iro . 14 R e s
podem ver a nível terreno, em dado
pondeu-lhes J e s u s : A inda que eh dou te s te momento (cf. 7:24). Ao contrário, Jesus
m unho de m im m e sm o , o m e u te ste m u n h o é a tudo avaliava num contexto eterno,
v e rd a d e iro ; p o rq u e se i donde v im , e p a r a reunindo visão do passado com visão do
onde v o u ; m a s vós n ão sa b e is d onde venho, futuro, para alcançar uma compreensão
n em p a r a onde vou. 15 Vós ju lg a is segundo
a c a rn e ; e u a n in g u é m ju lg o . 16 E , m e sm o que transcendia o tangível e o transitório.
que eu ju lg u e, o m e u ju ízo é v e rd a d e iro ; Como luz do mundo, Jesus não era
porque n ão sou e u só, m a s e u e o P a i que m e apenas uma testemunha verdadeira (cf.
1:6-8), mas também um juiz verdadeiro. (cf. 8:41). Mais gravemente, eles inter
Nos versos 15b e 16a, duas afirmações pretaram equivocadamente uma referên
aparentemente contraditórias dão a cha cia a seu Pai celestial, porque não o
ve para o caráter dialético de seu papel: conheciam verdadeiramente. Este equí
A ninguém julgo... mesmo que eu jul voco se baseava numa incapacidade de
gue. Por um lado, Jesus não veio para compreender a Jesus espiritualmente,
julgar (cf. 3:17; 12:47) no sentido con- pois conhecê-lo era conhecer seu Pai
denatório de avaliar segundo a carne, também. Aos olhos dos judeus, esta afir
isto é, pelas aparências (cf. 7:24). Por mação parecia uma inominável blasfê
outro lado, Jesus veio para julgar (cf. mia, digna de morte, mas ninguém o
5:22; 9:39) no sentido de confrontar os prendeu, porque ainda não era chegada
homens com uma decisão de vida e mor a sua hora.
te. Este juízo não nasce de nenhum es
forço para estabelecer sua própria supe 2) A Crucialidade do Seu Juízo (8:21-30)
rioridade, mas de uma completa identi
dade de função com Deus: porque não 21 D isse-lh es, pois, J e s u s o u tra v e z : E u
sou eu só (que julgo), mas eu e o Pai que m e r e tir o ; b u s c a r -m e-eis, e m o r re re is no
vosso p e c a d o . P a r a onde eu vou, vós não
me enviou. podeis ir. 22 E n tã o d izia m os ju d e u s : S e rá
A atividade coordenada de Jesus e que ele v a i su ic id a r-se , pois d iz : P a r a onde
Deus também contribuiu para resolver a eu vou, vós n ã o p o deis ir ? 23 D isse-lh es e le :
intenção da lei judaica que prescrevia Vós so is d e b a ix o , e u sou d e c im a ; vós sois
d este m u n d o , eu não sou d e ste m u n d o .
que o testemunho de pelo menos dois 24 P o r isso vos d isse q u e m o rre re is e m
homens bastava para estabelecer que era vossos p e c a d o s ; p o rq u e , se n ão c re r d e s que
verdadeiro, em casos criminais (cf. Núm. eu sou, m o rre re is e m vossos p eca d o s.
35:30; Deut. 17:6; 19:15). Nesse sentido, 25 P e rg u n ta v a m -lh e e n tã o : Q uem é s tu ?
Jesus mesmo deu um testemunho veraz R espondeu-lhes J e s u s : E x a ta m e n te o que
venho dizendo que sou. 26 M u itas c o isas
(v. 13 e 14), enquanto seu Pai dava o tenho que d iz e r e ju lg a r a c e rc a de v ó s ; m a s
outro. Ao nível da fé, este argumento era aq u e le q u e m e e n v io u é v e rd a d e iro ; e o que
completamente convincente, porque não dele ouvi, isso falo a o m u n d o . 27 E le s não
poderia haver testemunhos mais dignos p e rc e b e ra m q u e lh es f a la v a do P a i. 28 P r o s
seguiu, pois, J e s u s : Q uando tiv e rd e s le v a n
do que estes vindos de Deus e de seu tad o o F ilh o do h o m e m , e n tã o c o n h e ce re is
único Filho. Ao nível do procedimento que eu sou, e q u e n a d a fa ço de m im m e s m o ;
legal judaico, entretanto, este raciocínio m a s com o o P a i m e enviou, a s s im falo.
parecia amplamente suspeito, porque a 29 E a q u e le q u e m e en v io u e s tá c o m ig o ; n ão
lei geralmente estipulava duas ou três m e te m d eix ad o só ; p o rq u e faço se m p re o
que é do se u a g ra d o . 30 F a la n d o e le e s ta s
testemunhas além do acusado. Como Je co isas, m u ito s c r e r a m nele.
sus, o acusado, era a única testemunha
que os judeus podiam ver, isto signifi Nos debates do Templo, introduz-se
cava que ele não tinha realmente teste uma nota de urgência com a retomada do
munho nenhum a seu favor. tema da partida desenvolvido em 7:32-36
Em casos raros, porém, os rabinos e com a definição de suas dramáticas
permitiam que a evidência fosse estabe conseqüências para os ouvintes de Jesus.
lecida pela pessoa em questão, mais al Logo ele se iria, conforme disse eu me
guma outra testemunha: por isso, os retiro, ao voltar para os céus, e eles o
judeus perguntaram: Onde está teu pai? buscariam em vão, porque não conhe
para ver se Jesus conseguia o apoio su ciam o Pai. Como alguém de cima (isto é,
plementar. Embora os galileus dissessem não deste mundo), ele iria para onde
conhecer seu pai terreno, José (6:42), os aqueles que eram de baixo (isto é, deste
ierosolimitas ou ignoravam sua família mundo) não poderiam ir (cf. 3:6,31;
ou suspeitavam de sua filiação legítima 6:63). Na primeira vez que este tema foi
introduzido, os judeus entenderam mal a Eu sou, que representava Deus de modo
Jesus ao acharem que iria “à Diáspora tão completo, que nada fazia de si mes
entre os gregos” (7:35), enquanto aqui mo, mas falava apenas aquilo que o Pai
pensaram que iria mais além, cometendo lhe ensinava (cf. 7:16). Independente
suicídio. mente da resposta, Aquele que o enviara
Esta hipótese representava uma trá jamais o deixaria só, pois Jesus só fazia o
gica distorção dos esforços de Jesus para que era do seu agrado. Impulsionado
alertar seus adversários de que o tempo por esta pública profissão de fé em Deus,
era curto para se aceitar sua oferta de muitos foram levados a crer em Jesus.
salvação. Se eles forçassem sua partida
deste mundo, levantando-o numa cruz 3) As Conseqüências de Seu Juízo
(cf. v. 28), morreriam em seu pecado (8:31-38)
de rejeitarem de modo definitivo a re
denção que ele oferecia (cf. Mar. 3:28, 31 D izia, p o is, J e s u s a o s ju d e u s q u e n e le
29). Esta morte espiritual era inevitável c r e r a m : Se vós p e rm a n e c e rd e s n a m in h a
se recusassem aceitar aquele que dava p a la v r a , v e rd a d e ira m e n te sois m e u s d is c í
água “viva” (7:38) e era a luz da “vida” p u lo s; 32 e c o n h e c e re is a v e rd a d e , e a v e r
d a d e vos lib e r ta r á . 33 R e sp o n d e ra m -lh e : So
(8:12). Sua única esperança seria crer m o s d e sc e n d ê n c ia de A b ra ã o , e n u n c a fom os
que ele era o “Eu sou” divino, o único e sc ra v o s d e n in g u é m ; com o d izes tu : S e
em quem o ser eterno do Deus da vida se re is liv re s? 34 R ep lico u -lh es J e s u s : E m v e r
manifestou entre os homens. d a d e , e m v e rd a d e vos digo q u e todo a q u e le
Mais uma vez, por outra equivoca- que c o m ete p e c a d o é e sc ra v o do p e ca d o .
35 O ra , o e s c ra v o n ã o fic a p a r a s e m p re n a
díssima interpretação, os judeus, deixa c a s a ; o filho fic a p a r a s e m p re . 36 Se, p o is, o
ram de reconhecê-lo neste uso absoluto F ilh o v o s lib e rta r, v e rd a d e ira m e n te se re is
de ego eimi, a fórmula veterotestamen- liv re s. 37 B e m se i q u e sois d e sc e n d ê n c ia de
tária para uma teofania do Deus pessoal A b ra ã o ; co n tu d o , p ro c u ra is m a ta r-m e , p o r
que a m in h a p a la v r a n ã o e n c o n tra lu g a r e m
(cf. Êx. 3:14; Is. 41:4; 48:12). Ouvindo vós. 38 E u falo do q u e vi ju n to d e m e u P a i ; e
Jesus dizer simplesmente “Eu sou” e vós fa z e is o q u e ta m b é m o u v istes d e vosso
supondo que ele acrescentaria algum p ai.
predicado como “a luz do mundo” (como
no v. 12), eles responderam: Quem és tu? As palavras iniciais deste parágrafo
(ou “Tu és quem?”). Não havia forma de representam um problema, porque os
Jesus responder a esta estupidez senão judeus, que aqui são apresentados como
repetir o que vinha dizendo desde o tendo crido em Jesus, logo seriam cha
início. Devido à resposta negativa dos mados de filhos do Diabo, que estavam
judeus, muito poderia ele dizer sobre a procurando matá-lo (v. 43 e 44). Três
natureza do seu julgamento; no entanto, fatores podem ajudar a explicar esta
ele preferia silenciar, para deixar tais transformação na narrativa.
questões nas mãos dAquele verdadeiro Primeiro, o autor altera ligeira, mas
que o enviara (cf. v. 50) e porque sua significativamente, o conteúdo dos ver
missão era anunciar, ao mundo, o que sos 30 e 31; no verso 30, muitos creram
tinha ouvido do Pai, e não o que apren “nele” (eis auton) e no verso 31, os ju
dera de seus inimigos. deus nele (auto) creram. Infelizmente,
Embora Jesus continuasse a exaltar a esta alteração não se registra nas tra
Deus, sabia que a “hora” logo chegaria duções. Como esta distinção é geralmen
quando, como Filho do Homem, ascen te plena de sentido por todo o Evange
deria ao lugar de onde viera, ao ser lho, o autor pode estar sugerindo qug_os
levantado na cruz. Nessa suprema hora judeui do verso 31 tinham dado crédltoã
da revelação, certamente alguns de seus certas doutrinas intelectuais sobre Jesus,
ouvintes saberiam que ele era o grande mas não experimentaram uma forma su
perior de fé, que abrigasse uma confian deste versículo como um bem teórico, a
ça pessoal nele7~ promessa não é feita de que a educação
Segundo, o próprio Jesus aceitou a fé resulta em libertação da escravidão es
do verso 31 como condicional. Estes piritual. Relutantes em admitir até mes
crentes seriam verdadeiramente seus dis mo o evento da necessidade desta liber
cípulos somente se permanecessem em tação, que demonstra que sua crença
sua palavra. Obviamente, muitos discí envolvia uma perspectiva diferente de
pulos nominais não chegaram a isso (6: les mesmos, os judeus responderam que,
66). Jesus percebeu logo a superficiali como herdeiros espirituais de Abraão,
dade da fé e não alimentou grandes jamais tinham sido escravos de ninguém.
ilusões em relação a ela (cf. comentário Num sentido político, é claro que tinham
sobre 2:23-25). Se um do círculo menor sido escravizados muitas vezes, e assim
dos doze era um diabo (6:70), imagine- por Roma, nessa época, mas nunca ti
se no instável grupo de seguidores em nham sucumbido às divindades estra
Jerusalém! nhas de seus captores.
Terceiro, os eventos da igreja ao tem Para vencer esta objeção, Jesus cunhou
po quando este Evangelho foi escrito o ensino sobre o cativeiro e a liberdade
confirmaram a possibilidade de que os em relação aos conceitos de escravidão
“crentes” voltaram a ser filhos do Diabo. e filiação. Como o mal não é uma vio
Em I João, o autor enfrentou a necessi lação de regra abstrata, mas submissão
dade de providenciar testes para distin a um tirano pessoal (v. 44), todo aquele
guir a verdadeira fé da falsa. Dentro que comete pecado é escravo do pecado
I da igreja havia aqueles que continuavam (cf. 6:12-18; Gál. 4:3,8,9; 5:1). Esta es
a pecar (I João 3:8; cf. João 8:21,24) cravidão tomava impossível cumprir a
\e eram mais “filhos do Diabo” do que condição básica do discipulado, se per
y“filhos de Deus” (I João 3:10; cf. João manecerdes na minha palavra, porque
/8:38,41,42,44). Alguns membros “odia o escravo não fica para sempre na casa; o
vam” seus irmãos cristãos e eram tão filho fica para sempre. Por fim, duas
“assassinos” espirituais quanto Caim, circunstâncias podem ter sugerido a in
“que era do Maligno e matou a seu clusão da pequena parábola do escravo e
irmão” (I João 3:11-13; cf. João 8:44). do filho, no verso 35, para ilustrar a
Estes paralelos demonstram que a situa importância de permanecer na casa para
ção que Jesus enfrentou era mais o ar sempre.
quétipo histórico do que o conflito in Primeira, uma narrativa sobre Abraão
terno, que caracteriza o povo de Deus em no Velho Testamento relata como Is
todas as gerações. 24 mael, seu filho escravo com Agar, foi
Consciente de que a precária posição expulso, enquanto Isaque, seu filho livre
espiritual destes judeus que nele creram com Sara, obteve seu direito para sempre
se assemelhava à de Israel durante sua (Gên. 21:9-14; cf. a abordagem, de Pau
peregrinação no deserto, Jesus lhes ofe lo, desta tipologia, em Gál. 4:21-31).
receu a possibilidade da verdadeira liber Aqueles que se jactavam de serem da
tação da escravidão. Se eles permaneces descendência de Abraão teriam que per
sem em seus ensinos, poderiam conhecer guntar se eram filhos do tipo de Ismael
a verdade de Deus, que não é um con ou do tipo de Isaque! Nesse caso, a
junto de idéias soltas, mas um poder diferença não seria determinada pelo
dinâmico que pode tornar livres os ho fato de sua mãe ser Agar ou Sara, mas se
mens. Contrariamente ao uso freqüente estavam prontos para permitir que o
24 Sobre o ambiente desta seção mais ampla nas lutas
Filho os tomasse verdadeiramente livres,
judaizantes da igreja primitiva, veja C.H. Dodd, More para habitarem na casa do Pai. Segunda,
New Testament Studies. p. 41-57. o autor pode ter tido conhecimento de
uma situação paralela na igreja primi não podeis o u v ir a m in h a p a la v r a . 44 Vós
tiva, em que alguns “saíram dentre nós” , U*ndes p o r p a i o D iabo, e q u e re is s a tis fa z e r
os d esejo s de vosso p a i ; ele é h o m ic id a d e s
isto é, deixando a comunidade cristã. de o p rin cíp io , e n u n ca se firm o u n a v e r d a
“Se fossem dos nossos, teriam permane de, p o rq u e nele n ão h á v e rd a d e ; q u an d o ele
cido conosco” , mas sua partida da casa p ro fere m e n tira , fa la do que lh e é p ró p rio ;
de Deus evidenciava que não eram “dos p orque é m e n tiro so , e p a i d a m e n tira . 45
nossos” (I João 2:19). M as p o rq u e eu digo a v e rd a d e , não m e c r e
des. 46 Q uem d e n tre vós m e co n v en ce de
No caso de seus contemporâneos ju p ecad o ? Se digo a v e rd a d e , p o r que n ão m e
deus, Jesus concordou logo que eles eram c re d e s? 47 Q uem é de D eus ouve a s p a la v r a s
descendência de Abraão num sentido de D eu s; p o r isso vós n ão a s ouvis, p o rq u e
físico, mas a reação que tiveram diante não sois de D eus.
dele demonstrava que Abraão não era Diante das alternativas pessoais entre
seu pai num sentido espiritual.25 No cativeiro ou liberdade, escravidão ou fi
pensamento judeu, o maior dos patriar liação, os judeus se agarravam vigorosa
cas era venerado como um modelo de mente a este sentimento de solidariedade
justiça (Gên. 18:19; 26:5; Eclesiástico nacional, que lhes dava um senso maior
44:19), enquanto seus descendentes ago de orgulho e privilégio (cf. Mat. 3:7-10).
ra procuravam matar Jesus. Em vida, A sugestão implícita, de que sua pater
Abraão recebeu de bom grado o Senhor, nidade poderia ser outra, foi respondida
quando ele veio visitá-lo em forma hu com uma frase resoluta: Nosso pai é
mana (Gên. 18:1-15), mas agora a pala Abraão. A isso, Jesus simplesmente re
vra de alguém que falava apenas daqui petiu o argumento negativo do verso 37,
lo que tinha visto com Deus não encon de que não via nenhuma dignidade es
trava lugar na progénie de Abraão. A piritual entre o que Abraão fez e o de
teologia do Velho Testamento apresen sejo destes de matá-lo, bem como o ar
tava Abraão como aquele através de gumento positivo do verso 38, de que eles
quem Israel seria uma bênção mundial faziam as obras de seu pai. As leis da
(Gên. 12:1-3; 18:18; 22:17,18), mas ago hereditariedade valem tanto no campo
ra sua raça estava na iminência de apa espiritual quanto no físico: “Tal pai,
gar a “luz do mundo” (v. 12). É claro tal filho.”
que eles faziam o que tinham ouvido de Temerosos de que um judeu irmão
um pai que não era nem Abraão e nem o atacasse sua teologia abraâmica (cf.
Pai de Jesus. Mat. 8:11,12; Luc. 16:19-31), os pole
mistas responderam com dois argumen
4) O Critério do Seu Juízo (8:39-47) tos deles próprios. Negativamente, re
39 R esp o n d e ra m -lh e : N osso P a i é A b ra cusavam que fossem nascidos de pros
ão. D isse-lhes J e s u s : Se sois filhos de A b ra tituição. Esta afirmação pode ser seme
ão, fazei a s o b ra s de A b raão . 40 M as a g o ra lhante à do verso 33, de que eles não
p ro c u ra is m a ta r-m e , a m im que vos fa le i a tinham sido apóstatas no sentido profé
v erd a d e que de D eus o u v i; isso A b raão não
fez. 41 Vós fazeis a s o b ra s de vosso p ai. tico de adultério espiritual (exemplo:
R e p licaram -lh e e le s: N ós não so m o s n a s c i Os. 1:2; 2:4,13; 4:15), ou uma discreta
dos de p ro s titu iç ã o ; te m o s u m P a i, q u e é difamação do próprio nascimento de Je
D eus. 42 R espondeu-lhes J e s u s : Se D eus sus como ilegítimo (cf. v. 19). Positiva
fosse o vosso P a i, vós m e a m a ríe is , p o rq u e
eu sa í e v im de D e u s ; pois não v im de m im
mente, resolveram colocar o debate aci
m esm o, m a s ele m e enviou. 43 P o r que não ma de antecedentes humanos, ao iden
co m p reen d eis a m in h a lin g u a g e m ? é p o rq u e tificarem seu Pai espiritual não com
Abraão, mas com Deus.
2 5 A d ife r e n ç a e n tre v e r d a d e ir o s e fa lso s d e s c e n d e n te s Em lugar de rebater as horríveis im
d e A b r a ã o e ra s u s te n ta d a ta m b é m n a tr a d iç ã o rabí-
n i c a ; c f . Mishnah, Aboth 5 : 1 9 . e Midrash Rabbah. plicações da afirmação sobre prostitui
sob re G ê n e sis 2 1:12 . ção, Jesus aproveitou a oportunidade
para esclarecer seu verdadeiro relacio boneco nas mãos de Satã. O problema
namento com Deus. Mais importante está mais com a incapacidade de se com
que as circunstâncias de seu nascimento preender as formas de pensamento do
terreno era o fato de que saíra e viera primeiro século do que com este tipo
de Deus e não de si mesmo, mas como de teologia faustiana.(*>Jesus não con
um na missão divina — Tão insepará cluiu que certos homens estavam fada
veis eram enviador e enviado que, se dos a viver vidas más, porque fossem
Deus fosse realmente o Pai dos judeus — escravos do Diabo; bem ao contrário,
um pressuposto absolutamente falso — concluiu que, por sua conduta atual,
eles amariam seu Filho também. Mas, um esses homens poderiam tornar-se bone
relacionamento tão íntimo quanto este cos por vontade própria. Que este cati
estava além de sua capacidade de com veiro era voluntário e deveria ser rompido
preender. Eles não podiam compreender pela fé verdadeira em Jesus era o ponto
0 que Jesus dissera, porque não supor central de todo o seu apelo (v. 31,32,
tavam ouvii a palavra (logos, no grego) 36,46).
divina que estava sendo transmitida pe Na realidade, atrás de todas estas gra
las palavras proferidas (lalia, no grego) ves acusações, está o merecido reconhe
por Jesus. Embora estivessem prontos cimento de que os próprios homens são a
para obedecer ao que seu “pai” dissesse única causa de seus próprios problemas.
(v. 38b), ficavam surdos diante da men A questão não é simplesmente quem é
sagem do Pai celestial, comunicada atra um homem, mas de quem é (isto é, de
vés de Jesus. Deus ou do Diabo, v. 47). Jesus admitiu
A razão para esta dicotomia absoluta que os homens poderiam ser fustigados
foi logo explicada pela identificação de por forças estranhas às suas existências:
seu (deles) pai como o Diabo, a cujos o escravizante poder da tradição religio
desejos queriam satisfazer. Diferente sa, do orgulho nacional e do preconceito
mente de Jesus, que “desde o início” racial. Quando Jesus marchava para a
fora a fonte da vida divina (v. 24 e 25), hora do conflito maior, cada vez mais o
este último adversário era homicida des mal — não algum pequeno grupo de
de o princípio, pois ele trouxera a morte homens desarvorados — se transformava
ao Jardim do Éden (Gên. 3:1-19) e le em seu principal inimigo (12:31-33;
vara Caim a matar seu irmão Abel (cf. 16:33). As boas-novas desta repulsiva e
1 João 3:8,12,15). Embora Jesus ofere escura passagem é que Jesus morreu para
cesse aos homens a verdade da salvação quebrar o poder do mal cósmico sobre as
(v. 32), que ele mesmo comunicava, no vidas individuais. O homem que se vê
Diabo não havia verdade, uma vez que como a causa única de seus problemas
ele, por natureza, era um mentiroso e pai geralmente supõe que sozinho pode re
da mentira. solvê-los, ao passo que o homem que
Estava aí, então, a razão maior, por descobre que é um filho do Diabo está
que mesmo aqueles que criam em Jesus melhor preparado para descobrir em Je
como um homem de inacreditável de sus aquele que pode quebrar este poder
sempenho espiritual (v. 31) não creram terrível (cf. o comentário sobre 6:70,71).
na verdade de Deus, quando ele a apli
cou a suas vidas: só quem é de Deus ouve 5) A Identidade do Juiz (8:48-59)
as palavras de Deus, e eles não eram de 48 R esp o n d e ra m -lh e os ju d e u s : N ão d iz e
Deus, mas de seu pai, o Diabo. m os co m ra z ã o que é s s a m a rita n o , e que
Numa primeira leitura, esta linha de
raciocínio atribuída a Jesus parece ofen (*) Por “teologia faustiana” o autor se refere, reportan
do-se a um personagem (Fausto) criado por Goethe
der sensivelmente aqueles que se re e que fez um pacto com o Diabo, a uma visào dua-
cusam a condenar um homem a mero lística do mundo. — N.T.
te n s dem ô n io ? 49 J e s u s re s p o n d e u : E u não seria o juiz do que era verdade (cf.
tenho d e m ô n io ; a n te s ho n ro a m e u P a i, e vós v. 26)/*)
m e d e so n ra is. SO E u n ã o b u sco a m in h a
g ló ria ; h á q u e m a b u sq u e , e ju lg u e . 51 E m Buscando recuperar a alternativa po
v e rd a d e , e m v e rd a d e vos digo q u e, se a l sitiva implícita em sua afirmação inicial
g u ém g u a r d a r a m in h a p a la v r a , n u n c a v e rá
a m o rte . 52 D isse ra m -lh e os ju d e u s : A g o ra de ser “a luz da vida” , Jesus agora re
sab em o s q u e te n s dem ônio . A b ra ã o m o rre u , sume a questão; Se alguém guardar a
e ta m b é m os p r o f e ta s ; e tu d iz e s : Se a lg u é m minha palavra, nunca verá a morte. Para
g u a rd a r a m in h a p a la v r a , n u n c a p ro v a r á a os judeus, porém, este convite apenas
m o rte ! 53 P o rv e n tu ra , és tu m a io r do que
nosso p a i A b raão , q ue m o rre u ? T a m b é m os
confirmava que Jesus tinha um demônio.
p ro fe ta s m o r r e r a m ; q u e m p re te n d e s tu s e r? Já que mesmo os melhores de Israel, de
51 R esp o n d eu -lh es J e s u s : Se e u m e g lo rifi Abraão aos profetas, tinham morrido,
c a r a m im m e sm o , a m in h a g ló ria n ã o é por tér Satã, o “homicida” , introduzido
n a d a ; q u e m m e g lo rific a é m e u P a i, do q u a l a morte no mundo desde o princípio”
vós d izeis q u e é o vosso D e u s ; 55 e vós n ã o o
c o n h eceis; m a s e u o conh eço ; e , se d is se r (um argumento suscitado pelo próprio
que n ão o conheço, s e r e i m e n tiro so com o Jesus, no v. 44!), a oferta de Jesus de
v ó s; m a s eu o conheço, e g u a rd o a s u a p a la uma espécie de imunidade mágica dian
v ra . 56 A b raão , vosso p a i, ex u lto u p o r v e r o te da morte era uma prova de que estava
m eu d ia ; viu-o, e a le g ro u -se . 57 D isse ra m -
lhe, p ois, os ju d e u s : A inda n ão te n s c in q ü e n
de acordo com o Diabo (cf. a mesma
ta an o s, e v is te A b ra ã o ? 58 R esp o n d eu -lh es linha de raciocínio de Marcos 3:22). Do
Je s u s : E m v e rd a d e , e m v e rd a d e vos digo contrário, ele seria maior do que Abraão
que a n te s qu e A b ra ã o e x is tisse , e u sou. (cf. 4:12) ...e os profetas — uma con
59 E n tã o p e g a ra m e m p e d ra s p a r a lh e a t i clusão absolutamente inaceitável!
r a r e m ; m a s J e s u s ocultou-se, e sa iu do te m
plo. Nesse momento (v. 51-53), duas gran
des questões dividiram Jesus e os ju
Outra vez, Jesus esclarece que a li deus. Primeira, estes se recusavam ter
nhagem espiritual de seus adversários minantemente a considerar existencial-
não provinha de Abraão ou de Deus, mente a morte, isto é, como um proble
mas do Diabo. Em resposta, eles o acusa ma espiritual, de natureza pessoal, ven
ram de ser samaritano e possesso de do-a apenas como uma mudança física,
demônio. Em João 4, Jesus ignorara sé que põe fim à vida do homem. Como
culos de preconceito, ao definir a fé como todo mundo, Jesus certamente sabia que
não fundada numa identidade racial (cf. Abraão e os profetas tinham morrido e
4:9,21-23,42). Aqui, pode ter sido fus que cada geração continuaria a morrer,
tigado por esta abertura. Aos olhos dos mas estava preocupado em ajudar os
judeus, os samaritanos eram uma raça homens a descobrir realidades que so
degenerada e de ascendência ilegítima brevivessem à dissolução do corpo. Além
(cf. 8:41) por se casarem com pagãos. do que, Jesus mostrou o caminho certo
Para um povo supersticioso entre os para que se tomasse a morte como um
quais predominava a magia (cf. At. 8:9- problema existencial, ao fazer da obe
24), seria fácil concluir que se fosse como diência presente (isto é, “guardar sua
um samaritano, Jesus deveria ter um palavra”) o fundamento da esperança
demônio (cf. 7:20). Queriam significar futura. Jesus se via como digno de glória
com isto que Jesus, e não eles, tinha por eterna não porque tivesse alguma visão
pai o Diabo. Evitando envolver-se numa mística do além, mas porque “honrava o
interminável guerra de palavras, Jesus Pai” desde agora.
simplesmente negou a acusação, resta
beleceu o propósito e o espírito de sua (*) Na versão utilizada pelo autor (a Revised Standard
Version), o verso 50 tem a seguinte redação: Ora, eu
vida centrada em Deus, pelo qual vivia e não basco a minha própria glória; há Aquele que a
deixou a questão nas mãos dAquele que busca e d e será o juiz. — N. do T.
Em resposta à pergunta central do saiu do templo, cujos proprietários “não
capítulo, Quem és tu?, Jesus prontamen o receberam” (cf. 1:11).
te recapitulou seus argumentos princi
pais: diferentemente dos outros, vivia 5. A Luz da Vida (9:1-41)
longe da glória pessoal, conhecia real João 9 é um interlúdio dramático em
mente a Deus e guardava a palavra da meio às complexas controvérsias dos ca
verdade. Depois, para reafirmar a pro pítulos 5 a 10. A simplicidade da narra
messa de que aqueles que guardassem tiva se evidencia por estruturar-se em
sua palavra — assim como ele guarda tomo de um milagre contado com eco
va a do Pai — nunca provariam a morte. nomia de palavras (v. 6 e 7) e de uma
Jesus voltou a discutir Abraão, de uma frase sintetizadora de seu significado es
forma que também trouxe mais luzes piritual (v. 39). A beleza do relato, que
sobre sua própria identidade. Ao insisti poderia ser colocado em qualquer lugar
rem que Abraão morreu, os judeus ne do Evangelho, serve para alternar os
gligenciaram duplamente sua própria temas da luz e das trevas, bem como para
teologia, que ensinava que o patriarca retratar a dialética de um juízo já em
transcendera a morte. Para começar, operação.
mesmo durante sua curta vida terrena, Como uma ilustração dos temas cen
a Abraão foi permitido ver pela fé o dia trais de João 5-10, este capítulo está
do Messias e, assim, antecipar a consu intimamente relacionado com o seu con
mação final das promessas a ele feitas texto maior, apresentando muitos para
(cf. Gên. 2:15-18, como interpretado em lelos entre a cura do paralítico em 5:2-9a
Gál. 3:16; II Esdras 3:14; Rom. 4:16-21; e a controvérsia resultante, sobre traba
Heb. 11:8-19). Ademais, Abraão sobre lhar no sábado, em 5:5b-18. Cegueira
viveu a morte ao viver com Deus no e paralisia se ligam naturalmente (cf. Is.
paraíso (Mat. 8:11; Mar. 12:26,27; Luc. 35:5,6), uma vez que a visão é necessária
16:22,23), de onde viu a encarnação do para que se caminhe (veja 8:12: “Quem
Cristo e alegrou-se. me segue, de modo algum andará em
trevas, mas terá a luz da vida”). Ade
Contentando-se com dimensões ape mais, temos, em 9:1-41, um brilhante
nas literalistas, os judeus diminuíram comentário da afirmação feita em 8:12,
sua grande visão espiritual a termos ma pois aqui Jesus, a luz do mundo, brilha
temáticos, calculando que Jesus não po na vida de um mendigo cego, enquanto
dia ter mais de cinqüenta anos (isto é, ele demonstra aos fariseus o que significa
era ainda um jovem). Por conseguinte, andar em trevas. Por fim, o fato de que
era absurdo dizer que vira Abraão, que curou um homem “expulso” pelos judeus
vivera havia muitos séculos. Por sua vez, (v. 34), mas “encontrado” por Jesus
Jesus desafiou seus ouvintes com outra (v. 35), prepara o tema do bom pastor,
afirmação: Antes que Abraão existisse, em João 10, onde Jesus “conduz para
eu sou. O contraste entre os verbos exis fora” os seus (10:3,4) e os protege contra
tisse (ginomai, no grego) e sou (eimi, no os falsos líderes (10:1,5,8,12,13).
grego) significava que antes de Abraão Central, na discussão de João 9, é o
mesmo vir a ser, por geração humana, tema da luz triunfando sobre as trevas
Jesus já existia eternamente, por ter a (basicamente, um sermão sobre 1:5).
mesma natureza com Deus (cf. 1:1). Tão Faz-se um bom uso da analogia entre
blasfema pareceu esta afirmativa aos ju visão física e visão espiritual, paralelismo
deus, que pegaram em pedras para lhe encontrado no Velho Testamento (por
atirarem, sem qualquer chance de um exemplo: em Is. 29:18; 32:3; 35:5; 42:
julgamento formal. Diante disso “a luz 6,7) e nos Evangelhos Sinópticos (par
do mundo” se escondeu (cf. Mar. 4:22) e ticularmente em Marcos 8, em que a res-
tauração paulatina da vista a um cego de 23); que ela foi operada por um agente
Betsaida, nos versos 22-26, serve de pa missionário sem credenciais, de quem
ralelo para a abertura dos “olhos da fé” não dependia a perpetuação da tradição
dos discípulos, nos versos 27-30). Aqui, mosaica (v. 24-34). Ao contário do que
o dom da visão a um cego de nascença pretendiam, a ação farisaica não forçou o
propiciou-lhe uma iluminação progressi cego à sujeição, antes fortaleceu nele
va, de forma a “ver” (v. 39b) o signifi uma defesa daquele que o curou, a qual
cado de Jesus em vários estágios: pri tomou-se melhor concatenada, perspicaz
meiro como “homem” (v. 11), depois e desenvolvida. O resultado final foi que
como “profeta” (v. 17), a seguir como ao milagre da visão física se acrescentou
vindo “de Deus” (v. 33), finalmente um milagre ainda maior, de visão espiri
como “Filho do homem” (v. 35) e mesmo tual,. enquanto os fariseus receberam o
como “ Senhor” (v. 38). triste diagnóstico de cegueira espiritual e
De um lado, assim como a luz física de culpa (v. 35-41).
tem nas trevas a sua contraparte, a pe
regrinação deste mendigo curado até a 1) Visão Para um Mendigo Cego de Nas
visão espiritual apenas expôs a profunda cença (9:1-12)
cegueira de seus detratores, que se con
sideravam os “iluminados” líderes reli 1 E , p a ss a n d o J e s u s , v iu u m h o m e m cego
de n a sc e n ç a . 2 P e rg u n ta ra m -lh e os se u s d is
giosos do judaísmo (v. 39c). No começo, cíp u lo s: R a b i, q u e m p eco u , e s te ou se u s
eles pareciam preparados para aceitar a p a is, p a r a q u e n a sc e s se ceg o ? 3 R e sp o n d eu
validade da cura (v. 15), mas diante das J e s u s : N e m e le p eco u n e m seu s p a is ; m a s
implicações teológicas que se vislumbra foi p a r a q ue n e le se m a n ife s te m a s o b ra s de
D eus. 4 Im p o rta q u e fa ç a m o s a s o b ra s d a
vam (v. 16a), passaram a duvidar de sua quele q u e m e enviou, e n q u a n to é d ia ; v e m a
validade (v. 18) e a impugnar aquele que n oite, q u an d o n in g u é m p o d e tr a b a lh a r . 5 E n
a operara (v. 16a; 24b). Aquilo que prin q u an to e sto u n o m u n d o , sou a luz do m u n d o .
cipiou como uma discordância aberta 6 D ito isto , c u sp iu no ch ão e com a s a liv a fez
(v. 16) logo se transformou numa desa lodo, e u n to u co m o lodo os olhos do cego,
7 e d isse-lh e: V ai, la v a -te no ta n q u e d e Siloé
provação doutrinária (v. 24), que termi (que sig n ific a E n v ia d o ). E ele foi, lav o u -se,
nou numa tentativa para forçar alguns a e voltou vendo. 8 E n tã o , os vizinhos e a q u e
negarem sua fé (v. 34). le s q u e a n te s o tin h a m v isto , q u an d o m e n
A estrutura de João 9, ao contrário dos digo, p e r g u n ta v a m : N ão é e s te o m e s m o que
dois capítulos anteriores, é de fácil aná se se n ta v a a m e n d ig a r? 9 U ns d iz ia m : É e le.
E o u tr o s : N ão é , m a s se p a re c e co m ele. E le
lise. 26 Depois que o milagre da visão d izia: Sou e u . 10 P e rg u n ta ra m -lh e , p o is:
física foi operado e confirmado (v. 1-12), Como se te a b r ir a m os olhos? 11 R e sp o n d eu
seu significado foi debatido na forma e le : O h o m e m q u e se c h a m a J e s u s fez o
de um “inquérito judicial” (v. 13-34), lodo, u n to u -m e os olhos, e d isse-m e : V ai a
Siloé e la v a -te . F u i, p o is, la v e i-m e , e fiq u ei
pontificando, de um lado, os fariseus vendo. 12 E p e rg u n ta ra m -lh e : O nde e s tá
como querelantes em nome da religião ele? R esp o n d e u : N ão sei.
institucionalizada e, de outro, o homem
cego como acusado de ter sido mudado _ Já que o capítulo 8 terminou com uma
pelo poder de Jesus. Três problemas prin- 'referência à partida de Jesus do Templo,
cipais foram identificados no interrogató 9:1 pode significar que, ao fazê-lo, pas
rio: que a cura violara a lei, por ter sido sou por um dos portões onde os miserá
realizada no sábado (v. 13-17); que ela veis costumavam esmolar (cf. At. 3:2).
encorajava a fé pessoal em Jesus, o que Em semelhante ambiente religioso, o en
provocaria a expulsão da sinagoga (v. 18- contro com um homem cego de nascen
ça seria logo aproveitado pelos discípu
26 Sobre a estrutura e contexto de Joào 9, veja J. Louis
Martyn, History and Theology in the Fourth Gospel. los para pedir ao seu Rabi uma palavra
New York, Harper & Row, 1968, p. 3-41. sobre o perene problema do mal. No caso
de deficiências congênitas, a explicação pode trabalhar (cf. 3:19; 11:9,10; 12:35,
básica de que o pecado é a causa do 36; 13:30). O temerário acontecimento 1
sofrimento era usada pelos rabinos numa não impedia a ação, mas celebrava a
velho Israel por meio da circuncisão, sa sua, analogia , terrena. Os homens são
crifício e fidelidade à Lei, pode-se entrar mais do que ovelhas e Jesus era miais qp
no novo Israel somente por mim, isto que pãsTõr, pelò que o seu ministério não
é, atra^Í~^ãjre~ggssoal em^Crisjo. Ao TvalidaHõpor seguir a prática pastoral,
Jesus prometer que todos quantos acei mas, antes, a ilustração se aplica naque-
tassem-no seriam salvos, afirmou reali \les pontos que se encaixam em sua vida.
zar a obra suprema de Deus. Tal salva-
_______ Isto fica bem claro na(prímeirã~Ipficã-
ção não é uma possessão estática, mas ■ çg.ó) do símbolo do bom pastor a Jesus,
uma peregrinação dinâmica: entrara e Jõm o~ íq ^ Q u è^ T a vidã j^ías^ovelhas.
sairá e encontrará pastagem de vida, que É fato que proteger um rebanho inclefe-
ele providenciará de modo abundante. so, num campo aberto, pode envolver um
Entretanto, são tão grandes as bên extremo perigo, devido aos animais fero-
çãos que sobrevêm ao rebanho^messiâ^ zês~(cf.TSam. 17:34,35).TS"demais, como'"
nico, por meio de lésúsT'que parece cruel Hfpequena parábola do mercenário e do
Apouco caridoso contrastar todos os lí lobo deixa claro, um proprietário cuiol
deres religiosos que vieram antes dele capital esteja em risco cuidará para que \
como ladrões e salteadores, cujo único um empregado que só tem a perder o I
propósito era roubar, matar e destruir. sãlãrio dõ dia não o prejudique, fugindo. |
Esta acusação deve ser compreendida em i Ó paralelo pastoral daí decorrente é rele-
seu contexto bíblico, devendo ser com vante^T Sm S^oli^ a v a ^a sua. vidaJLdis-
parado com as denuncias, igualmente posição” , arriscando-se no perigo (exem
duras, sobre os falsos líderes do velho plo: 11:7-16), enquanto o profissional da
Israel (exemplo: Ez. 34:2-10; Jer. 10:21; religião demonstrava pouca preocupação
para com o homem comum, já assolado Esta exposição conclui pela ênfase com
pelas devoradoras forças"do mal (cf. que sua imagem mais forte, a morte do
Mat. 10:16; At. 20:29; I Ped. 5:8). pastor, é posta~nõ rela^nàm enl:o"êntre
Neste ponto, porém, a analogia se Jêsus~e seu Pai. Embora um pastor ter
quebra, porque nenhum pastor prontifi- reno jjudesse acidentalmente perder sua j ',
cava-se para morrer por seu rêbânHo vida numa emergência. Jesus decidiu dar ^
como Jesus o fizera pelos homens. Ao a sua vida deliberadamentè7Lõng£de ser
proteger o rebanho do perigo, a preo- ‘ãtacàdõ repéntinamente por algum ini-
cupação básica era evitar que~as ovelhas imgo~morteÍ7~^nía^eÍe^poder para dar
fossem tosquiadas e/ou mortas. Jesus sua própria vida, desde que quisesse.
não levava os homens a uma boa pas- Sobretudo, diferentemente de qualquer
tagem, para engordâ-los para o abate, pastor humano. ^fesuTTãmbém tinha o
mas para que pudessem ter vida, e vida poder para retomar sua víáã~.~Elé não
em abundância. perderia sua vida por estar desesperado,
Esta imagem de um jjastorjKicri%ial mas por ser obediente, certô~dê~qüe Deui
(dou a minha vida aparece quatro ve honraria esta obediência na vitória de
zes nos v. 11-18), não vem nem da prá jsua ressurreição. Paradoxalmente, en- J
tica palestinense nem da formação ve- tão, seu sacrifício de autodoação era vo^j
terotestamentária. mas é uma contribui luntário (de mim mesmo) e ao mesmo j
ção original de Jesus, para uma com tempo um mandamento que receSefãj3e
preensão do papel do bom pastor, para o seu Pai. Jesus encontrava ümãT perfeita |
qual não há uma analogia completa com Jiberdade ao ceder à soberania de Deus. J
o campo da agropecuária.
A /Segunda aplicação) do modelo do 3) A Separação Entre Ovelhas Verda
bom pastor reside no conhecimento re deiras e Falsas (10:19-21)
cíproco entre o pastor e as ovelhas, asso 10 P o r c a u s a d e s s a s p a la v r a s , h o u v e o u
ciado, aqui, ao vinculo íntimo entre Jesus t r a d isse n sã o e n tr e os ju d e u s . 20 E m u ito s
e seu Pai. Muito embora(Jesus mesipo se d eles d iz ia m : T e m dem ônio, e p e rd e u o
considerasse integrante do aprisco do ju ju ízo ; p o r q u e o e s c u ta is ? 21 D iz ia m o u tro s:
daísmo (cf. v. 3 e 4), este era apenas o E s s a s p a la v r a s n ã o sã o d e q u e m e s tá e n d e
m o n in h a d o ; p o d e p o rv e n tu ra u m dem ônio
início do cumprimento de uma esperança a b r ir o s olhos a o s ceg o s?
futura, de que um dia o disperso reba
nho de Deus seria unido. Diferentemente Ezequiel 34 reconhecera que o reba
da expressão veterotestamentária desta nho seria ameaçado não apenas por ini
esperança (exemplo: Ez. 34:23,24; Miq. migos externos e por falsos pastores in
2:12; Jer. 23:3) contudo, Jesus romperia ternos, mas também pelas más ovelhas:
os limites do judaísmo até outras ove “com o lado e com o ombro dais empur
lhas, que não eram deste aprisco, e con- rões, e com as vossas pontas escomeais
duzi-las-ia também no mesmo rebanho, todas as fracas, até que as espalhais para
criado por ele como único pastor (cf. fora” (v. 21; cf. outra expressão, neste
11:52). Já que esta unificação futura mesmo sentido, em Mat. 7:13-23). No
(haverá) aconteceria como decorrência arrisco onde Jesus trabalhava, houve
de sua morte (v. 15b; cf. 12:20-32), ob uma dissensão entre os judeus, de um
viamente seus seguidores deveriam levá- lado estando aqueles que insistiam na
la a efeito pela terra. Sua missão aos acusação de possessão demoníaca (cf.
gentios, entretanto, era vista como uma 7:20; 8:48,52) e, de outro, aqueles que se
obrã tlo próprio Jesus (me importa con lembravam que ele abrira os olhos ao
duzir), que tinha encontrado outras ove- cego(cf. 9:16).
Ihas fora deste aprisco, tanto en^Samária ) Ê impressionante rever aqui aquelas
(4:1-42) como na(GaïïïeH^4:43-54). respostas estereotipadas que nada mais
fazem do que perpetuar as primeiras Ao falar, Jesus respondeu que já lhes
reações diante de Jesus. Independente declarara sua identidade e missão através
mente do que ele ensinava, os debates das obras messiânicas que fazia em nome
eram ferozes, tendo de um lado aqueles de seu Pai (cf. 5:36), mas eles não cre
que se escandalizavam com sua intimi ram (cf. 5:16;7:3-5;9:16,24). Já que ti
dade com Deus e, de outro, aqueles que nham interpretado equivocadamente es
ficavam impressionados com suas opera tas obras de misericórdia, mais dificil
ções de poder. Nenhuma das facções mente ainda interpretariam afirmações
parecia se preocupar com pungente an explícitas — principalmente porque o
tecipação de sua paixão, nunca anuncia conceito em torno do Cristo, no pensa-
da de modo tão explícito quanto agora. mento judaico, não incluía a noção de
Nenhuma parecia pronta para reavaliar sofrimento e morte, central no pensa- .
a liderança religiosa do judaísmo e in mento de Jesus Cv. 11-18). O problema
dagar se ela estava realmente protegendo crucial nesta falha de comunicação esta-
o povo de Deus contra seus inimigos va na falta de compromisso: eles não
mortais. Como se vê, era muito fácil fugir criam porque n$o pertenciam, isto é, não
às questões reais, limitando os debates à eram ovelhas de Jesus.
repetição de fórmulas gastas. Para contrastar, Jesüs descreveu cui
dadosamente o que significa ser suas
4) A Obra do Bom Pastor (10:22-30) ovelhas, e, ao fazê-lo, ofereceu um re
22 C e le b ra v a -se , e n tã o , e m J e r u s a lé m a
sumo de suas obras em nome do Pai.
fe s ta d a d e d ic a ç ã o . E e r a in v e rn o . 23 A n d a Na dinâmica do discipulado, quatro ele
v a J e s u s p a ss e a n d o no tem p lo , n o p ó rtico de mentos foram identificados: (1) As ove
S alom ão. 24 R o d e a ra m -n o , pois, os ju d e u s e lhas ouvem a voz do pastor; isto é, estão
lhe p e rg u n ta v a m : A té q u a n d o n o s d e ix a r á s abertos à mensagem do evangelho.
p erp lex o s? Se tu é s o C risto , dize-no-lo a b e r
ta m e n te . 25 R espo n d eu -lh es J e s u s : J á vo-lo (2) Por estarem desejosas de ouvir, sa
d isse, e n ão cre d e s . A s o b ra s que e u faç o e m bem que Jesus as “conhece” ; isto é, ele é
n om e de m e u P a i, e s s a s d ão te ste m u n h o sensível às suas necessidades individuais.
d e m im . 26 M a s vós n ão c re d e s , p o rq u e n ão (3) Convictas de que ele cuida e pode
sois d a s m in h a s o v elh as. 27 A s m in h a s o v e
lh a s o u v em a m in h a voz, e eu a s conheço,
ajudar, seguem-no num relacionamento
e e la s m e se g u e m ; 28 e u lh e s dou a v id a pessoal de confiança. (4) Nesta peregri
e te rn a , e ja m a is p e re c e r ã o ; e n in g u é m a s nação, ele “dá” a vida eterna, que ne
a r r é b e ta r á d a m in h a m ã o . 29 M eu P a i, q u e nhum inimigo pode destruir (cf. Luc.
m a s d eu , é m a io r do q u e to d o s; e n in g u ém 12:32). Observe-se o belo equilíbrio al
pode a rr e b a tá - la s d a m ã o d e m e u P a i.
S0 E u e o P a i so m o s u m . , cançado aqui, entre a iniciativa humana
e a divina: as ovelhas ouvem, ouvem e
A revelação da completa dedicação de seguem, enquanto o pastor “conhece” e
Jesus à vontade do Pai serviu de con “dá” . Nós ouvimos, ele fala; nós pergun
texto próprio para o anúncio de que tamos, ele sabe; nós seguimos, ele con
a festa judaica da dedicação se celebrava duz; nós recebemos, ele dá.
em Jerusalém. O frio do inverno (de Como Jesus trabalhava como represen
zembro) levou Jesus a procurar abrigo tante de Deus, seu rebanho goza conti
no pórtico de Salomão, onde os judeus, nuamente da proteção divina, diante dos
também de corações frios, o rodearam. líderes falsos, que querem arrebatá-lo
Tomando seu discurso simbólico sobre o (como em 9:24-34). Entre o rebanho e
bom pastor como uma mensagem velada todos os seus inimigos permanece o des
ou misteriosa, para deixá-los perplexos temido Pastor, como fortaleza de segu
(em suspense), exigiram de Jesus que fa rança. Estar em sua mão é também
lasse abertamente se era o Cristo (cf. estar na mão do Pai, porque os dois são
Luc. 22:67). um. A unidade aqui afirmada não é uni-
dade metafísica de ser nem uma unidade los, nesse nível, com um argumento ad
mística de emoção e nem mesmo uma hominem dé suas (deles) próprias Escri
unidade moral de vontade. Antes, neste turas. Na lei (VT) estava escrito... Eu
contexto, a referência é uma unidade disse: Vós sois deuses (cf. Sal. 82:6).
harmônica de poder e interesse, da qual Visto que, conforme os seus opositores
os seguidores de Jesus podem depender, insistiam, a Escritura não pode ser anu
para se salvar da destruição por parte dos lada (isto ê, cada palavra deve permane
seus inimigos (cf. Mat. 16:18). Observe- cer), isto tornava necessário que se to
se o equilíbrio teológico refletido nesta masse em consideração o fato de que o
simples frase. Deus e Jesus s3o (plural) próprio Deus chamou, em Salmos 82,
duas pessoas, sem serem idênticas, uma os homens de deuses, possivelmente por
vez que são um (singular) e, por isto, que eles eram juizes, a quem a palavra
inseparáveis. de Deus foi dirigida, para ser usada por
eles na administração da justiça. Se as
5) A Personalidade do Bom Pastor sim era, por que seria Jesus culpado de
(10:31-39) blasfêmia, uma vez que tinha se referido
31 Os ju d e u s p e g a ra m e n tã o o u tr a ve* e m a si mesmo não como um desses “deu
p e d ra s , p a r a o a p e d r e ja r . 32 D isse-lh es J e ses” , mas apenas como o Filho de Deus?
sus : M u ita s o b ra s b o as d a p a r te d e m e u P a i Acima de tudo, ele não era um juiz
vos ten h o m o s tra d o ; p o r q u a l d e s ta s o b ra s injusto, semelhante àqueles homens cha
id es a p e d re ja r-m e ? 33 R e sp o n d e ra m -lh e os
ju d e u s : N ão é p o r n e n h u m a o b ra b o a que
mados de deuses no Salmo (cf. 82:2),
v am o s a p e d re ja r-te , m a s p o r b la s fê m ia ; e mas era aquele a quem o Pai santificou, e
p o rq u e, sendo tu h o m em , te fa z e s D eu s. enviou ao mundo.
34 T ornou-lhes J e s u s : N ão e s tá e sc rito n a Aprofundando seu sentido, esta pe
v o ssa l e i : E u d is s e : Vós sois d e u se s ? 35 Se a quena peça de exegese rabínica (ativida
lei ch a m o u d e u se s à q u e le s a q u e m a p a la v r a
d e D eus foi d irig id a (e a E s c r itu r a n ã o pode de para a qual os judeus, em 7:15, acha
s e r a n u la d a ), 36 à q u e le a q u e m o P a i s a n vam que Jesus não estava apto!) deixa
tificou, e enviou a o m u n d o , d izeis v ó s: B la s implícito o argumento a fortiori, segundo
fe m a s; p o rq u e e u d is se : Sou filho d e D eu s? o qual, se a divindade podia ser atri
37 Se n ã o faço a s o b ra s d e m e u P a i, n ã o m e
a c re d ite is . 38 M as, se a s faço , e m b o ra n ã o buída àqueles que foram os recipientes
m e c re ia is a m im , c re d e n a s o b ra s ; p a r a da palavra no Velho Testamento, quanto
que e n te n d a is e sa ib a is q u e o P a i e s tá e m mais apropriada era para aquele que
m im e e u no P a i. 39 O u tra vez, p o is, p r o sempre fora a Palavra (1:1). Deste modo,
c u ra v a m p re n d ê -lo ; m a s e le lh e s e sc a p o u
d a s m ã o s.
se os judeus regozijavam-se por perpe
tuarem um festival religioso em homena
Outra vez (cf. 8:59) como reação à sua gem à dedicação do seu Templo, pelo
afirmação de ser “um” com Deus, os guerreiro Judas Macabeu, por que não
judeus pegaram em pedras para apedre estavam prontos para honrar ainda mais
jar Jesus, culpado, segundo eles, de blas uma vida “dedicada” (hagiazõ) pelo pró
fêmia (Lev. 24:16). Recusando-se a com prio Deus?
preendê-lo à luz de suas muitas boas Para ser mais preciso, numa espécie de
obras, cuja fonte estava apenas no Pai, argumento ad hominem, a defesa de
tomaram suas palavras, registradas no Jesus visava mostrar aos judeus a loucura
verso 30, fora do contexto, e as interpre de tomar suas palavras fora de seu cená
taram literalmente, concluindo que ele, rio próprio, que não fosse em relação às
sendo homem, tentava fazer-se Deus. suas obras. Quem quer que examine o
Se os judeus estavam interessados ape contexto de Salmos 82, logo verá que as
nas no significado superficial das pala palavras ali não querem dizer realmente
vras, sem considerar o seu significado que os homens são “ deuses” (cf. v.7).
mais profundo, Jesus podia confrontá- Do mesmo modo, quem quer que visse
todo o ministério de Jesus, veria que ele tima palavra é enfática: ali, além do
não era um homem tentando fazer-se Jordão, e não em Jerusalém, Jesus en
Deus — ou qualquer coisa parecida. Ao controu a fé simples (cf. 3:26), entre
contrário, ele era Deus feito homem e aqueles que tinham sido preparados por
enviado para realizar suas obras. Se seus João Batista (cf. 1:6-8, 19-34; 3:25-30;5:
adversários não podiam, de princípio, 33-35). Diferentemente de Jesus, João
entender seu relacionamento com o Pai, não operara qualquer milagre (não fez
podiam pelo menos crer nas obras (cf. sinal algum), mas o que dissera sobre
v. 25) do Pai que ele operava, e, deste Jesus tinha poder porque era verdadeiro.
modo, começar a conhecer (gnóte) e pro (Note-se o paralelo com 4:39-42, em que
gressivamente compreender (ginõskéte) os samaritanos confirmaram um teste
a mútua existência do Pai e do Filho. munho secundário sobre Jesus, por uma
Mas, lamentavelmente, não havia qual experiência direta com ele.)
quer desejo neste sentido, nem mesmo O fato de Jesus ter escapado das unhas
para dar o primeiro passo e crer naquilo de seus inimigos (v. 39) significava que
que seus olhos viam; por isso, Jesus se viu qualquer decisão de voltar às tensões de
forçado a escapar das suas mios (con Jerusalém era algo absolutamente pro
fronte os v. 38 e 39!) para não ser preso. duto de sua vontade. Nenhuma tentação
poderia ser mais forte do que permanecer
6) A Retirada Para Além do Jordão onde era aceito — afinal de contas, não é
(10:40-42) melhor trabalhar onde há mais chance
de sucesso? Os dois capítulos seguintes
40 E re tiro u -se d e novo p a r a a lé m do J o r
dão, p a r a o lu g a r onde Jo ã o b a tiz a v a no demonstrarão que Jesus deixou o santuá
p rin c íp io ; e a li ficou. 41 M uitos fo ra m te r rio da região rural, para “ dar sua vida”
com e le , e d iz ia m : Jo ã o , n a v e rd a d e , não aos que eram seus na cidade.
fez sin a l a lg u m , m a s tu d o q u a n to d isse d e ste
h o m em e r a v e rd a d e iro . 42 E m u ito s a li c r e
ra m n ele. III. A Rejeição do Revelador
Estes versos assinalam a conclusão não (11:1-12:50)
só deste capítulo, mas de João 5 a 10.
Agora que a capacidade de resistência O “livro dos sinais” (cap. 2-12) mostra
dos judeus tinha chegado ao fim, Jesus a estirpe do Redentor, que “veio para o
retirou-se de Jerusalém para o leste além que era seu, e os seus não o receberam”
do Jordão, para o lugar (Betânia?) onde (1:11). Depois de uma recepção inicial
João batizava no princípio (cf. 1:28; (cap. 2-4) e de uma resistência crescente
3:26). Como tinha em mente alcançar os (cap. 5-10), seu ministério público alcan
judeus de Jerusalém por fim, Jesus ficou çava agora o terceiro e último estágio, de
naTransjordânia, possivelmente durante franca rejeição (cap. 11 e 12). Esta uni
os meses de inverno, entre a festa da dade funciona como o clímax da primei
Dedicação, em dezembro (10:22), e o ra metade do Evangelho e como a prepa
princípio da estação da Páscoa, em mar ração para o “livro da paixão” , na se
ço (11:54,55). Talvez, ele procurasse gunda metade. Desse modo, representa o
compensar o seu retumbante fracasso ao interregno literário em que toda a trama
buscar alcançar os seus, revolvendo sua do livro se estrutura.
peregrinação espiritual ao lugar onde Pelo menos três elementos refletem a
começara com tanto sucesso (3:26). função destes capítulos como conclusão a
Ironicamente, a obstinada increduli João 2-12. Primeiro, o momento histó
dade encontrada por Jesus na Cidade rico é contrastado com a Páscoa judaica
Santa contrastava com os muitos que (11:55;12:1), do mesmo modo como
foram ter com ele e creram nele. A úl ocorrera no final das duas unidades an-
tenores (cf. 2:13;6:4). Este triplo ciclo realidades, aparentemente contraditó
pascoal não serve para indicar a extensão rias: (1) de uma perspectiva histórica, os
do ministério público de Jesus, valendo, homens levaram Jesus a morrer tragica
porém, como um artifício literário, para mente, devido à forma como viveu para
dar unidade e simetria ao arranjo do Deus; (2) de uma perspectiva eterna,
material contido em João 2-12. Ademais, Deus levou Jesus a morrer triunfalmente,
a crescente oposição judaica, na forma devido à forma como morreu para os
de tentativas espontâneas para eliminar homens. O leitor é convidado a se apro
Jesus (ex.: 5:18;7:25,32;8:59;10:31,39), priar deste paradoxo pela fé e a perce
desemboca aqui numa decisão mais for ber, em sua própria experiência, que,
mal, por parte do conselho formado para se historicamente o crente é chamado
matar Jesus (11:53). Por fim, o contra- a morrer por um viver verdadeiro, eter
tema de Jesus como “vida” , já antecipa namente é chamado para viver por um
do no prólogo (1:4), ilustrado em João morrer verdadeiro.
2-4 (especialmente 4:46-54) a explicado Paralelo a este paradoxo da vida-atra-
em João 5-10 (particularmente 5:19-29), vés-da-morte, dos capítulos 11 e 12, é o
recebe, aqui, uma expressão definitiva, paradoxo relacionado à aceitação-atra-
nas palavras e nos atos manifestos por vés-da-rejeição. De um lado, muitos ju
Jesus na ressurreição de Lázaro (11: deus recusaram-se a crer, mesmo diante
1-44). da ressurreição de um morto (11:45-54).
Estes mesmos três elementos de João A traição de Judas representava um pro
1-12 também introduzem, de modo efi testo aberto (12:4-6). Jesus comparava
caz, o leitor nos capítulos restantes do sua vida a uma simples semente plantada
Evangelho, em 13-20. A celebração da no solo (12:24). Por fim, “escondeu-se
Páscoa (11:55; 12:1) dá categorias nor deles” (12:36) e enfrentou sozinho as
mativas, a partir da história de Israel, trevas da rejeição (12:39-43). Por outro
pelas quais se pode compreender a morte lado, sua morte reunia os dispersos filhos
de Jesus (13:1) ocorrendo ao mesmo tem de Deus (11:52). A ressurreição de Lá
po que os cordeiros sacrificiais eram aba zaro não somente provocou a condena
tidos no Templo no dia da preparação ção de Jesus, mas levou o “mundo in
para a Páscoa (19:14,31; cf. I Cor. 5:7). teiro” a ir após ele (12:19), inclusive os
Novamente, a determinação do sinédrio, gregos (12:20,21). A semente que mor
em destruir Jesus (11:53), assinala o fim resse, resultaria em “muito fruto” (12:
de sua “provação pública” nos capítulos 24). A cruz da vergonha atrairia “ todos”
anteriores (cf. o comentário sobre 1:19- a Jesus (12:32). Em poucas palavras, a
28) e termina com a sua partida para rejeição por parte de Israel propiciaria
o Pai (cap. 13-17), ao ser crucificado a oportunidade para a aceitação por par
(cap. 18 e 19). De modo sublime, a res te dos gentios (cf. Rom. 11:11-32). Deus
surreição de Lázaro antecipa a ressurrei reduziu seu povo a um remanescente não
ção de Jesus (cap. 20 e 21), com o que o para que sua causa fracassasse, mas para
Evangelho se completa. Até aqui, a que os poucos pudessem ser muitos. É
“hora” de Jesus ascender, através da cru por isso que, enquanto aumentava a es
cificação e da ressurreição, não havia perança pela inclusão de outras nações
chegado (2:4;7:30;8:20), mas agora esta crescia também o desapontamento dian
va se aproximando (12:23,27). te da auto-exclusão dos judeus.
Como João 11 e 12 é ao mesmo tempo
1. Jesus, a Ressurreição e a Vida
uma síntese da vida de Jesus e uma an
(11:1-54)
tecipação de sua morte, a perspectiva
teológica desta parte é altamente para A ressurreição de Lázaro, longe de ser
doxal. Uma vez mais, afirmam-se duas um incidente isolado, tem íntima rela
ção com ocorrências semelhantes, rela contém retratos fiéis de pessoas conheci
tadas no período bíblico. 29 Na maioria das a partir de outras fontes (compare,
destes relatos, entretanto, aquele que por exemplo, os v. 1,2,5,20,28,29,32 e
curava não se envolvia pessoalmente nas 12:1-3 com Luc 10:38-42), bem como
tragédias, mas funcionava, de certo nomes de lugares específicos (v. 1 e 18),
modo, como um canal passivo, do poder além de oferecer numerosos testemunhos
divino, na concessão da vida à pessoa, (v. 45,46; cf. 12:1,2,17). De modo ine
geralmente estrangeira, desse modo, quívoco, entendia o autor este registro
nada ou pouco resultava de sua atuação não apenas como de verdades eternas,
pessoal. Ao contrário, João 11 enfatiza mas de natureza histórica, que culmina
a profunda preocupação de Jesus pelo vam com a morte de Jesus (veja-se as co
seu querido amigo Lázaro (v. 3,5,11,36), nexões entre os v. 1-44 e os v. 45-54).
como seu próprio destino estava em jogo A narrativa de Lázaro não é nem mais
na cura (vf. 33,35,38,45-53) e as impli nem menos teológica e histórica do que
cações do milagre para uma compreen outras histórias miraculosas do Quarto
são de sua natureza e missão (v. 4,15, Evangelho.
25-27). Mas se o Evangelho pretende nos levar
Um estudo comparativo entre João 11 à compreensão de que Lázaro saiu lite
e seus paralelos bíblicos e extrabíblicos ralmente da tumba, por que dar ênfase
sugere que, na ressurreição de Lázaro, a à reação negativa a tal acontecimento
originalidade de Jesus reside não no que (v. 45-54)? Tão difícil quanto imaginar
ele fez, mas no significado que lhe deu que Lázaro venceu a morte seria conce
(v. 25). O milagre realmente é pouco ber que alguém que presenciasse tal
referido (v. 43 e 44), acabando tão acontecimento não sucumbisse diante de
abruptamente quanto começou. De fato, tanta maravilha. Assim, o registro afir
apesar da total ausência de estilização ou ma explicitamente que o milagre dividiu
sensacionalismo, têm alguns sugerido as testemunhas entre crentes e incrédulos
que a história de Lázaro é uma narrativa (v. 45 e 46). De imediato, os inimigos de
não-histórica, criada a partir da Parábo Jesus tramaram sua morte, não apesar
la do Rico e de Lázaro, de Lucas 16:19- do que ele fez, mas por ter feito (v. 47 e
31, ou da imaginação teológica do evan 48). Muitos, hoje, tem problemas por
gelista. estarem certos de que Lázaro não saiu da
tumba, mas muitos que estiveram lá ti
Pode-se garantir que o Evangelho de
veram problemas por estarem certos de
João contém histórias simbólicas como
que ele saiu!
a “parábola” (10:6) das ovelhas e do
Pelo menos quatro fatores explicam
pastor de 10:1-5. Esse relato não precisa
como um evento tão incrível deixou os
ser uma descrição literal de algum even
homens livres para a fé ou para a incre
to histórico para que as verdades espi
dulidade: (1) Foi apenas uma volta tem
rituais de 10:7-18 sejam reais, mas 11:1-
porária à existência terrena, uma vez que
44 é de outra natureza. Por exemplo,
Lázaro morreu outra vez. (2) Foi um
29 Note-se as referências no Velho Testamento (I Reis acontecimento isolado, que afetou so
17:17-24; II Reis 4:18-37; 13:20-21), na literatura ra- mente um homem, já que ninguém mais
bínica (Midrash Rabbah sobre Levitico, X, 4; Abodah
Zarah 10 e Megülah 7 no Talmude Babilónico), saiu das tumbas naquele dia. (3) Foi a
nos escritos helenísticos (Filostrato, Vida de Apolônio, volta de alguém recentemente morto e
IV, 45; Luciano, Phüopseudes, 25; Plínio, História
Natural, VII, 37), nos Evangelhos Sinópticos Mar.
não de alguém morto havia vários meses
5:22-43; Luc. 7:11-17; cf. Mat. 11:5) e na história da ou anos. (4) Levou à retomada de uma
igreja primitiva (At. 9:36-43;20:9-12). Para maiores forma anterior de vida, porque nada fora
detalhes, veja H. van der Loos, The Miracles of Jesus,
“Supplements to Novum Testamentum” (Leiden, E. J. mudado para criar um novo céu ou uma
Brill, 1965), p. 559-566. nova terra, para seu deleite.
Desse modo, mesmo que este evento Em outras palavras, Lázaro era apenas
seja aceito no seu real valor, seu signifi um sinal da ressurreição, enquanto Jesus
cado poderia ser interpretado, obviamen era a própria realidade. O primeiro ho
te, numa forma que dificilmente inspira mem a ser verdadeiramente ressuscitado
ria fé. Os inimigos de Jesus devem ter dentre os mortos não foi Lázaro, mas
argumentado que, ainda que ele fosse Jesus (I Cor. 15:20). Lázaro voltou ao
capaz de providenciar uma libertação tempo das limitações da existência terre
temporária da tumba, não significava na, experimentando a morte outra vez
isto apenas um adiamento do triunfo (12:10), ao passo que Jesus triunfou so
final da morte? Já que os mortos geral bre a morte, transcendendo para sempre
mente permanecem em seus túmulos, a o domínio desta sobre a vida (Rom. 6:9).
emergência de uma exceção solitária le Por isso, foi Jesus, e não Lázaro, quem
varia a maioria dos homens a crer que se apresentou como a “ressurreição e a
poderiam ser igualmente felizes? Reco- vida” (v. 25). Quando Lázaro deixou
nhecia-se que a centelha de vida podia a sepultura, nada tinha para oferecer
permanecer por poucos dias dentro da ao mundo, a não ser o testemunho de um
quele que dava toda a aparência de estar novo período na vida, que apontava para
morto, mas que esperança havia para Jesus, como sua fonte. Somente Jesus, e
aquele cujo corpo tivesse sido reduzido a não Lázaro, poderia suscitar uma fé
pó? E, por fim, é uma perspectiva real capaz de ver em Lázaro mais que uma
mente promissora voltar ao mesmo velho maravilha médica e crer que ele signi
conjunto de problemas que se enfrentou ficava a possibilidade de vida eterna.
durante a vida anterior?
Estas considerações sugerem que o 1) A Morte de Lázaro (11:1-16)
episódio de Lázaro foi interpretado como 1 O ra , e s ta v a e n fe rm o u m h o m e m c h a
um sinal (v. 47), destinado a fortalecer m ad o L á z a ro , d e B e tâ n ia , a ld e ia d e M a r ia e
a fé (v. 15), mais do que a servir como d e su a ir m ã M a rta . 2 E M a ria , cu jo irm ã o
uma prova indiscutível de que seu signi L á z a ro se a c h a v a en fe rm o , e r a a m e s m a
ficado pudesse ser amplamente percebi que u n g iu o S en h o r co m b á ls a m o , e lh e
enxugou os p é s co m os se u s c a b elo s. 3 M a n
do por todos que dele participassem. d a ra m , pois, a s ir m ã s d iz e r a J e s u s : S en h o r,
Como sinal, o acontecimento não apon eis que e s tá e n fe rm o a q u e le q u e tu a m a s .
tava diretamente para o significado da 4 Je s u s , p o ré m , a o o u v ir isto , d is s e : E s ta
ressurreição, mas apenas fornecia uma e n fe rm id a d e n ã o é p a r a m o rte , m a s p a r a
g ló ria d e D eu s, p a r a q u e o F ilh o d e D eu s
analogia terrena sobre ela, de modo que s e ja g lo rificad o p o r e la . 5 O ra , J e s u s a m a v a
este evento poderia ser melhor definido a M a rta , e a su a ir m ã , e a L á z a ro . 6 Q uando,
como a restauração física de Lázaro. pois, ouviu que e s ta v a e n fe rm o , ficou a in d a
O Quarto Evangelho mesmo preocupa- dois d ia s no lu g a r o nde se a c h a v a . 7 D epois
se em estabelecer esta distinção, ao com d isto, d isse a se u s d is c íp u lo s: V am o s o u tra
vez p a r a a J u d é ia . 8 D isse ra m -lh e e le s :
parar a ressurreição de Lázaro com a de R a b i, a in d a a g o ra os ju d e u s p ro c u ra v a m
Jesus: (1) Lázaro saiu apenas depois que a p e d re ja r-te , e v o lta s p a r a lá ? 9 R e sp o n d eu
alguns homens tiraram a pedra da porta J e s u s : N ão sã o doze a s h o ra s do d ia ? Se
de sua tumba (v. 39 e 41), enquanto a lg u é m a n d a r de d ia , n ã o tro p e ç a , p o rq u e vê
a luz d e ste m u n d o ; 10 m a s se a n d a r d e n o ite,
Jesus não necessitou de semelhante ajuda
tro p e ç a , p o rq u e n ele n ã o h á luz. 11 E , ten d o
humana (20:1); (2) Lázaro saiu amarra a s s im fala d o , a c re s c e n to u : L á z a ro , o nosso
do em suas vestes tumulares (v. 44), ao am ig o , d o rm e , m a s v o u d e sp e rtá -lo do sono.
passo que Jesus passou através das vestes 12 D isseram -lh e , pois, os d is c íp u lo s: S enhor,
e as deixou para trás (20:6,7); (3) Lázaro se d o rm e , fic a r á b o m . 13 M a s J e s u s f a la r a
d a su a m o r te ; e le s, p o ré m , e n te n d e ra m que
voltou ao seu convívio terreno (12:1,2), fa la v a do rep o u so do sono. 14 E n tã o J e s u s
diferentemente de Jesus, que ascendeu lh e s d isse c la r a m e n te : L á z a ro m o r re u ;
para o seu Pai, nos céus (20:17). 15 e, p o r v o ssa c a u s a , folgo de q u e e u lá n ão
e stiv e ss e , p a r a q ue c r e i a is ; m a s v a m o s te r aflição e para descobrir a resposta que
co m e le . 16 D isse, pois, T o m é, c h a m a d o satisfizesse às necessidades de seus ami
D ídim o, a o s se u s c o n d iscíp u lo s: V am o s nós
ta m b é m , p a r a m o r re rm o s com ele.
gos e para estar de acordo com a vontade
de Deus (cf. 2:3-5;7:3-10).
Lázaro, de Betânia é desconhecido, Diferentemente de Jesus, que só visava
nos Evangelhos Sinópticos, o que não a glória de Deus, os discípulos recuaram
acontece com suas irmãs Maria e Marta diante do chamado para salvarem a vida
(veja Luc. 10:38-42). Nos dois lugares, a de outro homem, temendo que isto lhes
imagem que fica é a de uma família custasse a própria vida. No entanto,
dedicada a Jesus, que também lhes ti quando Jesus lhes propôs voltarem
nham afeição. As irmãs pressupõem que (Vamos) à Judéia, os discípulos incré-
o Senhor reconhecerá uma referência ao dulamente retorquiram que os judeus
seu irmão — sem menção de seu nome — procuravam apedrejá-lo (cf. 8:59; 10:
como aquele que tu amas (phileõ), en 31-33) e, que, portanto, se pensasse em
quanto o evangelista informa que Jesus voltar para lá, não iriam com ele (note-se
amava (agapaò) a Marta, e a sua irmã, o tu, singular, do v. 8). Em resposta,
e a Lázaro (cf. v. 11 e 36). Esta ênfase Jesus comparou seu ministério às doze
suscita a possibilidade da identificação horas de um dia judaico (cf. 9:4,5 e o
de Lázaro com o “ discípulo amado” uso de “meu dia” em 8:56). Assim como
(13:23; 18:15?; 19:26,27; 19:35?;20:2-8; controlava o amanhecer e o entardecer,
21:7;21:20-23;21:24?), já que ele é o Deus também controlava cada momento
único seguidor do qual se diz Jesus tê-lo da vida de Jesus. Mesmo que seu dia
amado (o homem rico de Mar. 10:21 não tivesse chegado já ao fim, usaria o má
se tornou discípulo). ximo possível das horas do ocaso sem
A mensagem enviada a Jesus (em reti tropeçar em seu trajeto, como os homens
ro além do Jordão? cf. 10:40), segundo a fazem quando a noite vence a luz. Desse
qual Lázaro estava enfermo, foi, pos modo, arriscar-se-ia a ajudar Lázaro,
sivelmente, um pedido indireto de ajuda sozinho ou acompanhado (note-se o re
por parte de suas irmãs (note-se o mesmo soluto vou do v. 11).
uso desta afirmação como pedido em
2:3). Como no caso do cego de nascença Desde que tivesse vida, teria também
(9:3), Jesus não viu a enfermidade cor vida para caminhar (v. 9). Lázaro, po
poral como uma tragédia, que redun rém, estando morto, dormia na noite e
daria em morte, antes, como uma opor precisava que Jesus o despertasse do sono
tunidade para a glória de Deus, se ma (cf. Mar. 5:39). Os discípulos acharam
nifestar através do Filho. Como sua afei que Jesus estava dizendo que Lázaro
ção pessoal por Lázaro era muito forte, estava no repouso do sono, concluindo,
qualquer esforço no sentido de realizar o então, que poderia ficar bom sem sua
propósito divino poderia ser equivoca- ajuda. Ironicamente, sem o saber, dis
damente interpretado como um fruto de seram uma grande verdade; pois, diante
uma preocupação exclusivamente hu de Jesus, a morte era apenas um inter
mana. Ademais, Jesus não alcançaria a lúdio reparador, de cujos terrores se
Lázaro antes de sua morte, mesmo que poderia ficar isento (a palavra traduzida
ocorresse imediatamente ao pedido, por ficar bom também significa “ser
como os versos 6 e 17 esclarecem. Ele salvo”). Visto que os discípulos estavam
assim entendendo, a partir do relato incapazes de perceber o profundo sentido
acerca dos sintomas do seu amigo ou de suas próprias palavras, Jesus disse-
por iluminação sobrenatural, demorou- lhes que, na realidade, Lázaro morrera
se ainda dois dias em isolamento, pos e que a reação dele, Jesus, ao problema
sivelmente para lutar com o peso de sua fortaleceria mais a fé dos discípulos do
que a presença dele lâ antes da morte do devendo toda a esperança ser abando
amigo. nada. Segundo, muitos dos judeus das
Diante dessa explicação, Jesus nova cercanias de Jerusalém tinham vindo
mente (cf. v.7,15) apelou aos pastores consolar a família, o que talvez indique a
que entregassem suas vidas pelas ovelhas proeminência do defunto. Embora esses
(cf. 10:11-18); Vamos nós (todos) tam pranteadores não fossem especialmente
bém. Neste ínterim, o discípulo de nome hostis, em circunstâncias tão delicada
Tomé uma pessoa importante só neste (cf. v. 36 e 37), está claro que mantinham
Evangelho (cf. 14:5;20:24-29) — inter estreitos vínculos com a liderança, inte
pretou a tímida disposição do grupo em ressada em destruir Jesus (v. 45 e 46).
segui-lo (cf. Mar. 10:32). Se fosse neces Terceiro, Marta não só estava no meio da
sário, preferiam morrer com ele do que semana do pranteamento que se seguia
viver sem ele. É claro que Tomé falou aos funerais judaicos (não havia tempo
mais a partir de um desespero leal do para chorar antes dos funerais, porque o
que de uma fé madura, embora sua tenaz enterro acontecia no mesmo dia da
ligação a Jesus representasse mais uma morte), como se encontrava absoluta
expressão autêntica de discipulado do mente frustrada e perplexa diante de
que o entusiasmo superficial daqueles Jesus não ter chegado a tempo de impedir
que se impressionavam com os sinais que que seu irmão morresse.
ele operara. Vencendo, porém, seu desaponta
mento, M arta deixou o passado para
2) Jesus e Marta (11:17-27) trás, num gesto de contínua confiança
17 C h eg ando, pois, J e s u s , en co n tro u -o j á em Jesus, que parecia traduzir a quase-
com q u a tro d ia s d e se p u ltu ra . 18 O ra , B etâ- esperança de que mesmo agora ele pode
n ia d is ta v a d e J e r u s a lé m c e rc a d e quin ze ria ajudar. Talvez M arta conhecesse a
e stád io s. 19 E m u ito s dos ju d e u s tin h a m
convicção de Jesus de que o Pai lhe dera
vindo v is ita r M a r ta e M a ria , p a r a a s co n so
la r a c e r c a de se u irm ã o . 20 M a r ta , p o is, ao autoridade para ressuscitar os mortos
s a b e r q u e J e s u s c h e g a v a , saiu -lh e ao en c o n (cf. 5:21) e, por isso, sugeriu que ele
tr o ; M a ria , p o ré m , ficou s e n ta d a e m c a s a . rogasse a Deus em seu favor. Esta inter
21 D isse, p ois, M a r ta a J e s u s : S en ho r, se tu pretação ganha corpo com a resposta de
e s tiv e ra s a q u i, m e u ir m ã o n ã o te r ia m o r r i
do. 22 E m e sm o a g o ra s e i q u e tu d o q u an to
Jesus a ela de que seu irmão iria ressur
p e d ird e s a D eu s, D eu s to c o n c e d e rá . 23 R es- gir. Uma afirmação assim tão geral, po
p ondeu-lhe J e s u s : T eu irm ã o h á d e r e s s u r rém, não bastava a Marta, pois apenas
g ir. 24 D isse-lhe M a r ta : Sei q u e e le h á de significava que Lázaro ressurgiria na
re s s u rg ir n a re s s u rre iç ã o , no ú ltim o d ia . ressurreição no último dia, um ensino
25 D eclaro u -lh e J e s u s : E u sou a r e s s u r r e i
ção e a v id a ; q u e m c rê e m m im , a in d a que
que qualquer bom fariseu aceitava. Co
m o r ra , v iv e r á ; 26 e todo a q u e le q u e v iv e , e nhecia ela muito a doutrina da ressurrei
c rê e m m im , ja m a is m o r r e r á . C rê s isto ? ção final, pois certamente muitos confor
27 R espondeu-lhe M a r ta : Sim , S en h o r, eu tadores a tinham lembrado disso, só não
c reio q u e tu é s o C risto , o F ilh o d e D eu s, q u e estava certa do modo diferente que Jesus
h a v ia d e v ir a o m undo .
realizaria esta esperança.
Ao chegar a Betânia, Jesus defrontou- A resposta a esta incerteza se resume
se logo com três problemas: Primeiro, na fórmula maior: Eu sou (egõ eimi).
Lázaro encontrava-se já com quatro dias Jesus mesmo encarnou a realidade do
de sepultura. Na crença popular judaica, último dia já agora neste tempo. Crer
o espírito humano pairava próximo ao nele era apropriar-se prolepticamente da
corpo durante três dias, partindo a se plenitude esperada no futuro, anteci
guir, quando a cor do cadáver começava pando assim, de modo cabal, o veredicto
a mudar. Para uma pessoa enterrada há da eternidade. Dito de outro modo, os
quatro dias, a morte era irrevogável, homens — como Lázaro — continuaram
a morrer de morte física, mas Jesus como A cena passa agora de Marta para sua
era a ressurreição, poderia capacitá-los irmã Maria (v. 1 e 2), que permanecera
a viver além do túmulo. Ademais, como em casa (v. 20), num gesto de cortesia
Jesus era a vida, aquele que vive espiri para com os convidados. Em segredo,
tualmente por crer em Jesus jamais mor M arta chamou Maria para se encontrar
rerá espiritualmente, nesta vida ou no com Jesus fora da aldeia, encarregando-
porvir. se ela de substituí-la junto aos prantea-
Jesus sabia que esta última verdade dores. No entanto, foi só Maria tentar
não era plenamente evidente, mesmo sair, para ser seguida pelos judeus, os
para uma amiga achegada. Por isso, fez quais pensaram que ela ia ao sepulcro
pender as questões de toda a eternidade para chorar ali, como era costume nos
numa questão existencial: Crês isto? De primeiros dias após a morte. Sem se
pronto, M arta confessou: Eu creio (v. perturbar com a descoberta de sua mis
24), mas logo aduziu: Tu és (v. 27), são e nem com a interferência de uma
reconhecendo que a vida eterna não era possível audiência hostil ao seu encontro
uma proposta, mas uma pessoa. Evo particular com Jesus, Maria de imediato
cando sua formação judia, ela sintetizou lançou-se-lhe aos pés e repetiu o lamento
seu significado em três frases: (1) o Cristo da irmã (v. 21), segundo o qual ele fora
(cf. 1:41;4:29;7:41); (2) o Filho de Deus um Senhor ausente em seu momento de
(cf. 1:34;1:49); (3) aquele que havia de crise maior.
vir ao mundo (cf. 6:14). Confissões ante Tão logo a queixa se anunciou, parecia
riores a esta, neste mesmo Evangelho, e que a situação ia de mal a pior. Ao
que usaram estes títulos indica que contemplar este quadro, Jesus ficou mais
Marta realmente transferira suas espe perturbado do que as irmãs. Vários fa
ranças dos fariseus para Jesus, embora tores explicam por que ele se comoveu
sua compreensão ainda não ultrapas ... e perturbou-se (literalmente, ele
sasse as categorias herdadas do judaís “gemeu violentamente” e “se agitou”
mo. no âmago de seu ser). No choro de
Maria, Jesus sentiu a irresistível reivin
3) Jesus e Maria (11:28-37) dicação de um amor desamparado a
compeli-lo a agir naquele mesmo ins
28 D ito isto , re tiro u -se e foi c h a m a r e m tante (diferentemente de Marta, Maria
seg red o a M a ria , s u a ir m ã , e lh e d is se : nada pediu, deixando simplesmente tudo
O M e s tre e s tá a í, e te c h a m a . 29 E la , o u vin
do isto , lev an to u -se d e p re s s a , e foi te r co m
em suas mãos). Ao mesmo tempo, viu,
e le . 30 P o is J e s u s a in d a n ão h a v ia e n tra d o nos judeus que com ela vinham, uma
n a a ld e ia , m a s e s ta v a no lu g a r onde M a r ta volta de todas as suas dificuldades com
o e n c o n tr a ra . 31 E n tã o o s ju d e u s q u e e s t a Israel (cap. 5-10) e percebeu logo o preço
v a m co m M a ria e m c a s a e a c o n so la v a m , deste conflito e das imensas tribulações
v endo-a le v a n ta r-s e a p re s s a d a m e n te e s a ir ,
se g u ira m -n a , p e n sa n d o q u e la a o se p u lc ro que traria ao seu espírito. Num difícil
p a r a c h o ra r a li. 32 T endo , pois, M a ria c h e momento de indescritível tristeza, a dor
g ad o ao lu g a r onde J e s u s e s ta v a , e vendo-o, provocada pela perda de um ente que
lançou-se-lhe a o s p é s e d is s e : S en h o r, se tu rido, associada à indignação causada
e s tiv e ra s a q u i, m e u Irm ã o n ã o te r ia m o r r i pelo insistente ceticismo de seus próprios
do. 33 J e s u s , p o is, q u an d o a v iu c h o ra r, e
c h o ra re m ta m b é m o s ju d e u s q u e co m e la parentes espirituais, lesus chorou lágri
v in h am , com oveu-se e m e sp írito , e p e r tu r mas de sofrimento e frustração, pena e
bou-se, 34 e p e rg u n to u : O nde o p u se s te s? indignação, como as lágrimas do Getsê-
R esp o n d eram -lh e : S enhor, v e m e v ê . 35 J e mane.
su s ch o ro u . 36 D is s e ra m e n tã o os ju d e u s :
V ede com o o a m a v a . 37 M a s a lg u n s d is s e
É importante notar que aqueles que
r a m : N ão p o d ia e le , q u e a b riu o s olhos ao testemunharam a ressurreição de Lázaro
cego, fa z e r ta m b é m q ue e s te n ã o m o rre s s e ? logo se dividiram diante de Jesus, antes
mesmo de todo o quadro se desenrolar. chamando-o em alta voz (cf. 5:25,28).
Alguns reagiram a estas lágrimas com Em tudo isso Jesus demonstrou ser o
uma terna afeição (v. 36), outros com um Senhor da vida e da morte.
cinismo cruel (v. 37 — a indagação pede Por outro lado, ele se comoveu outra
uma resposta afirmativa; isto é, ele podia vez profundamente diante da visão do
ter feito algo, mas não fez). A revelação a sepulcro. E não só perguntou onde se
ser dada no sinal não resolveu esta dia localizava a tumba (v. 34), mas, ao che
lética de fé e incredulidade, mas apenas a gar, pediu que tirassem a pedra que
intensificou (veja-se o papel da fé no cobria a entrada da gruta sepulcral. Por
v. 40). Jesus, então, se pôs a caminhar fim, quando saiu o que estivera morto,
em direção à sepultura de Lázaro como pediu aos outros que o desatassem e o
se fosse a sua, porque sabia que alguns deixassem ir. Num certo sentido, estas
não estavam convencidos de ser possível imagens mostram que um poder maior
alguém ressuscitar “dentre os mortos” não perde tempo com tarefas banais,
(Luc. 16:31). realizáveis por qualquer pessoa, tor
nando-se esta prática uma espécie de
4) A Ressurreição de Lázaro (11:38-44) parábola das pequenas coisas, pelas
quais podemos cooperar com o vivifi
38 J e s u s , p ois, com ovendo-se o u tr a vez,
p ro fu n d a m e n te , foi a o s e p u lc ro ; e r a u m a cante ministério de Cristo. Aq mesmo
g ru ta , e tin h a u m a p e d r a p o sta so b re e la . tempo, no entanto, estes traços bem
39 D isse J e s u s : T ira i a p e d ra . M a rta , ir m ã humanos sugerem também que Jesus
do defu n to , d is se -lh e : S en h o r, j á c h e ir a m a l, evitou deliberadamente o papel de um
p o rq u e e s tá m o rto h á q u a tro d ia s . 40 R e s
taumaturgo espetacular. Evidentemente,
pondeu-lhe J e s u s : N ão te d isse q u e , se c r e
re s , v e rá s a g ló ria d e D eu s? 41 T ira r a m quem quer que tivesse o poder para res
e n tã o a p e d ra . E J e s u s , le v a n ta n d o os olhos suscitar os mortos poderia mover mira
a o céu, d is s e : P a i, g r a ç a s te dou, p o rq u e culosamente pedras de sepulcros ou
m e o u v iste. 42 E u s a b ia q u e s e m p re m e desatar os laços que aprisionam cadá
o u v e s ; m a s p o r c a u s a d a m u ltid ã o q u e e s tá
e m re d o r é q ue a s s im fa le i, p a r a q u e e le s
veres. Jesus, porém, evitou consciente
c re ia m qu e tu m e e n v ia s te . 43 E , ten d o dito mente qualquer ostentação. Em vez de
Isso, c la m o u e m a lt a v o z : L á z a ro , v e m p a r a deslumbrar os espectadores com o que
/o ra ! 44 S aiu o q u e e s tiv e ra m o rto , lig a d o s fizera, Jesus os levou a refletir sobre o
os p é s e a s m ã o s co m fa ix a s, e o seu ro sto miraculoso dom da vida, “escondida”
envolto n u m lenço. D isse-lh es J e s u s : D esli-
gai-o e deixai-o ir . nas circunstâncias tão humildes em que
Lázaro apareceu.
Um dos motivos por que a ressurreição
de Lázaro deixou os homens livres para a 5) A Reação dos Judeus (11:45-54)
crença ou para a incredulidade era que a
atuação de Jesus combinava soberania 45 M uitos, p o is, d e n tre o s ju d e u s q u e
tin h a m v in do v is ita r M a ria , e q u e tin h a m
divina com dependência humana. v isto o q u e J e s u s fiz e ra , c r e r a m n e le . 46 M a s
Por um lado, Jesus foi ao sepulcro só a lg u n s d e le s fo ra m t e r co m o s fa ris e u s e
depois de estar preparado (v. 6) e longe d isse ra m -lh e s o q u e J e s u s tin h a feito . 47 E n
de ceder a pressões terrenas (v. 3,21, tã o os p rin c ip a is sa c e rd o te s e os fa ris e u s
re u n ira m o s in é d rio e d iz ia m : Q ue fa re m o s ?
32,37). Ele ousou desafiar a morte mes p o rq u a n to e s te h o m e m v e m o p e ra n d o m u i
mo depois de quatro dias, o que facili to s sin a is. 48 Se o d e ix a rm o s a s s im , to d o s
tava o fracasso. Estava certo, porém, de c re rã o n e le , e v irã o o s ro m a n o s, e n o s t i
que os crentes veriam a glória de Deus r a r ã o ta n to o no sso lu g a r c o m o a n o ss a
(cf. o comentário sobre 6:36-40), porque n a ç ã o . 49 U m d e le s, p o ré m , c h a m a d o C ai-
fá s , q u e e r a su m o s a c e rd o te n a q u e le an o ,
o Pai sempre ouvia suas orações. Sem d is se -lh e s: V ós n a d a sa b e is , 50 n e m c o n sid e
fazer uso de qualquer técnica médica, r a is q u e v o s co n v é m q u e m o r r a u m só h o
sentiu como suficiente levantar Lázaro m e m p elo povo, e q u e n ã o p e r e ç a a n a ç ã o
to d a. 51 O ra , Isso n ão d isse ele p o r si m e s o povo a crer que um novo dia estava
m o ; m a s , sendo o su m o sa c e rd o te n a q u e le raiando, e um procurador como Pôncio
ano, p ro fetiz o u q u e J e s u s h a v ia d e m o r r e r
p e la n a ç ã o , 52 e n ão so m e n te p e la n a ç ã o , Pilatos poderia ficar com uma impres
m a s ta m b é m p a r a c o n g re g a r n u m só co rp o são desagradável em relação aos líderes
os filhos d e D eu s q u e e stã o d isp e rso s. que tolerassem tal reversão do status
53 D esde a q u e le d ia, pois, to m a v a m c o n se quo. Qualquer ameaça de revolução
lho p a r a o m a ta r e m . 54 D e so rte q u e J e s u s podia levar à destruição tanto o lugar
j á não a n d a v a m a n ife sta m e n te e n tr e os j u
d eu s, m a s re tiro u -se d a li p a r a a re g iã o v izi santo (isto é, o Templo) quanto a própria
n h a a o d e se rto , a u m a c id a d e c h a m a d a nação. O dilema do concílio estava em
E f r a i m ; e a li d em o ro u c o m os se u s d isc íp u que eles dificilmente poderiam punir um
los. homem por fazer muitos sinais, embora
Tão logo Lázaro saiu, a atenção trans- de maneira alguma pudessem permitir
feriu-se dele, focalizando-se pela reação que continuasse a agitar o povo.
dos espectadores, em Jesus. Mesmo antes A solução desse problema era urgente
de o milagre se realizar, Jesus tinha para Caifás, que era sumo sacerdote
esclarecido que seu propósito básico não naquele ano especialmente fatídico, em
era convencer o povo que Lázaro tinha que Jesus foi exaltado (na realidade
voltado do além (não há qualquer alusão Caifás serviu de 18 a 36 d.C.). Na crença
de que se lhe pedisse descrever a outra judaica, o sumo sacerdote, em virtude de
vida), mas que ele, Jesus, tinha vindo de seu ofício, tinha poderes especiais de
Deus. Muitos dentre os judeus da área adivinhação (Josefo, Antiguidades, XI,
de Jerusalém, que tinham vindo visitar 327; XIII, 299-300), e aqui, ironica
Maria... creram nele, provavelmente da mente, Caifás exerceú esta prerrogativa
maneira demonstrada por M arta (v. 27). de uma forma tão profunda que nem ele
Outros, no entanto, foram ter com os a compreendeu. Na busca dos interesses
fariseus, possivelmente por não terem gerais, propôs que um só homem (Jesus)
crido, e disseram-lhes o que Jesus tinha devia morrer pelo povo, se isso evitasse
feito. Aparentemente, estas testemunhas que perecesse a nação toda. O evange
não tinham dúvidas de que Lázaro viera lista, porém, entendeu que, num sentido
do além, mas não queriam aceitar o de redenção, Jesus não havia de morrer
milagre maior de que Jesus viera da parte apenas pela nação judaica, mas para
de Deus numa forma que mesmo Lázaro congregar, como um pastor, num só re
jamais poderia alcançar. banho os filhos de Deus então dispersos
Ao ouvirem seu relato, os fariseus pelo mundo (cf. 10:16). Assim, ao deci
pediram o apoio dos principais sacer dir pela morte de Jesus, o sinédrio ina
dotes, saduceus, para juntos convocarem dvertidamente contribuía para a reali
uma sessão informal do supremo concílio zação dos sublimes propósitos de Deus.
judaico, o sinédrio. Em outra circuns Compreendendo esta ameaça moral e
tancia esta congregação nada fizera de o modo como Deus a superaria, Jesus
efetivo para eliminar Jesus (cf. 7:25,26, deixou de ministrar manifestamente
32,45-48), mas agora era urgente uma entre os judeus de Jerusalém e caminhou
nação firme. O problema não estava em uns 20 km por uma região montanhosa,
que Jesus fosse um enganador, mesmo até chegar a Efraim, uma cidade de
porque este grupo hostil reservadamente localização hoje incerta.
aceitava que ele operava muitos sinais. Esta passagem é fundamental para a
Ao contrário, o perigo estava no número compreensão joanina da morte de Jesus.
cada vez maior de pessoas que criam nele Historicamente, ele morreu como uma
(ex.: v. 45), podendo, daí renunciar sua ámeaça ao Templo e à nação (cf. Mar.
lealdade à liderança aprovada pelos 14:58; At. 6:13,14), ou seja, como al
romanos (cf. 12:11, BLH). Jesus excitava guém que perturbaVa o controle oficial
do status quo. Jesus defendia, em nome mais temática do que temporal, reu
de Deus, uma mudança drástica, numa nindo, para o leitor, os materiais sobre
época em que qualquer mudança era todos os períodos do ministério de Jesus
politicamente explosiva. A liderança que expressam de modo profundo o
judaica pode ter lamentado profunda significado de sua cruz.
mente a eliminação de Jesus (cf. 3:2;7:
50,51;12:42,43), mas, diante das repre 1) O Complô Contra Jesus (11:55-57)
sálias romanas, aceitaram-na como o 55 O ra , e s ta v a p ró x im a a p á s c o a dos j u
menor dos males. Teologicamente, a d eu s, e d e s s a re g iã o s u b ira m m u ito s a J e
revelação suprema de Jesus como vida foi ru s a lé m , a n te s d a p á sc o a , p a r a se p u rifi
c a re m . 56 B u sc a v a m , p o is, a J e s u s e d iz ia m
a ocasião de sua morte, isto é, este foi o u n s a o s o u tro s, e sta n d o no te m p lo : Q ue vos
preço pago por Jesus para nos dar a p a re c e ? N ão v ir á e le à fe s ta ? 57 O ra , os
vida eterna. Sua morte, porém, colocava p rin c ip a is sa c e rd o te s e os fa ris e u s tin h a m
os fundamentos, sobre os quais judeus d a d o o rd e m q u e , se a lg u é m so u b e sse onde
e le e s ta v a , o d e n u n c ia sse , p a r a q u e o p r e n
e gentios, sem distinção, poderiam ser d e sse m .
salvos e unidos numa só igreja.
Com esta terceira referência explícitá
2. A Preparação Para a Páscoa (11:55- à Páscoa dos judeus (cf. 2:13; 6:4), che
12:36a) gamos ao ciclo final do ministério de
Jesus. A Páscoa era uma das três grandes
Esta seção se liga intimamente à an festas peregrinas do judaísmo, quando
terior, com a continuação do tema de muitos (perto de 100 mil) subiam, todos
Lázaro (12:1,2,9-11,17,18). Já em 11:45- os anos, vindos de várias partes, para
54, o sinédrio decidira matar Jesus por celebrar sua observância em Jerusa
ter ressuscitado Lázaro dentre os mortos. lém. 30 Antes de entrarem no Templo,
Depois, pela mesma razão (12:2,3), aqueles que estivessem religiosamente
Maria respondeu a esta setença de morte impuros (por exemplo, pelo contato com
ungindo-o para o sepultamento (12:1-8). gentios, em suas viagens) deviam levar
No dia seguinte,, uma excitada e festiva cerca de uma semana para se purifi
multidão tentou apresentar Jesus como carem (cf. Núm. 9:9-14; II Crôn. 30:
um libertador nacionalista (12:12-15), 17-19).
ainda por causa do seu poder em ressus Um toque semelhante é acrescentado
citar Lázaro (v. 13,17,18). É impressio a este parágrafo de transição com a
nante como este milagre suscitou tão descrição de multidões curiosas discu
díspares reações, de hostilidade, gratidão tindo se Jesus provocara o edito eclesiás
e possessividade. tico contra sua vida, ao sair de seu retiro,
Na forma, ll:55-12:36a constituem para aparecer publicamente na festa.
uma série de unidades livremente inter A decisão do sinédrio em destruí-lo
ligadas, tendo como objetivo iluminar (11:53) já era do conhecimento público,
vários aspectos da paixão iminente. São, uma vez que havia a ordem dada pelos
aqui, dignos de nota os numerosos para- principais sacerdotes e fariseus (cf.
lelismos diretos e alusões indiretas a 11:47), segundo a qual, se alguém sou
incidentes e ensinos reunidos através dos besse onde Jesus estava escondido, o
Evangelhos Sinópticos (ex.: transfigu denunciasse, para que o prendessem.
ração, Getsêmane, unções, parábolas Ironicamente, os peregrinos religiosos
da semente e ditos sobre a vida e a que se tinham purificado para o maior
morte). Embora as estruturas joanina
e sinóptica sejam mais teológicas do que 30 Para um cálculo sobre os peregrinos da Páscoa, veja
Joachini Jeremias, Jerusalém in the Time of lesus, trad.
cronológicas, uma comparação sugere de F. H. e C. H. Cave (London: SCM Press, 1969),
que em João a seqüência é basicamente p. 77-84.
festival sagrado de Israel serviram dire ungir um rei (ex.: I Sam. 10:1), embora
tamente de informantes num sinistro ela não usasse seus cabelos. Novamente,
complô contra aquele que nenhum mal em Lucas 7:38, uma mulher pecadora
lhes fizera. usou seus cabelos para enxugar as lá
grimas que caíam sobre os pés de Jesus,
2) A Unção em Betânia (12:1-8) enquanto os ungia com bálsamo, um
1 V eio, p ois, J e s u s se is d ia s a n te s d a p á s processo compreensível para alguém
coa, a B e tâ n ia , onde e s ta v a L á z a ro , a q u e m tão desacreditada. No entanto, era algo
ele re s s u s c ita r a d e n tre os m o rto s. 2 D e ram - fora de propósito uma mulher judia da
lhe, a li, u m a c e ia ; M a r ta se rv ia , e L á z a ro reputação de Maria ungir alguém, apli
e r a u m dos q ue e s ta v a m à m e s a co m ele.
3 E n tã o M a ria , to m a n d o u m a lib ra d e b á l cando nardo puro à parte mais humilde
sam o de n a rd o p u ro , d e g ra n d e p re ç o , u n g iu do corpo deste, seus pés descalços (cf.
os p é s de J e s u s , e os enxu g o u co m os se u s Luc. 10:39) e, depois, enxugar o perfume
c ab elo s; e ench eu -se a c a s a do c h e iro do com a mais “gloriosa” parte do corpo
b á ls a m o . 4 M as J u d a s Is c a rio te s , u m dos
seu s d iscíp u lo s, a q u e le qu e o h a v ia d e tr a ir ,
dela, seus cabelos soltos (cf. I Cor.
d is s e : 5 P o r que n ão se v en d e u e ste b á ls a m o 11:15).
Dor tre z e n to s d e n á rio s e n ão se d eu a o s Para complicar o problema, Judas
p o b re s? 6 O ra, ele d isse isto , n ã o p o rq u e Iscariotes lançou um protesto, dizendo
tiv e sse cu id ad o dos p o b re s, m a s p o rq u e e r a que o bálsamo poderia servir aos pobres,
la d rã o e , ten d o a b o lsa , s u b tr a ia o q u e n e la
se la n ç a v a . 7 R esp o n d eu , pois, J e s u s : D e i desde que fosse vendido por trezentos
x a-a ; p a r a o d ia d a m in h a p re p a ra ç ã o p a r a denários (o denário era uma peça de
a se p u ltu ra o g u a rd o u ; 8 p o rq u e os p o b res prata equivalente ao salário de um dia;
s e m p re os te n d e s co n v o sco ; m a s a m im ne m cf. o comentário sobre 6:7). Parecia
s e m p re m e te n d es.
incrível a esta mentalidade “prática”
Como o Quarto Evangelho parece que se permitisse a Maria desperdiçar
datar esta Páscoa (15 de Nisã) num sá num momento aquilo que um trabalha
bado, isto é, das 18 horas de sexta-feira dor ganhava em um ano. O evangelista se
até as 18 horas do sábado; cf. 18:28; apressa em acrescentar, entre parêntesis,
19:14,31,42), seis dias antes ofereceu-se que Judas dificilmente tinha cuidado dos
uma ceia em Betânia a Jesus, na noite do pobres, cobiçando a contribuição de
sábado anterior. Embora Marta servisse Maria para a tesouraria comum dos
(cf. Luc. 10:40) e Lázaro era um dos que discípulos, porque era o encarregado da
estavam à mesa, não se sabe onde a bolsa (cf. 13:29) e roubava dela o que
refeição teve lugar (cf. Mar. 14:3). A quisesse. Que Judas era ladrão pode ser
atenção centralizou-se sobre Maria (cf. depreendido de outra narrativa sobre sua
11:2), que, tomando uma libra (cerca de traição a Jesus (cf. 6:70,71;13:2,26-30).
meio litro) de bálsamo caro, ungiu os pés Jesus respondeu a toda objeção ao
de Jesus com tanta profusão que a casa estranho ritual de Maria mostrando a
se encheu de sua fragrância. A generosi sua validade como uma antecipação sim
dade de seu ato era óbvia, dado o preço bólica de sua sepultura. Ela não só estava
do perfume e o seu uso em tanta quanti grata pela restauração de seu irmão,
dade que se fez necessário enxugar o como sentia o terrível preço a ser pago
excesso com seus cabelos. por Jesus por sua participação no mila
A chocante originalidade do método gre. Segundo a prática funeral dos ju
de Maria fica logo evidente numa com deus, uma grande quantidade de espe
paração com duas unções descritas nos ciarias devia cobrir seus pés (cf. 19:39,
Evangelhos Sinópticos. Em Marcos 14:3, 40), como ela agora prefigurava de for
uma mulher de nome não mencionado ma simbólica. Esta vigorosa defesa, por
derramou este mesmo nardo puro sobre parte de Jesus (Deixa-a), reflete não
a cabeça de Jesus, uma forma comum de somente sua preocupação com a paixão,
mas sua gratidão para com uma pessoa sacerdotes entenderam que a morte de
que compreendia e honrava sua provação Jesus não estancaria o movimento por ele
numa época em que mesmo os discí começado, porque sua vida fora com
pulos mais chegados pareciam negli partilhada com outros. Anteriormente
gentes diante da crise por que estava tinham-se irritado com Lázaro por este
passando. quebrar sua teologia saducéia (na qual
O conclusivo comentário de Jesus, de não havia a doutrina da ressurreição).
que os discípulos nem sempre o teriam Agora, sua crescente popularidade lhes
com eles, embora tivessem sempre os dizia que era necessário matar também a
pobres, não foi uma rejeição cínica dos Lázaro, “pois, por causa dele muitos
esforços para mitigar a pobreza através judeus estavam abandonando seus líderes
da caridade e nem uma tentativa de e crendo em Jesus” (v. 11, BLH). Do
garantir a primazia da devoção pessoal mesmo modo como o cego perdera tudo,
a si mesmo, de preferência à preocupa ao recobrar a visão (9:34), Lázaro estava
ção social para com os outros. Antes, marcado para morrer por receber uma
foi um aviso, aos seus seguidores, de que nova vida em Cristo. Aqui estava uma
deviam lutar contra a grande enfermi última perversidade da parte dos inimi
dade da humanidade que o arrastava gos de Jesus: condenar um homem à
para a morte, em vez de tentar encobrir morte simplesmente porque estava vivo!
uma parte dos sintomas através do ofe O propósito literário deste parágrafo
recimento voluntário de algum dinheiro a de transição é relacionar a unção em
mais. Betânia (v. 1-8) com a entrada triunfal de
Jesus em Jerusalém (v. 12-19). Nem esta
3) O Complô Contra Lázaro (12:9-11)
seqüência dos dois eventos e nem sua
9 E g ra n d e n ú m e ro d o s ju d e u s cheg o u a íntima conexão se encontram nos Evan
s a b e r q ue ele e s ta v a a l i ; e a flu íra m , n ão só
p o r c a u s a de JLesus, m a s ta m b é m p a r a ve-
gelhos Sinópticos (cf. Mar. 11:1-10;
re m a L á z a ro , a q u e m e le re s s u s c ita ra d e n 14:3-9 e referências). A organização
tre os m o rto s, 10 M as os p rin c ip a is s a c e rd o - joanina de fazer seguir a unção imedia
te s d e lib e ra r a m m a t a r ta m b é m a L á z a r o ; tamente pela entrada visa destacar o
ÍT p õ fq iie m u ito s, p o r c a u s a d e le , (jeix av ãm paradoxo do “rei sepultado” (v. 7 e 13),
os ju d e u s e c ria m e m J e su s.
cuja vitória estava em sua derrota, cuja
Uma razão por que Jesus apreciara tão glória estava em sua ignomínia, cuja
claramente o gesto de Maria era devido coroa estava em sua cruz.
ao seu contraste não apenas com a negli
gência de seus discípulos, mas também 4) A Entrada Triunfal de Jesus (12:12-19)
com o superficial entusiasmo das mul 12 No d ia se g u in te , a s g ra n d e s m u ltid õ es
tidões. Um bom número de judeus, pos que tin h a m vin d o à fe s ta , o uvindo d iz e r que
sivelmente vindos das cercanias de Je Je s u s v in h a a J e r u s a lé m , 13 to m a ra m r a
m o s de p a lm e ira s , e sa íra m -lh e a o e n c o n tro ,
rusalém, ao saberem que lesus estava e c la m a v a m ; H o sa n a l B endito o q u e v e m
em Betânia (12:1), afluíram não só para e m n o m e do S e n h o r! B en d ito o r e i d e I s r a e l !
ver este fugitivo famoso (11:56,57), mas 14 E a c h o u J e s u s u ín ju m e ritln h o e m o n to u
também para verem a Lázaro, a quem ele n ele, c o n fo rm e e s tá e s c rito : 15 N ão te m a s , ó
filh a de S ião ; e is que v e m o te u R e i, m o n
ressuscitara dentre os mortos. O silêncio tan d o so b re o filho de u m a ju m e n ta . 16 Os
do registro em relação às suas razões se u s d iscíp u lo s, p o ré m , a p rin c íp io n ã o e n
sugere que conseguiram ver que Lázaro te n d e ra m is to ; m a s qu a n d o J e s u s foi g lo ri
estava biologicamente vivo, mas não ficad o . en tã o e le s se le m b r a r a m de q u e e s
“perceberam” que Jesus era a fonte da ta s c o isa s e s ta v a m e s c r ita s a re s p e ito d ele,
e d e q u e a s s im lh e fiz e ra m . 17 D a v a -lh e r \
vida eterna para todos quantos cressem. 'p o is, te s te m u n h o a m u ltid ã o q u e e s ta v a com
Como Lázaro começasse a ganhar e le q ü a n d o c h a m a ra ''a L á z a ro n a s e p u ltu ra
uma crescente notoriedade, os principais e o r e s s u s c ita r a d e n tre os m o r to s ; 18 e foi ;
p o r isso que a m u ltidão lh e sa iu ao e n c o n tro , de paz. Este gesto recordava Zacarias
p o r te r ouvido q ue ele fiz e ra e s te s in a l. 9:9, onde o rei de Israel foi concitado a
19 De so rte que os fa ris e u s d is s e ra m e n tre
si: V edes q ue n a d a a p ro v e ita is ? e is q u e o
vir, não sobre um cavalo de guerreiro,
m undo in te iro v a i a p ó s e le. mas montado sobre o filho de uma ju
menta, “triunfante” e “humilde” ao
Enquanto nos Sinópticos a entrada mesmo tempo. Mesmo seus discípulos
ocorre três dias antes da unção (Mar. não entenderam este paradoxo a prin
11:1-20; 14:1-3 e referências), aqui acon cípio, mas depois, quando Jesus foi
teceu no dia seguinte. Esta cuidadosa glorificado (isto é, assunto aos céus, a
referência cronológica dá a impressão de tríplice interação do Espírito residente,
uma contagem regressiva da aproxima da memória histórica e da Bíblica escrita
ção de Jesus da “hora” de seu destino corrigiram a equivocada visão (cf. 2:22;
final, quando chegou a Jerusalém o 7:37-39).
rumor de que ele vinha do subúrbio de A incapacidade dos discípulos de com
Betânia, as grandes multidões que ti preender o estranho simbolismo do seu
nham vindo à festa... saíram-lhe ao Senhor não deixou Jesus sem um teste
encontro. Possivelmente, muitos desses munho. A pequena multidão vinda da
peregrinos eram galileus com o mesmo Judéia e que o vira ressuscitar Lázaro
entusiasmo nacionalista recusado por (11:45) contara que ele fizera este sinal,
Jesus na Páscoa do ano anterior (6:4,15). incentivando a multidão maior da Gali-
Uma chave para se compreender a léia, presente em Jerusalém, a ir ao seu
intenção da multidão está em sua estra encontro e saudar este vencedor da morte
tégia deliberada de usar ramos de pal como seu novo Rei. Esta convergência de
meiras, exatamente como o fizeram os entusiasmo por parte dos do norte e dos
macabeus, quando da celebração da sulistas convenceu os fariseus que todos
libertação do Templo e da cidade, dos os seus esforços (11:57) resultaram inú
conquistadores sírios (II Macabeus 10:7; teis. Vedes, lamentaram numa irônica
I Macabeus 13:51). Como 0 ramo passa declaração, que o mundo inteiro vai após
ra a ser usado nas moedas e nas festas no ele.
Templo como lembrança permanente
dessas façanhas do Período Macabeu, 5) O Pedido dos Gregos (12:20-26)
balouçá-los diante de Jesus era uma
20 O ra, e n tr e os que tin h a m subido a a d o
forma simbólica de encorajá-lo a fazer 0 r a r n a f e s ta h a v ia a lg u n s g re g o s. 21 E s te s ,
mesmo contra os romanos. Uma outra pois, d lrlg tra m -se a F ilip e , q u e e r a de B et-
indicação do modo de agir da multidão s a id a d a G a lilé ia , e ro g a ra m -lh e , d izen d o :
se reflete na saudação Hosana! — um S enhor, q u e ría m o s v e r a J esusrffiT F ilipe foi
dizê-lo a Á n d ré , e entácT A ndré e F ilip e fo
cântico que significava “ Salva-nos (liber- ra m dizê-lo a J e s u s . 23 R esp o n d eu -lh es Je-
ta-nos) agora!” — e na proclamação de auB: É c h e g a d a a h o ra d e s e r gloiificadò~o
Jesus como aquele que vem em nome do FÚEô do h o m em . 24 E m v e rd a d e , e m v e r
Senhor (cf. Sal. 118:26). No contexto d a d e vos dig o : Se o g rã o d e trig o , cain d o n a "
original, esta expressão referia-se aos ( te r r a , n ã o m o r r e r , fic a e le só ; m a s , se m o r —
/ re r , d á m u ito fru to . 25 Q u em a m a a s u a v id a ,
peregrinos do Templo, em sua caminha p e rd ê -la -á ; e q u e m , n e s te m u n d o , o d eia a
da para o culto; aqui, porém, foi rein- su a v id a , g u a rd á -la -á p a r a a v id a e te r n a .
terpretada pela multidão para significar 26 Se a lg u é m m e q u is e r s e rv ir , s ig a -m e;
o Rei de Israel, em seu caminho para a e onde eu e s tiv e r, a li e s t a r á ta m b é m o m e u
se rv o ; se a lg u é m m e s e r v ir, o P a l o h o n
conquista. ra rá .
Em meio a esta demonstração, Jesus
respondeu, servindo-se de um jumenti- Simbolizando a secreta verdade pro
nho, no qual montou, simbolizando, ferida pelos fariseus (v. 19), alguns gre
assim que sua missão era de um homem gos (isto é, não-judeus), entre os pere
grinos da Páscoa, chegaram, dizendo: nário), a menos que queiramos limitar a
Queremos ver a lesus. Ã primeira vista, mensagem universal da cruz.
isto pode ter parecido apenas um pedido * Jesus não só ensinou a necessidade de
para uma entrevista com alguém” por sua morte para uma misslfo redentora de
quem estavam interessados (ex.: porque jcaráter mundial, como procurou aplicãf
ele purificara a Corte dos Gentios no jseu significado à natureza do discipulado
Templo para seu uso). O evangelista, no (cf. Mar. 8:34-37). Guardar“ uma sê^
entanto, sem dúvida alguma, viu esses ihente é destruí-la, enquanto plantá-la é
gregos como um campo missionário gen libertá-la para um utilidade multiplica
tílico, no microcosmo ligora preparado, da. Assim, aquele que ama possessivel-
para ver (isto é, crer em Jesus como o mente a sua vida acabará por destruí-la,
'Salvador do mundo. ao passo que aquele que odeia a sua vida
Seu pedido foi dirigido a princípio a neste mundo (cf. Luc. 14:26), isto é,
Filipe, e depois a André, os dois discí aquele que se dispõe a perdê-la em
pulos de nome grego e procedentes da benefício dos outros,. obterá uma vida
cidade helenística de Betsaida (1:44). eterna, que jamais lhe será retirada.
Embora tenham ido de imediato falar Este paradoxo central é posterior
com Jesus, sobre esta tentadora oportu mente esclarecido e equilibrado de duas
nidade de evitar a frustração e os perigos maneiras, no verso 26. Primeiro, “odiar
de njinistrar aos judeus, não há infor a vida” não é uma renúncia passiva, pois
mação de que os gregos tenham conse o discipulado é também um seguir ativo
guido ver Jesus nessa ocasião. Este silên (cf. o comentário sobre 1:43). Segundo,
cio é deliberado, pois a hora tinha uma pessoa pode-se entregar pelos outros
chegado (cf. Mar. 14:41) quando Jesus, e ainda servir a Cristo (note-se a repeti
como o Filho do Homem, seria glorifi ção de me... eu... meu, no v. 26). Não há
cado, não pela lisonia de uma vasta qualquer clivagem (ruptura) entre ação
platéia, mas pela solidão da rejeição, por missionária aos gregos e simpatia pessoal
parte ’dõleü próprío povo. Em lugar de o pelo Messias (cf. Mat. 25:40).
“ser visto” pelos gregos o salvar por meio 6) O Cometimento da Paixão
de uma fuga para o mundo helenístico, (12:27-36a)
o leitor vê-lo-á na agonia da escolha 27 A g o ra a m in h a a lm a e s tá p e rtu rb a d a ;
(v. 27), quando, ao contrário, decide, por e que d ire i eu ? P a i, sa lv a -m e d e s ta h o ra ?
sua morte, salvar os outros. M as p a r a isto v im a e s ta h o ra , 28 P a i, g lo ri
Ele, entretanto, não permaneceria só, fic a o te u n o m e. V eio, e n tã o , d o cé u e s ta
voz: J á o ten h o g lo rificad o , e o u tr a v ez o
porque sua morte na cruz seria como um g lo rific a re i. 29 A m u ltid ã o , pois, q u e e s ta v a
grão de trigo que, ao cair na terra e a li, e q u e a o u v ira , d iz ia te r h a v id o u m
morrer, dá muito fruto. Assim como 1 tro v ã o ; o u tro s d iz ia m : U m a n jo lh e falou .
Tiinguém pode “ver” o trigo olhando para 30 R esp o n d eu J e s u s : N ão veio e s ta voz p o r
m in h a c a u sa , m a s p o r c a u s a d e v ó s. 31
a minúscula semente, os gregos não A g o ra é o juízo d e ste m u n d o ; a g o ra s e r á
; podiam “ver ” o significado de Jesus, até exp u lso o p rín c ip e d e s te m u n d o . 32 E eu ,
I que a missão mundial da Igreja fosse q u an d o fo r le v a n ta d o d a te r r a , to d o s a t r a i
^instaurada por sua morte e ressurreição, i re i a m im . 33 Is to d izia, sig n ifican d o d e que
m odo h a v ia d e m o r re r. 34 R esp o n d eu -lh e
Estes gregos, que tinham vindo a JenP"
a m u ltid ã o : N ós to m o s ouvido d a lei q u e o
salém para a Páscoa, como euriosos ou C risto p e rm a n e c e p a r a s e m p r e ; e com o d i
prosélitos interessados no judaísmo que zes tu : Im p o rta que o F ilh o do h o m e m s e ja
eram, precisavam saber que Jesus iria à le v a n ta d o ? Q u em é e ss e F ilh o do h o m em ?
cruzj para fincar álTbàses sobre as quais 35 D isse-lh es e n tã o J e s u s : A inda p o r u m
pouco d e te m p o a luz e s tá e n tr e vós. A ndai
o mundo inteiro poderia ser salvo. Em e n q u a n to te n d e s luz, p a r a q u e a s tr e v a s n ão
função desse dia, não há razão por que ir vos a p a n h e m ; p o is q u e m a n d a n a s tr e v a s
aos “gregos” (isto é, ao campo missio n ão sa b e p a r a on d e v a i. 36 E n q u a n to te n d e s
a luz, c re d e n a luz, p a r a q u e vos to rn e is promisso com o mal, mesmo quando
filhos d a luz.
levantado da terra, numa crucificação
Era fácil para Jesus entender que a cruel, sua vitória de obediência atrairia
vocação de uma semente era morrer para todos a ele. A ênfase não está na totali
que o fruto escondido em seu interior se dade da resposta, pois que esta depende
multiplicasse (v. 24), mas lhe era difícil da fé, mas sobre a universalidade do ape
aceitar a mesma vocação pelas mãos de lo. O judaísmo oferecia um santuário na
sua gente. Num momento de angústia no cional, uma circuncisão racial e uma lei
Getsêmane, ele percebeu o custo de seu religiosa sectária. Ao contrário, nada
cometimento na cruz: Agora a minha havia de partidário ou nacional na obe
alma está perturbada (cf. Mar. 14:33, diência, no amor e no poder demonstra
34). Seria mais humano dizer: Pai, salva- dos na cruz. Jesus não morreu por ter
me desta hora (cf. Mar. 14:35), mas este perdido a batalha, e, sim, porque a
pedido era incompatível com o propósito vencera contra a força que escraviza o
de sua vinda. Então, Jesus orou: Pai, espírito humano e separa o homem de
glorifica o teu nome (isto é, “permita- Deus.
me manifestar aos homens o teu verda
deiro caráter”). Com sua costumeira insensibilidade,
Imediatamente, uma voz de revelação a multidão ignorou a coragem liberta
direta dos céus confirmou que Deus fora dora de Jesus e preferiu avaliar suas
glorificado pela obra de Jesus no passado afirmações a partir de seus próprios
(isto é, pelos sinais) e que continuaria a preconceitos messiânicos (cf. 7:40-43;
ser glorificado outra vez no futuro (isto é, 10:19-21). Enquanto falava paradoxal
pela sua morte e ressurreição). Na sua mente da morte com que havia de
forma exterior, esta comunicação foi morrer, ao ser “levantado” , eles concluí
acompanhada por um trovão (como, por ram, a partir da lei (isto é, das Escri
exemplo, no Sinai), que alguns da multi turas), que o Cristo permanece para
dão que ali estava interpretaram como sempre, provavelmente numa referência
um fenômeno natural, enquanto outros, à permanência do reinado davídico (Sal.
mais atentos à confirmação que Jesus 89:36; Ez. 37:25). Ironicamente, deseja
ram um messias que vivesse para perpe
recebera, disseram que um aiyo lhe tinha
tuar o nacionalismo judaico, enquanto
falado (cf. Luc. 22:43). Devido à sua
Jesus, por sua morte, transcendia esta
íntima relação com Deus, Jesus não
necessitava propriamente de qualquer visão e se tornava um ímã que atrairia
autenticação aparente, por um trovão ou todos a um reino que não é deste mundo.
por um anjo. A manifestação audível da Estas posições eram de tal modo irre
voz veio não para ele, mas para os outros conciliáveis, que as perguntas da multi
(cf. 11:42); só assim fariam o que fize dão não puderam ser respondidas. Em
ram. seu lugar, na pequena parábola do via
Fortificado por um sentido maior de jante ao pôr-do-sol, Jesus mostrou a
aprovação celestial, Jesus falou triunfal urgência de se considerar a luz antes que
mente: Agora (cf. v. 23) é o juízo deste as trevas chegassem (cf. 9:4,5; 11:9,10).
mundo (cf. 5:22-24; 8:15,16). Essas pa Embora muitos da multidão vagassem em
lavras não eram uma ameaça de vin trevas espirituais e não stíubessem para
gança contra seus inimigos humanos, onde iam. enquanto Jesus estivesse com
mas um testemunho de que o poder de eles havia a oportunidade de crerem na
Deus repelira os esforços do príncipe luz e se fazerem filhos da luz. Com este
deste mundo (isto é, Satanás) para reinar resumo vivo das alternativas possíveis a
em sua vida (cf. o comentário sobre Israel, Jesus concluiu seu ministério
6:70,71). Como Jesus nunca teve com público.
3. Conclusão do Livro dos Sinais o seu resultado foi a confirmação, de
(12:36b-50) modo cabal, das descrições sobre a in
credulidade de Israel (cf. Is. 53:1;6:10).
Uma outra prova de os capítulos 2 a 12
comprenderem uma unidade maior, Jesus não era o primeiro mensageiro de
Deus a encontrar oposição. Em busca de
dentro do Evangelho, é dada por esta
uma explicação, a igreja apostólica des
elaborada conclusão, que divide clara
cobriu que o Velho Testamento tinha
mente o Evangelho em duas partes. O
vislumbrado com perfeição a dinâmica
capítulo 12 prepara para este pós-escrito
formal, com várias conclusões prelimi desta rejeição, especialmente nos profe
nares, que exprimem cabalmente o tér tas e nos Salmos.
Estes versos não refletem preconceitos
mino de seu ministério público (12:7,
8,31,35,36). Esta última seção difere, no anti-semitas, dirigidos contra Israel, por
entanto, do resumo retrospectivo feito cristãos frustrados, representando,
pelo evangelista (v. 36b-43) e do soliló antes, um julgamento, sobre os judeus,
quio proferido por Jesus (v. 44-50). Aqui, por suas próprias Escrituras (veja o
a segunda pessoa do plural, no discurso comentário sobre 9:41). A preocupação
direto aos judeus, desaparece, com estes principal aqui não é amaldiçoar uma
parágrafos dirigindo-se fundamental pessoa, mas demonstrar a coerência de
mente ao leitor. Deus em realizar seus propósitos através
da história de seu povo. Durante séculos,
1) A Rejeição Final de Jesus (12:36b-43) as terríveis palavras de Isaías tinham
permanecido nas Escrituras como um
H avendo J e s u s a s s im fala d o , re tiro u -se e aviso ao próprio Israel. Todo o apelo do
escondeu-se deles. 37 E , e m b o ra tiv e sse o p e
ra d o ta n to s sin a is d ia n te d e le s, n ã o c ria m
ministério de Jesus — apelo, este, la
n ele; 38 p a r a q ue se c u m p riss e a p a la v r a do mentavelmente despercebido — era:
p ro fe ta I s a ía s : “não deixem que esta profecia se tome
S enhor, q u e m c re u e m n o ssa p re g a ç ã o ? uma verdade para vocês!” Na realidade,
e a q u e m foi re v e la d o o b ra ç o d o S en h o r? foi sua visão de Jesus em sua glória
39 P o r isso , n ão p o d ia m c r e r , p o rq u e ,
com o d isse a in d a I s a ía s : preexistente com Deus que possibilitou
40 C egou-lhes os olhos e e n d u re c e u -lh e s o Isaías a proferir seu aviso (pelo que vem
c o ra ç ã o , p a r a q u e n ã o v e ja m co m os olhos antes, o sua e dele do v. 41 devem referir-
e e n te n d a m com o c o ra ç ã o , se a Jesus, e não a Deus).
e se c o n v e rta m , e e u os c u re .
41 E s ta s c o isa s d isse Is a ía s , p o rq u e v iu a
A prova de que os versos 37-41 não
s u a g ló ria , e d ele falo u . 42 C ontudo, m u ito s visam condenar os judeus coletivamente
d e n tre a s p ró p ria s a u to rid a d e s c r e r a m está nos versos 42 e 43, que relatam que
n e le ; m a s p o r c a u s a d o s fa ris e u s n ã o o co n muitos dentre as próprias autoridades
fe s sa v a m , p a r a n ã o s e r e m ex p u lso s d a s in a creram nele. Indubitavelmente, era ne
g o g a; 43 p o rq u e a m a r a m m a is a g ló ria dos
h om en s do q ue a g ló ria d e D eus. cessária uma boa dose de misericórdia
para ter este grupo na conta de crentes,
Com seu ministério a Israel no fim, visto, que, por causa dos fariseus, não o
Jesus se retirou e se escondeu deles, confessavam, para não serem expulsos
sendo esta a terceira saída de Jerusalém da sinagoga (cf. 9:22). Num período mais
nos meses finais da paixão (cf. 10:40- popular, Jesus encontrara uma fé super
42;11:54). Durante o ministério público, ficial, baseada na força dos seus sinais
ele tinha operado muitos sinais (cf. (ex.: 2:23-25;7:31); agora, contudo, a fé
7:31;11:47;20:30;21:25), embora os capí se mostrava pela metade, porque repri
tulos 2 a 12 só registrem alguns. O mida pela intimidação da estrutura do
propósito destes sinais, de levar os ho poder. No primeiro caso, a fé era defi
mens a crerem nele (cf. 20:31), fora ciente, por não colocar Deus acima do
percebido de uma forma tão limitada que amor próprio; neste, era inútil, por não
colocar Deus acima do amor dos outros. Jesus ao mundo, Deus é o princípio e o
Mais do que nunca, Jesus considerou fim da fé, da visão, do juízo, da auto
esta fé, embora débil, na esperança de ridade e da revelação. Longe de se
que resultasse num discipulado corajoso colocar como um “segundo Deus” ou de
e abnegado. desviar a atenção de Deus — a acusa
ção básica apresentada pelos judeus em
2) O Discurso Finai de Jesus (12:44-50)
nome do monoteísmo — Jesus tudo fez
44 C lam ou J e s u s , d izen d o : Q u em c rê e m apenas para confrontar os homens com a
m im , c rê , n ão e m m im , m a s n a q u e le que realidade de Deus na totalidade da vida.
m e en v io u . 45 E q u e m m e v ê a m im , vê
a q u ele q ue m e en v io u . 46 E u , q u e sou a luz,
Paradoxalmente, ao não pedir qualquer
v im ao m u n d o , p a r a q u e todo a q u e le q u e c rê posição para si — seja sacerdotal, rabí-
e m m im n ã o p e rm a n e ç a n a s tr e v a s . 47 E , nica ou de rei — ele se distinguia
se a lg u é m o u v ir a s m in h a s p a la v r a s , e não frontalmente de todos os líderes religio
a s g u a rd a r , e u n ã o o ju lg o ; p o is e u v im , n ã o sos e por meio disso exigia um veredicto
p a r a ju lg a r o m u n d o , m a s p a r a s a lv a r o
m undo. 48 Q uem m e re je ita , e n ã o re c e b e a s sobre sua pessoa. Os capítulos 13 a 21
m in h a s p a la v r a s , j á te m q u e m o ju lg u e ; a contam como foi ele glorificado à luz de
p a la v r a qu e te n h o p re g a d o , e s s a o ju lg a r á sua “humilhação” nos capítulos 1 a 12.
no ú ltim o d ia . 49 P o rq u e eu n ã o fa le i p o r
m im m e s m o ; m a s o P a i, q u e m e enviou, Segunda Parte: O Livro da Paixão
e sse m e d eu m a n d a m e n to q u a n to a o que
d izer e com o f a la r . 50 E sei q u e o seu m a n
(13:1-20:31)
d a m e n to é v id a e te r n a . A quilo, p o is, que eu Depois que o “livro dos sinais” (capí
falo, falo-o e x a ta m e n te com o o P a i m e o r tulos 2 a 12) descreveu em sucessivas
denou. etapas a descida ou humilhação do Filho
Este parágrafo final do “livro dos de Deus, o “livro da paixão” (capítulos
sinais” fornece um resumo formal da 13 a 20) completará a “parábola da
mensagem pública de Jesus a Israel, redenção” (veja a p. 251-52), descreven
sintetizando temas teológicos desenvol do sua suWdâ^MJMÜâsfcjüato-aaJEai.
vidos em 3:16-21;5:19-29 e 8:12-26. Esta grande inversão da rejeição terrena
Como Jesus tinha já se escondido (v. tem lügar támbém em três etapas: (1) a
36b), a passagem não tem um quadro preparação dos discípulos para a cruz e a
histórico, aparecendo como algo de qua vinda do Espírito (cap. 13 a 17); (2) a
lidade não temporal. A solenidade do crucificação de Jesus na exaltação de um
estilo reforça a gravidade dos assuntos, amor obediente (cap. 18 e 19); (3) a
que deve ser ponderada pelo leitor. ressurreição de Jesus fortalece a fé de
A relação com o parágrafo anterior, seus seguidores e os capacita para a
especialmente com os versos 39 e 40, é missão (cap. 20).
fundamental. Lá a ênfase estava sobre a É altamente significativo que esta revi
soberania de Deus, no trato com cora ravolta, no plano da narrativa joanina, se
ções endurecidos e olhos cegos. Mas, sem localiza antes e não depois da crucifica
que isto elimine a liberdade humana, ção. Em conseqüência, a cruz é apresen"
aqui se faz um apelo explícito para tada não como a ignomínia final sofrida
“crer” no coração e “ver” com os olhos.
O homem é julgado porque não “guar
! por um mártir derrotado, mas, parado
xalmente, como a coroação de um Rei
da” ou “recebe” as palavras de Jesus, e triunfante, que reina a partir de um
não porque Deus deseja a sua destruição. lenho de vergonha. Na ressurreição?
As últimas alternativas para o homem Deus não resgatou Jesus da desgraçá^de j
são: aceitação ou rejeição. uma morte escandalosa, mas confirmou
A principal preocupação da passagem que a crucificação era em si mesma a
é reafirmar a primazia de Deus na vitória, que encerrava a obra da reden
missão de Jesus. Como aquele que enviou ção (cf. 19:30).
Esta perspectiva ajuda a esclarecer o e que sua preocupação fundamental era
equilíbrio de Jesus durante sua paixão. para com o judaísmo e sua liderança
Não havia medo, agonia ou desespero. jreligiosa. ----- -
Jesus antecipou cada movimento de seus Ao contrário, os discípulos ocupam
adversários e permaneceu absoluto, num uni fugãr de destaque em João 13-2T.
controle completo da situação (cf. 13:11, S Fã^pnm êirím eta^ do Evangelho é um
18,19,26,27;16:33;18:4-6, 33-37;19: comeritanò sòbre como os do velho Israel
26,27,30). Não significa isto, entretanto, “não o receberam” (1:11), a(|egunda) é
que o evangelista nos forneça um relato um comentário sobre como aqüelesao
falso, sem sofrimento, para apresentar novo Israel que “o receberam” foram
Jesus como um estóico auto-suficiente. capacitados a se tomarem verdadeiros
Bem ao contrário, concebeu todo o filhos de Deus (1:12). Nos capítulosJU l^
Evangelho como uma longa história da a ênfase se fixou sobre ã dialética da luz e
paixão (observe-se referências introdu das trevas, que julgou a resposta de
tórias, como 1:10,11,29,36;2:4,13-22). Já Israel ao ofèrecimento da vida (phos-
em 5:16-18, Jesus enfrentava pessoas que phõtizõ e skotia/skotos ocorrem, neste
queriam matá-lo. Todo o seu ministério sentido, 32 vezes em 1-12, mas nenhuma
era, num certo sentido, um “julgamen vez em 13-21). —--------
Nos capítulos 13-21.
to” , caracterizado por amargas contro entretanto, a enfase se desloca soore o
vérsias. amor entre o Pai e o Filho, que deverá ser
Assim, o escopo do Evangelho mostra reproduzido nas vidas dos crentes
que Jesus enfrentou a prova da cruz (agape/agapaõ e philos/phileõ ocorrem,
consciente do significado do evento (ex.:‘ neste sentido, 12 vezes em 1-12, mas 48
10:11; 12:27). Diferentemente dos Sirióp- vezes em 13-21). Esta mudança dá um
ticos, em que o Getsêmane ocorre mais caráter predominante pessoal e ético à
tarde, quando da abertura do capítulo comunidade da Igreja, descrita em João
13, sua luía terminara, o desolado de 13-21, o que contrasta fortemente com a
sespero devido à rejeição de Israel pas divisão que persegue a comunidade
sara, e Jesus caminhava para a alegria da judaica, em João 1-12 (Dodd, Interpre-
perfeita obediência e para a certeza cfã tation, p. 398-399).
gTon afü tu ra.
' "Esta transicib, no Evangelho, marca I. Jesus Prepara Seus Discípulos
uma mudança maior não somentê no' (13:1-17:26)
ministério de Jesus, mas também na
atuação de todos os discípulos. Até esse Em todos os quatro Evangelhos, o
ponto, após uma breve introdução em discurso interno. envolvendo Jesus e seus
1:35-51, os seguidores mais próximos de discípulos, vem entre o fim do ministério
Jesus tinham participado muito pouco. publico e o comeco da .paixio. Cf mais
"Através doTgrãndes debates dos capí- longõ ^eites interlúdios é Joãp ^ -iT t,
tulos 5 a 10, quando as autoridades especialmente porque apresènííl&ma^só
judaicas exigiram testemunhas acerca de seção o equivalente joanino do material
Jesus, os discípulos não compareceram que ós Sinópticos apresentam separada
nem apresentaram qualquer defesa vo mente como ensinos de Jesus desenvol
luntária de seu líder. Quando, nalguma vidos no Monte das Oliveiras (Mat.
circunstância, participavam mesmo que 24:1-25:46; Mar. 13:1-37; Luc. 21:5-36),
modestamente, sua atuação se marcou no cenáculo (Mat. 26:20-30; Mar. 14:
pela falta de visão (ex.: 6:5-9,15-19,66- 17-26; Luc. 22:14-38) e no Getsêmane
71:9:1-4:11:8,12-16; 12:4-6,16,20-23). (Mat. 26:36-46; Mar. 14:32-42; Luc.
Em João 1-12, a forte impressão que 22:40-46). Ao reunir estes ensinos sobre o
r
ficou foi a de que Jesus ministrou sozinho futuro, sobre a morte de Jesus e sobre a
importância da oração, o Quarto Evan lhe foi mostrado o que isso significou
gelho leva ao clímax uma ênfase apenas para o Mestre, enquanto não lhe foi
parcialmente desenvolvida nos outros ensinado o que isso envolve para ele
Evangelhos. próprio e enquanto não foi oferecido a
A fusão deste material esotérico numa Deus em oração por Aquele que conquis
unidade homogênea representa ã contri tou todo o seu terror.
buição literária mais original do evange-' O assunto mais característico, nos
lista para a estrutura deste Evangelho. capítulos 13 a 17, refere-se ao conse-
"’Em nenhum lugar da literatura cristã õ* lheiro ou Paracleto (Ho^grego paraklê-
discipulado está tão intimamente ligado , \ i S ^ r n n T conceito repetido em cinco
ao ministério histórico de Jesus no pas passagens, aqui (14:15-17:25,26; 15:26,
sado, à residência do Espírito no pre-J 27;16:7-15) e em I João 2:1, mas em
sente e à luta da Igreja com o mundo nof nenhum outro lugar do Novo Testamen
futuro. Ao colocar esta seção no centro to. 31 Este título para o Espírito Santo
‘ 3o Evangelho, em vez de no fim, o Evan (cf. 14:17,26;15:26;16:13) não pode ser
gelista, com isto, insiste que a Igreja não traduzido adequadamente para uma só
é uma idéia que os homens c^ceberam ^ . ‘palavra em português, uma vez que
enTconseqüência da tragédia, mas a vida conota advogado ou testemunha, inter
"continua do povo de Deus que Jesus~ cessor ou porta-voz, confortador ou con-
transformou, como uma parte integral de so!ad^°e°°mestre ou guia. Embora a
sua tarefa na terra. Os discípulos não palavra não fosse muito usãda no he
foram tomados de surpresa pela repen braico e no grego, para designar um
tina partida de seu líder, pois ele já lhes ofício religioso, seu significado foi ante
apresentara a natureza pós-ressurreição cipado no modelo veterotestamentário de
de sua existência. Diante dísso, o leitor é um relacionamento íntimo entre os líde
levado a perceber a “glória da cruz” nos res que partiam e os seus sucessores que
capítulos 18 e 19, uma vez que, nos continuavam sua obra (ex.: Moisés/
capítulos l3 a 17, já lhe foi apresentada a Josué, Elias/Eliseu) a na visão judaica
fórma de comunidade que daí nasceria. posterior de espíritos angelicais como
A grandê"preocupação de Jesus pelo defensores do povo de Deus e media
destino dos sjüs seguidores — embora dores da verdade divina. A diferença
fo ss^ e le ln ín u ^ a morrer! — se reflete fundamental, certamente, e q ü e , no
nas três formas como ele os preparou Quarto Evángelho, o papel do Paracleto
para a provação ã que sèríam sübrnetP está associado exclusivamente a Jesus, j
HÕsf^Primdra)servindo-se de um método Tudo o que seria feito pelo Paracleto
de grâirdg^simplicidade, ele deu um também o fora por Jesus, funcionando
exemplo pessoal no lava-pés. como uma aquele como a realidade contínua deste
parábola referente ao significado da cruz no mundo depois de sua ascensão. —J
(13:1-30). Depois, seguiu esta lição obje A missão fundamental do Paracleto é
tiva com uma instrução detalhada, num
bem desenvolvido discurso sobre a exis- os discípulos como uma fonte de força e
tencia cristã na era posterior à sua visão, anteriormente características de
morte (13:31-16:33). Finalmente, num Jesus; (2) julgar o mundo pela vitória
crímax espiritual, empregou ojnais exal obtida por Jesus em suas lutas terrenas
tado dos métodos, a intercessão divina.
31 Sobre o Paracleto no Evangelho de João, veja Ray
para situar o destino dos discípulos num mond E. Brown, “The parad etc in the Fourth Gos
contexto etêrrio, por meio de sua oração pel” , New Testament Stndie*, 13 (1967), p. 113-132,
de consagraçãoTí7:l-26). Não se solicita e a literatura citada na obra, especialmente Hans Win-
disch, The Splrtt-Pararlete in the Fourth Goepel, tra
de nenhum Tègúidor de Jesus a tomar a dução para o inglês por James W. Cot; “ Facet Books,
cruz dos capítulos 18 e 19, enquanto não Biblical Series” , 20 (Philadelphia: Fortress, 1968).
com Satanás. Uma compreensão destes preparavam para celebrar aquela. Por
papéis era de especial relevância para a isso, aqui a instituição da Ceia foi
Igreja na época em que este Evangelho omitida, para evitar que se concluísse
foi escrito. Como as testemunhas apos que Jesus estava perpetuando um cos
tólicas começavam a morrer, alguns tume judaico.
devem ter imaginado que o último elo Já no mundo cristão ao tempo da
vivo com o Jesus terreno devia ser pre composição do Quarto Evangelho, havia
servado. tendências para uma sacramentalização
” " João estava certo de que, jitravés do extremada da Ceia como o “elixir da
ministério do Paracleto, a comunidade imortalidade” ou o “antídoto contra a
cristã não só tinha uma conexão p e F j morte” (Inácio, Efésios, 20:2) e como
manente com o Senhor encarnado, más! “a carne de nosso Salvador Jesus Cristo
que seu t,spiriW~cõhduztnaT’ geràções (Inácio, Smirnenses, 7:1). João deve ter
futuras a compreender Jesus como aque temido que a Ceia se transformasse num
le que cãpacitara os primeirÔíTdiscípulos substituto para a singularidade histórica
I a fazê-lo. Ademais, a Igreja jião preci- de Jesus, por isso evitou qualquer suges
j sava perder a esperança pela falta de um tão de que o fundador do cristianismo
| retorno antecipado de Jesus, para encer- tivesse inaugurado um ato de culto des
| rar este século mau. Jesus tinha voltado tinado a perpetuar sua encarnação atra
no Confortador, para dar sentido ao vés de símbolos tangíveis. Em vez deste
ínterim antes da consumação final. O supersacramentalismo, Joâo insistiu que
mundo podia supor que a cruz destruísse a vida de Jesus se fixava no passado, mas
1 tudo o que Jesus dignificava, porque a que seu significado tornava-se presente
I morte parecia tê-lo banido da terra, mas para cada geração em que o Espírito
la Igreja sabia que seu Espírito estava vivo contemporanizava suas irrepetíveis pa
je triunfante no meio dos crentes. lavras e atitudes (cf. sobre 6:52-65).32
1. A Última Ceia (13:1-30) 1) O Lava-pés dos Discípulos (13:1-11)
Esta cena de abertura, no cenáculo, é
1 A ntas d a f e s ta d a p á sc o a , sa b en d o J e s u s
surpreendente pelo que omite e pelo que e r a c h e g a d a a su a h o ra d e p a s s a r d e ste
que informa. O fato principal, nos Si m undo p a r a o P a l, e h av en d o a m a d o os se u s
nópticos — a instituição da Ceia do que e s ta v a m n o m u n d o , am o u -o s a té o fim .
Senhor — não é mencionado aqui, en %E n q u a n to c e a v a m , ten d o j á o D iabo posto
no c o ra ç ã o de J u d a s , filho d e S im ão Isc ario -
trando em seu lugar um acontecimento te s , q u e o tr a ís s e , 3 J e s u s , sab e n d o q u e o
— o lava-pés — não referido nos Sinóp P a l lhe e n tr e g a r a tu d o n a s m ã o s, e que
ticos. A razão básica deste silêncio pare v ie ra d e D eu s e p a r a D eu s v o lta v a , 4 le v a n
ce ser um desejo de livrar a Ceia da tou-se d a c e ia , tiro u o m a n to e, to m a n d o
incompreensão, vinda de duas direções. u m a to a lh a , cin g iu -se. S D epois d eito u á g u a
n a b a c ia e co m eç o u a la v a r o s p é s a o s
Primeiro, a data peculiar que João dá discípulos, e a e n x u g ar-lh o s com a to a lh a
para a última refeição, como sendo 14 de com que e s ta v a cingido. 6 C hegou, pois, a S i
Nisã, na noite anterior à Páscoa (e não m ã o P e d ro , q u e lh e d is s e : S en h o r, la v a s -m e
15 de Nisã, na noite da Páscoa, como os p és a m im ? 7 R espo n deu -lh e J e s u s : O que
eu faço , tu n ã o o sa b e s a g o r a ; m a s d ep o is o
está nos Sinópticos) sugere uma preo e n te n d e rá s. 8 T o m o u -lh e P e d ro : N u n ca m e
cupação em distinguir o rito cristão de la v a r á s o s p é s. R eplicou-lhe J e s u s : Se eu
sua contraparte judaica. Embora a n ão te la v a r , n ã o te n s p a r te com igo. 9 D isse-
Páscoa possà ter fornecido certos ante lhe S im ão P e d ro : S en h o r, n ã o so m e n te os
cedentes históricos para a Ceia, as duas
observâncias jamais poderiam ter o mes 32 Este ponto de vista é desenvolvido por Helmut Koester,
"History and Cult in the Gospel of John and in Igna
mo significado, porque esta se fundava na tius of Antioch” , louraal for Theology and the Church,
morte de Jesus nas mãos daqueles que se 1(1965), p. 111-123.
m eu s p é s, m a s ta m b é m a s m ã o s e a c a b e ç a . onde” e “para onde” — eram oriundos
10 R espondeu-lhe J e s u s : A quele q u e se b a de Deus.
nhou n ão n e c e s s ita de la v a r se n ã o os p és,
pois, no m a is e s tá todo lim p o ; e vós e s ta is
A fim de iniciar seus discípulos no
lim pos, m a s n ão todos. 11 P o is e le s a b ia ministério de sua paixão iminente, Jesus
q u em o e s ta v a tra in d o ; p o r isso d is s e : N em agiu fora dessas realidades transcen
todos e s ta is lim p o s. dentais e a partir de sua autoconsciência.
Do mesmo modo como o ‘livro dos Primeiro, ele tirou o manto, sugerindo
sinais” (capítulos 2 a 12) foi introduzido que abria mão de sua vida pelos seus (cf.
com uma contundente afirmação teoló 0 mesmo verbo, tithêmi, em 10:17,18).
gica (1:50,51), que tratava da chegada do Depois, cingiu-se com uma toalha (cf.
Homem dos céus à terra, o “livro da 1 Ped. 5:5), deitou água na bacia e co
paixão” (capítulos 13 a 20) começa com meçou a lavar os pés aos discípulos.
um prefácio (13:1-13), igualmente exal Este estranho comportamento não teve
tado, que lança as bases teológicas sobre precedentes, primeiro porque aconteceu
as quais ele passaria deste mundo para o enquanto ceavam (cf. v. 2® e 49), depois,
Pai. Dois longos resumos oferecem uma porque ffa. comum banhaiLas^pis antes,
tríplice interpretação dos eventos que se .da refeição, e também porque nem mes
desenrolarão. mo aos escravos judeus se pedia executar
tarefas tão servis. Na cena de abertura do
Primeiro, no verso 1: (1) Como a drama da paixão, Jesus demonstrou que
paixão de Jesus ocorreu antes da festa sua carreira terrena alcançava agora seu
judaica da Páscoa (cf. 18:28;19:14,31, apogeu. Depois de descer os degraus de
42), o drama do verdadeiro Cordeiro uma abjeta humilhação, começava agora
pascal (1:29,36) devia ser encenado sua ascensão aos píncaros mais elevados.
tendo a história sagrada de Israel como a ^ S ÍF 3 o p o n lomais baixo que se possa
pano-de-fundo. (2) Diferentemente das imaginar.
situações anteriores, quando as prema Às circunstâncias que favoreceram
turas pressões humanas se exerciam esta contundente estratégia talvez este
(2:4;7:30;8:20), a hora de Jesus volunta jam descritas em Lucas 22:24-27. En-
riamente se sacrificar era agora chegada quanto os discípulos disputavam entre si
no cronograma divino (cf. 12:23,27; sobre quem era o maior, aauele aue
17:1). (3) O ato maior de obediência sabia que Deus lhe entregara tudo nas
envolvia amar os seus até o fim (cf. maos tomou nessas mãos os instrumentos
1:11,12), quantitativa (isto é, ao amargo do escravo mais vil (cf. Fil. 2:7) — nem
fim de sua vida) e qualitativamente (isto coroa nem cetro, mas iarro e bacia! —
é, ao derradeiro degrau; cf. 15:13). »Para demonstrar que a grandeza verda-<
Segundo, nos versos 2 e 3: (1) O ||Irai“ c<íÕ§j!% M q,no.J5gaiL òaS/T sei
ilimitado amor de Jesus para com seus ’ assenta, mas no jnodo cõmo se serve 1
seguidores era uma resposta deliberada à ? 7 T ^ u c T ^ 2 ! 2 7 l T b uso da água para lavar J
iniciativa do Diabo, para que Judas, filho pode sugerir que o trabalho humilde de
de Simão Iscariotes, o traísse (cf. 6:70, Jesus visava purificar seus seguidores de
71; 13:27). (2) Esta devoção sacrificial ao pecado|>qivsua morte próxima (cf. ÍToao
ponto da morte, por parte de Jesus, não f:7).
era um sinal de fraqueza, mas de onipo Como foi o caso também dos Sinóp
tência por parte daquele que sabia que ticos (cf. Mar. 31-33), Pedro procurou
o Pai lhe entregara tudo nas mãos (cf. repudiar este paradoxo de um rei-escravo
Mat. 28:18). (3) Este sentido de autori por não saber ainda o que Jesus estava
dade soberana, num momento de perigo fazendo, embora depois — à luz da
mortal, fundamentava-se na certeza de crucificação e da ressurreição — o enten
que sua origem e destino — seu “de desse (cf. 16:12,13). Firme, porém, Jesus
insistiu que, se não lavasse os pés de começos no passado e exige uma nova
Pedro — isto é, se Pedro se recusasse abertura para o futuro.
a aprender aquela lição — o seguidor não 2) O Exemplo de Jesus (13:12-20)
teria parte no destino de seu Senhor.
12 O ra , d ep o is d e lh e s te r la v a d o os p é s,
Diante dessa terrível alternativa, Pedro to m o u o m a n to , to rn o u a re c lin a r-s e à m e s a
impulsivamente passou para o extremo e p e rg u n to u -lh e s: E n te n d e is o q u e vos ten h o
oposto, pedindo, então, muito mais do feito? 13 Vós m e c h a m a is M e s tre e S en h o r;
que lhe fora oferecido: Senhor, não e dizeis b e m , p o rq u e e u o sou. 14 O ra, se e u ,
o S enhor e M e s tre , vos la v e i os p é s, ta m b é m
somente os meus pés, mas também as vós d e v e is la v a r os p é s u n s a o s o u tro s.
mãos e a cabeça! 15 F o rq u e e u v o s d e i e x e m p lo , p a r a q u e ,
com o e u vos fiz, fa ç a is vós ta m b é m . 16 E m
Para corrigir estes extremos, Jesus v e rd a d e , e m v e rd a d e v o s d ig o : N ão é o
contou a pequena parábola da banheira e serv o m a io r do q u e o se u se n h o r, n e m o
da bacia: Aquele que se banhou por en v iad o m a io r do q u e a q u e le q u e o en v io u .
completo antes da refeição não necessi 17 Se sa b e is e s ta s c o isa s, b e m -a v e n tu ra d o s
sois se a s p ra tic a r d e s . 18 N ão falo d e todos
tava de lavar todo o seu corpo novamen v ó s; e u co n h eço a q u e le s q u e e sc o lh i; m a s
te, quando chega à casa do anfitrião, p a r a q u e se c u m p r a a e s c r itu r a : O q u e
pois já está todo limpo. No entanto, c o m ia do m e u p ã o , le v a n to u c o n tra m im o
precisava lavar... os pés, que tinham-se se u c a lc a n h a r. 19 D esd e j á vo-lo digo, a n te s
sujado no caminho. Desse modo, Pedro e que su c e d a , p a r a q u e , q u an d o su c e d e r,
c re ia is q u e e u so u . 20 E m v e rd a d e , e m v e r
os outros já estavam limpos, devido o seu d a d e vos d ig o : Q uem re c e b e r a q u e le q u e e u
antigo compromisso com Jesus (cf. 15:3) e n v ia r, a m im m e r e c e b e ; e q u e m m e r e
— com exceção, é claro, de Judas, que ceb e a m im , re c e b e a q u e le q u e m e enviou.
o estava traindo — continuavam, porém,
Depois de ter “tirado o manto” (v. 4),
necessitados de terem sua compreensão
como símbolo da forma como entrega
purificada, por assim dizer, das “impu
ria sua vida, Jesus agora tomou o manto
rezas da viagem” na peregrinação do
novamente, como um símbolo da forma
discipulado. A conversão, que conquista
como retomaria sua vida (cf. o mesmo
o pecado, envolve um começo decisivo,
verbo, lambanõ, em 10:17), reassumin
que transforma a base para uma reno
do, assim, o seu devido lugar como
vação diária da graça.
Mestre e Senhor. Ora, se ele, cuja
Este diálogo entre Jesus e Pedro ilu humilhação seria legitimada por Deus na .
mina, de modo brilhante, a dinâmica de ressurreição, se prontificara a lavar os 1
uma fé em formação. De início, Pedro pés aos discípulos, deviam eles também I
recusou-se a aprender a dura lição da lavar os pés uns aos outros. Ademais, eleH
cruz, na presunção de que seu compro 'era o Senhor e eles os servos; ele era o /
misso já se completara, o que evidenciava que enviava, eles os enviados. O modelo-4
a necessidade de descobertas mais pro “ da paixão de Jesus não oferecia apenas
fundas, como essenciais a um relacio verdades abstratas passíveis de conheci
namento com Jesus. Reagindo a esta mento, mas um exemplo correto, para
recusa, ele adotou o erro oposto, de que 0 praticassem, unindo assim a teo
achar que todos os seus compromissos logia à ética. No primeiro século, a hu
anteriores eram agora sem valor. Jesus, mildade não era vista como uma virtude,
porém, assegurou-lhe que não é necessá mas Jesus fez dela o símboÍõ~do^isdpu-
rio começar tudo de novo, para superar lãdõ. Ãspríorida3esc5I5cãHãs^£stãrpa?
as limitações anteriores. A um jovem, sagem, assim, alteram o padrão moral da
por exemplo, não se pede que renuncie humanidade.
um batismo realizado em tempo de Surge, porém, um problema, porque a
criança para que se possa tomar um prática utilizada por Jesus, para dar um
crente maduro. Jesus valoriza nossos exemplo de humildade, ^não existe em
nossa cultura. Para os primeiros discí- d a d e vos digo q u e u m d e v ó s m e h á de tr a ir .
pulóTnlãa poderia dramatizar de modo 22 Os d iscíp u lo s se e n tre o lh a v a m , p e rp le
xos, se m s a b e r d e q u e m e le fa la v a . 23 O ra ,
mais víyido o papel de servo Ho que o a c h a v a -se re c lin a d o so b re o p eito d e J e s u s
lãvãrdoTsêus pés (cf. I TinT BTÍÜTrFâra“ u m de se u s d iscíp u lo s, a q u e le a q u e m J e s u s
o homem ocidental contemporâneo, a m a v a . 24 A e s s e , p o is, fez S im ão P e d ro
todavia, este gesto não tem um signi sin a l, e lh e p e d iu : P e rg u n ta -lh e de q u e m
é que fa la . 25 A quele discíp u lo , re c o stan d o -
ficado evidente em si mesmo. Para levar se a s s im ao p eito de J e s u s , p e rg u n to u -lh e :
mos adiante a intenção de Jesus, preci S enhor, q u e m é? 26 R e sp o n d eu J e s u s : É
samos buscar novas formas de servifTqüê’ a q u ele a q u e m e u d e r o p ed aç o de p ão
m olhado. T endo, p o is, m o lh ad o u m bocado
sociedade'. que joujava^pés^iia Palestina de p ão , deu-o a J u d a s , filho d e S im ão Isc a -
rio te s. 27 E , logo ap ó s o b o cad o , e n tro u nele
antiga. S a ta n á s . D isse-lhe, pois, J e s u s : O que fa z e s,
Como aconteceu no parágrafo anterior faze-o d e p re s s a . 28 E n e n h u m dos q u e e s t a
(v. 10 e 11), esta unidade também v a m à m e s a p e rc e b e u a q u e p ro p ó sito lhe
termina com uma sombria referência à d isse is to ; 29 p o is, com o J u d a s tin h a a b o lsa,
traição de Judas. Talvez Jesus tenha p e n sa v a m a lg u n s q u e J e s u s lh e q u e ria d i
z e r: C o m p ra o q u e nos é n e c e ss á rio p a r a a
percebido que sua insistência sobre o fe s ta ; ou, q u e d e sse a lg u m a c o isa a o s p o
serviço inferior tenha sido a ênfase que b re s . 30 E n tã o e le , ten d o re c eb id o o b o cad o ,
Judas mais violentamente recusava. De sa iu logo. E e r a noite.
qualquer modo, Jesus não se surpreen
deu com o fato de que esta rejeição tenha A simples menção de um traidor em
vindo do círculo dos discípulos, pois a seu círculo turvou o espírito de Jesus
própria Escritura registrava que mesmo (cf. 11:33;12:27). É esta a última vez que
um “amigo do peito” pode desdenhar a semelhante desordem interior é mencio
hospitalidade que se lhe oferece, como nada neste Evangelho, sugerindo que a
um animal se vira contra as mãos daque deserção de um discípulo íntimo de Jesus
le que o alimenta (Sal. 41:9). Jesus esco antecipava a agonia da cruz. Embora a
lhera correr este risco, ao procurar pes traição fosse um assunto de relevância
soas de vivências variadas, e, agora, maior (Em verdade, em verdade), que o
estava consciente de que Judas não res grupo precisava conhecer antecipada
pondera ao seu generoso amor (v. 1 e 2). mente (cf. v. 19), Jesus preferiu escon
Por isso, avisou antecipadamente os der a identidade do réu (um de vós),
seus discípulos que, quando a traição desse modo protegendo-o da fúria de
sucedesse, soubessem que ele não era seus companheiros, mantendo a possibi
uma vítima desesperada, mas, sim, o lidade de uma mudança e confrontando
grande Eu sou (ego eimi); isto é, ele cada um dos presentes com a necessi
representava a presença divina de Deus, dade do auto-exame (cf. Mar. 14:19),
cuja providência não devia ser menos onde todos os discípulos começam a
prezada, mesmo diante das terríveis perguntar: “ Sou eu?”).
escolhas que permitia aos homens. Ca Confusos diante deste anúncio, os dis
racteristicamente, este aviso se acom cípulos fizeram sinal, através de Simão
panhava da promessa de que aquele que Pedro, para aquele a quem Jesus amava,
estivesse pronto para ser enviado por a fim de que perguntasse por eles quem
J H u ^ n u r iw ln is s |o ^ õ n ^ u m apóstolo: era aquele de quem falava. Nesta pri
servo, estaria unido n ão somente a Jesus, meira referência explícita ao “discípulo
mas a Deus, que o envlatft, amado” (cf. sobre 11:3) não fica claro se
era considerado um dos doze ou não.
3) A Traição Feita a Jesus (13:21-30) Assentado à direita de Jesus à mesa, sua
21 T endo J e s u s d ito isto , tu rb o u -se e m cabeça se recostava ao peito de Jesus
e sp írito , e d e c la ro u : E m v e rd a d e , e m v e r (cf. 1:18), quando se reclinavam para a
esquerda, durante a refeição, facilitan partida do emissário do diabo, Judas, em
do, assim, uma consulta em voz sussur 13:30, e a chegada do próprio príncipe
rante. À pergunta de Pedro (Quem é?), satânico, em 14:30,31. Entre esses pon
ele disse: £ aquele a quem eu der o tos, Jesus contrapôs este desenvolvimento
pedaço de pão molhado. Na prática sinistro, ao discutir, com os discípulos,
social daquela época, isto era o símbolo sobre sua partida para o Pai e sua volta,
de um favor especial o hospedeiro mo para morar com eles. Este tema é domi
lhar o pão na compota e servir pessoal nante de 13:31 a 14:31, com os verbos
mente ao convidado. “ir" e “vir" (akolouthêo, erchomai,
Sugere isso que a identificação de poreuomai, hupagõ), sendo usado pelo
ludas desta maneira teve um caráter menos 20 vezes num sentido mais espi
mais particular do que público. Para ritual do que espacial.
Jesus, este gesto simples representava o A estrutura interna desta coleção de
último apelo de amor àquele que beirava sentenças se erige em tomo de perguntas
a perdição (cf. 17:12). Para Judas pode de quatro discípulos identificados (Pe
ter parecido como um convite final à dro, Tomé, Filipe, Judas), as quais se
aceitação da estratégia do amor sofredor distribuem pela seção, para levar o diá
que Jesus propunha, uma oferta recusa logo adiante (13:36;14:5,8,22). Tomadas
da quando permitiu que Satanás entrasse conjuntamente, estas perguntas não só
nele. Para os discípulos, entretanto, pode refletem a preocupação dos seguidores de
ter sido apenas um gesto de previdência Jesus nos momentos que antecederam
por parte de Jesus, ao despachar Judas sua morte como também os atribulados
para uma rápida missão, uma vez que problemas da igreja apostólica ao tempo
tinha a bolsa contendo os recursos do da produção deste Evangelho. A questão
grupo (cf. 12:6). Parece que nenhum ... básica era: Onde está Jesus? Como seus
da mesa (exceto o discípulo amado) seguidores se relacionam com ele agora e
percebeu que Jesus se utilizara de um entre si? A resposta básica, aqui desen
terno gesto de afeição para designar seu volvida, foi: O Jesus ressurrecto se rela
traidor. Isto explicaria seu fracasso em ciona com os crentes na terra do mesmo
conter Judas quando este empreendia seu modo como o Pai se relacionava com ele
sinistro negócio. na terra. A intimidade do homem Jesus
Quando Judas saiu, a porta que se com o seu invisível Pai celestial transfor
abriu revelou que a noite caíra. As trevas mou-se no modelo do vínculo agora
eram um lugar próprio para abrigar existente entre a Igreja e seu assunto
Judas na realização de seus negros desíg Senhor (14:20). Do mesmo modo a pre
nios (3:19). Dentro, porém, partido o sença do Espírito concedido pelo Pai a
traidor, podia Jesus agora compartilhar Jesus (1:32,33;3:34) outra coisa não era
com seus discípulos a glória do Filho do senão a presença do próprio Pai com ele
Homem (v. 31). Assim, o cenário estava (5:19,20; 10:30,38), a presença do Para-
montado para o ato final, no drama da cleto concedido por Jesus à Igreja (14:
luz que “resplandece nas trevas” (cf. 16,17,25,26) também deve ser entendida
1:5a). O discurso final (13:31-16:33), a como a presença do Senhor com ela
ter início, explicará como “ as trevas (14:3,18,23).
prevaleceram contra ela” (cf. 1:5b; O tema dos corações turbados, no
16:33). começo (14:1) e no fim (14:27) desta
seção, sugere que seu propósito funda
2. A Partida e a Volta de Jesus (13:31-
mental era dar segurança à comunidade,
14:31)
que estava temerosa porque perdera,
O primeiro conjunto a se desenvolver diante da inexorável marcha do tempo,
no discurso final tem como marco a seus laços com a geração cristã original.
Quando a morte desatava os últimos elos presente e a era futura), mas parado
com aqueles que tinham testemunhado xalmente, isto é, pela fé vive-se onde os
a encarnação, recordava-se, a igreja de dois mundos se interpenetram e as duas
então, que Jesus prometera, aos seus eras se sobrepõem.
seguidores, uma situação melhor depois
de sua partida, e não antes (14:28,29). 1) A Discussão com Pedro (13:31-38)
Observe-se as vantagens da era pós- 31 T endo e le , pois, saíd o , d is se J e s u s :
ressurreição descritas nesta seção: (1) A gora é g lo rificad o o F ilh o do h o m e m , e
o apoio de uma comunidade de amor D eus é g lo rificad o n e le ; 32 se D eu s é g lo ri
(13:34,35); (2) a preparação de um lugar ficado n e le , ta m b é m D eu s o g lo rific a rá e m
si m esm o , e logo o h á d e g lo rific a r. 33 F ilh i-
na casa do Pai (14:2,3); (3) o conheci nhos, a in d a p o r u m pouco esto u convosco.
mento do caminho da salvação (14:4-6); P ro c u ra r-m e -e ls ; e com o e u d isse a o s j u
(4) o poder para efetuar obras maiores do deu s, ta m b é m a vós o digo a g o r a : P a r a onde
que as de Jesus (14:12); (5) o privilégio da e u vou, n ã o p o d eis vós ir . 34 U m novo m a n
oração intercessória (14:13,14); (6) a d am e n to vos d o u : q u e vos a m e is u n s a o s
o u tro s; a s s im com o e u vos a m e i a vós, que
ajuda do Paracleto ou Espírito da ver ta m b é m vós vos a m e is u n s ao s o u tro s.
dade (14:16,17,25,26); (7) o retomo pes 35 N isto co n h e c e rã o todos que so is m e u s d is
soal de Jesus e seu Pai para fazerem cípulos, se tiv e rd e s a m o r u n s a o s o u tro s.
morada em seus amados (14:18-23); e 36 P e rg u n to u -lh e S im ão P e d ro : S enhor,
p a r a onde v a is ? R esp o n d eu J e s u s : P a r a
(8) a provisão de uma paz que o mundo onde eu vou, n ã o po d es a g o ra se g u ir-m e ;
não conhece (14:27). m a is ta r d e , p o ré m , m e s e g u irá s ; 37 D isse-
Evidentemente, o Quarto Evangelho lh e P e d ro : P o r q u e n ã o posso se g u ir-te a g o
não minimizou a primeira vinda de Jesus r a ? P o r ti d a re i a m in h a v id a . 38 R esp o n d eu
no centro da história (l:14;6:53-58) e J e s u s : D a rá s a tu a v id a p o r m im ? E m v e r
dad e, e m v e rd a d e te d ig o : N ão c a n ta r á o
nem sua vinda final no término da galo a té q u e m e te n h a s n e g ad o tr ê s vezes.
história (5:28,29;6:39,40,44,54;12:48),
embora dê igual ênfase à sua vinda espi Uma vez que Judas saíra, dentre os
ritual durante o ínterim entre as duas. discípulos, para o tempo final (cf. I João
O tipo de material apocalíptico contido 2:18,19), esses eventos eram agora colo
no grande discurso escatológico que cados em movimento, para que Jesus
neste ponto acontece nos Sinópticos (Mat. pudesse ser glorificado como o Filho do
24-25; Mar. 13; Luc. 21) não se escon- homem (17:1). Como Jesus não buscava
tra aqui, talvez devido ao mal-entendido, glória para si, Deus também seria glori
por parte dos cristãos antigos, de que o ficado pelo amor obediente de Jesus,
fim do mundo aconteceria em sua gera demonstrado na cruz, como o fora em
ção (cf. Mat. 24:29,34; Mar. 13:29,30; todo o ministério dele, que chegava agora
Luc. 21:31,32). ao seu clímax. Observe-se que o próprio
Em vez disso, na teologia da existência Deus dava a glória que recebia em troca;
cristã desenvolvida em João 13 a 17 e, isto é, a obra de Jesus era um ato divino
especialmente, em 13:31 a 14:31, temos a desde o início até o fim. Tudo o que um
mais ousada reinterpretação da relação homem pode fazer para acentuar a
entre o tempo e a eternidade, que não se “reputação” ou o “prestígio” de Deus na
encontra em qualquer outro lugar do terra é deixar Deus ser Deus em sua vida
Novo Testamento. Agora, que o Reden como Jesus o fez na su a .33
tor escatológico penetrara no processo Observe-se também que esta glorifi
histórico, os dois reinos não mais se cação de Jesus era uma coisa do passado
relacionavam espacialmente, como no
pensamento grego (o mundo superior e o 33 Sobre o significado de “ glória” , veja A. M. Ramsey,
The Glory of God and the Transfiguration of Christ
mundo inferior), ou temporalmente, (London: Longmans, Green and Co., 1949), e sobre
como no pensamento hebraico (a era o seu emprego em Joào 13 a 17, veja as p. 69-81.
(é glorificado) e do futuro (glorificará), aonde ele ia, mas que deviam amar como
que quer dizer que o compromisso para ele amou, Pedro procurou fugir a esta
sofrer já fora efetuado, mas ainda será responsabilidade, perguntando o que
levado avante. Deus não é honrado por Jesus iria fazer (cf. 21:18-22). Quando
uma decisão momentânea, que não con soube que não podia seguir Jesus agora
duza a gestos de coragem, ou por atos (isto é, Jesus não podia compartilhar sua
impulsivos, desligados de decisões pro cruz), mas haveria muitas oportunidades
fundas e permanentes, mas, sim, por sua para seguir a Jesus mais tarde (isto é,
vida coerente, em que a palavra e o ato, o novas possibilidades para o discipulado
interior e o exterior, o passado e o futuro surgiram após sua morte), Pedro ignorou
são uma coisa só. esta promessa de um futuro brilhante e,
Como sua glorificação na morte ocor em sua impaciência de realizar tudo
reria imediatamente adiante (logo), Jesus agora, ofereceu dar a sua própria vida
estaria com seus filhinhos (cf. o grego por Jesus.
orfanos, em 14:18) ainda por um pouco Como resposta, Jesus desafiou a cora
(cf. 16:16-24) e, então, iria para onde josa declaração de Pedro, garantindo-lhe
não poderiam por enquanto ir (contraste- solenemente que o galo não cantaria até
se com 7:33-36, onde aos judeus não é que ele o negasse pelo menos três vezes.
dada qualquer esperança de outra volta). O “cantar do galo” era o nome dado à
Neste ínterim, para preencher o vazio, terceira vigília da noite (12h às 3h da
criado por sua ausência física, os discí madrugada). Jesus predisse, então, que a
pulos foram concitados a amarem uns lealdade de Pedro não duraria até a
aos outros, como ele os amara (cf. 13:1). manhã seguinte! Não há razão para se
' Este mandamento era novo e transfor- ^ duvidar das boas intenções de Pedro; só
mava o amor na realidade ética central / que eram inadequadas para a provação
da vida e o definia a partir do exemplo j que Jesus enfrentava. O dramático con
' histórico de Jesus. O israelita era con traste, nas duas partes desta passagem,
vidado, pelo Yelho Testamento, a amar o entre o “Eu vos amei” de Jesus e o “Por ti
seu próximo como a si mesmo (Lev. darei a minha vida” de Pedro realça a
19:18), enquanto p discípulo devia se verdade de que o discipulado não pode se
igualar àquele que amara seu próximo basear no como damos a vida por ele,
mais do que a si mesmo (cf. 15:13). mas no como dá ele sua vida por nós.
Obviamente, um amor baseado na
revelação única, concedida em Jesus, não 2) A Discussão com Tomé (14:1-7)
precisa de mais nada; mesmo limitado 1 N ão se tu r b e o vosso c o ra ç ã o ; c re d e s
aos discípulos,„.este amor era visto como e m D eu s, c re d e ta m b é m e m m im . 2 N a c a s a
um testemunho a todos os homens. d e m e u P a i h á m u lta s m o r a d a s ; s e n ã o fo sse
Como Jésus estava de partida, seus se a ss im , eu vo-lo te r ia d ito ; vou p re p a ra r-v o s
lu g a r. 3 E , se e u fo r e vos p r e p a r a r lu g a r,
guidores não precisavam mais ser identi v irei o u tra vez, e vos to m a re i p a r a m im
ficados pela proximidade da presença m esm o , p a r a q u e onde e u e s tiv e r e s te ja is
física dele, mas pela sua perpetuação da vós ta m b é m . 4 E p a r a onde eu vou vós
forma de amor dele na vida de uma con h eceis o c a m in h o . 5 D isse-lh e T o m é ; S e
comunidade visível . n h o r, n ã o sa b e m o s p a r a onde v a i s ; e com o
p o d em o s s a b e r o c a m in h o ? 6 R espondeu-
A prova de que a moralidade cristã lh e J e s u s : E u sou o ca m in h o , e a v e rd a d e e a
deve se fundamentar no exemplo de v id a ; n in g u ém v e m a o P a i, se n ã o p o r m im .
Jesus, e não nos impulsos interiores ou 7 Se vós m e c o n h e c ê sse is a m im , ta m b é m
mesmo nas sinceras convicções dos dis c o n h eceríeis a m e u P a i ; e j á d e sd e a g o r a o
co n h eceis, e o te n d e s v isto .
cípulos, foi logo propiciada por Simão
Pedro. Mesmo depois de Jesus ter decla Havia muitos motivos para os corações
rado explicitamente que eles não iriam dos discípulos estarem turbados: um
deles traíra Jesus (13:10,11,18,21); outro agora aprender que o “corpo” de Cristo
o negaria três vezes (13:38); mais pertur- (2:21) — isto é, a Igreja — era como um
badoramente ainda, Jesus estava indo santuário, onde se~põaiã encontrar., ao
para onde ninguém poderia segui-lo mesmo tempo, ã~IrêâÍTda3e de Deus e
(13:33,36). Como um antídoto para o' "um luga^de descanso Dara o peregrino.
..................... r ^ ^
fdesespero, Jesus os convidou para cre- UmaÇsegunda linha]de comparação é
(rem em Deus e nele mesmo. Pela fé, seu sugerida pelo relato dos Sinópticos, de
| mundo, que parecia tão vazio sem ele, se como Jesus, no dia anterior, enviou dois
í tomaria, em vez de uma casa mal-assom- de seus discípulos adiante, para “prepa
Jbrada, um lar espiritual, com muitas rarem” um “ aposento” especial, onde
moradas, que incluíam um lugar prepa pudessem comer a Páscoa (Mar. 14:
rad o para eles quando da “partida” (isto 12-16). Eles não sabiam o caminho, mas
|é, morte e ressurreição) de Jesus. _J seguiram um homem, que os levou a
/ A Versão do Rei Tiago (KJV), nesta “um grande cenáculo” , onde tudo estava
passagem, traduz moradas como “man “preparado” . Este acontecimento pode
sões” . Este termo foi tomado por Tyn- ter sido utilizado como uma analogia, em
dale diretamente do latim mansiones, que o relacionamento dos discípulos com
que significa, como o grego monai, Jesus, depois de sua partida, se asseme
“residência, morada, habitação, acam lharia à íntima comunhão que experi
pamento de descanso ou estância” . A mentaram então com ele num lugar pre
ênfase n&-R&lavra original estava num parado de uma casa com muitos apo
lugar de permanência e não na espeta- sentos.
cularidade do local. 34 Tem sido uma tradição interpretar os
Duas possíveis circunstâncias devem versos 1-3 como uma promessa de que,
ter levado Jesus a descrever süãi futuras na sua morte ou em seu segundo ad
relações com os discípulos como de uma vento, Cristo viria outra vez e tomaria os
vida em comum numa casa de muitas crentes para estarem com ele nos céus.
moradas.(Primeiro^estas palavras foram Especialmente na tradução King James
proferidas próximas à sombra do Tem (KJV), que usa “ mansões” , a passagem
plo, geralmente chamado de casa do Pai tem oferecido grande conforto e espe
(cí; 2:16). Fora do santuário (grego, rança como um texto funeral favorito.
naos) propriamente dito havia muitos Uma série de considerações sugere, no
abrigos, onde os cansados peregrinos entanto, que esta passagem deve referir-
podiam descansar. Jesus pode ter-se se basicamente, a uma vinda do Cristo
aludido a esta situação familiar quando ressuscitado ao crente durante esta- vida
ensinou que prepararia um lugar (grego, terrena, para fortalecer e reanimar seu
topos, um termo comum para o Templo, atribulado coração:
como em 11:48), isto é, por sua morte e (1) A preocupação central dos discí
ressurreição, glg-se tornaria o verdadeiro pulos no contexto maior não é saber
templo espintuaH i n ^ l T r e i ^ ê n d k v ^ aonde irão após a morte, mas se ficarão
universo com a presença de Deus (4:2T- sozinhos na terra depois da partida de
'24T"cf. Is. 66:1)7íSo deixando sequer um Jesus para o Pai (13:33,36,37). (2) A
canto vazio e nenhum aposento deso resposta de Jesus é que os discípulos não
cupado.- Isto devia ser relevante para os seriam abandonados, mas que ele e o Pai
judeus depois do ano 70 A.D., quando viriam habitar com eles na presença do
foram obrigados a deixar Jerusalém com Paracleto (14:16,17,18,21,23,28). (3) A
seu Templo físico destruído; eles podiam palavra-chave moradas (grego, monai),
no verso 2, encontra-se novamente em o
34 Para detalhes sobre o significado e a interpretação Novo Testamento apenas no verso 23,
de monai nesta passagem, ver Smith, p. 118-122. onde é traduzida por “lar” . E lá a
referência é a forma como os crentes único caminho pelo qual se pode ir ao
devem aprender a viver “em casa” , neste Pai. Apesar de os discípulos não terem
mundo, depois da encarnação, porque o alcançado seu destino final, podiam estar
Cristo exaltado e seu Pai virão outra vez, certos de que Deus esperava por eles ao
para habitar com eles numa comunhão fim de sua peregrinação. Segunda, co
espiritual. nhecer Jesus significava conhecer o Pai
Se esta é a direção principal do texto, também, inseparáveis que eram (cf.
seu ensino serve não para enfraquecer, 10:30). Num certo sentido, o fim fora
mas para fortalecer a esperança cristã antecipado do início, quando Deus per
pelos céus. Nossas experiências com Cris mitiu ser visto na vida terrena de seu
to, durante a peregrinação terrena, ofe Filho.
recem evidências de que ele venceu a
morte, o que nos garante que nele 3) A Discussão com Filipe (14:8-14)
podemos um dia fazer o mesmo. João 14 8 D isse-lh e F ilip e : S en h o r, m o stra -n o s o
'promete não apenas que um dia iremos P a i, e isso n o s b a s ta . 9 R esp o n d eu -lh e J e
para o céu (para o que, vejam-se pas su s : H á ta n to te m p o q u e e sto u convosco,
e a in d a n ã o m e co n h e c es, F ilip e ? Q uem m e
sagens como 17:24), mas que Jesus iá v lu a m im , viu o P a i ; co m o d izes tu : M o stra-
trouxe o céu para nós. Talvez o melhorJ nos o P a i? 10 N ão c rê s tu q u e e u e sto u n o
^comentário sõErêõnde eu estiver estejais P a i, e q u e o P a i e s tá e m m im ? A s p a la v r a s
vós também venha da Grande Comissão: que e u v o s dig o , n ã o a s d ig o p o r m im m e s
m o ; m a s o P a i, q u e p e rm a n e c e e m m im , é
“E eis que estarei convosco todos os dias q u e m fa z a s s u a s o b ra s . 11 C red e-m e q u e e u
até a consumação dos séculos” (Mat. esto u n o P a i, e q u e o P a i e s tá e m m im ;
28:20). c re d e a o m e n o s p o r c a u s a d a s m e s m a s
Até este ponto, o destino da cami o b ra s. 12 E m v e rd a d e , e m v e rd a d e vos d ig o :
nhada de Jesus não pudera ser identifi A quele q u e c rê e m m im , e sse ta m b é m f a r á
a s o b ra s q u e e u fa ç o , e a s f a r á m a io re s do
cado (13:33,36; 14:2,3). Agora, porém, que e s ta s ; p o rq u e e u v o u p a r a o P a i ;
ele disse aos discípulos que eles sabiam 13 e tu d o q u a n to p e d ird e s e m m e u n o m e ,
o caminho para onde ia, isto é, eles e u o fa r e i, p a r a q u e o P a i s e ja g lo rific ad o no
conheciam a estrada, mas não para onde F ilho. 14 Se m e p e d ird e s a lg u m a c o isa e m
ela levava. De imediato, Tomé objetou m e u n o m e, eu a fa re i.
que um conhecimento do destino era Apesar das explicações oferecidas por
necessário para que se conhecesse o Jesus, nos versos 1 a 7, os discípulos con
caminho. A isto, Jesus replicou que ele tinuaram confusos. Jesus se apresentava
mesmo era o caminho verdadeiro e vivo. como “o caminho” , embora seu itinerá
e isto era tudo quanto necessitavam rio conduzisse diretamente a uma cruz;
saber. Em outras palavras, eles começa como “a verdade” , embora não conse
ram a seguir na direção certa (13:36) guisse convencer nenhum dos líderes
antes de verem o destino final. Bem ao religiosos a adotar sua causa; como “a
contrário dos apocalípticos ou dos gnós- vida” , etnbora fosse morrer em menos de
ticos, o crente não precisava de algum 24 horas!
conhecimento esotérico especial do além Filipe serviu de porta-voz ao desejo dos
para seguir agora no caminho da salva discípulos, por uma evidência menos
ção. Embora, como os outros, deva viver ambígua no que crer (cf. v. 8): Senhor,
num mundo de pecado e trevas, não há mostra-nos o Pai, e isto nos basta.
razão para ele duvidar da realidade de Novamente Jesus explicou que a fé cristã
um mundo melhor, só por não ter sido não descansa sobre epifanias espeta
ainda alcançado. —• culares, como as anunciadas por outras
Duas razões são apresentadas aos dis religiões, pois Deus não viera em deslum
cípulos, sobre a suficiência de seguir-se a brante esplendor, mas em carne huma
Jesus como o caminho. Primeira, ele é o na: Quem me viu a mim, viu o Pai (cf.
I João 1:1). Isto não quer dizer que o (v. 13). Uma vez que chegara sua obra de
Deus eterno se limitou à breve vida redenção ao fim, exaltado que foi ao Pai,
terrena de Jesus, mas que escolheu estar ele faria pelos seus tudo o que estes
presente aqui de modo singular. pedissem em seu nome, isto é, coerente
Tão completa era a mútua habitação com sua natureza revelada por sua vida
do Pai e do Filho que as palavras e obras terrena (cf. 16:23,24). Tudo que Jesus fez
de Jesus eram também as palavras e na carne tinha glorificado o Pai (cf. 13:
obras de Deus. Filipe encontraria a 31,32). Agora podia ajudar os seguidores
^ resposta a seu pedido crendo no que a continuarem esta missão através do
Jesus disse: Eu estou no Pai, e o Pai... poder da oração respondida.
está em mim. Se esta última afirmação
parecia difícil de aceitar, ele devia come 4) A Discussão com ludas (14:15-24)
çar a crer nele por causa das obras, que 13 Se m e a m a r d e s , g u a rd a r e is os m e u s
até mesmo os judèus reconheceram que m a n d a m e n to s . 16 E e u ro g a r e i a o P a i, e ele
“ninguém pode fazer... se Deus não vos d a r á o u tro C o n so lad o r, p a r a q u e fiq u e
convosco p a r a s e m p re , 17 a s a b e r , o E s p í
estiver com ele” (3:2). Na verdade a fé rito d a v e rd a d e , o q u a l o m u n d o n ã o pode
fundada em milagres não é tão madura re c e b e r ; p o rq u e n ão o v ê n e m o co n h e c e ;
quanto a fé pessoal, sendo melhor crer de m a s vós o co n h eceis, p o rq u e e le h a b ita c o n
forma superficial do que não crer de vosco, e e s t a r á e m vós. 18 N ão vos d e ix a re i
modo algum (cf. a respeito 2:23-25; ó rfão s; v o lta re i p a r a v ó s. 19 A in d a u m p o u
co, e o m u n d o n ã o m e v e r á m a is ; m a s vós
5:36). Pelo menos, as obras eram sinais, m e v e re is , p o rq u e e u v iv o , e vós v iv e re is.
que apontavam para realidades maiores 20 N aq u ele d ia c o n h e c e re is q u e e sto u e m
do que eles. Embora seja melhor ter a m e u P a i, e v ó s e m m im , e eu e m vós.
realidade do que o sinal, é também 21 A quele q u e te m os m e u s m a n d a m e n to s e
os g u a rd a , e ss e é o q u e m e a m a ; e a q u e le
melhor ter o sinal do que estar perdido! que m e a m a s e r á a m a d o de m e u P a i, e eu
Se os discípulos, na verdade, cressem o a m a r e i, e m e m a n ife s ta re i a ele. 22 P e r
em Jesus, em vez de ficarem presos às gu ntou-lhe J u d a s (n ão Is c a r io te s ) : O q u e
suas declarações, fariam também as h ouve, S en h o r, q u e te h á s d e m a n ife s ta r a
obras que ele fez. De fato, como sua nós, e n ã o a o m u n d o ? 23 R esp o n d eu -lh e J e
su s : Se a lg u é m m e a m a r , g u a r d a r á a m in h a
partida para o Pai, pela morte e ressur p a la v r a ; e m e u P a i o a m a r á , e v ire m o s a
reição, anunciava uma era de plenitude, ele, e fa re m o s n e le m o ra d a . 24 Q uem n ã o m e
nessa nova era os discípulos deveriam a m a , n ã o g u a rd a a s m in h a s p a la v r a s ; o ra , a
realizar obras maiores do que estas. p a la v r a q u e e s ta is ouvindo n ã o é m in h a ,
m a s do P a i q u e m e enviou.
Como as obras visavam produzir fé, esta
promessa cumpriu-se de modo trans- As grandes promessas dos versos 12 a
bordante pela missão cristã aos gentios, 14 não foram feitas incondicionalmente.
que resultou em mais crentes do que os Se me amardes (cf. v. 21) controla todo o
obtidos por Jesus na terra. Se os leitores contexto em que Cristo oferece auxílio
deste Evangelho se desencorajassem àquele que guarda os seus mandamentos
por terem visto a partida do Jesus ter (cf. 13:34). Não somente deviam orar
reno, sem verem seu retomo em glória, a ele (v. 13 e 14), mas ele mesmo rogaria
deviam compreender que a expansão do ao Pai, que daria aos discípulos outro
movimento cristão, com a conversão dos Consolador (grego, Paraklêtos). No limi
homens, era uma obra mais poderosa do tado período em que com eles estivera,
que algum desfecho espetacular na his Jesus fora sua fonte de força, mas agora
tória que excluísse essa possibilidade teriam um confortador, defensor e ins
para sempre. trutor, que estaria com eles para sempre.
Diante da perfeita unidade de Deus e Na verdade, o mundo não podia receber
Jesus (v. 9-11), este era um objeto não só o Paracleto, porque não o vê nem o
de fé (v. 12), mas também de oração conhece, mas isto não representava qual
quer problema, já que o próprio Jesus no coração humano que os discípulos
não fora melhor tratado. Ele também prepararam pelo amor.
não fora recebido (1:11;3:11,32;5:43; Nesta passagem, temos, uma das res
12:48) por um mundo que “não o conhe postas mais profundas do Novo Testa
cia” (1:10,26;8:14,19) e não viu o Pai mento à protelação da Parousia. Ántes
operando em sua vida (6:36). Mesmo os do fim dos tempos, Cristo já viera à
discípulos acharam difícil conhecer e ver Igreja no ínterim posterior à sua ressur
Jesus corretamente (v. 8 e 9), mas eles reição. Sua presença não era algum
conheciam o Paracleto verdadeiramente, substituto inferior para o esplendor apo
porque ele habita (permanece) convosco, calíptico sonhado pelos discípulos. Ao
e estará em vós. contrário, aprenderam, aqui, que, até
Do mesmo modo que anunciou a vinda que fosse visto na glória celestial (17:24),
de outro Consolador, Jesus garantiu aos Cristo poderia ser visto, na terra, nos
discípulos: Voltarei a vós (como no v. 3). atos de amor daqueles homens que guar
Isto significa que o Paracleto não seria dam sua palavra, do mesmo modo como
uma presença diferente da de Jesus, e, vivia também pelo amor na obediência à
sim, a mesma realidade que eles tinham palavra do seu Pai (14:31). Era tão
conhecido durante a vida encarnada difícil, para a igreja apostólica quanto é
dele. Seus “filhinhos” (13:33) não fica para nós, compreender que o amor é
riam órfãos (grego, orphanos) ou deso uma verdadeira realidade maior e que
lados, quando, daí a pouco, desapare quando os homens amam uns aos outros,
cesse na morte, porque naquele novo dia, revelam o poder maior, que transformará
posterior à sua ressurreição, conhece o universo.
riam o que fizera para viver novamente
no Pai. Mas eles viveriam também, por 5) Síntese: O Legado de Jesus (14:25-31)
causa de uma residência mútua, de três
formas, que agora incluía os discípulos 25 E s ta s c o isa s vos te n h o fa la d o , e sta n d o
a in d a convosco. 26 M as o C on so lad o r, o E s
na espécie de relacionamento que Jesus p irito S an to a q u e m o P a i e n v ia r á e m m e u
compartilhara com o Pai durante seus nom e, e ss e vos e n s in a rá to d a s a s c o isa s, e
dias na terra (cf. I Cor. 3:23). vos f a r á le m b r a r d e tu d o q u a n to e u vos
Nesta seção, os discípulos expressaram ten h o dito. 27 D eixo-vos a p a z , a m in h a p a z
vos d o u ; eu n ã o v o -la d o u com o o m u n d o a
repetidamente seus desejos por uma reve d á . N ão se tu rb e o v o sso c o ra ç ã o , n e m se
lação clara destas realidades escatoló- a te m o riz e . 28 O u v istes q u e e u vos d is s e :
gicas, a que a vida de Jesus estava Vou, e v o lta re i a vós. Se m e a m á s s e is ,
conduzindo (cf. as perguntas em 13:36 a le g ra r-v o s-íe is de q u e e u v á p a r a o P a i;
e 14:5,8). Jesus agora tomava claro que p o rq u e o P a i é m a io r do q u e e u . 29 E u vo-lo
d isse a g o ra , a n te s q u e a c o n te ç a , p a r a q u e,
ele se manifestaria não através de eventos q u an d o a c o n te c e r, vós c re ia is . 30 J á n ão
cataclísmicos, mas na realidade do amor fa la re i m u ito convosco, p o rq u e v e m o p r ín
recíproco. Pensando ainda em termos de cipe d e ste m u n d o , e e le n a d a te m e m m im ;
uma epifania cósmica, Judas (não o 31 m a s , a s s im com o o P a i m e o rd en o u ,
a s s im m e s m o fa ç o , p a r a q u e o m u n d o s a ib a
Iscariotes) indagou como uma manifes que e u a m o o P a i. L e v a n ta i-v o s, vam o -n o s
tação assim portentosa não seria perce d aq u i.
bida pelo mundo. Em tomo da promessa
nos versos 2 e 3, Jesus respondeu que ele Ao esta seção, que contém o discurso
e seu Pai viriam em amcfr para, aquele de despedida, chegar ao fim, Jesus é
que o amasse e guardasse a sua palavra apresentado como um homem que satis
(13:34). Note-se que no verso 3 o crente faz uma vontade enquanto está com os
é recebido numa morada preparada por seus queridos. Primeiro, promete que o
Cristo na casa de seu Pai, ao passo que Pai, que o enviara, também enviaria o
aqui Cristo e o Pai ocupam uma morada Paracleto em seu nome (cf. v. 16 e 17) —
isto é, como seu representante, sob sua mostram que Jesus ainda não estava para
autoridade, com seu espírito. Assim, em partir literalmente, sua declaração deve
bora seus seguidores precisassem ajus ter concitado os discípulos a uma prepa
tar-se e uma forma não-física de sua ração interior, que prolepticamente an
presença, não necessitavam transferir tecipava a provação que logo enfrenta
suas lealdades a um novo líder, pois o riam no jardim.
Paracleto os levaria a lembrar de tudo
3. A Responsabilidade dos Discípulos
quanto Jesus lhes tinha dito (cf. a res (15:1-16:33)
peito 16:12-15). Sob a tutela do Espí
rito Santo, a Igreja experimentaria a Descrevia Jesus, agora, em 15:1-16:33,
liberdade de crescer em sua compreensão a natureza do discipulado durante a era
de Jesus, sem abandonar a verdade subseqüente à sua partida e volta. As
revelada unicamente por sua vida. O muitas referências entre os capítulos 13
Quarto Evangelho é uma bela ilustração e 14 e 15 e 16 sugerem que estes dois
do cumprimento desta promessa, já que conjuntos devem ter servido originaria
reflete a fusão criativa entre a memória mente como formas alternativas de um
histórica e a visão espiritual. discurso de despedida, embora, nesta
Outro legado de Jesus, de grande forma, os últimos capítulos claramente
valor, foi a paz que deixava com eles. Seu pressupõem os primeiros (capítulos 13 e
equilíbrio, em meio aos eventos turbu 14), sobre os quais elaboram. Apesar da
lentos da paixão, talvez seja o quadro ruptura abrupta e, 14:31, o material de
mais memorável deste registro (cf. João 13 a 16 permanece uma seqüência
16:33). O mundo ansiava pela paz de teológica convincente, tornando inúteis
Roma (Pax Romana), mas Jesus não quaisquer arranjos até agora propostos
legava uma trégua inquieta, obtida com para garantir sua ordem.
poder e mantida pelo medo. Antes, sua O tema central em 15:1 a 16:33 é a
paz tranqüilizava e assegurava, aos cora Igreia no mundo após a partida e voltajde
ções turbados, que partia de uma morte seu Fundador. Esta nova situagã^ é ^ t a
de amor obediente, mas que voltava na a partir de duas perspectivasíjrimeira) a
vitória de sua ressurreição. Longe de se vida interior dacom unidade cnstã é
atemorizarem, deviam se alegrar por sua descrita em comunhão com o Senhor
ida para o Pai, pois o Pai, fonte última de ressuscitado_e o Paracleto (15:1-17;16:
tudo quanto fizera por eles, é maior do 12-15) ...Segunda^ com a ajúda de sua
que Jesus. presença divina residente, os discípulos
O tempo da conversa chegara ao fim, são apresentados num conflito vitorioso
pelo que Jesus volveu suas atenções para contra o mundo hostil (15:18-16:11).
o príncipe deste mundo, que vinha para Depois de enorme monólogo, o mais
desafiá-lo. Ele nada (isto é, nenhum longo do Evangelho, a seção termina com
poder) tem em si, pois os acontecimentos um diálogo dramático (16:16-33), que
logo mostrariam um Jesus completa recapitula o argumento de todo o discur
mente desamparado. Ele, porém, sabia so de despedida dos capítulos 13 a 16.
que, se fizesse o que o Pai lhe ordenara, Uma preocupação maior em 15:1-
o mundo conheceria uma espécie de 16:33 é provar o que é um discípulo
amor para com o Pai que o mal nunca verdadeiro (15:8). De jn o d o ^ ^ itiv o , o
poderia vencer. Fixando-se neste supre cristianismo autêntico e demonstrado
mo conflito, Jesus, em palavras que pelo amor uns aos outros (15:9,10,12,
recordam o Getsêmane, levou os discí 13,17) e, negátivámei^e. em suportar o
pulos a compartilharem de sua disposi ódio do m u n ^fÍ5 ^T 5 ^0 ; 16:2,3). Ade
ção: Levantai-vos, vamo-nos daqui (cf. mais, alguém é cortado (15:2) e lançado
Mar. 14:41,42). Como os capítulos 15 a 17 fora (15:6) a partir de dentro ou então
afastado devido às pressões de fora o q u e e u vos m a n d o . 15 J á n ã o vos c h a m o
(16:1). Esta ênfase sempre presente suge serv o s, p o rq u e o se rv o n ã o sa b e o q u e fa z o
seu se n h o r; m a s ch a m e i-v o s a m ig o s, p o rq u e
re que esta seção era de particular tudo q u a n to ouvi de m e u P a i vos d ei a c o
relevância para a espécie de igreja des n h e ce r. 16 Vós n ã o m e e sc o lh e ste s a m im ,
crita em I João, que estava sendo tes m a s eu vos esco lh i a vós, e vos d esig n ei,
tada (2:26;4:1) pelas mesmas forças p a r a que v a d e s e d eis fru to , e o vosso fru to
demoníacas enfrentadas por Jesus na p e rm a n e ç a , a fim d e q u e tu d o q u a n to p e d ir
d es ao P a i e m m e u n o m e, e le vo-lo c o n ce d a.
cruz (2:18;4:3). A partir deste escrito r7 Isto v o s m a n d o : que vos a m e is u n s a o s
análogo, I João, sabemos que havia outros.
aqueles que não amavam os irmãos (2:9,
11:3:10,15:4:8,20). mas amavam o mun No Velho Testamento, usava-se muito
do, em seu lugar (2:15;4:5). Alguns até o termo “videira” como uma designa
“tropeçaram” (2:10) e “saíram” da co ção para Israel (Is. 5:1; Jer. 2:21a; Os.
munidade (2:19), para andarem nas 10:l;Ez. 15:l-5;19:10,ll;Sal. 80:8-11).
trevas (1:6;2:11), culpados de pecado Desse modo, ao se apresentar como a
mortal (5:16). Alguém tem visto, nas videira verdadeira, Jesus se apresentava
relinhas desta epístola joanina, a luta como constituindo ^ v erd ad eiro Israel.
Ê Igreja (efésia?) para ser fiel ao legado
cenáculo. ___
Como seu Pai se assemelhava ao viti
cultor. o uso da autodesignação divma7
Eu sou (egõ eimi), sugeria, de modo
1) Os Frutos da Permanência em Amor claro, sua identidade e sua subordina^
(15:1-17) ção ao Deus de Israel. O propósito fun- 1
1 E u so u a v id e ira v e rd a d e ira , e m e u P a i damental da analogia da vara da videira
é o v itic u lto r. %T od a v a r a e m m im q u e n ão era descrever um relacionamento per-
d á fru to , ele a c o r ta ; e to d a v a r a q u e d á manente entre Cristo e o crente, seme
fru to e le a lim p a , p a r a q u e d ê m a is fru to .
3 Vós j á e s ta is lim p o s p e la p a la v r a q u e vos lhante ao firmado entre Israel e T ahveh,
tenho fa la d o . 4 P e rm a n e c e i e m m im , e eu para que desse muito fruto (cf. Is. 5:2;
p e rm a n e c e re i e m v ó s; com o a v a r a d e si Os. 10:1). ____
m e s m a n ã o pode d a r fru to , se n ã o p e rm a n e O aviso de que toda vara em mim (isto
c e r n a v id e ira , a s s im ta m b é m vós, se n ão
p e rm a n e c e rd e s e m m im . 5 E u sou a v id e ir a ;
é, qualquer discípulo) que não dá fruto
vós sois a s v a r a s . Q uem p e rm a n e c e e m será cortada e lançada fora para ser
m im e e u n e le , e s s e d á m u ito fr u to ; p o rq u e queimada no fogo é um a reminiscência
se m m im n a d a po d eis fa z e r. 6 Q uem n ão do Velho Testamento, em que todas as
p e rm a n e c e e m m im , é la n ç a d o fo ra , com o principais passagens sobre videiras
a v a ra , e s e c a ; ta is v a r a s são re c o lh id a s,
la n ç a d a s no fogo e q u e im a d a s. 7 Se vós p e r acabam numa nota de juízo dessa natu
m a n e c e rd e s e m m im , e a s m in h a s p a la v a s reza (cf. Is. 5:5-7; Jer. 2:21b; Os. 10:2;
p e rm a n e c e ra m e m vós, p e d i o q u e q u is e r Ez. 15:6-8; 19:12-14; Sal. 80:12-16). Re
des, e vos s e r á feito . 8 N isto é g lo rificad o lembra também a rejeição, por parte
m eu P a i, q ue d eis m u ito fru to ; e a s s im
se re is m e u s d iscíp u lo s. 9 C om o o P a i m e
de Jesus, da figueira, por ostentar folha-
am o u , a s s im ta m b é m e u vos a m e i; p e r m a gem lem ’fruto (Mar. 11:12-14; cf. Mat.
n ecei no m e u a m o r . 10 Se g u a rd a r d e s os 21:18-22; Luc. 13:6-9). Alude, ainda
m eu s m a n d a m e n to s , p e rm a n e c e re is no m e u mais diretamente, à separação daqueles
a m o r; do m e s m o m odo q u e eu ten h o g u a r que bebiam indignamente do “frutcTSa
dado os m a n d a m e n to s de m e u P a i, e p e r
m an eç o no se u a m o r. 11 E s ta s c o isa s vos videira” (cf. Didaquê, 9:2) e também à
tenho dito, p a r a q ue o m e u gozo p e rm a n e ç a Ceia do Senhor (Mar. 14:18,19) e às
e m v ó s, e vosso gozo s e ja co m p leto . refeições eucarísticas da igreja primitiva
12 O m e u m a n d a m e n to é e s te : Que vos (I Cor. 11:27-32)7 Nò contexto histórico
a m e is u n s a o s o u tro s, a s s im com o e u vos
a m e i. 13 N in g u ém te m m a io r a m o r do que
deste Evangelho, a referência deve se
e ste, d e d a r a lg u é m a s u a v id a pelo s seu s dirigir basicamente à Judas (cf. 13:2,
a m ig o s. 14 Vós sois m e u s a m ig o s se fiz e rd e s 18,21-30 e compare, especialmente,
13:10,11 com 15:3), enquanto, para os lado, eles não tinham escolhido um ao
leitores futuros, deve identificar aqueles outro (isto é, o crente não é livre para
que tinham deixado a igreja porque “não escolher seus próprios amigos espiri
eram dos nossos.” (com oT~Jõlo27l9)7 tuais), mas foram escolhidos por Jesus.
O desenvolvimento do conceito de Por outro, deviam ir e dar fruto, conquis
“permanência” , para descrever o rela tando outros, e este novo fruto devia
cionamento entre a videira e suas varas permanecer (isto é, a permanência mú
(meno, permanecer, é usado 10 vezes nos tua do discípulo e do Senhor devia ser
v. 4-10), esclarece, de modo significativo, levada a todos que fossem conquistados
do misticismo cristão. Note-se as seguin através do amor, que, segundo o manda
tes características especiais: (1) Em vez mento que receberam, deviam nutrir uns
de ser absorcionista, à identidade dos pelos outros). A Igreja deveria ser exclu
dois é preservada — “permanecei em siva, em sua lealdade a Cristo, e não
mim e eu ... em vós”. (2) O conteúdo do exclusivista, no alcance de outros.
relacionamento não é o êxtase, mas o
amor — permanecei em mim significa 2) Os Odiados do Mundo (15:18-16:4a)
permanecei no meu amor. (3) Esta liga- 18 Se o m u n d o vos o d eia , s a b e i q u e , p r i
ção entre as duas partes não é um fim m e iro do q u e a vôs, m e odiou a m im . 19 Se
em si mesmo, pois seu propósito é dar fô sseis do m u n d o , o m u n d o a m a r ia o q u e e r a
s e u ; m a s p o rq u e n ã o so is do m u n d o , a n te s
fruto (karpos, fruto, aparece seis vezes eu vos esco lh i do m u n d o , p o r isso é q u e o
nos versos 2-8, duàs vezes mais no verso m u n d o vos o d e ia. 20 L e m b ra i-v o s d a p a la
16; cf. Mat. 3:8-10;7:16-20; Rom. 7:4; v r a q u e e u vos d is s e : N ão é o se rv o m a io r do
Gál. 5:22). (4) O elo entre Cristo e o| que o se u se n h o r. Se a m im m e p e rs e g u i
1 crente não é mantido pela imediatez de! ra m , ta m b é m vos p e rs e g u irã o a v ó s; se
g u a rd a r a m a m in h a p a la v r a , g u a rd a r ã o
| uma experiência emocional, mas pela ta m b é m a v o ssa . 21 M a s tu d o isto vos fa rã o
;! permanência de suas palavras, conce- p o r c a u s a do m e u n o m e, p o rq u e n ão c o n h e
didas na história e mediadas através da c e m a q u e le q u e m e enviou. 22 Se eu n ão
tvida de uma comunidade humana. (5) v ie ra e n ão lh e s f a la r a , n ã o te r ia m p e c a d o ;
«Finalmente, todo o relacionamento per a g o ra , p o ré m , n ã o tê m d e sc u lp a do se u p e
cado. 23 A quele q u e m e o d eia a m im , o d e ia
manece sob juízo (v. 6) e graça (v. 3), ta m b é m a m e u P a i. 24 Se eu e n tre e le s n ão
equilibrando, assim, responsabilidade e tiv esse feito ta is o b ra s , q u a is n e n h u m o u tro
privilégio (v. 7). De um lado, há manda- ? fez, n ã o te r ia m p e c a d o ; m a s a g o ra , n ão
mentos a guardar, e, de outro, gozo, que J so m en te v ir a m , m a s ta m b é m o d ia ra m ta n to
V v\
a m im com o a m e u P a i. 25 M a s isto é p a r a
pode ser completo (cf. 16:24;17:13). que se c u m p r a a p a la v r a q u e e s tá e s c r ita
O único mandaniento que tinha sua n a su a le i: O d ia ra m -m e se m c a u sa .
fonte e seu modelo em Jesus, era que 26 Q uando v ie r o C onsolador, que eu vos
amassem uns aos outros como ele os e n v ia re i d a p a r te do P a i, o E sp irito d a v e r
amara (cf. 13:34). Este amor se asseme d a d e , q u e do P a i p ro c e d e , e sse d a r á te s te
m u n h o d e m im ; 27 e ta m b é m vós d a re is
lha àquele demonstrado por alguém que, te ste m u n h o , p o rq u e e s ta is com igo d e sd e o
em auto-sacrifício. voluntariamente deu p rin cíp io .
a sua vida pelos seus amigos (cf. 10:11, 1 T enho-vos dito e s ta s c o isas p a r a q u e n ão
15,17,18). Em 13:16, Jesus se refere aos vos e sc a n d a liz e is. 2 E x p u lsa r-v o s-ã o d a s s i
n a g o g a s; a in d a m a is, v e m a h o ra e m q u e
discípulos como servos e, como geral q u a lq u e r q u e vos m a t a r ju lg a r á p r e s ta r u m
mente acontece com tais pessoas, eles serv iço a D eu s. 3 E isto vos fa rã o , p o rq u e
não sabiam o que faz o seu senhor (cf. n ão c o n h e c e ra m a o P a i n e m a m im . 4 M as
13:36;14:5,8,22). Agora, no entanto, tenho-vos d ito e s ta s c o isa s, a fim de que,
fez-lhes conhecer tudo o que ouvira do Pai q u an d o c h e g a r a q u e la h o ra , vos le m b re is de
que eu v o -las tin h a dito.
(cf. 13:19;14:4,6,7,9,10) e os chamou de
amigos. Nada há de exclusivo, no en- j Por todo o discurso de despedida o
,r tanto, neste círculo de amigos. Por um f objetivo básico era definir o modo como
os discípulos, após a partida de Jesus, sofreriam o mesmo destino do ódio e da
deviam reproduzir, em sua vida comuni perseguição, porque o mundo amava
tária, e então ampliar, através da histó apenas o que era seu, isto é, aqueles que
ria, estas realidades centrais da vida eram do mundo (cf. 17:14-18). Tão
terrena de seu Senhor. Depois de reunir contundente era este antagonismo, que
seus seguidores no círculo de amor que eles necessitavam guardar-se para não se
compartilhava com o Pai (15:1-7), Jesus escandalizarem (cf. 15:6). Como o con
agora os convida a entrar na arena da firmaram os acontecimentos seguintes,
luta que travariam com o mundo. Ironi foram expulsos das sinagogas (cf. 9:22,
camente, receberiam o privilégio de se 34;12:42; At. 14:l-6;17:l-15;18:4-7; 19:
identificarem com Jesus não somente por 8,9; sobre a Ãsia Menor, veja Apoc.
darem muito fruto, mas também por 2:9;3:9) e mesmo mortos por aqueles que
terem que enfrentar muita perseguição pensavam estar prestando um serviço a
(esta deve ter sido antecipada pela refe Deus (cf. At. 9:1,2;22:19;26:9-11; Gál.
rência à podadura, em 15:2). 1:13,14; Fil. 3:6). Tal como o crente
O tipo de perseguição para que os experimenta um relacionamento de amor
discípulos estavam sendo preparados tríplice e recíproco envolvendo o Pai, o
primeiro ocorreu no ministério de Jesus. Filho e os que crêem (15:9,10,12), ele
Como enviado pelo Deus a quem o também compartilha, com estes três, da
mundo não conhecia, ele viera não para reação do ódio por parte do mundo
falar aos homens desejosos de ouvir, nem (15:18,19,23,24).
para ser um porta-voz da tradição reli Diante de perspectivas tão sombrias,
giosa vigente e nem mesmo para chamar Jesus identificou três fundamentos de
a atenção para si mesmo, mas para esperança para os discípulos. Primeiro,
assentar a totalidade do direito divino fez um paralelo entre seu ministério e o
sobre a humanidade. Significa isto que dos discípulos não só com referência à
ele foi rejeitado como um intruso, a perseguição, mas também à aceitação:
quem o mundo odiou e depois perseguiu. se guardaram a minha palavra, guar
Tamanha hostilidade não poderia, darão também a vossa. Apesar da opo
porém, ser descartada como um equívoco sição coletiva, Jesus conseguira recrutar
qualquer, pois Jesus lhes falara clara um remanescente, coisa que eles tam
mente acerca da vontade de Deus e fizera bém poderiam fazer. Ademais, não se
obras, quais nenhum outro fez (ex.: riam surpreendidos pelo ataque do mal.
9:32). Embora não conhecesse de fato a Quando chegasse a hora do conflito, eles
Jesus, o mundo sabia o suficiente para se lembrariam de que Jesus isto já lhes
não terem desculpa do seu pecado (isto antecipara (cf. 13:19; 14:29). Um homem
é, há um nível de compreensão que pode prevenido vale por dois! Por fim, do
deixar um homem responsável, embora mesmo modo como Jesus fora enviado
não se comprometa). Com efeito, a pelo Pai, para vir e falar ao mundo
obstinada rebeldia encontrada por Jesus (15:21,22), ele agora lhes enviaria, da
veio daqueles que viram o bastante para parte do Pai, o Consolador ou Espírito da
crer, mas preferiram odiar tanto a ele verdade, que, quando viesse, daria tes
quanto a seu Pai, como diz uma frase das temunho de Jesus. Neste contexto de
Escrituras, sem causa (cf.^ Sal. 35:19; perseguição, o Paracleto funcionaria,
69:4). fundamentalmente, como um defensor
A exemplo do seu Senhor, os discípu não dos discípulos, mas de Jesus, susten
los não eram do mundo, porque Jesus os tando, assim, a obra dessas testemunhas,
escolhera do mundo (cf. v. 16). Como que falavam não de si mesmas, mas da
proclamassem a mesma mensagem quele com quem estavam desde o princí
(palavra) que seu senhor (cf. 13:16), eles pio (cf. At. 1:21,22).
3) A Ajuda do Espírito Santo (16:4b-15) Anteriormente, o Espírito fora apresen
N ão vo-las d is se d e sd e o p rin c íp io , p o rq u e tado como um defensor ou testemunha,
e s ta v a convosco. 5 A g o ra, p o ré m , vou p a r a ao tempo em que Jesus continuava “em
aq u ele q u e m e en v io u ; e n e n h u m d e v ó s m e julgamento” e os discípulos dele teste
p e rg u n ta : P a r a onde v a is ? 6 A n tes, p o rq u e
vos d isse isto , o vosso c o ra ç ã o se e n ch e u de munhavam aos outros. Agora, entre
tris te z a . 7 T o d a v ia , digo-vos a v e rd a d e con- tanto, inverte-se a situação, e o Conso
vém -vos q ue eu v á ; p ois, se e u n ão fo r, o lador é visto como um promotor ou juiz,
C onsolador n ã o v ir á a v ó s; m a s , se e u fo r, cujo papel se define por um verbo grego
vo-lo e n v ia re i. 8 E , q u a n d o ele v ie r, c o n v e n
simples (elegchõ), de sentidos múltiplos.
c e rá o m u n d o do p e c a d o , d a ju s tiç a e do
juízo; 9 do p ecad o , p o rq u e n ã o c rê e m e m A noção básica de “convencer” pode
m im ; 10 d a ju s tiç a , p o rq u e vou p a r a m e u conotar: (1) “iluminar” , no sentido de
P a i, e n ã o m e v e re is m a is , 11 e do juízo, trazer à luz; (2) “convencer” , no sentido
p o rq u e o p rín c ip e d e ste m u n d o j á e s tá ju l de levar à uma convicção; (3) “refutar” ,
gado. 12 A inda ten h o m u ito q u e vos d iz e r;
m a s v ó s n ã o o p o d eis s u p o r ta r a g o ra .
no sentido de corrigir ou confundir (cf. a
13 Q uando v ie r, p o ré m , a q u e le , o E s p írito d a paráfrase da BLH). A conseqüência geral
v e rd a d e , e le vos g u ia r á a to d a a v e rd a d e ; é que o paracleto provaria o erro do
p o rq u e n ã o f a la r á p o r si m e sm o , m a s d ir á mundo em ter rejeitado Jesus e os seus
o que tiv e r ouvido, e vos a n u n c ia rá a s c o isa s
v in d o u ras. 14 E le m e g lo rific a rá , p o rq u e
seguidores.
re c e b e r á do qu e é m e u , e vo-lo a n u n c ia rá . Três tarefas específicas ilustram o
IS T udo q u a n to o P a i te m é m e u ; p o r isso eu escopo deste ministério de repreensão.
vos d isse q ue e le, re c e b e n d o do q u e é m e u , (1) O Espírito desmascararia o pecado
vo-lo a n u n c ia rá . do mundo, ao afirmar que isto viera de
A efêmera referência ao Paracleto, sua recusa em crer em Jesus. (2) Ele ainda
em 15:26, agora evolui para uma expo corrigiria a equivocada idéia de que a
sição maior de seu papel no período justiça não fora vista na cruz, pelo fato
depois que Jesus tivesse ido. Esta expla de Jesus ter retornado para seu Pai, não
nação não se fizera necessária desde o mais sendo visto na terra. (3) Por fim, ele
princípio do relacionamento de Jesus esclareceria que o juízo não devia mais
com seus discípulos (cf. 15:27), pois nes ser visto como um evento meramente
sa época o ministério do Espírito era cósmico, mas como um processo histó
inseparável da presença física de Jesus rico presente, porque já, ao tentar des
com eles. Tão satisfeitos estavam os truir Jesus, o príncipe deste mundo fora
discípulos com esta tangível relação, que julgado, numa espécie de antecipação do
nenhum deles perguntara para onde fim dos tempos (cf. 14:30). Através da
ele ia. Este desinteresse para com seu pregação (no grego geralmente chamada
destino final — que tem paralelos com de paraklesis) da Igreja, o Paracleto
uma preocupação contemporânea com confrontava o mundo com a necessidade
o “Jesus histórico” — teve, como conse de uma mudança drástica no modo de
qüência, uma compreensão inadequada ver o pecado, a justiça e o juízo como
de sua pessoa e obra, deixando-os mal conseqüências da vinda de Jesus.
preparados para enfrentarem sua partida Além deste ministério externo ao
por meio da cruz. Eles tinham com mundo (v. 8-11), o Consolador teria
preendido a conveniência de sua ascen também um ministério interno à Igreja
são, mas, mesmo assim, a tristeza enchia (v. 12-15). Enquanto os discípulos luta
seu coração. vam para ajustar a imutável mensagem
Em contraposição à idéia de que seri de Cristo para tempos de mudança, ele
am abandonados, para servir a um os guiaria a toda a verdade. A preocupa
Senhor ausente, Jesus novamente pro ção maior não devia ser envolver-se num
meteu enviar o Paracleto (cf. 15:26), conjunto de fatos eternos, que podem ser
para tomar o lugar dele em suas vidas. substituídos a qualquer hora, mas num
relacionamento com o Espírito da ver g uns dos se u s d iscíp u lo s p e rg u n ta ra m uns
dade, que conduz à peregrinação de p a r a os o u tro s: Q ue é Isto q u e n o s diz? U m
pouco, e n ã o m e v e re is ; e o u tr a v ez u m p o u
descoberta (cf. 14:4-7). Como toda a co, e v e r-m e -e is: e : P o rq u a n to v o u p a r a
verdade acerca de Deus reside num o P a i? 18 D iz iam , p o is: Q ue q u e r d iz e r is to :
direito transcendente sobre o homem, é U m p o u co ? N ão co m p ree n d em o s o q u e ele
algo em que não se deve apenas crer, mas e s tá dizen d o. 19 P e rc e b e u J e s u s q u e o q u e
também testemunhar (isto é, agindo ria m in te rro g a r, e d isse -lh e s: In d a g a is e n
tr e v ó s a c e r c a d isto q u e d is s e : U m pouco,
responsavelmente no presente). Jesus, e n ão m e v e re is ; e o u tr a v ez u m pouco, e
com sua profunda intuição para a per v er-m e-eis? 20 E m v e rd a d e , e m v e rd a d e vos
cepção da verdade, entendeu que, du digo q u e vós c h o ra re is e v o s la m e n ta r e is ,
rante seu breve ministério, os discípulos m a s o m u n d o se a le g r a r á ; vós e s ta r e is t r i s
te s , p o ré m a v o ss a tr is te z a se c o n v e rte rá e m
não tinham alcançado a inteireza do a le g ria . 2 1 A m u lh e r, q u a n d o e s tá p a r a d a r à
comprometimento necessário à instaura luz, se n te tr is te z a p o rq u e é c h e g a d a a s u a
ção completa das coisas que, havia mui h o ra ; m a s , d ep o is d e te r d a d o à luz a c r ia n
to, estava a lhes dizei. Estava, porém, ç a . J á n ã o s e le m b r a d a afliç ã o , p elo gozo d e
h a v e r u m h o m e m n a sc id o a o m u n d o . 22 A s
confiante de que estas sementes de ver sim ta m b é m v ó s a g o ra , n a v e rd a d e , te n d e s
dade, que permaneciam latentes em suas tris te z a ; m a s e u v o s to r n a re i a v e r, e ale-
palavras, seriam colhidas um dia, depois g ra r-se -á o v o sso c o ra ç ã o , e a v o ss a a le g r ia
de cultivadas, pela comunidade, sob a n in g u é m vo-la ti r a r á . 23 N aq u e le d ia n a d a
orientação do Espírito. m e p e rg u n ta re is . E m v e rd a d e , e m v e rd a d e
vos digo q u e tu d o q u a n to p e d ird e s a o P a i,
Esta concepção da verdade escatoló- e le vo-lo c o n c e d e rá e m m e u n o m e . 24 A té
gicà (isto é, de uma verdade que tem a g o ra n a d a p e d is te s e m m e u n o m e ; p e d i, e
futuro) se fundamentava num cuidadoso re c e b e re is, p a r a q u e o v o sso gozo s e ja c o m
equilíbrio entre continuidade e mudan pleto.
ça. De um lado, não havia um dogma
rigidamente estabelecido, a partir do Através de João 13 a 16, Jesus deixou
passado, pois a tarefa do Paracleto era esplêndidas garantias, aos discípulos,
preparar o povo de Deus para enfrentar para que pudessem fruir da alegria
as novas coisas, que certamente sobre transbordante (cf. 15:11;16:24;17:13).
viriam, ao longo da caminhada. Por Uma promessa ainda não efetuada, no
outro lado, ele anunciaria uma palavra entanto, era a da ausência de conflito.
relevante, baseada não em si mesmo, De fato, simultaneamente ao terno
mas numa atualização daquilo que Jesus conforto, vinham avisos severos, acerca
já revelara, acerca do Pai. O Espírito não da perseguição inevitável. A coexistência
seria a fonte de novos caprichos que destes temas, aparentemente contradi
impusesse à Igreja a tirania do tempo tórios, na mesma seção, cria o paradoxo
rário; antes, ele é a fonte que capacita a da alegria com misto de tristeza, expli
Igreja à compreensão e ao encorajamento cada nos versos 16-24.
para aplicar estas verdades que recebera. De início, os dois lados do paradoxo
A maioria de nós possui uma verdade são resumidos numa fórmula simétrica
maior (exemplo, na Bíblia) do que é (v. 16,17,19): (1) Um pouco, e já não me
capaz de testemunhar. Precisamos de um vereis refere-se à partida de Jesus através
guia hábil (cf. At. 8:31), que nos possa do escuro túnel da tragédia (exemplo:
ajudar a levar a cabo as profundas im 13:33), enquanto (2) um pouco, e ver-
plicações do evangelho, que tanto dese me-eis se refere ao triunfante retorno do
jamos compreender e colocar em prática. Senhor ressurreto em seu Espírito de vida
(exemplo: 14:19). O uso da mesma ex
4) O Paradoxo do Discipulado (16:16-24) pressão, um pouco, nas duas frases, visa
16 U m pouco, e j á n ã o m e v e re is ; e o u tra aumentar o paradoxo pela justaposição
vez u m pouco, e v er-m e-e ls. 17 E n tã o a l de duas convicções. De um lado, o futuro
cie Jesus na carne estava totalmente sem e m m e u n o m e, e n ã o v o s digo q u e e u r o g a
defesa e vulnerável ao desastre; antes re i p o r vós a o P a i; 27 p o is o P a i m e sm o vos
a m a ; v isto q u e vós m e a m a s te s e c re s te s
mesmo de os discípulos o compreende que e u s a í de D eu s. 28 S aí do P a i, e v im ao
rem, sua vida seria apagada. De outro m u n d o ; o u tra v ez d eixo o m u n d o , e vou
lado, nos calcanhares de uma tragédia p a r a o P a i. 29 D is s e ra m os se u s d iscíp u lo s:
visível, viria um triunfo completo. E is q u e a g o ra fa la s a b e rta m e n te , e n ão p o r
Este uso tão profundo da expressão fig u ra a lg u m a . 30 A g o ra c o n h ecem o s que
sa b e s to d a s a s c o isa s, e n ão n e c e s s ita s de
“um pouco mais” é uma reminiscência que a lg u é m te in te rro g u e . P o r isso c re m o s
da provação do exílio judeu no Velho que s a ís te d e D eu s. 31 R esp o n d eu -lh es J e
Testamento (Is. 26:16-21), das predições su s : C re d e s a g o ra ? 32 E is q u e v e m a h o ra , e
dos “ três dias” , por parte de Jesus, nos j á é c h e g a d a , e m q u e vós se re is d isp e rso s
c a d a u m p a r a o se u lad o , e m e d e ix a re is
Sinópticos (Mat. 12:40; Mar. 8:31;14:58; só; m a s n ã o e sto u só, p o rq u e o P a i e s tá
cf. João 2:19) e do dilema da Igreja com igo. 33 T enho-vos d ito e s ta s c o isa s, p a r a
martirizada e ansiosa pelo juízo de Deus que e m m im te n h a is p a z . No m u n d o te r e is
(Apoc. 6:9-11). Como tal, isto reflete trib u la ç õ e s; m a s te n d e b o m â n im o , e u v e n c i
uma tensão central da dinâmica bíblica o m undo.
da esperança. Até este ponto de seus esforços, para
Diante das dificuldades dos discípulos instruir os discípulos, Jesus ensinara por
em compreender este resumo conciso, figuras (cf. 16:29), como, por exemplo,
que comprimia o destino do Senhor num no discurso simbólico, sobre a videira e
paradoxo singular, Jesus ilustrou suas as varas (15:1-11), e na analogia da
implicações, ao comparar sua situação à mulher em trabalho de perto (16:21)!
de uma mulher, quando está para dar à Entretanto, na nova era, a ser inaugura
luz (cf. Is. 66:7-9). Assim como uma da pela ressurreição, ele poderia lhes
mulher grávida sente tristeza (isto é, falar abertamente acerca do Pai. A
sofrimento físico) quando sua hora de diferença não estava numa mudança em
libertação é chegada, e não mais se Deus, como se ele tivesse se escondido
lembra dessa breve aflição quando se deliberadamente no passado. Deus não
enche do gozo de ter dado à luz a precisava de qualquer lembrete, por
criança, os discípulos sentiriam tristeza parte de Jesus, para se revelar (v. 26b),
no pesadelo da hora do mal, porém seus pois sempre amara os discípulos e envia
corações se alegrariam “um pouco mais” ra seu Filho para que pudessem conhecê-
adiante, quando ele retomasse e os lo melhor. Mais do que isso, a mudança
tomasse a ver. Naquele dia (v. 23), aconteceria na vida dos discípulos quan
quando Deus transformasse sua tris do o Espírito da interpretação os capa
teza... em alegria (v. 20), ninguém seria citasse a compreender que Deus se reve
capaz de a tirar (v. 22). Do mesmo modo lara através do ministério de Jesus (como
como uma mulher não deseja questionar tão bem resumido no v. 28).
o sofrimento do processo do nascimento, Todavia, os discípulos, ansiosos de
uma vez que a chegada de seu bebê mais para esperar “um pouco mais” por
tomou tudo absolutamente aceitável, os esta nova era de percepção, concluíram,
discípulos nada perguntariam a Jesus equivocadamente, que a hora tinha che
quando tudo aquilo que tinham esperado gado quando Jesus lhes falaria aberta
de Deus se tornasse palpável. mente. Já que prematuramente afirma
vam saber o suficiente, para não terem
5) A Fé em Conflito (16:25-33) o que perguntar, Jesus desafiou, esta
excessiva confiança, com uma notável
25 D isse-vos e s ta s c o isa s p o r fig u ra s ; c h e
g a, p o ré m , a h o ra e m q u e vos n ão fa la re i avaliação de sua realidade presente. Em
m a is p o r fig u ra s , m a s a b e rta m e n te vos f a vez de ter chegado a hora de crerem
la re i a c e r c a do P a i. 26 N aq u ele d ia p e d ire is todas as coisas, chegara, sim, a hora de
serem dispersos cada um para seu lado. tulada melhor de “Oração dos Discí
Esta resposta realista, a uma enfatuada pulos” — evidencia a profundidade de
confissão, era uma estratégia caracte nossa miséria humana, uma vez que esta
rística de Jesus (cf. 6:68-70; 13:38), a oração abre uma janela para as altitudes
qual demonstrava que a Igreja tirava de sua suficiência divina. Está aqui a
sua existência não da coragem de seus base histórica para os mais profundos
privilegiados membros, mas do seu fun ensinos sobre a oração, no Novo Testa
dador. mento: Cristo vive sempre para inter
Os discípulos foram reprovados por ceder pelos seus (cf. Luc. 22:31,32; Rom.
suporem que se poderia alcançar a com 8:26,27; Heb. 7:25). A última coisa para
preensão necessária à fé sem primeiro os discípulos aprenderem, antes de ser
experimentar a cruz e a ressurreição (cf. enfrentada a cruz (capítulos 18 e 19), era
Mar. 9:31-33). O Evangelho de João é, que os terrores desta seriam vencidos
geralmente, caracterizado por sua ênfase (16:33) não porque eles tivessem orado
sobre a “escatologia realizada” ; aqui, por Jesus, mas porque ele orara por eles!
porém, como no capítulo 16, vemos o A perspectiva temporal incomum,
contrário. A viagem não chegara ao seu indicada pelos tempos verbais, dá uma
fim. Aquilo que Jesus colocara “um chave interessante para a natureza da
pouco mais” no futuro, os discípulos oração. No início do “livro da paixão” , a
tentaram realizar prematuramente no hora da glorificação, na cruz, que ante
presente (observe-se a palavra-chave riormente estava no futuro (2:4;7:30;
“agora” , nos versos 29 e 31). Eles preci 8:20), agora muda para o presente (12:
savam compreender que não tinham 23,27,31; 13:1,31;16:32). Aqui, no en
alcançado sua meta, embora Jesus tives tanto, a partida do mundo é vista como
se! Como o Pai estava com ele, ele — e só já acontecida no passado (v. 4,11,12a,
ele — venceu o mundo. Como conse 13a, 24). Como podia Jesus afirmar que
qüência de sua conquista, seriam eles completara sua obra e ascendera ao Pai,
encorajados (isto é, ter bom ânimo) em se não tinha passado ainda pela cruz? A
meio ao conflito, que prosseguia. O resposta é que, através da oração, ele se
equilíbrio dos discípulos não era decor projetava no futuro e mesmo no reino
rente de uma conquista própria (cf. celestial (cf. Luc. 9:28-31). Aos discí
14:4,5), mas de sua paz e da oração, que pulos, então, foi permitido um lampejo
agora oferecia em seu favor (17:1-26). do relacionamento eterno que existia
entre Jesus e seu Pai. Temos, aqui, numa
4. A Oração de Consagração (17:1-26) expressão típica do misticismo joanino,
João 17 tem sido aclamado como a algo equivalente à convicção sinóptica
passagem espiritual mais sublime do de que oração é algo escatológico — isto
Quarto Evangelho. A ilustração no capí é, algo que nos capacita a experimentar
tulo 13 e as instruções nos capítulos 14 “na terra” coisas que estão “no céu”
a 16 chegam ao clímax e à transfigura (Mat. 6:10). A oração oferece elementos
ção na intercessão do capítulo 17. Só seguros para a aceitação das derrotas
Jesus poderia fazer tal oração, combi temporárias por “um pouco mais” (16:
nando uma submissão completa a Deus e 16), já que vimos o fim desde o início.
uma soberania completa sobre o homem. A estrutura da oração se organiza em
Com todo o mundo proclamando o seu três partes, destinadas a indicar as priori
fracasso e com a morte às portas, Jesus dades teológicas pretendidas. Diferente
mostrou-se plenamente confiante de que mente da Oração do Senhor, que nos
fizera exatamente o que deveria fazer. manda orar por nós mesmos, Jesus aqui
A assim chamada Oração do Senhor orou primeiro por si mesmo (v. 1-5), por
(Mat. 6:9-13) — que poderia ser inti já ter vencido o mundo (16:33), glori
ficando, assim, o Pai, em tudo o que fez. isto é, Jesus era um espelho perfeito da I
A autoconsagração de Jesus era crucial, ''majestade divina, a refletir o resplendor }
porque tudo que segue na oração de de Deus, em vez de chamar a atençãoJ
pende desta obra concluída. A seguir, sobre si mesmo. Em(segundo luga5 Jesus
Jesus voltou a orar pelos seus discípulos daria vida eterna àqueles que Deus lhe
(v. 6-19), e não pelo mundo incrédulo, dera; isto é, Jesus não pediu qualquer
porque sua (dos discípulos) obra era crédito, para seus convertidos, indepen
necessária, como elo de mediação das dentemente da operação de Deus em
testemunhas vivas. Finalmente, Jesus suas vidas. Alguns homens oram por
orou pela unidade de todos aqueles que aquilo que pensam poder conseguir de
cressem nele (v. 20-26), para que o Deus; Jesus orou por aquilo que devolvia
mundo pudesse conhecer o amor, a rea a Deus, numa vida de serviço obediente.
lidade mais profunda da Trindade. A A menção à vida eterna, no verso 2,
cuidadosa seqüência da oração sugere levou o evangelista a uma pausa e a
que o Cristo glorificado é a única espe inserir, parenteticamente, no verso J,
rança de novos convertidos e que a uma descrição desta realidade central em
comunhão em amor de todos os crentes é termos de “conhecer” o único Deus ver
a única esperança de um mundo incré dadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviara.
dulo. 35 Aqui está uma das indicações mais cla
ras, no Novo Testamento, de que a fé e o
1) Jesus Ora por Si Mesmo (17:1-5) conhecimento podem sef eqüivalentes,
em vez de serem antitéticos. Conhecer
1 D epois d e a s s im f a la r , J e s u s , le v a n ta n
do os olhos a o c éu , d is s e : P a i, é c h e g a d a
a Deus, no sentido joanino, e ter um
a h o ra ; g lo rific a a te u F ilh o , p a r a que t a m compromisso existencial com ele como
b é m o F ilh o te g lo rifiq u e ; 2 a s s im com o lh e um sujeito vivo, em vez de aceitar cèrtos
d este a u to rid a d e so b re to d a a c a rn e , p a r a fatos a seu respeito como um objeto de
que dê a v id a e te r n a a to d o s a q u e le s q u e lh es contemplação. Ademais, este relaciona-
te n s d a d o . 3 G a v id a e te r n a é e s t a : que te
co n h eçam a ti, o ú nico D eu s v e rd a d e iro , mento pessoal com Deus se tornara
a J e s u s C risto , a q u e le q u e tu e n v ia s te . numa realidade presente (cf. 14:7b),
4 E u te g lo rifiq u ei n a t e r r a , c o m p le ta n d o a enquanto, no Velho Testamento, os pro
o b ra q u e m e d e ste p a r a fa z e r. 5 A g o ra, pois, fetas falam do conhecimento direto de
g lo rifica-m e tu , ó P a i, ju n to d e ti m e sm o ,
com a q u e la g ló ria que e u tin h a co n tig o a n te s
Deus como esperança futura (Os. 6:3;
que o m u n d o e x istisse . Jer. 9:3,6,24;31:34). Agora, a consciên
cia do homem sobre o único Deus verda
Ao contrário do pecador que “nem deiro era inseparável de um conheci
ainda queria levantar os* olhos ao céu” mento dAquele a quem enviara. Note-se
(Luc. 18:13), Jesus levantou os olhos que o monoteísmo clássico não foi com.-—
aos céus, na sublime certeza de que Deus prometido por uma afirmação do papel
lhe dera autoridade sobre toda a carne único desempenhado por Jesus Cristo na
(isto é, a humanidade). Agora que a história da revelação divina.
hora final de seu destino tinha chegado, Uma razão por que Jesus era digno de
a unidade completa do humano e do ficar ao lado de Deus como instrumento
divino seria vista de duas maneiras. de conhecimento. salvífico era que ele
Primeiramente, o Pai glorificaria o Filho, glorificava o Pai na terrãTEm lugar de se
e o Filho por sua vez, glorificaria o Pai; apresentar como um segundo Deus,
Jesus fez apenas a obra que lhe fora dada
35 Quanto a uma tentativa de esboçar o lugar histórico fazer (cf. 4:34;5:17), servindo, assim,
de João 17 na vida da igreja primitiva, veja Ernst Kae- sua vida, para apontar para Aquele que o
semann, The Testament of Jesus, traduzido para o
inglês por Gerhard Krödel (Philadelphia: Fortress, enviara. Sem o menor laivo de vaidade,
1968). recordou ele, agora, uma tarefa reali-
zada, alcançando um ponto de pleni corpo de auxiliares durante os dias em
tude espiritual que mesmo os maiores que sua glória eterna esteve por algum
santos não ousam afirmar terem alcan tempo apagada (v. 6-8). Um pouco
çado (cf. Fil. 3:12-14). O arrojo maior dê antes, as multidões, aos milhares, o
sua oração é visto, porém, em seu desin assediavam (6:10; 11:48; 12:19). Agora,
Í teresse em se dar por satisfeito com uma
peregrinação terrena que alcançara sua-
porém, muitos destes não mais estavam
ao seu lado, na hora do julgamento final
meta. A fim de ampliar o significado de (cf. 6:66; 12:42; 13:21). Apesar de se res
seu ministério histórico, Jesus orou, sentir destes amargos resultados, Jesus se
agora, para que sua glória pudesse nova regozijou com os poucos que ficaram,
mente tomar-se cósmica, como fora como uma manifestação da generosi
quando preexistia com Deus, antes que o dade divina (cf. 3:27). Deus primeiro
mondo existisse 1,2; Fil. 2:6,11). Na lhes deu Jesus (v. 6a,c) e este, por sua vez,
ascensão^a obra de redenção que estava lhes deu tudo quanto Deus lhe dera
encerrada no tempo e no espaço, torna (cf. 3:35;5:21,22). Não há como explicar
va-se válida para todos os tempos e uma comunidade eclesial, a não ser como
espaços. uma corporificação da graça, porque
2) Jesus Ora por Seus Discípulos (17: nela os homens se reúnem não por se
sentirem atraídos uns aos outros, mas
6-19)
porque são concitados por uma palavra
6 M a n ife ste i o te u n o m e a o s h o m e n s que
do m u n d o m e d e ste . E r a m te u s , e tu m o s
que sua imaginação não poderia criar.
d e ste ; e g u a r d a r a m a tu a p a la v r a . 7 A g o ra Isto não significa, entretanto, que não
sa b e m q u e tu d o q u a n to m e d e ste p ro v é m de houvesse algo que os discípulos pudes
ti; 8 p o rq u e e u lh e s d ei a s p a la v r a s q u e m e sem fazer como resposta. Mesmo porque
d e ste , e e le s a s re c e b e r a m , e v e rd a d e ira uma dádiva deve ser guardada, para ser
m e n te c o n h e c e ra m q ue s a í d e ti, e c r e r a m
que tu m e e n v ia s te . 9 E u ro g o p o r e l e s ; n ão efetiva. No caso do “ dom inefável” de
rogo p elo m u n d o , m a s p o r a q u e le s q u e m e Deus (II Cor. 9:15), esta resposta envolve
te n s d ad o , p o rq u e sã o te u s ; 10 to d a s a s três atitudes (v. 8): (1) abertura para
m in h a s c o isa s sã o tu a s , e a s tu a s c o isa s são receber as palavras que Deus dera a Jesus
m in h a s ; e n e la s so u g lo rific ad o . 11 E u n ã o
esto u m a is no m u n d o ; m a s e le s e s tã o no
para falar na história; (2) compreensão
m undo, e e u vou p a r a ti. P a i sa n to , g u a rd a - para conhecerem “verdadeiramente”
o s no te u n o m e, o q u a l m e d e ste , p a r a que (cf. v. 7) que Deus era a fonte de sua vida;
e les s e ja m u m , a s s im com o nós. 12 E n q u a n (3) compromisso com a missão para que
to e u e s ta v a co m e le s J e u os g u a rd a v a no te u Deus o enviara. Veja-se, novamente,
n o m e q ue m e d e s t e ; e o s c o n se rv e i, e n e
n h u m d e le s se p e rd e u , se n ã o o filho d a p e r como no verso 3, o papel central do
d ição , p a r a q u e se c u m p riss e a E s c r itu r a . conhecimento como o fundamento da fé
13 M as a g o ra vou p a r a ti ; e is to falo no duradoura.
m undo, p a r a q u e e le s te n h a m a m in h a a le Agora que Jesus nio estava mais no
g ria c o m p le ta e m si m e s m o s. 14 E u lh e s d ei
a tu a p a la v r a ; e o m u n d o o s odiou, p o rq u e
mundo, os discípulos necessitavam da
n ão sã o do m u n d o , a s s im com o e u n ão sou mesma proteção do Pai que o Mestre lhes
do m u n d o . 15 N ão ro g o q u e os ti r e s do m u n concedera na terra (v. 9-12). Só desta
do, m a s q ue o s g u a rd e s do M alig n o . 16 E le s forma eles seriam um e não se deixariam
n ão sã o do m u n d o , a s s im com o e u n ã o sou dividir pelos seus inimigos. A base de sua
do m u n d o . 17 S a n tific a -os n a v e rd a d e ; a tu a
p a la v r a é a v e rd a d e . 18 A ssim com o tu m e
segurança espiritual não era organiza
e n v ia s te a o m iin d o , ta m b é m e u os e n v ie i ao cional, pois Jesus os guardara no nome
m undo. 19 E p o r e le s e u m e san tific o , p a r a que Deus lhe dera (isto é, o vínculo entre
q ue ta m b é m e le s s e ja m sa n tific a d o s n a v e r os discípulos era a revelação comparti
d ad e. lhada da natureza de Deus). A necessi
Volvendo-se para os discípulos, Jesus dade de unidade não era apenas que
agora dedica atenção especial ao seu pudessem fortalecer-se uns aos outros,
mas fundamentalmente que pudessem como Jesus não era do mundo. Isto não
construir uma imagem tangível do modo significava, no entanto, que Deus os
como Jesus e Deus são um (cf. v. 10). Isto tiraria do mundo, mas, antes, que seriam
de fato explica por que Jesus estava enviados ao mundo, como Jesus fora
orando pelos discípulos, e não pelo mun enviado ao mundo (cf. 20:21). Á tensão,
do; isto aconteceu não porque não hou criada por esta dupla ênfase, visa manter
vesse esperança para o mundo (cf. v. 20), um equilíbrio entre separação e pene
mas porque a unidade dos crentes é o elo tração, pelas quais a Igreja cumpre sua
necessário entre Deus e o mundo (cf. vocação para a santidade e para missões.
13:34). Se um grupo sem vínculos co Esta dialética — não do ... mas ao —
muns, de raça ou nacionalidade, podia se que distinguiria a vida da Igreja no
unir num tempo quando o mundo se mundo, caracterizava aqueles que ti
dividia em campos de batalha, este nham sido “santificados” ou “consa
mesmo grupo forneceria provas tangíveis grados” (o mesmo verbo grego, hagiazõ,
do poder reconciliador de Deus. é usado em ambos os termos). Esta
Jesus estava tão preocupado em livrar separação não era um exercício de auto-
seu rebanho da fragmentação (cf. 10: ajuda, mas o resultado da palavra puri
11-16) que nenhum deles se perdeu, ficadora (cf. 15:3) que Jesus lhes dera de
senão Judas, o filho da perdição. Esta si mesmo, para que pudesse conhecer
defecção, entretanto, só fez destacar um a verdade (cf. 8:31,32). Jesus não so
triste fato, já referido na Escritura, mente desenvolveu esta revelação divina,
demonstrando que há aqueles que, sem como a obedeceu pessoalmente, outor
motivo, se rebelam (cf. 13:38). Em II gando aos seus seguidores um exemplo
Tessalonicenses 2:3,4, o “filho da per inolvidável do que significa para um
dição” representa o último adversário homem o consagrar-se. No Velho Testa
que antecede à Parousia, ao contraditar mento, era comum ver-se o sistema
Deus em nome do próprio Deus. Judas, sacrificial e tudo a ele associado como
então, antecedendo a glória da cruz com santificado, mas Jesus aqui centralizou
uma covarde traição dAquele a Quem tudo num povo santo, sem referir-se a
seguira, encarnou esta “apostasia reali tempos ou lugares santos. Como acon
zada” , característica dos anticristos, que tecera com Jesus, os discípulos se torna
sempre se levantam na última hora (I ram o verdadeiro templo da permanência
João 2:18). de Deus, onde quer que ampliassem seu
Quebrar a solidariedade do grupo de corpo através do mundo (cf. 2:19-21).
discípulos compromete tanto a sua sepa
ração do mundo como seu testemunho a 3) Jesus Ora Pelos Futuros Crentes (17:
este mundo, pois a unidade revolucio 20-26)
nária da Igreja, num mundo fragmen
20 E ro g o n ã o so m e n te p o r e s te s , m a s
tado, é a melhor prova de que, aquilo ta m b é m p o r a q u e le s q u e p e la s u a p a la v r a
que Cristo fez por ele, era de Deus e não h ão d e c r e r e m m im ; 21 p a r a q u e todos
de algum homem. Neste sentido, opor-se se ja m u m ; a s s im com o tu , ó P a i, é s e m
ou mesmo enfraquecer a unidade da m im , e e u e m ti, q u e ta m b é m e le s s e ja m
u m e m n ó s; p a r a q u e o m u n d o c r e ia q u e
Igreja é fazer papel de Judas! tu m e e n v ia s te . 22 E e u lh e s d e i a g ló ria que
O verdadeiro relacionamento da Igreja a m im m e d e ste , p a r a q u e s e ja m u m , com o
com o mundo é cuidadosamente demons nós so m o s u m ; 23 eu n e le s, e tu e m m im ,
trado nos versos 14 a 19, num paralelo p a r a q u e e le s s e ja m p e rfe ito s e m u n id a d e ,
com o já referido relacionamento de a fim d e q u e o m u n d o co n h e ç a q u e tu m e
e n v ia ste , e q u e os a m a s te a e le s, a s s im
Jesus com o mundo. Dois pontos tomam com o m e a m a s te a m im . 24 P a i, d esejo que
a forma de um paradoxo. Para começar, onde eu e sto u , e s te ja m co m ig o ta m b é m
a Igreja não deveria ser do mundo, assim a q u e le s q u e m e te n s d a d o , p a r a v e re m a
m in h a g ló ria , a q u a l m e d e s te ; p o is q u e m e podem se unir em torno de um flame
a m a s te a n te s d a fu n d a ç ã o do m u n d o . 25 P a i jante sentido de missão. Jesus protegeu a
ju sto , o m u n d o n ã o te co n h eceu , m a s e u te
conheço; e e s te s c o n h e c e ra m q u e tu m e unidade da missão da Igreja contra a
e n v ia s te ; 26 e e u lh e s fiz c o n h e c e r o te u corrupção, ao orar também para que
n om e, e lho fa r e i c o n h e c e r a in d a ; p a r a q u e o amor com que Deus o amara estivesse
h a ja n e le s a q u e le a m o r co m q u e m e a m a s te , neles, como nele estivera. Outra vez,
e ta m b é m e u n e le s e s te ja .
nada menos o próprio fundamento que
mantém unida a Trindade era tornada a
A decisão de Jesus de enviar seus
base para a unidade da Igreja. Num
discípulos ao mundo, apesar de seu ódio sentido teológico, o verdadeiro ecume
e de seu mal, refletia uma preocupação nismo descansa sobre um fundamento
universal, cujo clímax tem lugar agora trinitariano. Não há razão para esperar
na oração (v. 20-23). Enquanto seus que uma comunidade humana sobre a
seguidores dessem ao mundo, teste terra possa ser múltipla e una, a menos
munho da verdade que lhes dera, o que se aceite que ontologicamente a
elemento final de sua certeza seria a comunidade divina, nos céus, seja múl
compreensão de que todo aquele que tipla e unida.
viesse a crer... pela palavra já fora alvo A razão maior para a Igreja se tornar
da oração de Jesus. O propósito desta perfeita em unidade é que o mundo
oração era que a expansão da Igreja não
conheça a verdadeira natureza de Deus
ameaçasse sua unidade. A base desta como una (isto é, possa compreender que
unidade foi novamente definida como o monoteismo não é um princípio filosó
uma fé compartilhada na unidade de fico ou ético, mas uma determinação
Deus e Cristo como enviante e enviado. A comunitária com o fim de amar). Quan
partir do momento em que a comuni
do a natureza de Deus é verdadeiramente
dade cristã refletisse, em sua vida corpo compreendida, sua glória pode ser vista.
rativa, a mesma espécie de harmonia Esta manifestação é mostrada aqui em
espiritual que existiu entre Jesus e o Pai, três estágios: (1) Deus deu sua glória ao
o mundo compreenderia que Jesus não só Jesus histórico (cf. 1:14), isto é, a uni
ensinou os homens sobre o modo da
dade do Pai e do Filho se revelara na
cooperação mútua, .como lhe trouxe a encarnação. (2) Jesus, por sua vez, deu
unidade da própria Trindade. Jesus não esta mesma glória a seus discípulos, para
pôs em risco o monoteismo de Deus, pois que pudessem demonstrar, na vida de
o Pai estava nele e ele estava no Pai de uma comunidade crescente e plural,
modo tão completo, que eram um em aquelas realidades que o uniam perfei
propósito e espírito. Como Jesus tivesse tamente a Deus. (3) Mas Jesus sabia que
compartilhado este relacionamento com esta unidade jamais seria completa na
seus seguidores, ao enviá-los, como fora
terra (cf. v. 12), pelo que orou para que
enviado, eles haveriam de experimentar a aqueles que lhe fossem dados como
unidade na diversidade e seriam perfeitos crentes (cf. v. 6) estivessem com ele nos
em unidade, em seu sentido de missão céus, para verem a sua glória eterna, e
ao mundo. assim compartilharem da harmonia
Nos versos 20 a 23, a unidade da Igreja maior da comunidade celestial. A uni
é descrita em termos de missão (enviar), dade da igreja não é apenas um impera
enquanto nos versos 24 a 26 é tratada em tivo evangelístico, já que o mundo deve
termos de motivo (amor). Embora um conhecer o significado de Cristo; é tam
propósito comum ajude a manter a Igreja bém uma esperança escatológica, que crê
unida, isto nunca é o suficiente, pois que a unidade daquilo que nós testemu
mesmo os mais despóticos dos movi nhamos na terra antecipa melhor a vida
mentos (como, por exemplo, o nazismo) do mundo além.
seguiu calma e confiantemente o plano
II. Jesus Morre por Seus divino. As sugestões de vitória, anteci
Discípulos (18:1-19:42) padas nos capítulos 13 a 17, agora se
Seguindo-se a seção mais original do tomam realidade. A crucificação não foi
Quarto Evangelho (capítulos 13-17), a a perturbação de uma vítima desespe
narrativa da paixão nos capítulos 18 e rada. Foi, antes, a “suspensão” ou exal
19 aproxima-se, grandemente, mais do tação de um vencedor triunfante. Sua
que qualquer outra passagem, do trata morte não foi vista, pelo evangelista,
mento dado nos Sinópticos. Nos dois como um prelúdio para a ascensão, mas
casos, temos a descrição do aprisiona como uma parte integral dela. Pois Jesus
mento de Jesus, seu comparecimento não morreu simplesmente; ele escolheu
diante das autoridades judiciais dos morrer de uma forma que introduzisse
judeus e dos romanos, a sua tríplice profundas influências espirituais nas
negação por parte de um de seus mais vidas de seus seguidores.36
notáveis discípulos, a escolha de Bar-
rabás, por parte da multidão, a zom 1. Jesus Aceita Sua Paixão (18:1-18)
baria, a sua crucificação com dois ou Esta seção introdutória prepara o
tros, a sua morte e o seu sepultamento cenário para o que vem nos capítulos
antes do pôr-do-sol, na sexta-feira. 18 e 19. A iniciativa soberana de Jesus
Ao mesmo tempo, muitas imagens em seguir adiante, para enfrentar seu
sinópticas não aparecem em João: a destino, domina o texto e permanece em
agonia de Jesus no Getsêmane, o beijo de dramático contraste com a impetuosi
traição por Judas, a condenação de Jesus dade e vacilação de seu discípulo Pedro.
pelo sinédrio por blasfêmia, o transporte Ficou a forte impressão de que somente
da cruz por Simão de Cirene, o insulto, Jesus sabia o que estava acontecendo e
ao Jesus estar na cruz, por parte da que o resultado dependia absolutamente
multidão, o brado de desolação por parte dele.
de Jesus, as trevas ao meio-dia e o rom
pimento do véu do Templo. Por sua vez, 1) O Aprimoramento no Jardim (18:
a narração joanina contém uma série de 1 - 11)
detalhes que não aparecem nos Sinóp 1 T endo J e s u s d ito isto , s a iu c o m se u s
ticos: a prisão voluntária de Jesus para discípu lo s p a r a o o u tro la d o do rib e iro d e
proteger os discípulos, sua interrogação C edron, o nde h a v ia u m ja r d im , e co m e le s
por Anás, o seu diálogo com Pilatos, a li e n tro u . 2 O ra , J u d a s , q u e o tr a ia , t a m
b é m co n h e c ia a q u e le lu g a r ; p o rq u e m u ita s
sobre seu reinado, o papel do discípulo v ezes J e s u s se r e u n ir a a li co m os d is c íp u
amado, o seu brado de consumação, o los. 3 T endo, p o is, J u d a s to m a d o a co o rte
golpe de lança no seu lado, que pruduziu e u n s g u a rd a s d a p a r te dos p rin c ip a is s a
derramamento de sangue e água, e a c erd o te s e fa ris e u s , c h eg o u a li c o m la n t e r
n a s, a rc h o te s e a r m a s . 4 S abendo, p o is, J e
profusa unção de seu corpo, para o su s tu d o o q u e lh e h a v ia d e su c e d e r, a d ia n
sepultamento, por José e Nicodemos. tou-se e p e rg u n to u -lh e s: A q u e m b u s c a is ?
O efeito destas admiráveis diferenças é 5 R e sp o n d e ra m -lh e : a J e s u s , o n a z a re n o .
fortalecer a divindade real de Jesus pre D isse-lh es J e s u s : Sou e u . E J u d a s , q u e o
cisamente na hora de sua ignomínia tr a ía , ta m b é m e s ta v a c o m e le s. 6 Q uando
J e s u s lh e s d is s e : Sou e u , r e c u a r a m , e c a í
maior. Seu conhecimento prévio destes ra m p o r te r r a . 7 T o rn o u -lh es e n tã o a p e r
trágicos eventos capacitaram-no a se g u n ta r : A q u e m b u sc a is? e re s p o n d e ra m :
controlar quando eles ocorreram. Em vez A J e s u s , o n a z a re n o . 8 R ep lico u -lh es J e s u s :
de o apanharem de surpresa, eles foram J á vos d isse q u e sou e u ; se , p o is, é a m im
aceitos como o cumprimento das Escri
36 Sobre a realeza de Jesus em sua paixão, veja E. C. Col-
turas. Em meio ao tumulto, Jesus jamais wel e E. L. Titus, The Go*pel of the Spirit (New York:
sucumbiu ao “stress” . Pelo contrário, Harper and Brothers, 1953), p. 71-106.
que b u s c a is , d e ix a i i r e s te s ; 9 p a r a q u e se treinados para perseguir criminosos
c u m p riss e a p a la v r a q u e d is s e ra : D os q ue perigosos estavam por demais despre
m e te n s d a d o , n e n h u m d e le s p e rd i. 10 E n tã o
Sim ão P e d ro , q u e tin h a u m a e s p a d a , de-
parados para esta derradeira afirmação
se m b ain h o u -a e fe r iu o se rv o do su m o s a teológica. Jesus controlava de tal modo a
c e rd o te, co rtan d o -lh e a o re lh a d ir e ita . situação que ditou as condições de sua
O n o m e do se rv o e r a M alco . 11 D isse, pois, rendição: deixai ir estes. Embora já
Je s u s a P e d ro : M ete a tu a e s p a d a n a b a i tivesse orado pela proteção de seu reba
n h a ; n ã o h ei d e b e b e r o c á lic e q u e o P a i m e
deu? nho e a preservação de sua unidade
(17:12; cf. 10:11-18), agora, numa si
Só depois de ter dito as palavras regis tuação de grande perigo agia para que se
tradas em João 13 a 17 estava Jesus cumprisse a palavra que dissera.
pronto para sair, com seus discípulos, Esta aceitação de responsabilidade,
para enfrentar o inimigo. A rota levava por parte daqueles que se comprome
do lugar da última ceia, em Jerusalém teram com esta preservação, não se
oriental, através do ribeiro de Cedron, fundamentava no merecimento próprio,
até um jardim ou pomar, onde muitas como a desvairada reação de SimSo
vezes se reunira... com os discípulos Pedro tão vividamente o ilustrou. Ao
(numa outra prova de um ministério contrário de Jesus, que protegera os
ampliado em Jerusalém). Judas, aparen discípulos com o vigor transparente de
temente, não só conhecia aquele lugar, sua força interior, Pedro desembainhou
como estava certo de que Jesus iria para uma espada, feriu o servo do sumo
lá após a refeição. Assim, para levar sacerdote — num esforço, sem dúvida,
adiante seu plano de trair Jesus (13:21- para rachar-lhe a cabeça — cortando-lhe
30), Judas foi até lá com uma coorte de a orelha direita. A presença de armas
soldados romanos e alguns oficiais ju entre os discípulos é surpreendente e
deus (guardas do Templo), da parte dos pode refletir sua dissimulada preparação
principais sacerdotes e fariseus. Obvia para a provação que Jesus sugerira (cf.
mente não era necessária uma delega 13:37). De qualquer modo, porque Pedro
ção de centenas de pessoas (uma coorte esqueceu que a vingança pertence so
romana normalmente tinha 600 solda mente a Deus (Rom. 12:19), suas ótimas
dos), com lanternas, archotes e armas, intenções para nada valeram. Jesus lhe
para prender um homem desarmado, ordenou para colocar a espada na bainha
durante a lua cheia de Páscoa. Uma e depender de sua estratégia, que era
possibilidade é que a liderança pública beber o cálice que o Pai lhe dera (cf.
pode ter suspeitado que Jesus tivesse Mar. 14:36). Pedro achava que estava
ocultado um exército particular nos ar pronto para morrer por Jesus, mas sua
rabaldes da cidade. coragem logo ruiria (v. 17.25,27). Ao
Sabendo, pois, Jesus tudo o que lhe contrário, o que precisava era estar
havia de suceder (cf. 13:18,19), não pronto para Jesus morrer por ele.
fugiu dessa coalisão de inimigos, mas
2) A Acusação Diante de Anás (18:
voluntariamente adiantou-se, para se 12-14)
identificar como aquele a quem busca
vam. Sem desempenhar qualquer papel, 12 E n tã o a c o o rte , e o c o m a n d a n te , e os
g u a rd a s dos ju d e u s p re n d e r a m a J e s u s , e o
Judas estava com os conspiradores. Fa m a n ia ta r a m . 13 E co n d u ziram -n o p r im e ir a
lando corretamente, Jesus não foi preso m e n te a A n á s; pois e r a so g ro d e C a ifá s,
por esta hoste poderosa, mas se entregou sum o sa c e rd o te n a q u e le an o . 14 O ra , C a ifá s
a ela. Tão soberana foi sua resposta, Sou e r a q u e m a c o n s e lh a ra os ju d e u s q u e c o n v i
n h a m o r r e r u m h o m e m p elo povo.
eu (eg5 eimi), que os calejados soldados
recusaram, diante do seu impacto, e O cativeiro era, havia muito tempo, a
caíram por terra (cf. 7:45-47). Homens porção do povo de Deus. Aqui Jesus
permaneceu como uma servidão simbó trasse. Esta familiaridade e influência
lica para todos aqueles que, por seu junto ao cortejo sacerdotal sugere um
intermédio, se tomaram livres. O fato de cidadão de Jerusalém ou de um lugar
que aqueles que maniataram Jesus... próximo (na Judéia mesmo), ou, ainda,
conduziram-no primeiramente a Anás uma pessoa de alguma proeminência. É
demonstra que a prisão fora urdida pouco seguro identificá-lo com o discí
basicamente pelos judeus, pois, do con pulo amado (cf. 13:23;19:26,27;20:2-9;
trário, ele teria sido levado primeiro ao 21:7,20-23). Poderia ser João, filho de
governador romano, Pilatos. Zebedeu, mas este não tinha intimidade
Anás foi elevado a sumo sacerdote em pessoal com Caifás; poderia ter sido
6 A.D. por Quirino, tendo sido deposto Lázaro (cf. 11:18,19,45-47), embora seja
em 15 A.D., por Valério Grato (Josefo. difícil imaginar que fosse bem recebido e
Antiguidades, 18:26,34). A parente permanecesse incógnito nestas circuns
mente, porém, ele permanecia no poder tâncias (cf. 12:9-11). Provavelmente, este
“de fato” , uma vez que todos os seus relato ilustra que Jesus tinha muitos
cinco filhos o sucederiam como sacer seguidores na Judéia, para os quais pri
dote (Josefo, op. cit., 20:198), bem como meiramente as memórias da paixão joa
seu genro, José, chamado Caifás (cf. nina foram elaboradas (Dodd, Historical
Luc. 3:2). Embora Caifás servisse no Tradition, p. 86-88)
cargo de 18-36 A.D. (Josefo, op. cit., Embora o discípulo sem nome perma
18:35,95), João o identificou como sumo necesse obscuramente no pátio, a aten
sacerdote naquele fatídico ano, em que ção centralizou-se logo em Pedro. A
aconselhara os judeus da conveniência de porteira que o detivera à porta pergun-
Jesus morrer pelo povo (cf. 11:49-52). tou-lhe se não era um dos discípulos de
Jesus, e ele lhe deu a inequívoca resposta:
3) A Chegada de Pedro e de Outro Dis Não sou. As defesas deste “homem-
cípulo (18:15-18) pedra” (cf. comentário sobre 1:42), que
se jactara de estar pronto para lutar, ao
IS S im ão P e d rc s o u tro discíp u lo se g u ia m
a J e s u s . E s te d iscíp u lo e r a con h ecid o do lado de Jesus, até a morte (13:37),
sum o s a c e rd o te , e e n tro u com J e s u s no p á ruíram diante da tagarelice acusadora de
tio do su m o s a c e rd o te , 16 e n q u a n to P e d ro uma serviçal! Esta primeira das três
fic a v a d a p a r te de fo ra , à p o rta . S aiu , e n tã o , negações (cf. v. 25 e 27) vem numa dra
o o u tro d iscípulo q u e e r a co nhecido do su m o
sa c e rd o te , falo u à p o r te ir a e lev o u P e d ro
mática justaposição com o testemunho
p a r a d e n tro . 17 E n tã o a p o rte ira p e rg u n to u robusto de seu Senhor (cf. v. 19-23).
a P e d ro : N ão é s tu ta m b é m u m dos d is Pedro permaneceu em silêncio, diante do
cípulos d e ste h o m e m ? R esp o n d e u e le : N ão braseiro aceso, enquanto Jesus estava
sou. 18 O ra , e s ta v a m a li os se rv o s e os diante de seus atormentadores, decla
g u a rd a s , q u e tin h a m a c en d id o u m b ra s e iro
e se a q u e n ta v a m , p o rq u e fa z ia frio ; e t a m rando-lhes que tinha “falado aberta
b é m P e d ro e s ta v a a li e m p é no m elo d e le s, mente ao mundo” (v. 20). Ironicamente,
a q u e n ta n d o -se. Pedro parecia estar livre, quando, na
realidade, estava escravizado pelo medo
Pelo menos dois discípulos seguiram do silêncio, ao passo que Jesus parecia
lesus ao quartel sacerdotal, onde era estar escravizado, quando, na realidade,
interrogado: Simão Pedro e um outro estava livre do medo de falar.
discípulo, não identificado. Faz-se uma
inolvidável afirmativa acerca deste últi 2. Jesus Defende Sua Paixão (18:19-
mo discípulo, que era conhecido do sumo 19:16)
sacerdote, pelo que não só entrou com
Jesus no pátio do sumo sacerdote, como Três características da narrativa joa
logo conseguiu que Pedro também en nina do julgamento logo se destacam, em
comparação com suas contrapartes si político, insinuando, assim, aos que ti
nópticas: 37 nham zombado dele, que este era o único
(1) O modo judaico de julgar é bran rei que os judeus mereciam ter (19:19-
damente subordinado aos romanos. Um 22). Desse modo, embora não o preten
comparecimento informal, diante de desse, Jesus encerrou sua vida sob um
Anás, só aparece em João (18:19-23), sinal que proclamava em três línguas seu
mas os procedimentos judiciais, diante reino rival a César.
de Caifás, que são por demais cruciais (3) Finalmente, o encontro central
nos Sinópticos (cf. Mar. 14:53-65 e refe entre Jesus e Pilatos é organizado, por
rências paralelas), não são descritos de João, de modo teatralmente artístico,
todo (v. 24,28). Ao contrário, os proce situação não encontrada em nenhum
dimentos diante de Pilatos, que são outro lugar dos Evangelhos. O escopo
mencionados resumidamente nos Sinóp literário básico visa apresentar sete
ticos (cf. Mar. 15:1-15 e referências cenas, que se alternam entre os judeus
paralelas), aqui ocupam uma posição de fora do Pretório e Pilatos dentro:38
destaque (18:28-19:16). Ao dedicar seis I (fora) — acusação por parte dos ju
versículos a Jesus diante do tribunal deus (18:28-32)
judaico e vinte e nove ao seu confronto II (dentro) — interrogatório romano
com Roma, o Quarto Evangelho tornou (18:33-38a)
decisivo o último encontro, indicando III (fora) — rejeição por parte dos ju
que o que estava ocorrendo era nada deus (18:38b-40)
menos que o julgamento do mundo, e IV (dentro) — castigo romano (19:
não uma querela religiosa entre os ju 1-3)
deus. V (fora) — repúdio por parte dos ju
(2) Durante o julgamento romano, em deus (19:4-7)
João, predomina o tema do reino (18: VI (dentro) — reexame romano (19:
33-38;19:2-5,12-16), que, embora men 8 - 11)
cionado, não é desenvolvido nos Sinóp VII (fora) — Condenação por parte
ticos (cf. Mar. 15:2,9,12 e referências dos judeus (19:12-16)
paralelas). Aqui tudo gira em torno do A finalidade deste arranjo é destacar a
título “rei” (basileus). Contrariamente à pressão hostil exercida pelos judeus sobre
interpretação política de seu ministério, Pilatos. Por quatro vezes (18:40;19:6,
Jesus definiu seu reino não em termo de 12,15) eles “clamaram” (“gritaram” ,
defensores que lutam, mas em termos Moffat), um verbo grego forte (krau-
da soberania da verdade, demonstran gazõ), que sugere uma fúria demoníaca,
do, assim, que tanto ele como seus se à qual nem Roma poderia resistir.39
guidores não eram culpados de qualquer Cada vez mais a turba aumentava seu
sedição contra Roma (18:33-37). Os impulso para justificar Jesus e rejeitava
judeus, entretanto, astutamente usaram os esforços de Pilatos para libertá-lo.
sua odienta sujeição para compelir Pila Eis aqui uma circunstância em que
tos a agir, insistindo que todo amigo de Igreja e Estado devem permanecer sepa
César deveria suprimir até mesmo um rados, mas por causa do Estado. (Que
inofensivo pretendente ao trono (19:12, presunção pensar que os sacerdotes estão
15). Impelido a agir, embora com reser sempre corretos e que os políticos sempre
vas, Pilatos decidiu dar a última palavra, errados!) Neste caso, judeus e gentios
condenando Jesus à cruz como um rival tomaram-se culpados por sua cumpli-
37 Para estas e outrai características da narrativa joanina 38 R. H. Strachan, The Fonith Goapd (3d ed.; London:
do julgamento, veja-se C. H. Dodd, Historical Tradi SCM Press, 1941), p. 310-318.
tion, p. 32-120. O criterioso estudo de Dodd, de toda 39 R. H. Líghtfoot, St. John1« Gospel, ed. C.F. Evans
a narrativa da paixão (p. 21-151), é de grande valor. (Oxford: Ciarendon, 1956), p. 325.
cidade (cf. Rom. 1:18-3:20), mas, de sua identificação com um movimento
algum modo, principalmente os primei político militante. Jesus respondeu à
ros (cf. o comentário sobre 19:11). acusação implícita sem fazer qualquer
rodeio, mostrando que sempre falara
1) O Interrogatório Pelo Sumo Sacerdote abertamente ao mundo, utilizando-se até
(18:19-24) das instituições oficiais das sinagogas
19 E n tã o o su m o s a c e rd o te in te rro g o u J e e do templo, para este propósito. Como
sus a c e r c a dos se u s discípu lo s e d a su a todos os judeus se congregavam nesses
d o u trin a. 20 R espondeu-lhe J e s u s : E u ten h o lugares, Jesus convidou o sumo sacerdote
falado a b e rta m e n te a o m u n d o ; e u se m p re a perguntar aos que o ouviram acerca do
ensinei n a s sin ag o g as e no te m p lo , onde
todos os ju d e u s se c o n g re g a m , e n a d a fa le i que lhes falara. Como nada falara em
em oculto. 21 P o r q ue p e rg u n ta s a m im ? oculto, havia muitas testemunhas que
p e rg u n ta a o s q u e m e o u v ira m o q u e é que poderiam ser intimadas e, assim, ele não
lhes fa le i; eis qu e eles s a b e m o q u e eu d isse. precisaria se condenar a si mesmo.
22 E , h av e n d o e le d ito isso , u m d o s g u a rd a s
Em resposta na mesma base em que
que a li e s ta v a m d eu u m a b o fe ta d a e m J e
su s, d izen d o : É a s s im q u e re sp o n d e s ao estava sendo interrogado, Jesus, a bem
sum o s a c e rd o te ? 23 R esp o n d eu -lh e J e s u s : da verdade, não estava se utilizando de
Se fa le i m a l, d á te s te m u n h o do m a l; m a s , se um dispositivo constitucional, (*) para se
b e m , p o r q ue m e fe re s ? 2 i E n tã o A n ás o recusar a responder, pois sua vida já era
enviou, m a n ia ta d o , a C alfá s, o su m o s a c e r
dote.
um livro aberto, que todos podiam ler.
Mais do que isto, ao demonstrar a
Não está bem claro qual sumo sacer incompetência do principal magistrado
dote agora interrogou Jesus. No verso 13, judeu, em reunir evidências de várias
Jesus fora levado a Anás, enquanto, no testemunhas de acordo com os processos
verso 24, ele seria enviado a Caifás, pelo estabelecidos, Jesus deixou logo claro
que possivelmente, o interrogador fosse (cf. o comentário sobre 5:31,32) que o
Anás. No entanto, se Caifás era real caso estava prejudicado desde o início.
mente sumo sacerdote nessa época (v. Este protesto foi imediatamente respon
13), a referência poderia significar que dido por um dos guardas que ali estavam
ele viera ao quartel do seu sogro, para que deu uma bofetada em Jesus, pela
uma investigação informal sobre Jesus, insolência de semelhante resposta ao
antes da convocação de uma sessão mais sumo sacerdote. Há sempre aqueles que
formal, do sinédrio, no lugar próximo à acham que as questões fundamentais
sua residência oficial. O termo sumo de justiça podem ser tratadas com uma
sacerdote não decide a questão, uma vez demonstração de força bruta.
que podia referir-se tanto ao chefe da É interessante observar que, nesta
ordem sacerdotal como aos membros situação Jesus não respondeu ao tapa
das selecionadas famílias das quais eram dando literalmente “a outra face” (cf.
escolhidos os sumo sacerdotes. Mat. 5:39), mas, antes, replicou de modo
De qualquer modo, Anás e Caifás mais corajoso ainda, numa espécie de
trab alh aram , m uito provavelm ente, convite para um outro tapa. Os ensinos
juntos, para encontrar um fundamento de Jesus como um todo não prescrevem o
para a acusação política que Pilatos silêncio passivo diante de toda injustiça.
ouviria. As entrelinhas do interrogatório Aqui, por exemplo, Jesus mesmo insistiu
sugerem que se empreendeu um esforço
para se extrair de Jesus a confissão de (*) O autor escreve literalmente: "Jesus nfto estava, a bem
qiie estava treinando secretamente um da verdade, "tomando a Quinta Emenda” , para se
grupo de rebeldes spdiciosos. Se assim recusar a responder...” Na Conttltuiçlo Norte-Ameri
cana, esta emenda garante aos réus o direito de não
foi, este não era o primeiro esforço para responderem a perguntas que julgaram prejudiciais
desacreditar um grupo novo através de à sua defesa. — N. do T.
na resolução do problema através das dos seus discípulos, certo?”), enquanto a
vias legais: Se falei mal, dá testemunho do verso 27 aguarda uma resposta afir
do mal; mas, se bem, por que me feres? mativa (isto é, “Eu te vi com ele, não
Como esta demonstração de coragem foi?” ). De qualquer modo, a pressão
tomava claro que Jesus não se intimi acabou por levar Pedro a pôr as mangas
daria com tormentos verbais, Anás o de fora.
enviou, maniatado, a Caifás, o sumo Com a terceira negativa, Pedro não
sacerdote, talvez na esperança de que teve um momento de espera para o cum
procedimentos mais formais dessem primento da predição de Jesus (13:38):
melhores resultados. Um julgamento imediatamente o galo cantou. Como a
completo não poderia ter acontecido no terceira hora da noite (12h às 3h eram
meio da noite e nem mesmo alguma chamadas de “o canto do galo” , o som
sessão do sinédrio é aqui registrada que Pedro ouviu podendo ter sido li
(v. 24 e 28). Da perspectiva do quarto teralmente de uma ave ou do clarim da
evangelista, os judeus tinham tido já a Torre de Antônio, ao fim da terceira
sua chance para julgar Jesus, e, diante de hora, para anunciar a troca da guarda.
um veredicto negativo, foram julgados Seja como for, Jesus estava correto;
por ele (cf. o comentário sobre 1:19-28; o discípulo que proclamara uma grande
introdução a 5:1-10:42; e 12:36b-50). coragem não conseguiu mantê-la sequer
por uma noite sem negar o mais pro
2) A Negação de Pedro (18:25-27) fundo compromisso de sua vida.
25 E S lm ão P e d ro a in d a e s ta v a a li, aq u en - 3) A Acusação Contra Jesus (18:28-32)
tan d o -se. P e rg u n ta ra m -lh e , p o is : N ão és
ta m b é m tu u m do s se u s d iscíp u lo s? E le 28 D epois c o n d u z ira m J e s u s d a p re s e n ç a
n egou, e d is s e : N ão sou . 26 U m d o s se rv o s do d e C a ifás p a r a o p re tó rio ; e r a d e m a n h ã
sum o sa c e rd o te , p a re n te d a q u e le a q u em ced o ; e e le s n ã o e n tr a r a m no p re tó rio , p a r a
P e d ro c o r ta r a a o re lh a , d is s e : N ão te v i no n ão se c o n ta m in a re m , m a s p o d e re m c o m e r
Ja rd im co m ele ? 27 P e d ro n egou o u tra v ez, e a p á sc o a . 29 E n tã o P ila to s s a iu a t e r co m
im e d ia ta m e n te o g alo can to u . e les, e p e rg u n to u : Q ue a c u s a ç ã o tr a z e is c o n
t r a e ste h o m e m ? 30 R e sp o n d e ra m -lh e : Se
Como o leitor já conhece a predição de ele n ã o fo sse m a lfe ito r, n ã o to e n tr e g a r ía
Jesus, em 13:38, de que Pedro o trairia m o s. 31 D isse-lh es, e n tã o , P ila to s : T om ai-o
três vezes, o suspense se instalou desde vós, e ju lg a i-o seg u n d o a v o ssa lei. D iss e
18:17,18, onde a cena repentinamente ra m -lh e os ju d e u s : A n ó s n ã o n o s é lícito
t i r a r a v id a a n in g u é m . 32 Isso foi p a r a q u e
mudou, depois que Pedro fizera apenas a se c u m p riss e a p a la v r a q u e d is s e ra J e s u s ,
primeira negação. Um pouco depois, sig n ifican d o d e q u e m o rte h a v ia d e m o r r e r .
tendo ao fundo a coragem de Jesus,
voltamos a Slmão Pedro, que se aquecia A cena agora muda para o pretório
diante do fogo. Então, o grupo repetiu o romano, um complexo que devia incluir
desafio proposto pela porteira: Não és a residência do governador, casernas
também tu um dos seus discípulos? Nem militares e um auditório para julgamen
bem a sua negação saíra de seus lábios, tos. Sua localização na cidade é incerta;
um dos servos (ou escravos) do sumo provavelmente, ou integrava a Torre de
sacerdote forçou uma outra, e desta vez Antônio, logo adiante do Templo, ou se
porque, como parente daquele a quem interligava com o palácio de Herodes,
Pedro cortara a orelha, estava seguro de mais a noroeste. Aí começou propria
tê-lo visto no jardim com Jesus. Uma mente o julgamento, pois os esforços
mudança na construção grega da frase judaicos anteriores redundaram em nada
(de mê para ouk) sugere que as pergun (v. 24). Era cedo (prfii), o que pode
tas, nos versos 17e 25, esperam uma significar a última hora da noite (3h às
resposta negativa (isto é, “Tu não és um 6h). Era o dia 14 de Nisã, às vésperas da
Páscoa judaica. Como desejavam comer caso, mudar a acusação de blasfêmia
à páscoa na noite seguinte, os judeus se para traição, e executar Jesus por cruci
recusaram a entrar no pretório do gover ficação, que só os romanos poderiam
nador pagão, para não se contamina aplicar (cf. 19:10).
rem (embora a contaminação pudesse ser Aparentemente, o evangelista enten
abolida por uma lavagem ritual antes de deu o problema no último sentido, pois
o novo dia começar, às 6 horas da noite). comentou que a estratégia judaica serviu
Que ironia imaginar que o permanecer para que se cumprisse a palavra que
fora lhes garantiria pureza religiosa, dissera lesus (cf. 12:32,33), acerca da
quando seus pensamentos interiores espécie de morte (isto é, “levantamento”
estavam dominados pelo desejo de matar = crucificação) pela qual havia de mor
Jesus! rer.
Como uma concessão aos escrúpulos
dos judeus, nessa época santa, Pilatos 4) O Comparecimento Diante de Pilatos
saiu a ter com eles e lhes perguntou pela (18:33-38a)
acusação que tinham contra Jesus. Áo
33 P ila to s , p o is, to rn o u a e n tr a r no p r e tó
ouvir que era apenas um malfeitor, rio , c h a m o u a J e s u s e p e rg u n to u -lh e : É s tu
o prefeito 40 entendeu que tinha sido o r e i dos ju d e u s ? 34 R esp o n d e u J e s u s : D izes
transgredida alguma legislação judaica, isso d e ti m e s m o , ou fo r a m o u tro s q u e to
pelo que concitou-os a julgarem segundo d is s e ra m d e m im ? 35 R ep lico u P il a to s : P o r
v e n tu ra so u e u ju d e u ? O te u povo e os p r in
sua própria lei. Ê de difícil interpretação cip ais sa c e rd o te s e n tr e g a ra m -te a m im ;
a resposta de que isto não era de sua q u e fiz e ste ? 36 R e sp o n d eu J e s u s : O m e u
alçada, já que não lhes era lícito tirar a re in o n ã o é d e s te m u n d o ; se o m e u re in o
vida a ninguém. Os historiadores não fo sse d e ste m u n d o , p e le ja ria m os m e u s s e r
têm conseguido determinar com certeza, vos, p a r a q u e e u n ã o fosse e n tre g u e a o s
ju d e u s ; e n tre ta n to , o m e u re in o n ã o é d a q u i.
a partir de evidências seguras, se os 37 P e rg u n to u -lh e , pois, P ila to s : L ogo, tu é s
romanos tinham ou não permitido aos re i? R esp o n d e u J e s u s : T u d izes q u e sou re i.
judeus a prática da pena capital. 41 Se E u p a r a isto n a sc i, e p a r a isso v im ao
não, este versículo pode significar que os m u n d o , a fim d e d a r te s te m u n h o d a v e r d a
d e. Todo a q u e le que é d a v e rd a d e o u v e a
judeus consideraram Jesus digno de m in h a voz. 38 P e rg u n to u -lh e P ila to s : Q ue é
morte e pediram a intervenção de Pila a v e rd a d e ?
tos, já que só ele poderia decretar tal
pena. Se podiam, o versículo pode signi Ao passarem Jesus para Pilatos, as
ficar que, embora os judeus executas autoridades judaicas não devem tê-lo
sem, por apedrejamento, alguém que acusado apenas como “ malfeitor” (v.
cometesse ofensas religiosas (cf. 10:31- 30), mas o apresentaram como sendo um
33;11:53; At. 7:58-60), queriam, neste rei (cf. 19:12; Luc. 23:2). Obviamente,
esta era uma acusação que um repre
40 Tradicionalmente, Pilatos era chamado de procurador, sentante de César tinha que considerar;
embora o título não fosse usado no Novo Testamento
e provenha de Tácito (Anais, 15:44). Ao tempo de por isso, Pilatos tornou a entrar no
Jesus, pode ter sido um anacronismo, uma vez que um pretório e começou a interrogar Jesus a
governador provincial da ordem eqüestre parece ter partir daí. Logo de início, Jesus perce
sido designado como procurador do reino de Cláudio
(41-54 A.D.), anjes da época em que seria chamado beu, em suas palavras, a desprezível
praefectus ou pro legato. Talvez Pilatos tenha usado acusação foijada pelos judeus, pelo que
os dois títulos em vários estágios de sua carreira.
Veja Jerry Vardaman, “A New Inscription which Men-
chamou Pilatos à sua responsabilidade
tions Pilate as ‘Perfect’” , Journal of Biblical Litera judicial com uma pergunta: Dizes isto de
tura, 81(1962), p. 70 e 71. ti mesmo, ou foram os judeus que to
41 A literatura sobre este problema é extensa. Para um disseram de mim? Ao fazer isso, Jesus
recente estudo, veja A.N. Sherwin-White, Roman So-
dety and Roman Law in the New Testament (Oxford: forçou Pilatos a se posicionar como um
Clarendon, 1963), p. 1-47. fantoche, num plano sinistro, ou como
um homem de juízo independente e “origina” o meu reino — v. 36), a fim de
digno de sua função. Golpeado por sua dar testemunho da verdade. Pilatos ou
resposta inesperada — na realidade, qualquer outro ouviria sua voz com
uma pergunta que invertia os papéis e compreensão somente se ele fosse da
transformava Jesus em juiz — Pilatos verdade.
respondeu que não era judeu, isto é, as Esta sublime confissão de Jesus repre
acusações do sinédrio nada significavam senta um significativo testemunho da
para ele, mas Jesus como era judeu, teria unidade existente entre o poder e a ver
que responder às acusações formuladas dade. A maioria das civilizações tem sido
contra ele por seu próprio povo e os construída sob o fundamento de que os
principais sacerdotes. dois são incompatíveis — ou seja, que o
Nesta parte do diálogo, Jesus tinha poder é irracional, e a verdade, impo
conseguido alterar o método do Pilatos. tente. A tensão entre governantes e
A seguir, este deixou as questões apre pensadores é conhecida o suficiente para
sentadas por outras pessoas, dedicando- merecer comentário. Contra esta desas
se, então a descobrir a questão do ponto trada alienação, Jesus afirmou a ambos,
de vista de Jesus: Que fizeste? Isto dizendo que ele que testemunha da ver
possibilitou Jesus a tomar a acusação de dade experiementa um poder que preva
reino e redefini-lo como não sendo deste lecerá, e, reciprocamente, que ele que
mundo, que era a grande preocupação de reina deve submeter seu poder ao teste
Pilatos. A prova de que Jesus não era um da verdade. Pilatos fora ensinado a crer
zelote, com desejo de subverter Roma, que os reis governavam pelo poder, e não
está no fato de que seus servos não pela verdade, isto é, que a verdade estava
pelejaram para evitar sua prisão pelos ao lado dos melhores batalhões. Contem
judeus (18:11; cf. Mat. 26:52-55). Não plando esse jovem “ rei” judeu em ca
significa isto que o mundo estivesse deias, diante dele, Pilatos acabou por
excluído de seu domínio real, mas apenas perguntar (desprezo irônico ou indaga
que seu reino não era daqui (isto é, a ção intelectual?): Que é a verdade? Não
fonte de sua soberania não era o poder podia ele sequer sonhar que, quando seu
que os homens conferem a seus líderes César estivesse esquecido, esta verdade
terrenos) e nem poderia a sua causa ser desse Homem estaria reinando sobre um
servida pelas armas das trevas. domínio mais vasto do que aquele que
Nesse momento, Pilatos supôs ter Roma conhecera.
ouvido, dos lábios de Jesus, bem como 5) O Oferecimento de Barrabás (18:
dos judeus, a revelação de que ele era um
38b-40)
rei. Novamente, porém, foi ele avisado de
que o modo como entendia a noção de E , d ito Isto , d e novo sa iu a t e r co m os
ju d e u s , e d isse -lh e s: N ão a c h o n ele c rim e
reino não era necessariamente coinci a lg u m . 39 T e n d e s, p o ré m , p o r co stu m e q u e
dente com o de Jesus: Tu dizes que sou e u vos so lte a lg u é m p o r o c a siã o d a p á s c o a ;
rei. O significado de uma coisa não é q u e re is, po is, q u e vos so lte o r e i dos ju d e u s ?
dado apenas por aquilo que um falante 4 0 E n tã o todos to r n a r a m a c la m a r, d izen d o :
disse a respeito desta coisa; é preciso E s te n ã o , m a s B a r r a b á s . O ra , B a r r a b á s e r a
sa lte a d o r.
que o ouvinte queira ouvir o que se
pretendeu dizer. Isto era especialmente Ao suscitar a questão maior, em torno
difícil para Pilatos, porque fora condi da verdade, Pilatos tentara fugir à res
cionado, a vida inteira, a entender reino ponsabilidade de uma decisão sobre
em termo de poderio militar. Jesus, Jesus através de uma retirada para o
então, buscou logo redefinir o conceito relativismo (ou seja, nossos conceitos
de modo positivo: Eu para isso nasci e acerca da verdade diferem tão grande
para isso vim ao mundo (isto é, disto se mente que é impossível chegar a uma
decisão final entre eles. Agora, tentava esp in h o s e o m a n to d e p ú rp u r a . E d isse-lh e s
evitar a necessidade de escolha, através P ila to s : E is o h o m e m ! 6 Q uando o v ir a m os
p rin c ip a is s a c e rd o te s e o s g u a rd a s , c la m a
de um gesto de clemência. Voltando a ter ra m , d izen d o : C ru cifica-o 1 cru c ifica -o !
com os judeus, primeiro lhes garantiu D isse-lh es P ila to s : T o m ai-o v ó s, e c ru c ifi
que Jesus não cometera qualquer crime; cai-o; p o rq u e e u n e n h u m c rim e a c h o n e le .
ou seja, seu conceito de reino não era 7 R e sp o n d e ra m -lh e o s ju d e u s : N ós te m o s
u m a le i e se g u n d o e s t a le i d e v e m o r r e r ,
político, não sendo, portanto, um sedi
p o rq u e se fez F ilh o d e D eu s. 8 O ra , P ila to s ,
cioso. Assim, referindo-se a um costume q u an d o o u v iu e s t a p a la v r a , m a is a te m o riz a
(para o qual não encontramos evidências do fic o u ; 9 e , e n tra n d o o u tr a vez no p re tó rio ,
Tora do evangelho) de libertar alguém por p e rg u n to u a J e s u s : D o n d e é s tu ? M a s J e s u s
ocasião da Páscoa, Pilatos ofereceu n ão lh e d e u re s p o s ta . 10 D isse-lh e, e n tã o
P ila to s : N ão m e re s p o n d e s? N ão s a b e s q u e
soltar-lhes o assim chamado Rei dos ten h o p o d e r p a r a te s o lta r, e p o d e r p a r a te
judeus. c ru c ific a r? 11 R esp o n d eu -lh e J e s u s : N e
No entanto, esta tentativa teve um n h u m p o d e r te r ia s so b re m im , se d e c im a
efeito contrário, como demonstrado pela n ã o te fo ra d a d o ; p o r isso a q u e le q u e m e
e n tre g o u a ti, m a io r p e c a d o te m .
expressa preferência da multidão: este
não, mas Barrabás! João ainda aduz Amarrado a seus bem-intencionados,
que Barrabás era salteador (no grego, mas ineficazes esforços de livramento
léistês) um termo geralmente usado para através de subterfúgios, Pilatos procura
os rebeldes que assolavam as montanhas, agora pacificar a turbulenta multidão
procurando, através da pilhagem, mo através de métodos cruéis. Primeiro,
lestar as forças romanas de ocupação. Jesus foi açoitado, prática que consistia
Se este era o papel de Barrabás, a mul em fustigar a vítima com um chicote de
tidão pode ter pedido sua libertação, por correias de couro, às quais se pregava
ser ele não um ladrão qualquer, mas um peças de metal ou osso, para aumentar a
herói do movimento nacional de resis tortura. Sofreu ele, ainda, a indignidade
tência. Diante disso, Pilatos, aflito, do escárneo de uma coroação, quando os
entendeu que um líder que não enfren soldados colocaram uma coroa de espi
tara o problema da verdade e não jul nhos (grinalda de urzes brancas) sobre
gara em benefício próprio (v. 38a) bem sua cabeça, ... um manto de púrpura
poderia enfrentar os gritos de uma mul no seu corpo, e, então, zombaram dele
tidão enfurecida. A procura pela verda como Rei dos judeus, e lhe davam bofe
de devia ser difícil, mas era preferível tadas. Em ocasiões normais, esta puni
aos caprichos de uma multidão capaz de ção era ministrada pouco antes da cruci
escolher um criminoso que assaltava ficação, para apressar a morte (cf. Mar.
sob a égide do patriotismo, em lugar do 15:15-20 e referências paralelas) ou para
“rei” que não cultivava suas aspirações obter uma confissão completa. Em a
nacionalistas. narrativa joanina, porém, o propósito
era, antes, satisfazer a sede de sangue
6) Os Esforços Para Libertar Jesus (19: por parte da multidão.
141) Para isso, Pilatos saiu outra vez ao
encontro dos judeus e voltou a reafirmar
1 N isso , p o is, P ila to s to m o u a J e s u s , e
m an d o u aço ltá-lo . 2 E o s so ld ad o s, te c e n d o
a inocência de Jesus. Junto com este
u m a c o ro a d e esp in h o s, p u se ra m -lh e so b re anúncio, porém, fez Jesus desfilar de
a c a b e ç a , e lhe v e s tir a m u m m a n to d e coroa de espinhos e com o manto de
p ú rp u r a ; 3 e , ch eg an d o -se a e le , d iz ia m ; púrpura e lhes disse: Eis o homem!
S alve, r e i do s ju d e u s 1 e d a v a m -lh e b o fe ta Talvez seja este o mais sublime exemplo
d a s. 4 E n tã o , P ila to s s a iu o u tr a v ez, e d is
se-lhes : E is a q u i vo-lo tr a g o fo ra , p a r a q u e dé ironia de todo o Evangelho. Pilatos
s a ib a is q u e n ã o a c h o n e le c rim e a lg u m . queria dizer: “Olhem reduzi vosso pre
5 S aiu , p o is, J e s u s , tra z e n d o a c o ro a de tendente real a uma lamentável paródia
de reinada; isso vos basta para satisfazer diante de um poder maior, de cima, por
vossas hostilidades?” O leitor, porém, tudo o que fazia, o culpado pelo maior
percebe, nestas palavras, uma profunda pecado diante de Deus não era ele, mas
realidade: “Vede o verdadeiro (Filho do) aquele que lhe entregara Jesus, pois tal
homem em sua hora de obediência per pessoa agira numa deliberada traição, ao
feita; não é o bastante para se ver e ser passo que Pilatos estava apenas tentando
salvo?” cumprir o seu dever. A pessoa indicada
Levados à fúria por este estratagema, por esta passagem não é identificada.
os principais sacerdotes e os guardas Embora se pudesse visar Satanás, a
clamaram por vingança, demonstrando, alusão deve se referir mais especifica
pela primeira vez, seu desejo maior: mente a Judas ou ao sumo sacerdote.
Crucifica-o! crucifica-o! Provocado à Talvez o singular — aquele visasse enco
exasperação por estes clamores, Pilatos brir alguém que contribuíra para a injus
desafiou-os a utilizarem a lei com suas tificada prisão de Jesus.
próprias mãos: Tomai-o vós, e crucificai-
o; porque eu nenhum crime acho nele. 7) A Condenação de Jesus (19:12-16)
Pela terceira vez Pilatos procurava livrar
12 D a í e m d ia n te P ila to s p ro c u r a v a so ltá-
Jesus (18:38;19:4,6), mas os judeus se lo ; m a s os ju d e u s c la m a r a m : Se s o lta re s a
mostraram inflexíveis: Nós temos uma lei e s te , n ã o é s a m ig o d e C é s a r; to d o a q u e le
(contra a blasfêmia), e, segundo esta lei, qu e se fa z r e i é c o n tra C é s a r. 13 P ila to s ,
ele deve morrer (Lev. 24:16), porque se pois, q u a n d o o u v iu isto , tro u x e J e s u s p a r a
fez Filho de Deus (cf. 5:18; 10:33). Na fo ra e se n to u -se n o tr ib u n a l, n o lu g a r c h a
m a d o P a v im e n to , e m h e b ra ic o G a b a tá .
quele momento, os judeus, mais do que 14 O ra , e r a a p r e p a r a ç ã o d a p á s c o a , e c e r c a
Pilatos, prestaram, sem o saber, uma d a h o ra s e x ta . E d is se a o s ju d e u s : E is o
homenagem ao verdadeiro significado de vosso r e i. 15 M a s e le s c la m a r a m : T tra-o !
Jesus, ao identificá-lo, mesmo na base T ira-o ! c ru c ific a -o ! D isse-lh es P ila to s : H ei
d e c ru c ific a r o vo sso r e i ? R e sp o n d e ra m o s
do deboche, como o Filho de Deus (cf. p rin c ip a is s a c e r d o te s : N ão te m o s r e i, se n ã o
1:34,49;3:18,35;5:19-23;11:27). C é sa r. 16 E n tã o lh o e n tre g o u p a r a s e r c r u
Estas palavras de irônica confissão c ificad o .
exerceu também um impacto sobre Pila
tos, pois este entrou outra vez no pretório Depois que Jesus admitiu, no verso 11,
e, talvez dominado por um sentimento de que, longe de pretender sobrepujar o
medo inextinguível, retomou a discussão ofício do governador, através de uma
com Jesus (cf. 18:36b), perguntando de revolta, exaltou-o como uma dádiva de
onde era. Entendendo que a pergunta já Deus, Pilatos pretendia novamente
fora respondida por aqueles que “ouvi soltá-lo quando foi trazido à realidade
ram” sua voz (18:37), Jesus nada res pelos judeus com a seguinte insinuação:
pondeu. Diante do menoscabo deste Se soltares a este, não és amigo de César;
“silêncio imperial” , que simplesmente todo aquele que se faz rei é contra César.
afirmava uma autoridade que não care Sem dúvida alguma, este foi o argumen
cia de prova terrena, Pilatos começou a to mais convincente apresentado pelos
ameaçar, recordando a Jesus seu poder judeus contra a soltura. “Amigo do
para soltá-lo ou crucificá-lo. Imperador” era um título cobiçado, que
Diante dessa ruidosa afirmação de Pilatos sustentava ou aspirava; por isso
autoridade, Jesus respondeu simples não quis arriscar sua reputação de leal
mente que Pilatos podia mostrar suas dade para com César, em não consi
funções de juiz somente porque o ofício derar as acusações contra Jesus. O fato
lhe fora dado por Deus, para a manu de Pilatos ser, mais tarde, afastado do
tenção da ordem pública (cf. Rom. cargo, como conseqüência de um pro
13:1). Embora Pilatos fosse responsável testo local, ilustra o perigo potencial em
que era agora lançado pelos judeus (cf. elevadas esperanças num lenho de ver
Josefo, Antiguidades, 18:85-89). gonha?” Diante dessa terrível alterna
Pela terceira e última vez, Pilatos ... tiva, os judeus foram obrigados a repu
trouxe Jesus para fora, e alguém — o diar sua herança teocrática, para coagir
grego não especifica quem — sentou-se Pilatos: Não temos rei, senão César.
no tribunal. Se foi Pilatos, estava se Ao perceber que estavam prontos para
preparando para proferir uma sentença; pagar qualquer preço para sacrificar a
se foi Jesus, tratava-se de um último vítima, ele entregou Jesus para ser cru
gesto para aumentar a zombaria. Agora cificado.
que se chegara ao clímax do julgamento, A narrativa não registra ter Pilatos
ás circuiístâncias históricas são deta condenado Jesus à morte, pois, em certo
lhadas, como se os menores detalhes sentido, ele não fez um sumário de
desse momento merecessem ser relem culpa, tendo apenas dado sua aquies
brados. O lugar era chamado de Pavi cência ao veredicto judaico que se lhe
mento, possivelmente por ter sido cons oferecia. Na narrativa joanina, Pilatos é
truído sobre pedras cuidadosamente apresentado basicamente como um ro
assentadas. Como este tribunal se ligasse mano rude, subitamente lançado numa
ao pretório, podia ficar ou na Torre de guerra judaica, da qual nada sabia e não
Antônio ou no palácio de Herodes (cf. o aprovava. Com fina ironia, o evangelista
comentário sobre 18:28): os dois lugares sugere que havia mais percepção nos
tinham uma elevação em rocha, que impulsos naturais e pagãos de Pilatos do
podiam ser chamadas de Gabatá (“coli que em todas as maquinações do sacer
na saliente”) em hebraico (aramaico). dócio judaico. Pilatos era pela absolvi
A data era 14 de Nisã, o dia da prepara ção, mas, ao ver que sua escolha era de
ção dã~páscõa (cf. Mar. 14:1,12,14). todo inaceitável para a estrutura local de
Aproximava-se a tarde (12 horas), cerca poder, ele resolveu tudo fazer para adiar
da hora sexta (cf. Mar. 15:25-33), quan o julgamento. Os inimigos de Jesus,
do os cordeiros pascais eram preparados porém, se mostraram implacáveis. E
para o sacrifício. Como o demonstra uma quando Pilatos capitulou diante de suas
comparação entre os Sinópticos, toda pressões, toda a força demoníaca em
esta informação caracteriza o Quarto ação, na frenética multidão, acabou por
Evangelho, sugerindo a utilização de se revelar ainda mais completamente.
uma fonte independente. Seria difícil encontrar evidência mais
Num esforço final para que o assunto terrível de depravação a que uma religião
não se estendesse, Pilatos disse aos ju pode levar.
deus, zombeteira e sarcasticamente:
3. Jesus Cumpre Sua Paixão (19:17-42)
Eis o vosso rei; ou seja, “este pobre
coitado é o único rei que permito que A seção anterior deixou claro o modo
tenhais” . Este gesto cruel e debochado pelo qual Jesus foi julgado como Rei; esta
teve o efeito de os judeus, sentindo-se narra o modo dele morrer como Rei. Em
ridicularizados, pedirem insistentemente lugar de se procurar esconder a vergonha
por sua crucificação. Incapaz de conse e o sofrimento terríveis de uma crucifi
guir a libertação de Jesus por meio da cação pública, há mesmo um empenho
piedade, Pilatos apelou para o orgulho para dar aos detalhes mais obscenos uma
nacional: Hei de crucificar o vosso rei? nova dignidade, seja porque significasse
Havia um desafio sutil: “Não estou uma homenagem inconsciente à realeza
interessado em satisfazer seus desejos e de Jesus ou porque representasse a pleni
executá-lo como criminoso. Quereis tude da profecia bíblica ou ainda porque
mesmo sofrer, vendo-me humilhá-lo ilustrasse a perfeita obediência de Jesus
como vosso rei, pregando suas mais perante a vontade de seu Pai. O fato de a
narrativa combinar um relato rigorosa latina dessa palavra, na Vulgata, é Cal-
mente histórico com uma profunda refle varia, o que explica o fato de Goigota e
xão teológica demonstra outra vez que o Calvário serem usados indistintamente
Evangelho não derivou sua fé de alguma nos dias de hoje. Não se explica a razão
especulação esotérica, mas de meditação desse nome. Uma conjectura possível é
orientada pelo Espírito e centrada no que, por servir como palco de execuções
ministério de Jesus. O grande paradoxo freqüentes, o epíteto se tornou próprio,
desta passagem é que, embora fosse uma vez que caveira simboliza morte. É
difícil ou mesmo impossível ver Deus incerta a sua exata localização, especial
agindo nesta catástrofe aparente, era mente porque os cristãos não demons
possível ver sua glória revelada mais traram qualquer interesse pelo problema
claramente aqui do que em qualquer até o quarto século. Atualmente, a Igreja
outro lugar. do Santo Sepulcro e o Jardim do Calvário
(de Gordon) disputam entre si, mas
1) A Crucificação e a Inscrição (19:17- nenhum deles tem muitos elementos que
22 ) autentiquem tal pretensão.
17 T o m a ra m , pois, a J e s u s ; e e le , c a r r e A crucificação visava não somente
g ando a s u a p ró p r ia c ru z , sa iu p a r a o lu g a r expor a vítima à ignomínia pública, mas
c h a m a d o C a v e ira , que e m h e b ra ic o se c h a também levar à morte por meio de uma
m a G ólgota, 18 onde o c ru c ific a ra m , e com vagarosa tortura física. Se os órgãos
ele o u tro s dois, u m d e c a d a lad o , e J e s u s no
m eio. 19 E P ila to s e s c re v e u ta m b é m u m
vitais não fossem atingidos, quando o
titulo, e o colocou so b re a c ru z ; e n e le e s ta v a corpo era cravado ou amarrado ao lenho,
e sc rito : JE S U S O N AZARENO , O R E I DOS a morte sobreviria, inevitavelmente,
JU D E U S . 20 M u itos dos ju d e u s , pois, le r a m vários dias depois, como decorrência da
e ste títu lo ; p o rq u e o lu g a r o nde J e s u s foi fome, da sede, da paralisia dos músculos
cru cificad o e r a pró x im o d a c id a d e ; e e s ta v a
e sc rito e m h e b ra ic o , la tim e g re g o . 21 D i e do colapso. O ritual era tão repulsivo
z iam e n tã o a P ila to s os p rin c ip a is s a c e r d o que Roma o reservava apenas aos escra
te s dos ju d e u s : N ão e s c r e v a s : O r e i dos vos e estrangeiros. Na Palestina, era
ju d e u s ; m a s q u e e le d is s e : Sou re i dos j u usado geralmente para castigar ladrões e
d eu s. 22 R esp o n d eu P ila to s : O que e sc re v i,
esc re v i.
subversivos. Por isso, quando crucifi
caram Jesus e com ele outros dois, todas
Como o propósito da crucificação era as aparências serviam para relembrar o
ridicularizar a vítima, era comum o poder de Roma. João não descreve os
condenado levar a parte transversal de outros dois (cf. Luc. 23:39-43), prefe
sua própria cruz, através de uma rota rindo concentrar sua atenção em Jesus,
conhecida, até o lugar da execução. Não no meio dos dois.
se menciona aqui o constrangido papel Como já indicado no verso 15, Pilatos
desempenhado por Simão, o cireneu estava interessado em vingar-se do atre
(Mar. 15:21 e referências paralelas), vimento dos judeus, que o coagiram a
possivelmente para enfatizar sua obra crucificar Jesus. Para coroar esta já
salvífica sem qualquer colaboração hu dantesca cena, ele colocou um título...
mana. Como Isaque, no passado (Gên. sobre a cruz, qtRTctizAa,: Jesus o Naza
22:6), ele carregou os elementos para o reno, o Rei dos Judeus. È, para aumen
seu próprio sacrifício. tar a vergonha ao insulto, Pilatos escre
O destino era um lugar próximo à veu esta inscrição em hebraico, latim e
cidade, isto é, fora de seu muro (cf. Heb. grego, para que todo mundo pudesse
13:12). Depois, somos informados de que conhecer o tipo de rei que os judeus
ficava anexo a um jardim (v. 41 e 42). tinham ultimamente conseguido. Todos
O nome para o lugar em hebraico era os protestos dos principais sacerdotes
Goigota, que significa caveira. A forma não persuadiram Pilatos a mudar o que
havia escrito. Para o evangelista, a ironia perigo mortal. Exatamente como no
disso tudo era que Pilatos inconsciente verso citado, o salmista clamou: “um
mente proclamou a autoridade universal ajuntamento de malfeitores me cerca;
de Jesus, que governa o mundo a partir traspassaram-me as mãos e os pés” (v.
de uma cruz. 16). Como o salmista ficasse tão magro
que podia contar seus ossos, os seus
2) A Repartição das Vestimentas de vizinhos e parentes o contemplavam e
Jesus (19:23,24) zombavam de suas palavras (v. 17),
23 T endo, pois, os so ld ad o s cru c ific a d o a
chegando mesmo a dividir seus pertences
Je s u s , to m a ra m a s s u a s v e ste s, e fiz e ra m pessoais entre si, antes de ele morrer
d e la q u a tro p a rte s , p a r a c a d a so ld ad o u m a (v. 18). Como isso aconteceu a Jesus, o
p a rte . T o m a ra m ta m b é m a t ú n i c a ; o ra , a sentimento de um claro desespero, por
tú n ic a n ã o tin h a c o stu ra , sendo to d a te c id a parte de um justo sofredor, diante de
de a lto a b aix o . 24 P e lo que d is s e ra m u n s a o s
o u tro s: N ão a ra s g u e m o s , m a s la n c e m o s seus atormentadores, encontrou aqui
so rte s so b re e la , p a r a v e r de q u e m s e r á sua expressão maior.
(p a r a q u e se c u m p riss e a e s c r itu r a q u e d iz:
R e p a rtira m e n tr e si a s m in h a s v e ste s, e É interessante notar que, no salmo, os
sobre a m in h a v e s tid u ra la n ç a ra m s o rte s ). dois versos sobre a distribuição das vestes
E , d e fato , os so ld ad o s a s s im fiz e ra m . e do sorteio, no hebraico, estão em
paralelismo e se referem a um só aconte
Numa crucificação, despia-se comple cimento, enquanto em João estes versos
tamente a vítima, o que contribuía para se referem a dois acontecimentos suces
aumentar a vergonha do acontecimento, sivos, nos versos 23 e 24a. (cf. uma
uma vez que se tornava incapaz de adaptação semelhante de Zacarias 9:9
controlar suas funções orgânicas, e para em Mateus 21:5-7). Embora possa refle
piorar sua tortura física como resultado tir uma compreensão inadequada da
de sua exposição aos elementos, ficar à poesia semítica, este uso do Velho Testa
mercê dos insetos. Seu vestuário era mento demonstra que o sentido original
considerado propriedade dos carrascos, das Escrituras foi alterado, para se ajus
neste caso um pelotão de quatro solda tar à realidade da história, em vez de
dos. Primeiramente, eles o dividiram em os fatos da história terem sido modifi
quatro partes, e cada um pegou uma, cados, para se ajustarem a alguma idéia
provavelmente o turbante, as sandálias, anterior das Escrituras. Em outras pa
a capa e o cinto. Sobrou a túnica, ou lavras, o cumprimento era maior que a
roupa de baixo, que não podia ser predição, e assim determinava seu uso.
dividida, por ser uma peça sem costura,
toda tecida de alto a baixo. Decidiu-se
não rasgá-la em quatro partes, mas sor 3) A Mãe de Jesus e o Discípulo Amado
teá-la, para que um do grupo a tivesse (19:25-27)
inteira.
25 E s ta v a m e m p é , ju n to à c ru z d e J e s u s ,
De uma perspectiva cristã, este com su a m ã e , e a ir m ã de s u a m ã e , e A laria,
portamento, um tanto insensível, foi m u lh e r de C lôpas, e M a ria M a d a le n a .
visto como cumprimento da Escritura 26 O ra, J e s u s , v endo a li s u a m ã e , e ao lad o
(Sal. 22:18). Este Salmo era uma das d e la o d iscíp u lo a q u e m e le a m a v a , d is se à
su a m ã e : M u lh e r, e is a í o te u filho. 27 E n tã o
passagens centrais da Bíblia, para os d isse a o d iscíp u lo : E is a í tu a m ã e . E d esd e
primeiros cristãos, quando se empenha a q u e la h o ra o discíp u lo a re c e b e u e m su a
ram em compreender a paixão de Jesus. c a sa .
Principiando pelo conhecido “Deus meu,
Deus meu, por que me desamparaste?” Dos Evangelhos, João é o que mais
(cf. Mar. 15:34), o salmo descreve o importância dá às mulheres em relação à
lamento de uma pessoa ao enfrentar um crucificação. Enquanto nos Sinópticos,
um grupo de mulheres é mencionado, ao (como em Marcos 3:33-35:10:30), e aqui
fim da narrativa, como estando a obser este ensino foi literalmente cumprido. 42
var “de longe” (Mar. 15:40,41 e refe
rências paralelas), aqui elas são sempre 4) A Morte de Jesus (19:28-30)
referidas, desde o início, como estando
junto à cruz de Jesus. Alguns problemas 38 D epois, sa b e n d o J e s u s q u e to d a s a s
de pontuação dificultam determinar co isas já e s ta v a m c o n su m a d a s, p a r a q u e se
quantas foram arroladas. Possivelmente, c u m p risse a E s c r itu r a , d is se : T enho sed e.
29 E s ta v a ali u m v aso cheio de v in a g re .
foram enumeradas quatro, talvez para P u s e ra m , p o is,n u m a c a n a de hissopo u m a
representar a contraparte fiel dos quatro e sp o n ja e n so p a d a de v in a g re , e lh a c h e g a
soldados mencionados no verso 23: ra m à b o ca . 30 E n tã o J e s u s , dep o is d e te r
(1) sua mãe, conhecida, fora deste Evan to m ad o o v in a g re , d is s e : E s tá c o n su m ad o .
gelho como Maria; (2) a irmã de sua E , in clin an d o a c a b e ç a , e n tre g o u o e sp irito .
mãe, desconhecida, a menos que seja
identificada com Salomé, a partir de Só depois de ter consumado toda a
Marcos 15:40 e Mateus 27:56 (o que obra para que foi enviado e de enfrentar
tomaria os filhos de Zebedeu primos, em a realidade de que a morte se aproxi
primeiro grau, de Jesus); (3) Maria, mu mava, Jesus pensou em si o bastante,
lher de Clôpas, que pode ter sido a mãe para dizer: Tenho sede. Isto refletia toda
de Tiago, o jovem, e de José, como em a sua dor, numa das conseqüências mais
Marcos 15:40; e (4) Maria Madalena, dramáticas da crucificação. No entanto,
referida aqui pela primeira vez, neste esta confissão não significava fraqueza,
Evangelho, mas destinada a participar mas visava cumprir a Escritura de Sal
apenas deste apoteótico capítulo (20: mos 69:21, que vislumbra a situação do
1-18). justo sofredor, que recebeu apenas vina
Estas mulheres entraram na narrativa gre para dessedentar sua sede. Não
para prover o cenário em que Jesus viu estranha que uma tijela cheia desse
sua mãe, e ao lado dela o discípulo a mesmo vinagre estivesse junto à cruz,
quem amava. Embora tivesse tomado, porque esta era uma bebida popular
com a crucificação, sobre si o cuidado entre os soldados. Desta porção, uma
do mundo, Jesus não estava menos preo espoi\ja ensopada lhe foi chegada à boca,
cupado em cuidar de sua mãe. No numa tentativa de mitigar sua sede. Não
mesmo espírito de preocupação que se sabe se a esponja foi levada aos seus
demonstrara para com a proteção de seus lábios sobre hissopo (hussõpos, no gre
discípulos (17:11,12; 18:8,9), ele não go), uma pequena planta usada em
permitiu que sua agonia pessoal o des relação à Páscoa (Êx. 12:22; cf. Heb.
viasse das tarefas práticas de filho. 9:19), ou sobre a espada (hussõi, no
Quanto à sua mãe (chamada aqui de grego). Esta obviamente funcionaria
mulher, como em 2:4), recomendou-a melhor para tal fim; semelhante inter
ao discípulo amado como seu filho (isto pretação, porém, exige uma alteração
é, como alguém que participaria de sua > conjectural da palavra grega encontrada
vida); com referência ao discípulo, apre em nossos melhores manuscritos. Em
sentou Maria, em seu novo papel, como qualquer caso, como esta bebida não
sua mãe. Desde aquela hora, este dis entorpecia (ver também Marcos 15:23
cípulo ideal aceitou a responsabilidade e Mateus 27:34), mas antes produzia um
sobre ele colocada, e a recebeu em sua efeito refrescante, Jesus logo a tomou.
casa, que devia ficar, por inferência, na
região de Jerusalém. Em outra circuns 42 Alguns comentários encontram um elaborado simbo
lismo nos versos 25*27. Veja E. C. Hoskyns, The Four*
tância, Jesus prometera que seus segui th Gospel, F.N. Davey, ed. (2d rev. ed.; London:
dores receberiam “ mães espirituais” Faber and Faber, 1947), p. 530.
Isto posto, os lábios que até há pouco Dois problemas foram criados, para os
estavam tão ressecados de sede que judeus, por ocasião da crucificação de
clamavam em agonia, agora exultaram Jesus. Primeiro, ela ocorreu na sexta-
em triunfo: Está consumado. Esta excla feira, o dia da Preparação para o sábado,
mação (tetelestai, no grego) deVe ter sido que começava ao pôr-do-sol. Depois,
ouvida pelos presentes como uma de como era o dia 14 de Nisã (cf. v. 14), este
monstração de resignação, num reco sábado seria também o grande dia por
nhecimento de que sua luta chegara ao coincidir eom a abertura do grande
fim. O leitor crente, no entanto, não festiyál pascoal de 15 de Nisã. Como
pode deixar de ouvir a afirmação de que Deuteronômio 21:22,23 prescrevera que
a época da redenção chegara ao seu uni cadáver não permaneceria “no ma
clímax, pelo que Jesus amara os seus deiro durante a noite, mas certamente”
“ até o fim” (13:1). A partir de então todo devia ser “ enterrado no mesmo dia” ,
homem podia esperar não com base urgia que esta determinação fosse obser
numa frustrada sensação de incomple- vada em tão solene circunstância. Por
tude, mas fundado na obra definitiva de isso, os judeus rogaram a Pilatos que se
Cristo. lhes quebrassem as pernas, uma forma
Depois de controlar sua paixão desde o costumeira de abreviar a morte durante a
princípio, Jesus agora voluntariamente longa provação da crucificação. É por
entregou o espírito, e morreu. Isto quer demais irônico supor que infligir seme
dizer simplesmente que fez retomar, lhante traum a a vítimas desesperadas
a força que animava sua vida física, ao “preparasse” alguém para uma melhor
Deus criador, que a nutrira (cf. Mar. celebração desse dia, destinado a recor
15:37). Entendem alguns, porém, haver dar a libertação de Israel da opressão
um sentido teológico mais profundo aí egípcia (cf. o comentário sobre 18:28).
contido, isto é, que, por sua morte, o Quando assim procederam em relação
Espírito Santo estava sendo “dado” ao primeiro e depois ao outro que com
(paredõken, no grego) aos seus segui ele fora crucificado, os soldados desco
dores (cf. 7:39). Isto parece estar em briram que Jesus já estava morto, pelo
oposição à doação explícita do Espírito que não lhe quebraram as pernas. Em
Santo à Igreja, a ser descrita em 20:22. lugar disso, um dos soldados lhe furou o
lado com uma lança, para se assegurar
5) O Testemunho do Sangue e da Ãgua de sua morte ou para participar de um
(19:31-37) último gesto de crueldade casual. A
31 O ra , os ju d e u s , co m o e r a a p r e p a r a ç ã o , lança produziu uma efusão de sangue
e p a r a q u e no sá b a d o n ã o fic a sse m os c o rp o s e água da cavidade abdominal, o que não
n a c ru z , po is e r a g ra n d e a q u e le d ia d e s á deixava dúvida de que o corpo realmente
b ad o , r o g a r a m a P ila to s q u e se lh e s q u e morrera. Embora a fixação deste fato
b ra s s e m a s p e rn a s , e fo sse m tira d o s d a li.
32 F o r a m e n tã o os so ld ad o s e , n a v e rd a d e , possa ter sido importante, na luta cristã
q u e b ra r a m a s p e rn a s a o p rim e iro e a o o u tro contra os gnósticos, que afirmavam o
q ue co m e le fo ra c ru c ific a d o ; 33 m a s , vindo contrário, o evangelho estava interessado
a J e s u s , e v end o q ue j á e s ta v a m o rto , n ão em esclarecer o seu verdadeiro sentido,
lhe q u e b ra r a m a s p e r n a s ; 34 co n tu d o , u m
dos so ld ad o s lh e fu ro u o lad o co m u m a la n
em duas outras direções.
ç a , e logo s a iu sa n g u e e á g u a . 35 E é q u e m Primeiramente, João destaca, com
v iu isto q u e d á te s te m u n h o , e o se u te s te m u ênfase, que a efusão de sangue e água foi
n ho é v e rd a d e iro ; e s a b e q u e diz a v e rd a d e , vista por aquele que testificara o seu
p a r a q u e ta m b é m vós c re ia is . 36 P o rq u e isto significado, com base num testemunho
a c o n te c e u p a r a q u e se c u m p riss e a E s c r itu
r a : N en h u m d o s se u s osso s s e r á q u e b ra d o . , que insistia ser verdadeiro, a fim de que
37 T a m b é m h á o u tr a E s c r itu r a q u e d i í r os leitores que pudessem receber sua
O lh arão p a r a a q u e le q u e tr a s p a s s à r a m . contribuição como uma parte de seu
Evangelho também cressem. Parece ine lado, a decisão de não quebrar as per
quívoco que esta testemunha não era nas de Jesus significava que, nesse sen
o autor final do Evangelho, uma vez que tido, ele se assemelhava tanto ao justo
todas as referências a ele aqui são na sofredor como aos cordeiros pascais, dos
terceira pessoa, o que significa que ele quais se disse que nenhum dos seus ossos
era uma fonte sobre a qual o livro foi será quebrado (cf. Êx. 12:46; Núm.
elaborado (cf. o comentário sobre 21: 9:12; Sal. 34:20). Por outro lado, o
24,25). Pode-se identificar, conjectural- lanceamento significava que os inimigos
mente, esta testemunha com o discípulo de Jesus estavam na mesma posição que
amado, seja por ter sido mencionado os jerosolimitanos do passado, que um
precisamente como estando “ ao lado dia olhariam para aquele a quem tras
dela” (v. 26), seja porque uma afirma passaram (Zac. 12:10) e chorariam por
ção semelhante ao verso 35 é repetida em seus líderes martirizados. O secular
21:24, onde o contexto une inapelavel- drama da rejeição chegara agora ao seu
mente os dois. O fato de o discípulo último ato.
amado ser o único capaz de perceber 6) O Sepultamento de Jesus (19:38-42)
o significado do sangue e da água destaca
a ênfase sobre sua sensibilidade, notada 38 D epois d isto , Jo s é d e A rim a té ia , que
e r a discípu lo d e J e s u s , e m b o ra o culto, p o r
em outros lugares no Evangelho (exem m edo dos ju d e u s , rog ou a P ila to s que lhe
plos: 20:8; 21:7). p e rm itiss e t i r a r o co rp o de J e s u s ; e P ila to s
O conteúdo de seu testemunho não é lho p e rm itiu . E n tã o foi e o tiro u . 39 E Nico-
registrado, porém. Por isso, somos leva d em o s, a q u e le q u e a n te rio rm e n te v ie r a te r
dos a inferir seu ímpeto essencial, tanto com J e s u s de n o ite, foi ta m b é m , lev an d o
c e rc a d e ce m lib ra s d u m a m is tu ra d e m i r r a
da pressuposição de que o evangelista o e alo és. 40 T o m a ra m , p o is, o co rp o d e J e s u s
aceitou de todo o coração como da e o e n v o lv e ra m e m p a n o s d e linho co m a s
enigmática passagem de I João 5:6-8. 43 e s p e c ia ria s , com o os ju d e u s c o stu m a m f a
Uma premissa básica deste Evangelho é z e r n a p re p a r a ç á o p a r a a se p u ltu ra . 41 No
lu g a r onde J e s u s foi cru c ific a d o h a v ia u m
que as realidades físicas podem se encar ja r d im , e n e sse ja r d im u m se p u lc ro novo,
nar, tomando, então, um sentido verda e m q u e n in g u é m a in d a h a v ia sido posto.
deiramente espiritual. Biologicamente, 42 Ali, pois, p o r s e r a v é s p e ra do sá b a d o dos
o corpo de Jesus pode ter jorrado sangue ju d e u s, e p o r e s t a r p e rto a q u e le se p u lc ro ,
e um líquido claro semelhante à água. p u se ra m a J e s u s .
O Evangelho, no entanto, sempre dá a Depois da morte de Jesus, um certo
estes termos um rico significado espiri José, da cidade de Árimatéia, localizada
tual, relacionando-os à vivificação e à nas colinas próximas a Jerusalém, soli
sustentação da vida eterna (exemplos: citou a Pilatos que lhe permitisse tirar o
2:7-9;3:5;4:14;6:53-56;7:38,39; 13:5-10). corpo de Jesus da cruz, para ser sepul
Desse modo, o sangue e a água reais que tado. Muito provavelmente, José era
saíram do Cristo crucificado simbolizam um líder de alguma proeminência, uma
que somente ele é a fonte dessas reali vez que tinha acesso direto ao governa
dades que redimem e nutrem todo aquele dor romano. Seu pedido obteve parecer
que crê. iavórável e seu colaborador, nessa em
Em segundo lugar, o trabalho dos preitada, foi Nicodemos, aquele que
soldados recebeu também um significado anteriormente viera ter com Jesus de
pelo fato de que uma vez mais as Escri noite (3:1,2). Os Sinópticos nos contam
turas tinham-se cumprido. Por um que, a exemplo de Nicodemos, José era
“um ilustre membro do sinédrio” (Mar.
43 Sobre a interpretação de 19:34, 35 e I João 5:6-8, em 15:43), que tentou evitar a condenação
conexão com a Ceia do Senhor, veja Oscar S. Brooks,
“The Johannine eucharist” , Journal of Biblical Litera* de Jesus (Luc. 23:51). João concorda com
ture, 82(1963), p. 293-300. Mateus 27:57, segundo o qual José era
um discípulo de Jesus, embora acres ficação de Jesus é apresentada, num
cente que o era ocultamente, por medo sentido histórico, como o ponto mais
dos judeus (cf. 12:42,43). Não está claro baixo da humilhação do Filho do Ho
se tal caracterização se aplica também a mem, por um lado, e, por outro, como o
Nicodemos. ponto mais alto de sua exaltação. De
Ao que parece, os dois eram ricos, a uma perspectiva humana, a cruz era uma
julgar, especialmente, tendo-se em vista indignidade absoluta; de uma perspec
a contribuição que fizeram para o sepul- tiva divina, porém, era o triunfo do amor
tamento de Jesus. José ofereceu um obediente. Embora aos inimigos de Jesus
sepulcro novo, que tinha (Mat. 27:60) isto fizesse parecer que ele morrera em
num jardim próximo ao lugar da cruci ignomínia e vergonha, mostra-se ao leitor
ficação. O fato de ninguém ter ainda que, na realidade, ele morrera como rei.
sido posto na tumba nessa rocha, a Este brilhante esclarecimento, pelo
tornou especialmente apropriada para evangelista, prepara-nos para compre
ser usada por Jesus, uma vez que a lei ender a ressurreição de Jesus não como
judaica proibia o sepultamento, de cri um reverso de uma tragédia evidente,
minosos executados, em túmulos familia mas como a confirmação de uma vitória
res. Nicodemos, foi também, de sua cabal (19:30). Não havia necessidade de
parte levando cerca de cem libras duma se magnificar a glória sobrenatural do
mistura de mirra e aloés. O uso dessas Senhor ressuscitado (como em Mat.
caras especiarias em tão grande quan 28:16-20), pois esta glória já se mani
tidade sugeria honras mortuárias pró festara de modo definitivo na cruz. Em
prias de um rei (cf. II Crôn. 16:14). João 20, Jesus se move silenciosamente,
A realeza de Jesus, vista através de sua quase reservadamente, por sua cidade.
paixão, foi reconhecida até na morte. Para ser mais preciso, ele agora trans
Os Sinópticos indicam que o corpo de cendera os limites do corpo físico e estava
Jesus foi envolvido numa mortalha de livre para ir e vir por entre portas fecha
linho (Mar. 15:46 e referências para das (20:19), mas nem por isso passou a
lelas), mas aqui se informa que os participar menos da existência terrena de
homens o envolveram em panos de linho seus discípulos. De qualquer modo, as
com as especiarias, ou seja, eles o envol aparições da ressurreição visavam de
veram com ataduras e perfumaram as monstrar a verdadeira humanidade do
dobras para combater os odores da de divino Jesus, do modo como as cenas da
composição. Como se estava seguindo as crucificação haviam demonstrado a ver
práticas judaicas de sepultamento, o dadeira divindade do humano Jesus
corpo foi deixado intato, não sendo nem (Veja Dodd, Interpretation, P, 439-442).
cremado (costume romano) nem embal
1. O Aparecimento a Maria Madalena
samado (costume egípcio). Com a unção
( 20 :1 - 18 )
do corpo de Jesus terminada antes de o
sábado começar, João não precisou lem A súbita proeminência de Maria Ma
brar que algumas mulheres foram ao dalena, neste ponto, representa uma
túmulo, depois do sábado, na esperança evolução surpreendente na narrativa
de prestar este gesto final de devoção joanina. Muito embora os Sinópticos a
(Mar. 16:1 e referências paralelas). apresentem antes (Luc. 8:2,3), em João
ela não é mencionada anteriormente,
exceto numa lista de mulheres junto à
Dl. Jesus Vive Para os Seus cruz (19:25). Agora, no entanto, ela é
Discípulos (20:1-31) destacada como primeira testemunha do
Alcançando o nível mais profundo do túmulo vazio (20:1-10) e como a primeira
paradoxo no Quarto Evangelho, a cruci pessoa a quem o Senhor ressurrecto
apareceu (20:11-18), em contraposição em que até mesmo os discípulos se
aos Sinópticos, onde ela dividiu estas encontravam estáticos, diante da angús
experiências com várias outras mulheres tia e do desespero. A história de Maria
(Mat. 28:1-10; Mar. 16:1-8; Luc. 24: Madalena acena para o fato de que as
1-11; a referência em Mar. 16:9 é de uma testemunhas mais humildes tornam-se
adição posterior que não integrava ori porta-vozes de esperança, num mundo
ginariamente este Evangelho). farto de decisões estúpidas, tomadas por
Há várias razões por que é surpre seus renomados líderes.
endente encontrar Maria desempe
nhando este papel crucial no clímax do 1) A Descoberta da Tumba Vazia (20:
Quarto Evangelho. No mundo judaico do 1 - 10 )
primeiro século, o testemunho de uma
1 No p rim e iro d ia d a s e m a n a , M a ria M a
mulher jamais era digno de crédito, d a le n a foi ao se p u lc ro d e m a d ru g a d a , sen d o
sendo considerado inferior ao de um a in d a e sc u ro , e viu q u e a p e d ra fo ra re m o
homem (cf. Luc. 24:11). De qualquer v id a do se p u lc ro . 2 C o rre u , p o is, e foi te r
modo, seriam necessários dois ou mais com S im ão P e d ro , e o o u tro d iscíp u lo , a
q u em J e s u s a m a v a , e d is se -lh e s: T ira r a m
testemunhos para que se estabelecesse do se p u lc ro o S en h o r, e n ão sa b e m o s onde
a autenticidade de tão incrível relato o p u s e ra m . 3 S a íra m e n tã o P e d ro e o o u tro
(cf. 5:31,32; Deut. 19:15; Mar. 14:55, discípulo e fo ra m a o se p u lc ro . 4 C o rria m os
56). O fato de Maria ser da Galiléia, dois ju n to s, m a s o o u tro d iscíp u lo c o rre u
mais precisamente de Magdala, uma m a is lig eiro do q u e P e d ro , e c h eg o u p r im e i
ro ao se p u lc ro ; 5 e, a b a ix a n d o -se , v iu os
cidade tão notoriamente pecaminosa que pan o s de linho a li d eix ad o s, to d a v ia , n ão
os rabinos depois atribuíram sua queda à e n tro u . 6 C hegou, p o is, S im ão P e d ro , que
licenciosidade, não fez aumentar a cre o se g u ia , e e n tro u no se p u lc ro e viu os p a n o s
dibilidade de seu testemunho em Jeru de linho a li d e ix ad o s, 7 e que o len ço , que
e s tiv e ra so b re a c a b e ç a d e J e s u s , n ão e s ta v a
salém. Para agravar, possivelmente, a com os p a n o s, m a s en ro la d o n u m lu g a r à
situação, havia ainda sua história de p a rte . 8 E n tã o e n tro u ta m b é m o o u tro d is c í
possessão por sete demônios (Luc. 8:2), pulo, q u e c h e g a ra p rim e iro ao se p u lc ro , e
uma enfermidade psicofísica de tal gra viu e c re u . 9 P o rq u e a in d a n ão e n te n d ia m a
vidade que, embora parecesse curada, E s c ritu ra , q u e e r a n e c e ss á rio q u e e le r e s
su rg isse d e n tre os m o rto s. 10 T o rn a ra m ,
sua saúde poderia ser questionada pelo p ois, os d iscíp u lo s p a r a c a s a .
emocionado relato de que vira um morto
viver novamente. Segundo João, Jesus morreu numa
Reunidas, estas considerações suge sexta-feira à tarde, 14 de Nisã, pouco
rem que as notícias mais espetaculares, antes do início do sábado, chamado de
na história espiritual da humanidade, “grande dia” (19:31), por coincidir com
foram confiadas primeiramente a alguém o começo do festival pascoal de 15 de
que, pelos padrões humanos, era quem Nisã. Para os seguidores de Jesus, po
menos gabarito tinha para proclamá-las. rém, esta observância do sábado dificil
Um contraste implícito pode ser inferido, mente se constituiu num dia de descanso
numa comparação com o capítulo ante ou alegria, pois seu corpo jazia na
rior, onde o poder estabelecido do ju tumba. Tão logo tornou-se lícito viajar
daísmo e o de Roma desdenhosamente no primeiro dia da semana, uma das
escarneceram de Jesus como “Filho de pessoas que tinham estado junto à cruz
Deus” (19:7) e “Rei dos Judeus” (19:19). (19:25), Maria Madalena, foi ao sepulcro
O que nem um sumo sacerdote nem um de madrugada, na manhã de domingo,
governador puderam entender, através quando estava ainda escuro (ou seja,
de sofisticados estratagemas de juris durante a quarta hora da noite, 3h às
prudência, Deus permitiu a uma só 6h da madrugada). Dos Sinópticos po
mulher descobrir, numa circunstância demos concluir que ela e outras mulhe
res não deviam saber que seu corpo fora turbante, como estivera sobre sua ca
ungido (19:40), pelo que foram prestar beça).
suas últimas homenagens ao corpo morto Esta descrição meticulosa do vestuário
(Mar. 16:1). tumular era, obviamente, de grande sig
Imagine-se a consternação de Maria nificado, pois indicava que Jesus res
quando viu que a pedra fora revolvida suscitara num “corpo espiritual” (I
do sepulcro. A pilhagem de sepulturas Cor. 15:44), que transcendia os limites
era algo bem comum na Palestina, onde da ordem natural, e, assim, superava
as tumbas ficavam acima do chão. Di todos os grilhões físicos. A singularidade
ante disso, um crime devia ser esperado, desta ressurreição contrasta vividamente
uma vez que Jesus foi sepultado num com a de Lázaro, que, ressuscitado
túmulo emprestado, de um rico doador. fisicamente, tinha, ao sair da tumba,
Parece que Maria temeu que alguém “ligados os pés e as mãos com faixas e o
(eles) — fossem vândalos desvairados ou seu rosto envolto num lenço” (veja o
os inimigos que arquitetaram sua morte comentário sobre 11:44). Aqui o con
— tivesse tirado seu corpo do sepulcro, teúdo da tumba de Jesus oferecia a
levando-o para um lugar desconhecido. primeira indicação de que a Páscoa não
Imediatamente, ela procurou pelo líder era um retorno à finitude da existência
dos discípulos, Simão Pedro e pelo discí terrena, mas uma ruptura em direção a
pulo... a quem Jesus amava, e lhes uma transformação definitiva.
relatou esta derradeira torpeza, perpe O discípulo amado, que parara antes
trada contra seu Mestre assassinado. diante do que vira no túmulo, agora
Não havia sequer um raio de esperança entrou também. Assim que viu a cena,
no relato de Maria. O fato de que a percebeu seu significado, e então creu no
tumba estivesse vazia soava-lhe como a Cristo ressurrecto que os fatos mostra
prova de uma tragédia final, e não de um vam. O evangelista acrescentou que sua
triunfo derradeiro. percepção não se baseou no que viu e
Diante desta inesperada evolução dos nem nas Escrituras. Posteriormente, a
acontecimentos, nada restava aos discí Igreja compreenderia a Escritura, que
pulos senão ir ao túmulo para verem o era necessário que ele ressurgisse dentre
fato com seus próprios olhos. Embora os os mortos (I Cor. 15:4), embora este
dois corressem, o outro discípulo (o profundo apreço pelo Velho Testamento
amado) ... chegou primeiro ao sepulcro, se fundasse na experiência de fé tornada
mas este, ao vislumbrar o que dentro realidade pelo próprio Cristo. Estamos,
havia, não entrou. Pedro, porém, que se pois, diante de outra convicção joanina,
detivera primeiro (seria por uma cons de que é a atualidade histórica da reve
ciência de culpa, por sua tríplice nega lação de Deus em Cristo que controla
ção?), permitiu que sua impetuosidade nossa compreensão das Escrituras,
superasse a precaução demonstrada por decorrendo, daí, que não é nossa com
seu companheiro diante do mistério preensão anterior da Bíblia que deter
final, e, então, entrou no sepulcro. Lá ele mina o modo de vermos Deus agir neste
viu os panos de linho nos quais o corpo mundo (cf. o comentário sobre 2:22;
de Jesus tinha sido enrolado (19:40) e 5:39,46;12:16;19:24).
o lenço que estivera sobre a cabeça de
Jesus. Estes panos não estavam em desa 2) A Descoberta do Senhor Ressuscitado
linho, como era de se esperar, se o corpo (20:11-18)
tivesse sido tocado; antes, a mortalha de
11 M a ria , p o ré m , e s ta v a e m p é , d ia n te do
linho jazia ali limpa, enquanto o pano da sep u lc ro , a c h o ra r . E n q u a n to c h o ra v a , a b a i-
cabeça encontrava-se num lugar à parte xou-se a o lh a r p a r a d e n tro do se p u lc ro ,
(isto é, continuava enrolado em forma de 12 e v iu d o is a n jo s v e stid o s d e b ra n c o s e n
tad o s onde ja z e r a o co rp o d e J e s u s , u m à corpo de Jesus estivera, entendeu ela que
c a b e c e ira , e o u tro a o s p é s. 13 £ p e rg u n ta
podiam saber do seu paradeiro.
ra m -lh e e le s : M u lh er, p o r que c h o ra s ? R e s
pondeu-lhes : P o r qu e ti r a r a m o m e u S en h o r, Como os anjos não respondessem,
e não sei onde o p u s e ra m . 14 Ao d iz e r isso , Maria voltou-se para trás, descobrindo
voltou-se p a r a tr á s , e v iu a J e s u s a li e m p é, que havia alguém em pé no jardim, atrás
m a s n ã o s a b ia q u e e r a J e s u s . 15 P e r g u n dela. Em meio ao lusco-fusco da madru
tou-lhe J e s u s : M u lh er, p o r q u e c h o ra s ? A
q u em p ro c u r a s ? E la , ju lg a n d o q u e fo sse o gada, com seus olhos cheios de lágrimas
ja rd in e iro , resp o n d e u -lh e : S en h o r, se tu o e sua mente dominada pela aflição, ela
le v a s te , d ize-m e onde o p u se s te , e e u o le não reconheceu quem era. Quando o
v a re i. 16D isse-lhe J e s u s : M a ria I E la , v tra n - estranho lhe perguntou: Mulher, por que
do-se, d isse-lh e e m h e b ra ic o : R a b o n il — que choras? A quem procuras? ela pensou
q u e r d iz e r, M e s tre . 17 D isse-lh e J e s u s : D ei
x a de m e to c a r , p o rq u e a in d a n ã o su b i ao que fosse o jardineiro. Repentinamente
P a i; m a s v a i a m e u s ir m ã o s e dize-lh es que lhe sobreveio uma nova explicação para o
eu subo p a r a m e u P a i e vosso P a i, m e u D eus desaparecimento de Jesus. Talvez o vigia
e vosso D eu s. 18 E foi M a ria M a d a le n a desaprovasse a presença de um cadáver
a n u n c ia r a o s d isc íp u lo s: Vi ao S en h o r! — e
que ele lh e d is s e ra e s ta s co isas.
de criminoso em seu jardim e, por isso, o
levara para outro lugar. Assim, assaltada
Depois que ouviram o desesperado re por estas duas perguntas, Maria deu
lato de Maria Madalena sobre o túmulo expansão a seu desejo maior: Senhor, se
vazio, Pedro e o discípulo amado se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu
puseram a investigar, deixando-a para o levarei. Novamente, Maria não parou
trás. Embora tivesse sido ela quem con para identificar Jesus (ele) ou para pon
tasse aos dois a sua descoberta, parece derar como poderia sozinha levar seu
que eles “tornaram... para casa” (v. 10) corpo. Este é um dos casos mais notáveis
sem ter a oportunidade de compartilhar de identificação falsa já relatados. Por
com ela o que tinham visto. Pressupondo procurar um corpo inerte, em vez de um
Maria que a tumba vazia significava a Senhor vivo, Maria confundiu o Salvador
prática de um gesto criminoso, nada com um servo!
mais natural para ela do que volver seus Bastou uma palavra para corrigir a
passos e montar guarda, chorando, di inacreditável confusão: Maria! Talvez
ante do sepulcro. Ao contrário do dis Jesus tenha falado no mesmo tom quan
cípulo amado, ela não aprendera a lição do expulsara dela os demônios e a
última da ceia: “Convém-vos que eu vá” chamara para um verdadeiro sentido de
(16:7). identidade (Luc. 8:2) ou quando contem
Na primeira passagem pelo jardim, era plara da cruz a fiel dedicação dela
“ainda escuro” , e ela vira apenas que “ a (19:25). De qualquer modo, ouvia agora
pedra fora removida” (v. 1). Agora, o Bom Pastor chamando sua ovelha pelo
talvez porque clareasse, olhou para den nome, como disse que faria (10:3). Num
tro do sepulcro. Lá, viu dois aqjos, ou instante, ela se convenceu da ressurrei
mensageiros divinos, trajados de branco, ção, não pelo olhar, mas pelo ouvir.
sentados onde jazera o corpo de Jesus, Perplexa, um grito saiu dos seus lábios:
um à cabeceira e outro aos pés. Quando Raboni, uma palavra hebraica para
lhe perguntaram pela razão de sua an mestre. Como uma forma aumentativa
gústia, Maria repetiu a preocupação há de “Rabi” , este termo era geralmente
pouco comunicada aos discípulos (v. 2), usado para Deus; por isso, deve ter sido
sem fazer, porém, qualquer esforço para uma confissão espontânea, equivalente à
identificar se o seu Senhor tinha saído de Tomé, no verso 28.
por si mesmo ou se aqueles dois tinham Coerente com tal reconhecimento,
removido seu corpo. Uma vez que os dois Maria prostrou-se de medo diante dele e
anjos estavam agora assentados onde o começou a segurá-lo, possivelmente
agarrando-se aos seus pés. Ao agir assim, anunciar aos discípulos. Ela não somente
ela cometeu o segundo grande erro. vira o Senhor, mas fora informada do
Primeiramente, ela confudira sua iden significado da ressurreição, tanto para
tidade, e agora falhava em não perceber Jesus quanto para seus seguidores.
sua divindade. Devido à sua fatigante
preocupação em localizar o corpo de 2. Os Aparecimentos aos Discípulos (20:
(19-31)
Jesus (v. 2,13,15), não compreendera que
sua exaltação transcenderia todos os Nas aparições aos seus discípulos, o
limites terrenos. Jesus corrigiu gentil Jesus ressuscitado começou a cumprir as
mente este equívoco, propondo-lhe algo promessas dos capítulos 13 a 17. Pelo
melhor para fazer: Não continues e me menos cinco referências logo despon
deter (haptou, no grego), porque ainda tam. 44 (1) “Voltarei a vós” (14:18) =
não subi ao Pai (isto é, afasta-te de mim “chegou Jesus, pôs-se no meio” (20:19a);
como uma presença física limitada, para (2) “Deixo-vos a paz, a minha paz vos
que possas receber-me em troca como dou” (14:27) = “e disse-lhes: Paz seja
uma presença espiritual universal); mas convosco” (20:19b); (3) “mas eu vos
vai aos meus irmãos (isto é, não me tomarei a ver, e alegrar-se-á o vosso
agarre egoisticamente, mas compartilha coração, e a vossa alegria ninguém vo-la
a realidade de minha ressurreição com os tirará (16:22) = “Alegraram-se, pois, os
outros). Até então os discípulos eram discípulos ao verem o Senhor” (20:20b);
chamados de “servos” (13:16) e de (4) “Assim como tu me enviaste ao
“amigos” (15:15), mas agora eram cha mundo, também eu os enviei ao mundo”
mados de irmãos, apesar do triste papel (17:18) = “Assim como o Pai me enviou,
que desempenharam na semana ante eu também vos envio a vós” (20:21);
rior! Quando Jesus foi preso, seu enco (5) “Se eu não for, o Consolador (o Espí
rajamento de nada valeu e eles se dis rito Santo) não virá a vós; mas se eu for,
persaram. Agora que estava subindo vo-lo enviarei” (16:7) = “Soprou sobre
(isto é, transcendendo o tempo e o eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito
espaço), poderiam ter um acesso igual e Santo” (20:22).
imediato ao seu poder. O propósito fundamental das apari
Uma prova clara do papel singular a ções era estabelecer a identidade e conti
ser desempenhado por Jesus após a nuidade do Jesus terreno com o Senhor
ressurreição é dada pela cuidadosa dis ressuscitado, ao mesmo tempo que defi
tinção feita, aqui, entre meu Pai e vosso nia as enormes diferenças que sobrevi
Pai... meu Deus e vosso Deus. As duas eram aos discípulos na passagem do
afirmações são feitas de modo harmô primeiro (Jesus terreno) para o segundo
nico. Primeiro, o relacionamento direto (Senhor ressurrecto). Basicamente, as
de Jesus com o Pai era fundamental aspirações pretendiam efetuar uma
mente diferente do seu relacionamento transição: do visto para o não visto, do
mediato com os discípulos. Podemos temporal para o eterno, do limitado para
dizer que Deus era o Pai de Jesus de fato o universal, do físico para o espiritual.
e Pai dos discípulos pela graça. Ao Nessa situação fronteiriça, a Igreja, isto
mesmo tempo, o fato de haver somente é, os crentes, também seriam transfor
um Pai significava que os discípulos mados: de medrosos a serenos, de espec
compartilhavam da vitória de Jesus. O tadores a testemunhas, de fracos a cheios
mesmo Deus que levantou Jesus dentre do Espírito, de vacilante a intimoratos.
os mortos e o habilitou para ascender os
vivificaria e os levaria a morar nos
44 A. M. Hunter, The Goepd According to John, "The
páramos celestes. Maria Madalena, pois, Cambridge Bible Commentary” (Cambridge: Univer
tinha uma mensagem maravilhosa para sity Press, 1965) p. 187 e 188.
1) O Aparecimento ao Grupo (20:19-23) nos do que aquele que fora o Jesus ter
reno, mas que eles estavam aprendendo a
19 C h e g a d a , p ois, a ta r d e , n a q u e le d ia , o viver com ele como numa presença espi
p rim e iro d a s e m a n a , e e sta n d o os d is c íp u
los reu n id o s co m a s p o rta s c e r r a d a s , p o r
ritual permanente.
m edo d o s ju d e u s , ch eg o u J e s u s , p ô s-se no Agora que não mais agia como o
m eio e d is s e -lh e s : P a z s e ja convosco. 20 D ito encarnado enviado ao mundo pelo Pai,
isto , m o stro u -lh e s a s m ã o s e o la d o . A leg ra- ele os enviava, numa espécie de conti
ra m -se , p ois, o s d iscíp u lo s a o v e re m o S e nuação viva de seu ministério terreno
n h o r. 21 D isse-lh es, e n tã o , J e s u s se g u n d a
v ez: P a z s e ja con v o sco ; a s s im com o o P a i (cf. 17:18). Até então, os discípulos
m e en v io u , ta m b é m e u v o s e n v io a vós. tinham sido concitados a amar uns aos
22 E , h a v e n d o d ito Isto, a ss o p ro u so b re e le s, outros como ele os amara (13:34;15:12);
e d isse -lh e s: R e ceb ei o E sp írito S an to . agora eram comissionados para serem
23 À queles a q u e m p e rd o a rd e s os p e c a d o s,
são-lhes p e rd o a d o s ; e a q u e le s a q u e m os
enviados aos outros, como ele fora envia
r e tiv e rd e s , são -lh es re tid o s. do a eles. Do mesmo modo como Jesus
iniciou seu ministério pela recepção do
O Quarto Evangelho repete constan Espírito Santo (1:32,33), ele agora
temente que um testemunho humano assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei
sobre o significado de Jesus é por fim o Espírito Santo. No poder do Espírito,
validado pelo próprio Jesus (cf. 1:41, Jesus exercitara o ministério da miseri
42,45,46; 3:29,30; 4:39-42; 10:40-42). córdia e do juízo (cf. 12:44-50); seme
Neste momento, tanto Maria Madalena lhantemente, os discípulos proclamavam
(20:18) como possivelmente, o discípulo sua palavra que joeira os homens para
amado (20:8) já tinham testemunhado da toda a eternidade: Àqueles a quem per
realidade da ressurreição; os discípulos, doardes os pecados, são-lhes perdoados;
porém, continuaram trancados, atrás e àqueles a quem os retiverdes, são-lhes
das portas, poi medo dos judeus. Nem o retidos (cf. Mat. 16:19,18:18).
relato de um túmulo vazio nem a confis Do mesmo modo como Deus soprou
são de uma aparição pessoal se mostra vida no pó, e assim criou o homem, aqui
convincente, pois, aquele podia ser atri o Filho de Deus assoprou o Espírito
buído aos depredadores de sepulturas, e Santo em seus discípulos, e assim criou
esta às alucinações. Não houve qualquer uma nova humanidade. Num sentido, os
mudança decisiva até que Jesus mesmo se versos 21 a 23 descrevem o equipamen
pusesse no meio deles, corroborando, to da Igreja (isto é, a renovação do povo
assim, com uma informação subjetiva de Deus) e o fortalecimento do seu
com experiência subjetiva. ministério. Tanto o escopo como a se
Evidentemente, este encontro se asse qüência dos acontecimentos aqui resu
melhava e se distinguia de seu último midos são por demais significativos.
encontro, no cenáculo. Nos dois casos, Primeiro, Cristo legou conforto (paz),
ele outorgara paz (cf. 16:33), mas desta baseado em sua conquista sobre o mal.
vez mostrou-lhes as mãos e o lado, como Antes, porém, que esta dádiva, vinda da
prova da vitória que torna a verdadeira mão cravejada, se diluísse numa alegria
paz uma possibilidade. Ele permanecia temporária, os confortados foram ime
sendo Jesus, um homem com um nome diatamente comissionados a ministrar
histórico, mas era também o Senhor, uma num mundo hostil. Não se lhes pediu
figura divina, digna de culto. Embora a que servissem pelo seu próprio poder,
congregação pudesse ver Aquele cujas uma vez que foram consagrados e capa
feridas continuavam visíveis, ele, no citados pelo Espírito Santo. Finalmente,
entanto, aparecia e desaparecia à von apenas estes, cheios com a presença de
tade. Estes fenômenos sugerem que eles Cristo, foram autorizados a decidir sobre
não encontraram nada mais nada me questões fundamentais da vida, minis
trando perdão e juízo. Estão aqui as d eles e d is se : P a z s e ja convosco. 27 D epois
visões centrais que determinam a com- disse a T o m é : C h eg a a q u i o te u dedo, e vê
a s m in h a s m ã o s ; c h e g a a tu a m ã o , e m e te -a
prensão joanina do que seja a Igreja. no m eu la d o ; e n ão m a is s e ja s in c réd u lo ,
Alguns suscitam um problema porque m a s c re n te . 28 R esp o n d eu -lh e T o m é : S enhor
nesta passagem se diz que o Espírito m eu , e D eu s m e u ! 29 D isse-lhe J e s u s : P o r
Santo foi dado na tarde do primeiro dia que m e v is te , c re s te ? B e m -a v e n tu ra d o s os
da semana (isto é, menos de 24 horas que n ão v ira m e c re r a m .
depois da ressurreição), enquanto em O evangelho de João é singular, ao
Atos 2:4 o Espírito Santo parece ter sido demonstrar um interesse especial por
outorgado no Pentecostes, cerca de 50 Tomé, um dos doze, chamado Dídimo
dias após a ressurreição. De fato, porém, (no grego, Didymus). Embora ele não
o Espírito Santo tinha sido uma reali seja destacado em nenhum outro lugar
dade no mundo desde o tempo da criação onde os apóstolos são citados (Mat.
(Gên. 1:2), mas a partir de agora sua 10:3; Mar. 3:18; Luc. 6:15; At. 1:13),
presença estaria inevitavelmente ligada no Quarto Evangelho seu caráter é clara
ao ministério de Jesus. João descreve a mente delineado em três passagens (11:
primeira infusão do Espírito no grupo de 16;14:5;20:25). Tomé era tremenda
discípulos, ao passo que Atòs retrata sua mente leal, mas um discípulo espiritual
vinda climática semanas depois na co mente obtuso e de mente fechada, que
munidade reunida e permeada pelo exigia provas tangíveis acerca de ver
poder da oração (At. 1:14). Neste estágio dades intangíveis. Seu papel como o
inicial, em João, a presença do Espírito primeiro empirista cristão se ilustra bem
não era suficientemente forte para iniciar aqui: Se eu não vir ... e não meter o
um ministério mundial; realmente, como dedo... de maneira nenhuma crerei.
a próxima seção indicará (20:24-29), Já se disse que o problema de Tomé
os discípulos não se convenciam nem a si não era nem o ceticismo nem o absen
mesmos de que tinham visto o Senhor teísmo: ele simplesmente não estava com
(v. 25)! Em Atos 2, entretanto, o que eles, quando veio Jesus. Uma realidade
começara como um “sopro” suave se fora revelada na vida coletiva dos discí
transformou num “som, como de um pulos, que eram incapazes de comunicar-
vento impetuoso” , impelindo os discí lhe numa base individual. Todavia, note-
pulos a um testemunho público, sem se que sua incapacidade de aceitar o
qualquer medo. Uma comparação dos testemunho deles não o excluía de sua
dois relatos sugere que todos os cristãos comunidade, pois no domingo seguinte
recebem o Espírito Santo (João 20:22). (oito dias depois segue uma prática
Mas nem todos cultivam este Espírito até antiga de se contar os dois domingos
receberem “eloqüência” para falar com seguidos) seus discípulos estavam outra
ousadia (At. 2:4). vez aii reunidos e Tomé com eles. Uma
vez mais, nesse ambiente de culto, em
2) O Aparecimento a Tomé (20:24-29) bora as portas estivessem cerradas, Jesus
pôs-se no meio deles e disse-lhes: Paz seja
24 O ra, T om é, u m dos doze, c h a m a d o Dí- convosco (cf. v. 19).
d im o, n ão e s ta v a com eles q u an d o veio J e Nessa ocasião, Jesus concentrou-se tão
sus. 25 D iziam -lhe, pois os o u tro s d is c íp u
lo s: V im os o S enhor. E le , p o ré m , lh es r e s completamente em Tomé, que a aparição
p o n d eu : Se eu n ã o v ir o sin a l dos c ra v o s n a s parecia uma visitação especial, feita
su a s m ã o s , e n ão m e te r o d edo no lu g a r exclusivamente em seu benfício. Foi
dos c ra v o s , e n ã o m e te r a m ã o no se u lad o , como se o Cristo exaltado, depois de
de m a n e ir a n e n h u m a c re r e i. 26 Oito d ia s
depois e s ta v a m os d iscípu lo s o u tr a v ez a li encerrado o processo de exaltação, ti
reu n id o s, e T om é com e le s. C hegou J e s u s , vesse voltado uma vez mais, para que
e stan d o a s p o rta s fe c h a d a s , p ô s-se no m eio nenhum deles se perdesse (cf. 17:12).
Durante o ínterim da semana, porém, antes, com aquele que unira o temporal
Jesus não estivera totalmente ausente de ao eterno, o humano ao divino, em sua
seu meio. Obviamente, ele ouvira o que própria pessoa. Ao confessar Jesus como
dissera Tomé, enunciado no verso 25, Senhor meu, e Deus meu! Tomé fez o
pois imediatamente se apresentou, para círculo da história evangélica alcançar o
que ele pudesse servir-se das condições ponto onde começara (1:1), com uma
auto-impostas para ter fé. Tomé devia ter diferença: agora até mesmo o mais em
cuidado com o que dissesse, pois os pedernido cético podia compreender o
muros entre os céus e a terra haviam sido que “no princípio” tinha sido um segre
desfeitos por Aquele que habita nos dois do cósmico.
reinos! A resposta de Jesus à confissão de
O oferecimento de Jesus, no verso 27, Tomé serviu para esclarecer a natureza
está num dramático contraste com seu da fé e o propósito deste Evangelho.
pedido no verso 17. Lá ele aconselhara Como membro da geração apostólica
à Maria Madalena que não o tocasse, original, Tomé creu porque vira Jesus.
enquanto aqui instrui Tomé a fazer As aparições da ressurreição, porém,
exatamente o oposto. 45 No primeiro chegaram, necessariamente, ao fim
caso, uma seguidora precisava aprender quando o evangelho chegou àqueles que
que a realidade de Jesus não era bem nunca tinham conhecido o Jesus encar
física (isto é, sua vida terrena transcen nado. Os gentios convertidos não tinham
dera na ressurreição), enquanto, no condições de reconhecer o Senhor res
último caso, outro discípulo necessitava suscitado, mesmo que ele lhes aparecesse
aprender que a realidade de Jesus não em forma física. Isto, porém, não os
era bem espiritual (isto é, o Senhor res colocava em desvantagem, num con
suscitado não era outro senão aquele que fronto com os primeiros seguidores de
vivera entre eles). Na harmonia formada Jesus. Ao contrário, os que não viram e
por estas duas passagens, o evangelho da creram eram tão bem-aventurados quan
ressurreição é protegido dos extremos do to Tomé que crera porque vira a Jesus.
historicismo e do gnosticismo. A fé não Ao mesmo tempo, não significa isso que
se pode fundamentar exclusivamente as últimas gerações de crentes não ti
sobre o tangível ou sobre o intangível. nham nada para “ver” e devessem acei
Ao contrário, ela surge no ponto onde a tar o cristianismo como uma religião
tensão entre os dois se desfaz e trans espiritual, sem qualquer ligação com a
cende (isto é, a fé percebe e engloba a história. A diferença é que os cristãos de
verdadeira continuidade entre o tempo e agora não viram no mesmo sentido que
a eternidade). Tomé viu. O conteúdo do que lhes será
Esta perspectiva explica por que não permitido “ver” será agora esclarecido,
somos informados se Tomé realmente quando o evangelista interpretar o sen
tocou Jesus naquela ocasião. Confron tido do seu Evangelho.
tado com Aquele que era tangível o
suficiente para deixar as marcas de sua 3) O Significado dos Sinais (20:30,31)
paixão e intangível o bastante para 30 J e s u s , n a v e rd a d e , o p e ro u n a p re s e n ç a
aparecer e desaparecer quando quisesse, d e se u s d iscíp u lo s a in d a m u ito s o u tro s s i
Tomé compreendeu que não estava tra n a is q u e n ão e stã o e s c rito s n e s te liv ro ;
tando com um homem terreno, que fora 31 e s te s , p o ré m , e s tã o e s c rito s p a r a q u e
seu Senhor e Mestre, e nem com um ser c re ia is q u e J e s u s é o C risto , o F ilh o d e D eu s,
e p a r a q u e, c re n d o , te n h a is v id a e m se u
espiritual, que agora era seu Deus, mas, nom e.
45 Thom as K. H earn, Jr., “ Reach H ither — Touch Me Este resumo pode ser lido como uma
Not” , Review and Expositor, 59(1962), p. 200-204. conclusão do “livro dos sinais” (capítulos
2 a 12), embora neste contexto funcione ao mesmo ponto de Tomé, que foi
claramente como um clímax para todo o conduzido por uma aparição do Senhor
Evangelho. A referência aos sinais que ressuscitado — isto é, a ele é mostrado
foram registrados sugere que a aparição um Jesus terreno e se lhe pede que afirme
a Tomé, há pouco lembrada (v. 24-29), ser este homem ao mesmo tempo o
foi considerada nessa categoria (isto é, Cristo, o Filho de Deus. Quando, pela fé
como um ponteiro visível, que indica em Jesus como humano e divino, alguém
para a realidade de Deus em Jesus, a entra no reino onde este mundo e o
fim de nutrir a fé). Muitos outros sinais mundo por vir se encontram, então,
que Jesus operou... na presença de seus em seu nome (isto é, na realidade do
discípulos não foram escritos neste livro, Deus-homem), este pode viver neste sé
uma vez que a fé parece basear-se apenas culo e ao mesmo tempo ter também a
na visão, por exemplo, das muitas his vida eterna do século por vir.
tórias maravilhosas dos Evangelhos
Apócrifos. De fato, apesar de aceitar que Conclusão (21:1-25)
a fé possa ser compelida pelo domínio Há muitas razões por que compre
dos sentidos ou que seja corrompida pelo ender-se o capítulo 21 como um apêndice
apelo aos sentidos, o Evangelista rela suplementar ao Evangelho de João, nos
cionou sinais suficientes para levar o estágios finais de elaboração. (1) O
leitor a “ver” Deus em ação na vida de clímax real do livro é alcançado em
Jesus, mas não em demasia, para que 20:30,31, tendo 21:1-25 o sentido de uma
não se transformassem em fim em si explicação posterior. (2) As muitas
mesmos, fazendo com que o leitor não aparições da ressurreição, em João 20,
veja, além deles, as realidades espirituais não parecem pressupostas em João 21, o
para as quais apontam. que sugere que os dois capítulos origina
Aqui temos a concepção mais pro riamente circularam de modo indepen
funda do Evangelista sobre sua própria dente. (3) Várias figuras de linguagem e
tarefa. A época do Jesus terreno passara. de estilo, no capítulo 21, indicam a pos
Não mais podia ser “visto” por seus sibilidade de um autor diferente do das
seguidores, em forma pré ou pós-res- seções bem semíticas dos capítulos 1 a
surreição. Como poderia, então, a Igreja 20. (4) As referências à autoria em
fincar as raízes de seu movimento em 21:24,25 tomam plausível a suposição de
formação na história singular de seu que este capítulo foi acrescentado pelo
Senhor? A resposta reside naquilo que editor final, que redigiu todo o Evan
foi escrito neste livro. Assim como as gelho, enquanto os capítulos anteriores
obras e as palavras de Jesus foram vistas se baseiam, como ele mesmo o admite,
como “sinais” (isto é, como preparação nas fontes matrizes.
para a fé), este livro foi escrito para Do conteúdo podemos concluir que a
comunicar estas mesmas obras e palavras adição do capítulo 21 ao esboço final
ao leitor de sua época, que se encontrava deste Evangelho serviu a vários propó
já numa enorme distância daquele pas sitos: (1) As aparições do Senhor ressus
sado, que não se repetiria mais, a fim de citado na Judéia e na Galiléia, separadas
que, a exemplo dos primeiros discípulos, nos Sinópticos, foram aproximadas.
também pudesse crer.46 O leitor que faz (2) A natureza do ministério da Igreja —
uso inspirado deste Evangelho é levado especialmente os papéis de Pedro e do
Emanuence Digital
e
Mazinho Rodrigues